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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 2 — Se para a remissão dos pecados veniais é necessária a infusão da graça.

O segundo discute-se assim. — Parece que para a remissão dos pecados veniais é necessá­ria a infusão da graça.
 
1. — Pois, não há efeito sem causa própria. Ora, a causa própria da remissão dos pecados é a graça, pois não é pelos nossos próprios mé­ritos que os pecados nos são perdoados. Donde o dizer o Apóstolo: Mas Deus, que é rico em misericórdia, pela sua extremada caridade com que nos amou, ainda quando estávamos mortos pelos pecados, nos deu vida juntamente em Cris­to, por cuja graça sois salvos. Logo os pecados veniais não se remi tem sem a infusão da graça.
 
2. Demais. — Os pecados veniais não se perdoam sem a penitência. Ora, pela penitência se infunde a graça, como pelos outros sa­cramentos da Lei Nova. Logo, os pecados ve­niais não se perdoam sem a infusão da graça.
 
3. Demais. — O pecado venial deixa uma certa mácula na alma. Ora a mácula não se apaga senão pela graça, que é a brilho espiri­tual da alma. Logo, parece que os pecados ve­niais não são perdoados sem a infusão da graça.
 
Mas, em contrário, o pecado venial sobreveniente não priva da graça nem a diminui, como estabelecemos na Segunda Parte. Logo, pela mesma razão, para ser perdoado o pecado venial não é necessária nova infusão da graça.
 
SOLUÇÃO. — Qualquer realidade fica destruída pela sua contrária. Ora, o pecado venial não é contrário à graça habitual ou à caridade; ape­nas lhe retarda o ato, por nos prendermos de­masiado aos bens criados, embora sem contra­riar a vontade de Deus, como estabelecemos na Segunda Parte. Por onde, para ser apagado o pecado, não é necessária nenhuma graça habi­tual; mas basta, para a sua remissão um certo movimento da graça ou da caridade. Mas nos que têm o uso do livre arbítrio, únicos susceptí­veis de pecado venial, não é possível a infusão da graça sem um movimento atual do livre ar­bítrio levando para Deus e fazendo abandonar o pecado. Por onde, sempre que uma nova gra­ça é infundida, ficam remetidos os pecados veniais.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Também a remissão dos pecados veniais é efeito da graça pelo ato elícito que ela de novo pro­duz; mas não por uma nova infusão na alma de alguma disposição habitual.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O pecado venial nunca é perdoado sem um certo ato da virtude de penitência, explícito ou implícito, como dis­semos. Mas esse pecado pode ser apagado sem o sacramento da penitência ministrado formal­mente pela absolvição do sacerdote, como disse­mos. Donde, pois não se segue que para a remissão do pecado venial seja necessária a in­fusão da graça, a qual, embora exista em cada sacramento, não existe contudo em qualquer ato virtuoso.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — No corpo pode ha­ver mancha, de dois modos — pela privação do que lhe exige o esplendor da beleza, por exemplo, da cor conveniente ou da devida proporção dos membros; ou pela aderência de um corpo estra­nho, como o lodo ou o pó, que lhe ofusca a be­leza. Assim também a alma pode ficar man­chada pela privação do esplendor da graça em virtude de um pecado mortal; ou pela inclina­ção desordenada do afeto para algum bem tem­poral, resultado do pecado venial. Donde, para apagar a mancha do pecado mortal é necessária a infusão da graça; mas para apagar a do pe­cado venial basta algum ato procedente da gra­ça que remova a adesão desordenada aos bens temporais.

Art. 1 — Se o pecado venial pode ser perdoado sem a penitência.

O primeiro discute-se assim. — Parece que o pecado venial pode ser perdoado sem a penitência.
 
1. — Pois, a verdadeira penitência exige, como se disse, que não só nos arrependamos do pecado passado, mas também formemos o pro­pósito de não mais pecar no futuro. Ora, sem esse propósito ficam perdoados os pecados ve­niais; pois é certo que não podemos viver neste mundo sem cometermos pecados veniais. Logo, os pecados veniais pedem ser perdoados sem penitência.
 
2. Demais. — Não há penitência sem a displicência atual dos pecados. Ora, os pecados veniais podem ser perdoados sem que nos causem nenhuma displicência; assim, quem, durante o sono, fosse morto por Cristo, entraria imediata­mente no céu; o que não lhe seria possível se per­manecesse em pecado venial. Logo, os pecados veniais podem ser perdoados sem penitência.
 
3. Demais. — Os pecados veniais se opõem ao fervor da caridade, como se disse na Segun­da Parte. Ora, um contrário destrói o outro. Logo, pelo fervor da caridade, que pode existir sem a displicência atual do pecado venial, se opera a remissão dos pecados veniais.
 
Mas, em contrário, Agostinho diz que há uma penitência quotidiana na Igreja pelos pe­cados veniais, a qual seria inútil se sem peni­tência pudessem eles ser perdoados.
 
SOLUÇÃO. — O perdão da culpa como dissemos, se opera pela união do homem com Deus de quem, de certo modo, ela o separa. Ora, essa separação é total pelo pecado mortal, e parcial pelo pecado venial. Pois, pelo pecado mortal a nossa alma se separa completamente de Deus, porque agimos contra a caridade; ao passo que o pecado venial retarda-nos o afeto, impedindo de aplicar-se prontamente a Deus. Por onde, ambos esses pecados podem ser perdoados pela penitência, pois por ambos a vontade se nos de­sordena pela imoderada conversão aos bens cria­dos. Pois, assim como o pecado mortal não pode ser remitido, enquanto a vontade adere ao pe­cado, assim também não o pode o pecado ve­nial, porquanto, permanecendo a causa, perma­nece o efeito. É necessária porém para a remissão do pecado mortal uma perfeita penitência, que nos leva a detestar atualmente o pecado mortal co­metido, o quanto podemos, isto é, aplicando estudo em rememorar cada pecado mortal cometido para detestarmos cada um de per si. Mas isto não é necessário para a remissão dos pecados veniais; não bastando contudo a displicência habitual que temos, pelo hábito da caridade ou da virtude da penitência. Porque então a ca­ridade não sofreria o pecado venial, o que é evidentemente falso. Donde resulta que é preciso uma certa displicência virtual; por exemplo, se o nosso afeto de modo nos leva para Deus e as coisas divinas, que nos desagrade e nos pese ter cometido tudo o que nos retarde o movimento para Deus, mesmo se nisso não pensemos atual­mente. O que porém não basta para a remissão do pecado mortal, senão quanto aos pecados es­quecidos depois de um exame diligente.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Constituídos em graça, podemos evitar todos os pecados mortais e cada um em particular; tam­bém podemos evitar cada pecado venial de per si, mas não todos como resulta do que dissemos na Segunda Parte. Por onde a penitência pelos pecados mortais requere do pecador o propósito de se abster de todos os pecados mortais e de cada um em particular. Mas para a penitência dos pecados veniais basta o propósito de se abster de cada um em particular, mas não de todos, o que não sofre a fraqueza da nossa vida mortal. Deve porém ter o propósito de prepa­rar-se para diminuir os pecados veniais; do con­trário correria o risco de regredir, por abando­nar o desejo de progredir ou de arredar os im­pedimentos ao avanço espiritual — que são pe­cados veniais.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O sofrimento aceito por amor de Cristo tem força de batismo, como dissemos. E por isso purifica de roda culpa ve­nial e mortal, salvo se a nossa vontade estiver atualmente presa ao pecado.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O fervor da carida­de virtualmente implica a displicência dos peca­dos veniais, como dissemos.

Questão 87: Da remissão dos pecados veniais.

Em seguida devemos tratar da remissão dos pecados veniais.
 
E nesta questão discutem-se quatro artigos:

Art. 6 — Se a remissão da culpa é efeito da penitência como virtude.

O sexto discute-se assim. — Parece que a remissão da culpa não é efeito da penitência como virtude.
 
1. — Pois, a penitência é considerada virtu­de, enquanto princípio de atos humanos. Ora, os atos humanos não produzem a remissão da culpa, que é efeito da graça operante. Logo, a remissão da culpa não é efeito da penitência; enquanto virtude.
 
2. Demais. — Há certas outras virtudes mais excelentes que a penitência. Ora, a remis­são da culpa não é considerada efeito de nenhu­ma outra virtude. Logo, também não é efeito da penitência, como virtude.
 
3. Demais. — A remissão da culpa não pro­cede senão da virtude da paixão de Cristo, se­gundo aquilo do Apóstolo: Sem efusão de san­gue não há remissão. Ora, a penitência, en­quanto sacramento, obra em virtude da paixão de Cristo, assim como os outros sacramentos, conforme do sobredito se colige. Logo, a remis­são da culpa não é efeito da penitência como virtude, mas enquanto sacramento.
 
Mas, em contrário. — Aquilo é propriamente causa de um efeito, sem o qual este não pode existir; pois, todo efeito depende da sua causa. Ora, a remissão da culpa Deus pode dá-Ia sem o sacramento da penitência; mas não, sem a penitência enquanto virtude, como se disse. Por isso, antes dos sacramentos da Lei Nova, Deus perdoava os pecados aos penitentes. Logo, a re­missão da culpa não é efeito da penitência, como virtude.
 
SOLUÇÃO. — A penitência é virtude enquan­to princípio de certos atos humanos. Ora, os atos humanos praticados por um pecador, como tal, constituem a matéria do sacramento da penitência. Mas, todos os sacramentos produzem o seu efeito, não só em virtude da forma, mas também em virtude da matéria; pois, de ambas se constitui a unidade do sacramento, como es­tabelecemos. Por onde, assim como a remissão da culpa se dá no batismo, não só em virtude da forma, mas também em virtude da matéria a saber, da água; mas mais principalmente em virtude da forma, da qual a própria água tira a sua virtude, assim também a remissão da culpa é efeito da penitência. Mais principal­mente porém por virtude das chaves, a qual os ministros têm, donde deriva o que este sacramento tem de formal, como dissemos. Secun­dariamente porém, o formal do sacramento de­riva dos atos do penitente concernentes à vir­tude da penitência, mas enquanto esses atos de certo modo se ordenam às chaves da Igreja. Por onde é claro, que a remissão da culpa é efeito da penitência enquanto virtude; mas mais prin­cipalmente, enquanto é sacramento.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O efeito da graça operante é a justificação do ímpio, como dissemos na Segunda Parte. E essa justificação implica conforme mostramos no mesmo lugar, não só a infusão da graça e a remissão da culpa, como também o movimento do livre arbítrio, que de um lado, nos leva para Deus, um ato de fé formada, e de outro, nos afasta do pecado, por um ato de penitência. Mas esses atos humanos são aí como efeitos da graça operante, produzidos simultaneamente com a remissão da culpa. Por onde, a remissão da culpa não se opera sem o ato da virtude da penitência; embora seja efeito da graça ope­rante.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A justificação do ím­pio implica, não só um ato de penitência, mas também um ato de fé como dissemos. Por onde, a remissão da culpa não é considerada como efeito só da virtude da penitência, mas mais principalmente, da fé e da caridade.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A paixão de Cristo se ordena o ato da virtude da penitência, tanto pela fé como pela sua subordinação ao poder das chaves, que tem a Igreja. Por onde, de um e outro modo causa a remissão da culpa em vir­tude da paixão de Cristo.
 
Quanto ao objetado em contrário, respondemos, que o ato da virtude da penitência tem um caráter de necessidade tal, que sem ela não pode haver remissão da culpa, enquanto esta é um efeito inseparável da graça, pela qual prin­cipalmente a culpa é perdoada e que opera tam­bém em todos os sacramentos. E por isso daí se não pode concluir, que a graça é causa da· re­missão da culpa, mais principal que o sacramento da penitência. Mas devemos saber, que mesmo na vigência da Lei Velha e na da natu­reza, havia de certo modo o sacramento da pe­nitência, como dissemos.

Art. 5 — Se, perdoada a culpa mortal, são delidos todos os resquícios do pecado.

O quinto discute-se assim. — Parece que, perdoada a culpa mortal, são delidos todos os resquícios do pecado.
 
1. — Pois, diz Agostinho: Nunca o Senhor curou ninguém, que não o livrasse totalmente; assim curou totalmente um homem no sábado, curando-lhe ao mesmo passo e totalmente o corpo de toda doença e a alma de todo contágio do mal. Ora, os resquícios do pecado resultam da nossa inclinação para ele. Logo, não parece possível que, perdoada a culpa, permaneçam tais resquícios.
 
2. Demais. — Segundo Dionísio, o bem é mais eficaz que o mal, porque o mal não atua senão em virtude do bem. Ora, pecando caímos totalmente na miséria do pecado. Logo, com maior razão, fazendo penitência, ficamos tam­bém purificados de todos os resquícios do pecado.
 
3. Demais. — As obras de Deus são mais eficazes que as dos homens. Ora, pela prática de atos bons se nos desaparecem os restos do pecado contrário. Logo, com maior razão desa­parecem pela remissão da culpa, que é obra de Deus.
 
Mas, em contrário, lemos no Evangelho que o cego a quem o Senhor restituiu a vista, recuperou primeiro uma vista imperfeita e por isso disse: Vejo os homens como árvores que andam. Depois foi-lhe restituída a vista completa, de sorte que via distintamente todos os objetos. Ora, a iluminação do cego significa a libertação do pecador. Logo, depois da primeira remissão da culpa, pela qual lhe é restituída a vista espi­ritual, ainda permanecem nele certos resquícios do pecado passado.
 
SOLUÇÃO. — O pecado mortal, pela conversão desordenada a um bem mutável, que implica, causa uma certa disposição na alma; ou mesmo um hábito, se os atos forem repetidos muitas vezes. Ora, como dissemos, a culpa do pecado mortal é perdoada, enquanto a graça faz desa­parecer da alma a sua aversão de Deus. E desa­parecido o concernente à aversão, pode contudo, ainda permanecer o concernente à conversão desordenada, porque esta pode existir sem aquela, como dissemos. Por onde, nada impede que, perdoada a culpa, permaneçam as disposições causadas pelos atos precedentes, que se cha­mam resquícios do pecado. Mas permanecem enfraquecidas e diminuídas, de modo que não nos dominam. E isso, antes, a modo de dispo­sições, que a modo de hábitos; assim como tam­bem permanece a concupiscência depois do batismo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Deus quando cura o homem, fá-lo total e perfeitamente. Mas às vezes o faz de súbito, como quando restituiu imediatamente à sogra de Pe­dro a sua perfeita saúde, de modo que ela, le­vantando-se logo, se pôs a servi-los, como lemos, no Evangelho. Mas outras vezes o faz sucessi­vamente, como no caso referido, do cego iluminado. E ainda outras vezes, converte espiritual­mente e com tanta comoção o coração humano, que o convertido de súbito alcança a perfeita saúde espiritual, não só com o perdão da culpa, mas com a disparição de todos os resquícios do pecado, como foi o caso da Madalena. Outras vezes enfim, primeiro perdoa a culpa pela graça operante; e depois, pela graça cooperante, elimina sucessivamente os resquícios do pecado.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O pecado, às vezes, produz logo uma fraca disposição, quando esta é causada por um só ato; outras vezes, uma disposição mais forte, quando esta é causada por muitos atos.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Um só ato humano não faz desaparecer todos os resquícios do pe­cado; pois, como diz Aristóteles, o homem de­pravado, conduzido a melhores práticas, come­çará aproveitando um pouco até tornar-se me­lhor. Mas, com o exercício multiplicado, chegará a ser bom, pela virtude adquirida. Ora, isso muito mais eficazmente o produz a divina gra­ça, acompanhada de um só ou de vários atos.

Art. 4 — Se, perdoada a culpa pela penitência permanece o reato da pena.

O quarto discute-se assim. — Parece que perdoada a culpa pela penitência, não permanece o reato da pena.
 
1. — Pois, removida a causa, removido fica o efeito. Ora, a culpa é a causa do reato da pena; pois, somos dignos da pena, porque come­temos a culpa. Logo, perdoada a culpa, não pode permanecer o reato da pena.
 
2. Demais. — Como diz o Apóstolo, o dom de Cristo é mais eficaz que o pecado. Ora, pecando, incorremos simultaneamente na culpa e no reato da pena. Logo e com maior razão, o dom da graça perdoa simultânea mente a culpa e dele o reato da pena.
 
3. Demais. — O perdão dos pecados se dá, na penitência, pela virtude da paixão, segundo aquilo do Apóstolo: Ao qual propôs Deus para ser vítima de propiciação pela fé no seu sangue, pela remissão dos delitos passados. Ora, a pai­xão de Cristo é suficientemente satisfatória por todos os pecados, como se disse. Logo, depois da remissão da culpa, não permanece nenhum reato da pena.
 
Mas, em contrário, a Escritura refere que, tendo Davi penitente dito a Natan - Pequei contra o Senhor, respondeu-lhe Natan: Também o Senhor transferiu o teu pecado - não morrerás; todavia morrerá certamente o filho que te nasceu. O que foi pena de um pecado precedente, como no mesmo lugar se diz. Logo, perdoada a culpa, permanece o reato de uma certa pena.
 
SOLUÇÃO. — Como estabelecemos na Segun­da Parte, dois elementos constituem o pecado mortal - a aversão do bem incomutável e a conversão desordenada para um bem mutável. Ora, da parte da aversão do bem incomutável, resulta para o pecado mortal o reato da pena eterna, que requere seja eternamente punido quem pecou contra o bem eterno. Da parte da conversão para o bem mutável, enquanto desor­denada, resulta para o pecado mortal o reato de alguma pena; porque a desordem da culpa não se reduz à ordem da justiça senão pela pena. Pois é justo que quem concedeu à sua vontade mais do que devia, sofra alguma pena contra a vontade; assim haverá igualdade. Don­de o dizer a Escritura: Quanto se tem glorificado e vivido em deleites, tanto lhe dai de tor­mento e pranto. Mas como a conversão ao bem comutável é finita, não é devida, por ai, ao pe­cado mortal uma pena eterna. Por onde, se a conversão desordenada para o bem mutável não for acompanhada da a versão de Deus, como se dá no caso dos pecados veniais, não é devida ao pecado uma pena eterna, mas só temporal. ­Quando, pois, pela graça se perdoa a culpa, de­saparece a versão de Deus, que tinha a alma, pois, pela graça ela se une com Deus. Portanto e conseqüentemente, fica simultaneamente eli­minado o reato da pena eterna. Mas pode per­manecer o reato de uma pena temporal.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A culpa mortal implica ao mesmo tempo a aver­são de Deus e a conversão a um bem criado. Ora, como estabelecemos na Segunda Parte, a aversão de Deus é como o elemento formal des­sa culpa; e a conversão ao bem criado, como o elemento material. Ora, removido de um ser o seu elemento formal, desaparece-lhe a espécie; assim, removido o racional, desaparece a espécie humana. Por onde, dizemos que é perdoada uma culpa mortal, por isso mesmo que a graça elimina a aversão que tem a alma de Deus, si­multaneamente com o reato da pena eterna. Mas permanece o elemento material, isto é, a con­versão desordenada para o bem criado, a que responde o reato da pena temporal.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como estabelecemos na Segunda Parte, é próprio da graça agir em nós para nos justificar do pecado e cooperar co­nosco para agirmos retamente. Por onde, é a graça operante que nos perdoa a culpa e o reato da pena eterna. Mas é a graça cooperante que nos perdoa o reato da pena temporal, enquanto que, sofrendo as penas pacientemente, com o auxilio da divina graça, somos absolvidos tam­bém do reato da pena temporal. Assim pois, o efeito da graça operante é anterior ao da graça cooperante; e por isso também a remissão da culpa e da pena eterna é anterior à plena absol­vição da pena temporal. É verdade que ambas são efeitos da graça, mas a primeira vem só da graça, ao passo que a segunda, da graça e do livre arbítrio.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A paixão de Cristo é por si mesma suficiente para delir totalmente o reato da pena, não só eterna, mas ainda tem­poral. E, segundo o modo por que participamos da virtude da paixão de Cristo, recebemos tam­bém a absolvição do reato da pena. Ora, no batismo participamos totalmente da virtude da paixão de Cristo, pois pela água e pelo Espírito morremos com Cristo para o pecado e renasce­mos para uma vida nova. Por isso, no batismo alcançamos a remissão total do reato da pena. Mas na penitência participamos da paixão de Cristo ao modo dos nossos atos próprios e que são a matéria desse sacramento, como a água é a matéria do batismo, conforme dissemos. E por isso não ficamos absolvidos totalmente do reato da pena, logo depois do primeiro ato de penitência; pelo qual somos perdoados da culpa, mas só depois de completos todos os atos de penitência.

Art. 3 — Se pela penitência pode ser perdoado um pecado sem o serem os outros.

O terceiro discute-se assim. — Parece que pela penitência um pecado pode ser perdoado sem o serem os outros.
 
1. — Pois, diz a Escritura: fiz que chovesse sobre uma cidade e sobre outra cidade não cho­vesse; uma parte ficou regada com a chuva, e outra parte, sobre a qual não dei chuva, secou-se. Expondo o que, diz Gregório: Quando aquele que odeia o próximo se corrige dos outros vícios, uma só e mesma cidade é em parte regada com a chuva e outra parte seca-se; pois, há pecadores que, vencendo certos vícios, continuam a cometer pecados graves. Logo, pode um pecado ser perdoado pela penitência, sem o serem os outros.
 
2. Demais. — Ambrósio diz: A primeira consolação é que Deus não esquece de fazer mi­sericórdia; a segunda é a punição, quando na falta de fé, essa punição mesma serve de satis­fação e de emenda. Logo, podemos nos emen­dar de um pecado, permanecendo no pecado de infidelidade.
 
3. Demais. — De coisas que de necessidade não existem simultaneamente, uma pode ser eli­minada sem que a outra o seja. Ora, os peca­dos, como se estabeleceu na segunda Parte, não são conexos; e portanto um pode existir sem os outros. Logo, também um deles pode ser per­doado pela penitência, sem que o sejam os outros.
 
4. Demais. — Os pecados são dívidas que pedimos sejam perdoadas, quando rezamos na Oração Dominical: Perdoai-nos as nossas dívi­das. Ora, às vezes perdoamos uma dívida sem perdoarmos outra. Logo, também Deus pode perdoar, pela penitência, um pecado, sem per­doar os outros.
 
5. Demais. — Pelo amor de Deus são perdoados os nossos pecados, segundo aquilo da Es­critura: Com amor eterno te amei; por isso, compadecido de ti, te atraí a mim. Ora, nada impede que Deus nos ame por um lado, e con­tinue ofendido por outro. Assim, ama o peca­dor na sua natureza, mas o odeia pela culpa. Logo, parece que Deus pode, pela penitência, perdoar-nos um pecado, sem perdoar os outros.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho: Há muitos que se arrependem de ter pecado, mas não com­pletamente, reservando-se certos pecados com os quais se comprazem. E não notam que o Se­nhor livrou do demônio possesso, curando-lhe ao mesmo tempo a surdez e a mudez, ensinando-­nos por aí que só podemos ser curados de todos os pecados ao mesmo tempo.
 
SOLUÇÃO. — É impossível ser perdoado, pela penitência, um pecado, sem o serem os outros. — Primeiro, porque o ser o pecado perdoado consiste em ser perdoada a ofensa a Deus, pela graça. Por isso estabelecemos na Segunda Par­te, que nenhum pecado pode ser perdoado sem a graça. Ora, todo pecado mortal contraria a graça e a exclui. Por onde, é impossível um pecado ser perdoado sem que o sejam os outros. — segundo, porque, como já dissemos o pecado mortal não pode ser perdoado sem verdadeira penitência, e esta requere que abandonemos o pecado, por ser contra Deus — o que é comum a todos os pecados mortais. Ora, o mesmo prin­cípio de ação produz o mesmo efeito. Por onde, não pode ser verdadeiro penitente quem se arrepende de um pecado, e não dos outros. Pois, se lhe repugnassem os outros, por serem contra Deus, amável sobre todas as coisas — e isso o requer a verdadeira penitência pela sua natu­reza mesma — necessariamente havia de arre­pender-se de todos. Donde se segue a impossi­bilidade de ser um pecado perdoado, sem que o sejam os outros. — Terceiro, porque encontraria a perfeição da misericórdia de Deus, cujas obras são perfeitas, na frase da Escritura. Por isso, de quem tem misericórdia a tem de maneira total. E tal é o que diz Agostinho: É de certo modo impiedade de infiel esperar meio perdão daquele que é a justiça.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Essas palavras de Gregório não devem entender-­se como referentes à remissão da culpa, mas quanto à cessação do ato. Porque às vezes quem estava acostumado a cometer muitos pe­cados deixa um, mas não os outros. Isso certa­mente o faz por auxílio divino, o qual contudo, não chega até a remissão da culpa.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Essas palavras de Ambrósio não podem significar a fé pela qual cremos em Cristo. Pois, comentando aquilo do Evangelho — Se eu não viera e não lhes tivesse falado, não teriam eles o pecado, isto é, de infide­lidade — diz Agostinho: Esse é o pecado que faz serem retidos todos os outros. Mas é a fé aí tomada pela consciência, porque às vezes, pelas penas sofridas pacientemente, conseguimos a remissão dos pecados de que não temos consciência.  
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Os pecados, embora não conexos quanto à conversão para os bens transitórios, são-no contudo quanto à aversão do bem incomutável, no que convêm todos os pe­cados mortais. E por aí têm a natureza de ofensa, que deve ser delida pela penitência.
 
RESPOSTA À QUARTA. — A dívida de uma coisa externa, por exemplo, de dinheiro, não contraria a amizade, que perdoa as dívidas. Por onde, pode uma ser perdoada, sem o serem as outras. Mas, a dívida da culpa contraria a amizade. Por isso não pode uma culpa ser perdoada sem que o sejam as outras. Pois, mesmo entre os ho­mens, seria ridículo quem pedisse perdão de uma ofensa, mas não de outra.
 
RESPOSTA À QUINTA. — O amor com que Deus ama a natureza humana não se ordena ao bem da glória, da qual ficamos impedidos por qual­quer pecado. Mas o amor da graça, pelo qual se faz a remissão do pecado mortal, ordena-nos para a vida eterna, segundo aquilo do Apóstolo: A graça de Deus é a vida eterna. Por onde, não há semelhança de razões.

Art. 2 — Se o pecado pode ser perdoado sem a penitência.

O segundo discute-se assim. — Parece que o pecado pode ser perdoado sem a penitência.
 
1. — Pois, o poder de Deus sobre os adultos não é menor que sobre as crianças. Ora, às crianças se lhes perdoam os pecados sem a pe­nitência. Logo, também aos adultos.
 
2. Demais. — Deus não ligou o seu poder aos sacramentos. Ora, a penitência é um sacramento. Logo pelo poder divino podem os pe­cados ser perdoados sem a penitência.
 
3. Demais. — Maior é a misericórdia de Deus que a do homem. Ora, por vezes um ho­mem perdoa a ofensa recebida de outrem, mes­mo que este se não penitencie dela. Pois, o próprio Senhor manda: Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos têm ódio. Logo, com maior razão, Deus pode perdoar as ofensas, sem que os seus ofensores se penitenciem delas.
 
Mas, em contrário, o Senhor diz: Se aquela gente se arrepender do seu mal, também eu me arrependerei do mal que tenho pensado fazer contra ela. E assim, ao contrário, parece que, se não fizermos penitência, Deus não nos per­doará os pecados.
 
SOLUÇÃO. — É impossível o pecado atual mortal ser perdoado sem a penitência, tratando-se da penitência como virtude. Pois, sendo o pecado uma ofensa a Deus, do mesmo modo Deus perdoa o pecado, pelo qual perdoa a ofen­sa contra si cometida. Ora, a ofensa opõe-se diretamente à graça; pois, dizemos que uma pessoa ofendeu a outra pela repelir a esta da sua graça. Mas, como dissemos na Segunda Parte, entre a graça de Deus e a dos homens há a diferença seguinte: Ao passo que a graça dos homens não causa, mas pressupõe a bondade, verdadeira ou aparente, na pessoa grata, a gra­ça de Deus causa a bondade no homem grato, porque a boa vontade de Deus, significada pela denominação de graça, é a causa do bem criado. Por isso pode dar-se que perdoemos a ofensa feita contra nós, sem nenhuma mudança da nossa vontade; mas não é possível Deus perdoar a ofensa feita por uma pessoa sem que haja mudança na vontade desta. Ora, a ofensa do pecado mortal procede da aversão da nossa von­tade, de Deus, e da conversão aos bens efême­ros. Por isso é necessário, para repararmos a ofensa feita contra Deus, a nossa vontade mu­dar-se de modo a converter-se para Deus e de­testar a conversão supra-referida, com o propó­sito de emenda. O que constitui a penitência como virtude. Por onde, é impossível o pecado de alguém ser perdoado sem a penitência, como virtude. O sacramento da penitência porém, como dissemos, se perfaz pela mediação do sacerdote que liga e absolve, sem o qual pode Deus per­doar os pecados, como Cristo, perdoou à mulher adúltera e à pecadora, como lemos nos Evange­lhos. As quais porém não perdoou os pecados, sem a virtude da penitência; pois, como diz Gre­gório, pela graça atraiu interiormente à peni­tência a pecadora que, por misericórdia acolhia exteriormente.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­As crianças são contaminadas apenas pelo peca­do original, que não consiste numa desordem atual da vontade, mas numa certa desordem habitual da natureza, como dissemos na Segun­da Parte. Por isso é-lhes perdoado o pecado, bastando a mudança da disposição habitual delas, pela infusão da graça e das virtudes, sem necessidade da mudança da inclinação atual. Mas ao adulto, sujeito de pecados atuais, con­sistentes numa desordem atual da vontade, não se lhe perdoam os pecados, mesmo na batismo, sem uma atual mudança da vontade, o que é obra da penitência.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A objeção procede, considerada a penitência como sacramento.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A misericórdia de Deus tem maior poder que a dos homens, por mudar a vontade humana, levando-nos a fazer penitência; o que a misericórdia do homem não pode fazer.

Art. 1 — Se a penitência apaga todos os pecados.

 

O primeiro discute-se assim. — Parece que a penitência não apaga todos os pecados.
 
1. — Pois, diz o Apóstolo, que Esaú não achou lugar de arrependimento, ainda que o solicitou com lágrimas. Ao que diz a Glosa: i. é não achou lugar de perdão e de bênção, mediante a penitência. E a Escritura diz de An­tíoco: Este malvado orava a Deus, do qual não havia de conseguir misericórdia. Logo, parece que não se apagam todos os pecados.
 
2. Demais. — Agostinho diz: Tão grande é a mácula desse pecado - isto é, depois de ter um conhecido a Deus pela graça, atacar a fraterni­dade cristã e deixar-se agitar pelos fogos da in­veja contra a própria graça - que não pode mais sofrer a humildade da oração, mesmo se a má consciência o obriga a reconhecer e proclamar o seu pecado. Logo, nem todo pecado pode ser apagado pela penitência.
 
3. Demais. — O Senhor diz: Todo o que disser alguma palavra contra o Espírito Santo não se lhe perdoará nem neste mundo nem no outro. Logo, nem todo pecado pode remitir-se pela penitência.
 
Mas, em contrário, a Escritura: Eu não me recordarei de nenhuma das suas iniqüidades, que obrou.
 
SOLUÇÃO. — De dois modos pode suceder que um pecado não seja susceptível de ser apagado pela penitência: ou porque o pecador não pode penitenciar-se do pecado; ou porque a penitên­cia não pode delir o pecado. Do primeiro modo, não podem ser apagados pela penitência os pecados dos demônios e os das almas condenadas, por terem o afeto confirmado no mal, a ponto de não lhes ser impos­sível a displicência do pecado, como culpa, que só lhes desagrada enquanto pena, que sofrem. Em razão do que praticam uma certa penitên­cia, mas estéril, segundo aquilo da Escritura: Tocados de arrependimento e com angústia do espírito gemendo. Por onde, esta penitência não é acompanhada da esperança do perdão, mas do desespero. — Mas tal não pode ser o caso de nenhum pecado, dos que vivemos neste mun­do, pois o nosso livre arbítrio é susceptível de bem e de mal. Por onde, dizer que há pecados nesta vida, de que não possamos alcançar per­dão, é errôneo. — Primeiro, porque esse modo de ver tiraria a liberdade do arbítrio. Segundo, porque derrogaria à virtude da graça, que pode mover o coração de qualquer pecador à penitên­cia, segundo aquilo da Escritura: O coração do rei se acha na mão do Senhor e ele o inclinará para qualquer parte que quiser. E dizer, do segundo modo, que não pode nenhum pecado ser perdoado pela verdadeira penitência, também é errôneo. — Primeiro, por­que repugna à misericórdia de Deus, do qual diz a Escritura, que é benigno e mavioso, paciente e de muita misericórdia e pode arrepender-se do mal. Ora, de certo modo Deus seria vencido pelo homem, se este quisesse que se delisse um pecado que Deus não quisesse deliro — Segundo, porque encontra a paixão de Cristo, pela qual a penitência é eficaz, assim como os outros sacra­mentos; pois, está escrito — Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nos­sos, mas também pelos de todo o mundo.
 
Donde devemos concluir que, absolutamente falando, todo o pecado pode ser apagado nesta vida, pela penitência.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Esaú não fez verdadeiramente penitência. O que se deduz do lugar da Escritura: Virão os dias do luto por meu pai e eu matarei a Jacó, meu irmão. — Semelhantemente, nem Antíoco fez verdadeira penitência. — Pois, lamentava-se da passada culpa, não por causa da ofensa a Deus, mas por causa da doença que no corpo sofria.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — As palavras citadas de Agostinho devem entender-se assim: Tão grande é a mácula desse pecado, que não pode mais sofrer a humildade da oração, isto é, facil­mente. No mesmo sentido dizemos que não pode ser curado quem não pode facilmente sa­rar. Mas pode fazê-lo o poder da graça divina que às vezes converte no profundo do mar, no dizer da Escritura.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Essa palavra ou blasfêmia contra o Espírito Santo é a impeni­tência final, como explica Agostinho. A qual é absolutamente irremissível, porque acabada esta vida não há mais perdão dos pecados. — Ou se entendermos por blasfêmia contra o Espírito Santo o pecado cometido por malícia premedi­tada, ou ainda a blasfêmia direta contra o Es­pírito Santo, no dizer-se que não pode esse pecado ser perdoado, subentende-se facilmente, porque tal pecado não tem em si nenhuma causa de excusa. Ou então, que quem cometer tal pecado será punido nesta vida e na outra, como expusemos na Segunda Parte.

 

Questão 86: Do efeito da penitência quanto à remissão dos pecados mortais.

Em seguida devemos tratar do efeito da penitência. E primeiro, quanto à remissão dos pe­cados mortais. Segundo, quanto à remissão dos pecados veniais. Terceiro quanto à volta dos pe­cados perdoados. Quarto, quanto à restauração das virtudes.
 
Na primeira questão discutem-se seis artigos:

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