Category: Santo Tomás de Aquino
O segundo discute-se assim. Parece que depois da penitência recuperamos o mesmo grau de virtude que antes tínhamos.
1. — Pois, diz o Apóstolo: Aos que amam a Deus todas as coisas lhe contribuem para seu bem. Ao que diz a Glosa de Agostinho, ser isso de tal modo verdadeiro, que se qualquer desses eleitos se desviarem e saírem do bom caminho, Deus lhes faz esses mesmos desvios redundarem úteis ao progresso no bem. Ora, tal não se daria se não recuperássemos o mesmo grau de virtude que antes tínhamos.
2. Demais. — Ambrósio diz: A penitência é uma ótima coisa, que reduz à perfeição todos os nossos defeitos. Ora, não seria tal, se não recuperássemos depois delas as nossas virtudes no mesmo grau que antes tínhamos.
3. Demais. — Aquilo da Escritura: — E da tarde e da manhã se fez o dia primeiro, diz a Glosa: A luz vespertina é a que perdemos pela nossa queda; a matutina é a que nos ilumina a ressurreição. Ora, a luz matutina é mais intensa que a vespertina. Logo, depois da penitência ressurgimos com maior graça ou caridade que antes tínhamos. O que também resulta das palavras do Apóstolo: onde abundou o pecado superabundou a graça.
Mas, em contrário. — A caridade progressiva ou a perfeita é maior que a caridade incipiente. Ora, às vezes decaímos da caridade progressiva para recomeçarmos pela caridade incipiente. Logo, sempre ressurgimos com menor virtude.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, o movimento do livre arbítrio, suposta pela justificação do ímpio, é uma disposição última para a graça; por onde, a infusão da graça é concomitante com esse referido movimento do livre arbítrio, como estabelecemos na Segunda Parte. E nesse movimento está compreendido o ato de penitência, como dissemos. Ora, é manifesto que as formas suscetíveis de mais e de menos, tornam-se mais intensas ou mais remissas, segundo a disposição diversa do sujeito, conforme o mostramos na Segunda Parte. Donde vem que conforme o movimento do livre arbítrio, na penitência, é mais intenso ou mais remisso assim é maior ou menor a graça alcançada pelo penitente. Pode dar-se porém as vezes, que a intensidade do movimento da penitência seja proporcionado a uma graça maior que o era aquela donde o pecador decaiu pelo seu pecado; outras vezes pode ser proporcional a uma graça igual; enfim, outras, a uma menor. Por isso o penitente ora ressurge com maior graça que primeiro tivera; ora, com graça igual; e ora, enfim, com menor. E o mesmo passa com as virtudes resultantes da graça.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Nem em todos os que amam a Deus contribui para o bem o fato de decaírem do amor de Deus pelo pecado. E isso bem o demonstram os que caem e nunca mais se levantam; ou se levantam é para cair de novo. Só contribui para os que por desígnio divino são chamados à santidade, isto é, os predestinados, cujas quedas são afinal seguidas da ressurreição. Assim, redundam-lhes em bem essas quedas, não porque sempre ressurjam em maior graça, mas numa graça mais permanente. Não, certo, da parte da graça, pois, quanto maior é a graça mais permanente é em si mesma; mas da parte mesma deles, que tanto mais estavelmente permanecer em graça, quanto mais cautos são e humildes. Por isso a Glosa ao mesmo lugar acrescenta, que progridem no bem, os que caem, por voltarem mais humildes e se tornarem mais experimentados.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A penitência, em si mesma, tem a virtude de reparar todas as deficiências, em vista, da perfeição, e mesmo de promover a um estado ulterior. Mas isso fica as vezes impedido da nossa parte, que nos movemos para Deus e detestamos o pecado de modo mais remisso. Assim também no batismo, certos adultos alcançam maior ou menor graça, conforme as disposições diversas em que se encontram.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Essa assimilação de uma e outra graça à luz vespertina e matutina se funda na semelhança de ordem; porque à luz vespertina seguem-se as trevas da noite, e a luz do dia sucede à luz matutina; mas não visa a fazer uma comparação com os graus da graça. E também essas palavras do Apóstolo entendem da graça de Cristo, que supera toda a multidão dos pecados humanos. Não é porém verdade, em relação a todos, que quanto mais abundantemente pequem tanto mais abundante graça consigam; pesada a quantidade da graça habitual. Mas a graça é superabundante quanto à sua natureza mesma, porque tanto mais grátis é o benefício do perdão quanto é conferido a um maior pecador. — Embora às vezes os que pecaram muito também choram mais os seus pecados e alcançam assim um hábito mais abundante de graça e de virtudes, como foi o caso da Madalena.
Quanto ao objetado em contrário — devemos responder que, num mesmo sujeito, a graça do progresso é maior que a do começo; mas em pessoas diversas não é necessariamente assim. Pois, pode uma começar tendo maior graça que tem outra já no estado de progresso. Assim, diz Gregório: Que os homens dos tempos atuais e os do futuro saibam todos de quão grande perfeição, Bento, desde criança, recebeu a graça da conversão.
O primeiro discute-se assim. — Parece que as virtudes não se recuperam pela penitência.
1. — Pois, as virtudes perdoadas pela penitência não se poderiam recuperar se a penitência não causasse as virtudes. Ora, a penitência, sendo uma virtude, não pode ser causa de todas; sobretudo por, serem certas virtudes, como a fé, a esperança e a caridade, conforme foi dito; naturalmente anteriores à penitência. Logo, não se recuperam pela penitência.
2. Demais. — A penitência consiste em certos atos do penitente. Ora, as virtudes gratuitas não são causadas pelos nossos atos; pois, como diz Agostinho, as virtudes Deus as faz nascerem em nós, sem nossa cooperação. Logo, parece que pela penitência não recuperamos as virtudes.
3. Demais. — O virtuoso pratica atos virtuosos sem dificuldades e com prazer; por isso diz o Filósofo, que não é justo quem não se compraz em atos justos. Ora, muitos penitentes ainda praticam com dificuldades atos virtuosos. Logo, pela penitência não recuperamos as virtudes.
Mas, em contrário, como lemos no Evangelho, o pai mandou ao filho penitente se lhe desse o seu primeiro vestido, que, segundo Ambrósio, representa o manto da sabedoria, que é acompanhada simultaneamente por todas as virtudes, segundo aquilo da Escritura: Ensina a temperança e a prudência e a justiça e a fortaleza, que é o mais útil que há na vida para os homens. Logo, pela penitência recuperamos todas as virtudes.
SOLUÇÃO. — Pela penitência, como dissemos, remitem-se os pecados. Ora, a remissão dos pecados não pode ser senão pela infusão da graça. Donde se conclui que pela penitência se nos infunde a graça. Ora, da graça resultam todas as virtudes gratuitas, assim como da essência da alma fluem todas as potências, conforme estabelecemos na Segunda Parte. Donde se conclui que pela penitência recuperamos todas as virtudes.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A penitência é a causa de recuperamos as virtudes do mesmo modo pelo qual é a causa da graça, como já dissemos. Ora, é causa da graça enquanto sacramento: pois, como virtude é, antes, efeito da graça. Por onde, não é necessário que a penitência, enquanto virtude, seja a causa de todas as outras virtudes; mas, que o hábito da penitência seja causado simultaneamente com os hábitos das outras virtudes pelo sacramento da penitência.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Os atos humanos constituem a matéria do sacramento da penitência; mas o princípio formal deste sacramento depende do poder das chaves. Por onde, o poder das chaves é o que causa efetivamente a graça e as virtudes; mas instrumentalmente. E o ato primeiro do penitente se comporta como disposição última para conseguir a graça, isto é, a contrição; ao passo que os outros atos consequentes à penitência já procedem da graça e das virtudes.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como dissemos, às vezes depois do primeiro ato da penitência, que é a contrição, permanecem certos resquícios dos pecados, isto é, disposições causadas pelos anteriores atos pecaminosos, donde resulta para o penitente uma certa dificuldade em praticar obras virtuosas. Mas, no concernente à inclinação mesma da caridade e das outras virtudes, o penitente pratica atos virtuosos com prazer e sem dificuldade. Assim, o homem virtuoso pode, por acidente, experimentar dificuldade na prática de atos virtuosos, por causa do sono ou de alguma disposição do corpo.
Em seguida devemos tratar da recuperação das virtudes pela penitência.
E nesta questão discutem-se seis artigos:
O quarto discute-se assim. — Parece que a ingratidão, por causa da qual o pecado subseqüente faz voltarem os pecados já perdoados é um pecado especial.
1. — Pois, a retribuição às graças referidas constitui a reciprocidade (contrapassum) exigida pela justiça, como está claro no Filósofo. Ora, a justiça é uma virtude especial. Logo, a ingratidão é um pecado especial.
2. Demais. — Túlio introduz a gratidão como uma virtude especial. Ora, a ingratidão se opõe à gratidão. Logo, a ingratidão é um pecado especial.
3. Demais. — Um efeito especial procede de uma causa especial. Ora, a ingratidão produz o efeito especial de fazer de certo modo voltarem os pecados já perdoados. Logo, a ingratidão é um pecado especial.
Mas, em contrário. — O efeito de todos os pecados não constitui um pecado especial. Ora, qualquer pecado mortal nos torna ingratos para com Deus como do sobredito se colhe. Logo, a ingratidão não é um pecado especial.
SOLUÇÃO. — A ingratidão do pecador é às vezes um pecado especial; outras vezes não o é, não passando de uma circunstância geralmente conseqüente a todo pecado mortal cometido contra, Deus. Ora, o pecado se especifica pela intenção do pecador; por isso diz Aristóteles, quem adultera a fim de furtar, é, antes, ladrão, que adúltero. O pecador, pois, que por desprezo de Deus e do benefício recebido cometa um pecado, constitui este pecado uma espécie de ingratidão, e essa ingratidão do pecador é um pecado especial. Quem tiver porém tendo a intenção de cometer um pecado, por exemplo, o homicídio ou o adultério, dele não desiste porque implique desprezo de Deus, não será tal pecado um pecado especial, mas entrará na espécie de outro pecado como uma circunstância. Ora, como diz Agostinho, nem todo pecado é cometido por desprezo; e contudo por todos os pecados Deus é desprezado nos seus preceitos. Por onde, é manifesto que a ingratidão do pecador é às vezes um pecado especial; mas nem sempre. Donde se deduzem claras as respostas as objeções. — Pois, as primeiras concluem que a ingratidão, em si mesma, é uma espécie de pecado. — E a última objeção conclui que a ingratidão enquanto existente em todos os pecados, não é um pecado especial.
O terceiro discute-se assim. — Parece que a ingratidão do pecado subseqüente à penitência faz ressurgir um tão grande reato quanto o fora o dos pecados antes perdoados.
1. — Pois, tal a grandeza do pecado e tal a grandeza do benefício pelo qual ele é perdoado. E por conseqüência, a grandeza da ingratidão, pela qual esse benefício é desprezado. Ora, a quantidade de ingratidão depende da quantidade do reato subseqüente. Logo, a ingratidão do pecado subseqüente à penitência faz ressurgir um tão grande reato quanto o fora o reato de todos os pecados procedentes.
2. Demais. — Mais peca quem ofende a Deus que quem nos ofende. Ora, o servo manumisso e culpado é reduzido pelo Senhor à mesma escravidão que antes, e talvez pior. Logo e com maior razão, quem peca contra Deus depois de liberto pelo pecado recai no mesmo reato da pena em que estava antes.
3. Demais. — Refere o Evangelho que o Senhor, cheio de cólera, mandou Que o entregassem, aquele a quem os pecados perdoados tinham sido reimputados por causa da sua ingratidão, aos algozes até pagar toda a dívida. Ora, tal não se daria se a ingratidão causasse um tão grande reato como o foi o de todos os pecados passados. Logo, a ingratidão faz ressurgir um reato igual.
Mas, em contrário, diz a Escritura: O número dos golpes regular-se-á pela qualidade do pecado. Por onde, é claro, que um pequeno pecado não causa um grande reato, Mas às vezes o pecado mortal subseqüente à penitência é muito menor que qualquer dos pecados antes perdoados. Logo, o pecado subseqüente à penitência não faz surgir um tão grande reato quanto o fora o dos pecados já perdoados.
SOLUÇÃO. — Certos disseram, que o pecado subseqüente produz, por causa da sua ingratidão, um tão grande reato quanto o fora o dos pecados já perdoados, além do reato próprio a esse pecado. — Mas não é necessário que assim seja. Porque, como vimos o reato dos pecados precedentes não volta por causa do pecado subsequente, enquanto resultava dos atos pecaminosos passados, mas enquanto procedente do ato desse pecado consecutivo à penitência. Por onde e necessariamente, a intensidade do reato, que ressurge, há de depender da gravidade do pecado subsequente. Mas isto nem sempre se dá necessariamente, quer nos referimos à sua gravidade especifica, como, por exemplo, no caso de ser o pecado subsequente uma fornicação simples, e os pecados terem sido adultérios, homicídios ou sacrilégios; quer consideremos a sua gravidade resultante da ingratidão anexa. Pois não é necessário seja a extensão da ingratidão absolutamente igual à quantidade do benefício recebido cuja quantidade depende da quantidade dos pecados anteriormente perdoados. Pode dar-se porém que, em relação ao mesmo benefício, um seja muito ingrato ou pela importância do benefício desprezado, ou pela gravidade da culpa cometida contra o benfeitor; ao passo que outro o se a pouco, ou por ter desprezado menos, ou por ter agido menos contra o benfeitor. Mas, proporcionalmente, a quantidade da ingratidão se mude pela quantidade do beneficio; suposto, pois um desprezo igual do benefício, ou igual a ofensa ao benfeitor, tanto mais grave será a ingratidão quanto maior for o benefício. — Por onde é manifesto, que não é de necessidade que, por causa da ingratidão, sempre o pecado subseqüente cause um tão grande reato da pena quanto o era o dos pecados procedentes. Mas o é, que proporcionalmente, quanto mais e maiores foram os pecados perdoados, tanto maior volta o reato causado por qualquer pecado mortal subseqüente à penitência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O benefício da remissão da culpa tira a sua quantidade absoluta da quantidade dos pecados antes perdoados. Mas a extensão da ingratidão não recebe a sua quantidade absoluta da quantidade do benefício, senão da grandeza do desprezo ou da ofensa, como se disse. Por isso a objeção não colhe.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O escravo manumisso não volta à anterior servidão por causa de qualquer ingratidão, mas por uma ingratidão grave.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Aquele a quem os pecados remitidos são reimputados por uma ingratidão subsequente, responde por toda a sua divida, enquanto que o grau de culpabilidade incorrida pelos pecados precedentes reaparece proporcionalmente, e não absolutamente, na ingratidão subseqüente, como dissemos.
O segundo discute-se assim. — Parece que os pecados perdoados não os faz ressurgir a ingratidão, que se manifesta especialmente pelos quatro gêneros seguintes de pecado: o ódio fraterno a apostasia da fé, o desprezo da confissão e a dor da penitência praticada, segundo alguém o disse em versos; Odeia os irmãos, torna-se apóstata, despreza a confissão. Pesa-se da penitência, a antiga culpa volta.
1. — Pois, tanto maior é a ingratidão, quanto mais grave é o pecado que cometemos contra Deus, depois do benefício da remissão dos pecados. Ora, certos pecados, como a blasfémia contra Deus e o pecado contra o Espírito Santo, não mais graves que esses. Logo, parece que os pecados perdoados não voltam por via, antes, da ingratidão causada pelos referidos pecados, que pelos outros.
2. Demais. — Rabão diz: O Senhor entregou aos tormentos o servo mau, até que pagasse toda a dívida, porque não só os pecados que cometeu depois do batismo foram-lhe reputados a pena, mas também as manchas originais que no batismo se lhe apagaram. Ora, também os pecados veniais se contam como dívidas, e por causa deles pedimos: Perdoai-nos as nossas dívidas. Logo, também eles a ingratidão os faz voltar. E pela mesma razão, parece que os pecados veniais fazem ressurgir os pecados já perdoados, e não só os pecados referidos é que produzem esse efeito.
3. Demais. — Tanto maior é a ingratidão quando o pecado é cometido depois de se receber um benefício. Ora, entre os benefícios de Deus está também a inocência, pela qual evitamos o pecado. Assim, diz Agostinho: A tua graça devo não ter praticado todos os pecados que não cometi. Ora, a inocência é maior dom mesmo que a remissão de todos os pecados. Logo, não menos ingrato é para com Deus quem comete o primeiro pecado, depois da inocência que quem peca depois da penitência. E assim, parece que a ingratidão dos pecados referidos não é a maior causa da volta desses mesmos pecados.
Mas, em contrário, Gregório diz: Das palavras do Evangelho consta, que se não perdoamos de coração as injúrias que nos são feitas, também será exigido de nós o que já nos comprazíamos como perdoados pela penitência. E assim, a ingratidão especial, que supõe o ódio ao próximo, faz ressurgir os pecados já perdoados, o mesmo devendo dizer-se dos demais pecados referidos.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, afirmamos que os pecados perdoados pela penitência ressurgem enquanto o reato deles, por força da ingratidão, estão virtualmente contidos no pecado subsequente. Ora, a ingratidão pode ser cometida de dois modos. — Primeiro, agindo contra o beneficio recebido. E deste modo, por qualquer pecado mortal subsequente à penitência voltam os pecados já cometidos, em virtude da ingratidão. — De outro modo, comete-se a ingratidão, não só agindo diretamente contra o benefício, mas ainda contra a forma do benefício recebido. E essa forma, considerada em relação ao benfeitor, é a remissão das dívidas. Portanto, procede contra essa forma quem não perdoa ao irmão que lh'o pede, mas continua a odiá-lo. Considerada em relação ao penitente, que recebe esse benefício, descobrimos nele um duplo movimento do livre arbítrio. O primeiro para Deus, o que é um ato de fé informada; e contra isso procede quem apostata da fé. O segundo é o movimento do livre arbítrio para o pecado, que é um ato de penitência. Ora, pelo primeiro, como dissemos, detestamos os pecados passados: e contra isso procede quem se arrepende de ter feito penitência. Pelo segundo o ato de penitência desperta no penitente o propósito de sujeitar-se às chaves da Igreja pela confissão, segundo aquilo da Escritura: Eu disse: confessarei ao Senhor contra mim a minha injustiça; e tu me perdoaste a impiedade do meu pecado. E contra isto vai quem deixa de confessar-se, como havia prometido. — Por isso se diz que a ingratidão, que os referidos pecados supõem, faz ressurgirem os pecados anteriormente perdoados.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O que se atribui especialmente a esses dois pecados, referidos não é por serem mais graves que os outros; mas por se oporém mais diretamente ao benefício da remissão dos pecados.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Mesmo os pecados veniais e o pecado original voltam da maneira predita, assim como os pecados mortais, por se desprezar o benefício de Deus, pelo qual esses pecados foram perdoados. Nem por isso o pecado venial nos faz incorrer na ingratidão; porque, pecando venialmente, não agimos contra Deus, mas contra nós mesmos. Portanto, os pecados veniais de nenhum modo fazem ressurgir os pecados perdoados.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Qualquer benefício pode ser apreciado de dois modos. Pela sua quantidade e então a inocência é maior beneficio de Deus que a penitência, chamada a segunda tábua depois do naufrágio. Ou relativamente a quem o recebe que é menos digno. E então é lhe feita uma graça maior e portanto, é mais ingrato se despreza o beneficio. E deste modo, o benefício da remissão da culpa é maior quanto feito a quem é dele totalmente indigno. Donde, pois, resulta maior ingratidão.
O primeiro discute-se assim. — Parece que os pecados subsequentes fazem ressurgir os pecados perdoados.
1. — Pois, diz Agostinho: Que os pecados perdoados ressurgem na alma sem caridade fraterna, Cristo nô-lo ensina mui claramente na parábola do servo a quem o Senhor repetiu a dívida perdoada, por não querer esse servo perdoar a de seu companheiro. Ora, a caridade fraterna qualquer pecado mortal a faz desaparecer. Logo, qualquer pecado mortal subsequente faz ressurgirem os pecados já perdoados pela penitência.
2. Demais. — Aquilo do Evangelho: Tornarei para minha casa, de onde saí — diz Beda: Versículo para temer-se e não para explicar-se; ar fim de que a culpa que já críamos extinta em nós, não nos esmague quando a nossa incúria nos trazia descuidados. Ora, tal não se daria se ela não voltasse. Logo, a culpa perdoada pela penitência ressurge.
3. Demais. — O Senhor diz: Se o justo se afasta da sua justiça e vier a cometer a inquidade de nenhuma das obras de justiça que tiver feito se fará memória. Ora, nas obras de justiça que fez também se inclui a penitência precedente; pois, como dissemos, a penitência faz parte da justiça. Logo, ao penitente recaído no pecado não se lhe imputa a penitência precedente, pela qual alcançou o perdão dos pecados. Portanto, tais pecados ressurgem.
4. Demais. — Os pecados passados são cobertos pela graça, como claramente o diz o Apóstolo, citando aquilo da Escritura: Bem aventurados aqueles cujas iniqüidades são perdoadas e cujos pecados são cobertos. Ora, um pecado mortal subsequente expulsa a graça. Logo, os pecados anteriormente cometidos ficam descobertos. E assim, parece que ressurgem.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Os dons e a vocação de Deus são imutáveis. Ora os pecados do penitente são perdoados por um dom de Deus. Logo, os pecados subsequentes não fazem ressurgir os pecados cometidos, como se Deus se arrependesse do dom do perdão.
2. Demais. — Agostinho diz: Quem se separou de Cristo e acabou esta vida privado da graça, para onde pode ir senão para a perdição? Mas não tem que dar contas dos pecados que lhe foram perdoados nem será condenado por causa do pecado original.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, dois elementos encerra o pecado mortal — a versão de Deus e a conversão para os bens criados. — Ora, tudo o que o pecado mortal encerra da parte da aversão, em si mesmo considerado, é comum a todos os pecados mortais; porque por qualquer pecado mortal o homem se separa de Deus. Por onde e consequentemente, a mácula resultante da privação da graça e o reato da pena eterna são comuns a todos os pecados mortais. E é este o sentido daquele lugar da Escritura: Quem faltar em um só ponto faz-se réu de ter violado a todos. — Mas da parte da conversão, os pecados mortais são diversos e às vezes contrários. Por onde, é manifesto, que da parte da conversão, o pecado mortal subsequente não faz ressurgirem os pecados mortais já perdoados; do contrário resultaria, que o pecado de prodigalidade faria renascer em nós o hábito ou a disposição da avareza já perdoada; e então, um contrário seria a causa de outro, o que é impossível. — Mas considerando nos pecados mortais e de maneira absoluta o resultado da aversão, o pecado mortal subsequente nos priva da graça e nos torna réu da pena, eterna, como anteriormente o fôramos. — A aversão porém no pecado mortal se diversifica de certo modo pela sua relação com os diversos movimentos de conversão para os bens criados, que são deles as causas diversas. De maneira que diferem a aversão, a mácula e o reato, conforme o pecado mortal donde resultam. E assim a questão vertente vem a ser o seguinte: se a mácula e o reato da pena eterna, enquanto causados pelos atos dos pecados já perdoados ressurgem em virtude do pecado subsequente. Ora, certos pensam que desse modo, os pecados mortais ressurgem, absolutamente falando. — Mas isto não é possível. Porque as obras do homem não podem tornar irritas as de Deus.
Ora, o perdão dos pecados anteriores foi obra da misericórdia divina. Portanto, não pode torná-lo írrito o pecado subsequente. Donde o dizer o Apóstolo: Porventura a sua incredulidade destruirá a fidelidade de Deus? Por isso outros, admitindo que os pecados ressurgem disseram, que Deus não perdoa os pecados ao penitente do qual sabe, na sua presciência, que tornará a pecar, mas só o perdoa pela sua justiça atual. Pois, embora preveja a punição eterna do pecador, por causa desses pecados, contudo a sua graça o torna atualmente justo. — Mas também isto não pode manter-se. Pois, posta absolutamente a causa, também resulta absolutamente o efeito. Se portanto a graça e os sacramentos da graça não obrassem a remissão dos pecados absolutamente, mas só condicionalmente e num futuro dependente, resultaria que a graça e os sacramentos da graça não seriam causa suficiente da remissão dos pecados. O que é errôneo por derrogar à graça de Deus. Por onde, de nenhum modo podem ressurgir a mácula e o reato dos pecados precedentes, enquanto foram por tais atos causados. Pode dar-se porém, que o ato pecaminoso subsequente contenha virtualmente o reato do pecado anterior; isto é, quando, recaindo no pecado, por isso mesmo pecamos mais gravemente que antes o fizéramos, segundo àquilo do Apóstolo: Pela tua dureza e coração impenitente entesouras para ti ira no dia da ira, pelo só fato de ser desprezada a bondade de Deus, que espera pela nossa penitência. Pois, supõe um desprezo muito maior da bondade de Deus reincidirmos no pecado anteriormente perdoado; e tanto mais quanto maior é o beneficio do perdão que o da simples paciência para com o pecador.
Assim, pois, pelo pecado subsequente, à penitência, ressurge de certo modo o reato dos pecados anteriormente perdoados, não enquanto causado por esses pecados já perdoados mas enquanto causado pelo pecado perpetrado em último lugar, que fica mais grave, em virtude dos pecados anteriores. O que não é ressurgirem os pecados perdoados, absolutamente falando, mas de certo modo; isto é, enquanto virtualmente contidos no pecado subseqüente.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — — As palavras citadas de Agostinho devem entender-se como referentes à volta dos pecados, quanto ao reato da pena eterna em si mesmo considerado. Porque a reincidente no pecado, após a penitência feita, incorre no reato da pena eterna, como já incorrera antes; mas não pela razão absolutamente o mesmo. Por isso Agostinho, depois de ter dito não reincide no mesmo pecado já perdoado, nem será condenado por causa do pecado original, acrescenta: Contudo, esse mesmo pecado sofrerá a morte que lhe era devida por causa dos pecados cometidos; pois incorrerá na morte eterna, merecida pelos pecados passados.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Com essas palavras não pretende dizer Beda, que a culpa antes perdoada nos oprima pela volta do reato passado; mas, pela reiteração do ato.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O pecado cometido depois da penitência faz cair no esquecimento os precedentes atos de justiça, enquanto merecedores da vida eterna; mas não enquanto obstáculos ao pecado. Por onde, quem peca mortalmente, depois de ter pago o devido, não fica sendo réu como se não no tivesse pago. E muito menos cai no esquecimento o ato de penitência antes praticado, quanto à remissão da culpa, que é obra mais de Deus que do homem.
RESPOSTA À QUARTA. — A graça apaga a mácula e o reato da pena eterna, absolutamente falando: mas cobre os atos pecaminosos passados, de modo que por causa deles Deus não nos prive da graça e nos faça réu de pena eterna. E o que a graça faz uma vez, permanece perpetuamente.
Em seguida devemos tratar do rédito dos pecados perdoados pela penitência.
E nesta questão discutem-se quatro artigos:
O quarto discute-se assim. — Parece que o pecado venial pode ser remitido sem que o mortal o seja.
1. — Pois, aquilo do Evangelho — O que de vós outros está sem pecado seja o primeiro que a apedrejá-la — diz uma Glosa: Todos esses estavam em pecado mortal; pois, os veniais lhes eram perdoados pelas cerimônias da Lei. Logo, o pecado venial pode ser remitido sem que o mortal o seja.
2. Demais. — Para a remissão do pecado venial não é necessária a infusão da graça. Mas é necessária para a remissão do pecado mortal. Logo, o pecado venial pode ser remitido sem que o mortal o seja.
3. Demais. — Mais dista um pecado venial de um mortal que de outro venial. Ora, um venial pode ser perdoado sem o ser outro, como se disse. Logo, um pecado venial pode ser perdoado sem que o seja o mortal.
Mas, em contrário, o Evangelho: Em verdade te digo que não sairás de lá, isto é, do cárcere, no qual o pecado mortal mete o homem, até não pagares o último ceitil, que significa o pecado venial. Logo, o pecado venial não pode ser perdoado sem que o seja também o mortal.
SOLUÇÃO. — Como dissemos o perdão de qualquer culpa nunca é possível senão em virtude da graça. Pois, como diz o Apóstolo, a graça divina faz com que o pecado de um homem não lhe seja imputado por Deus. O que a Glosa a esse lugar expõe como relativo ao pecado venial. Ora, quem vive em pecado mortal está privado da graça de Deus. Por onde, nenhum pecado venial lhe pode ser perdoado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Por pecados veniais se entendem, no lugar aduzido, as irregularidades ou imundícies, que se contraiam em virtude da Lei.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora para a remissão do pecado venial não seja necessária uma nova infusão da graça habitual, é preciso porém algum ato da graça, de que não é susceptível quem está em pecado mortal.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O pecado venial não exclui totalmente a ação da graça, pela qual podem ser perdoados todos os pecados veniais. Ao passo que o pecado mortal exclui totalmente o hábito da graça, sem o qual não pode ser perdoado nenhum pecado — mortal ou venial. Logo, não há semelhança de razão.
O terceiro discute-se assim. — Parece que os pecados veniais não ficam perdoados pela aspersão da água benta, pela bênção episcopal e práticas semelhantes.
1. — Pois, os pecados veniais não se perdoam sem a penitência, como se disse. Ora, a penitência, por si, basta para a remissão dos pecados veniais. Logo, as práticas referidas em nada contribuem para a remissão de tais pecados.
2. Demais. — Qualquer das práticas referidas tem a mesma relação com um pecado venial e com todos. Se portanto uma delas apaga um pecado venial, resulta, pela mesma razão, que apaga a todos. E assim, batendo no peito uma vez, fazendo uma vez aspersão de água benta, ficamos imunes de todos os pecados veniais — o que é inadmissível.
3. Demais. — Os pecados veniais induzem o reato da pena temporal. Assim, o Apóstolo, falando daquele que levanta sobre tal fundamento edifício de madeira, de feno e de palha, diz: O tal será salvo, se bem desta maneira como por intervenção do fogo. Ora, essas práticas, pelas quais se diz que os pecados veniais são perdoados, implicam uma pena mínima ou nula. Logo, não bastam para a plena remissão dos pecados veniais.
Mas, em contrário, diz Agostinho, que pelos pecados leves batemos no peito e dizemos — Perdoai-nos as nossas dívidas. Por onde, o bater no peito e a Oração Dominical causam a remissão dos pecados veniais. E o mesmo se diga das outras práticas.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, para a remissão do pecado venial não é necessária a infusão de nova graça, mas basta um ato procedente da graça, pelo qual detestamos o pecado explicitamente, ou pelo menos implicitamente, como quando nos entregamos com fervor a amar a Deus. E assim, por três razões podem certas práticas causar a remissão dos pecados veniais. — Primeiro como meios pelos quais se infunde a graça; pois, a infusão da graça apaga os pecados veniais, como dissemos. E deste modo, pela Eucaristia e pela extrema unção, e universalmente por todos os pecados da Lei Nova, pelos quais é conferida a graça, ficam perdoados os pecados veniais. — Segundo por serem essas práticas acompanhadas de um certo movimento de detestação dos pecados. Assim, a confissão geral, o bater no peito e a Oração Dominical contribuem para a remissão dos pecados veniais. Pois, na Oração Dominical pedimos: Perdoai-nos as nossas dívidas. — Terceiro, em quanto implicam um certo movimento de reverência para com Deus e para com as coisas divinas. E, assim, a bênção episcopal, a aspersão da água benta, qualquer unção sacramental, a oração numa igreja consagrada e outras práticas semelhantes, contribuem para a remissão dos pecados veniais.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Todas as práticas referidas causam a remissão dos pecados veniais, enquanto inclinam a alma ao movimento da penitência, consistente em detestarmos o pecado implícita ou explicitamente.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Todas as práticas referidas, por si mesmas, obram a remissão de todos os pecados veniais. Pode porém ficar impedida a remissão de certos pecados veniais, a que a nossa alma atualmente adere; assim como a simulação impede as vezes o efeito do batismo.
RESPOSTA À TERCEIRA. — As práticas em questão apagam por certo a culpa dos pecados veniais, quer em virtude de alguma satisfação, quer também em virtude da caridade, cujo movimento tais práticas provocam. Mas, qualquer delas nem sempre apaga totalmente o reato da pena, porque então, quem estivesse de todo isento do pecado mortal, pela aspersão da água benta tomaria logo o vôo para as alturas. O reato da pena porém é perdoado por essas práticas conforme o fervor com que nos damos a Deus, que se deixa mais ou menos mover pelos referidos meios.