O sexto discute-se assim. – Parece que o preceito do amor de Deus pode ser observado nesta vida.
1. – Pois, segundo Jerônimo, é maldito quem diz que Deus mandou algo de impossível. Ora, Deus deu o referido preceito, como se vê na Escritura: Logo, tal preceito pode ser cumprido nesta vida.
2. Demais. – Quem não cumpre um preceito peca mortalmente, pois, segundo Ambrósio, o pecado não é mais do que a transgressão da lei divina e uma desobediência aos mandamentos do céu. Se portanto este preceito não pode ser cumprido nesta vida, segue-se que ninguém pode haver, nesta, sem pecado mortal. O que encontra as palavras do Apóstolo: Ele vós confirmará até ao fim, sem crime; e ainda: Exercitem o ministério, achando-se que não tem crime algum.
3. Demais. – Os preceitos foram estabelecidos para dirigir os homens na via da salvação, conforme aquilo da Escritura, o preceito do Senhor é claro, que esclarece os olhos, Ora, em vão é alguém dirigido para o impossível. Logo, não é impossível observar o referido preceito nesta vida.
Mas, em contrário, Agostinho diz: Na plenitude da caridade da pátria será cumprido aquele preceito - amarás o Senhor teu Deus etc. Pois, enquanto houver algo da concupiscência carnal que devemos refrear pela continência, Deus não é amado absolutamente de toda a nossa alma.
SOLUÇÃO. – Um preceito pode ser cumprido de dois modos - perfeita e imperfeitamente. Perfeitamente é cumprido um preceito, quando chegamos ao fim do que ele visa preceituar; é cumprido, porém imperfeitamente, quando embora não alcancemos ao fim do preceituado, não nos afastamos, contudo, da ordem conducente ao fim. Assim, se o chefe de um exército mandar os soldados combaterem, cumpre perfeitamente a ordem aquele que, lutando, vence o inimigo, que era o fim visado pelo chefe. Cumpre-o também, mas imperfeitamente, aquele que lutou, sem atingir a vitória, mas sem contudo, nada ter feito contra a disciplina militar. Ora, pelo referido preceito, Deus quer que o homem com ele se una totalmente, o que se dará na pátria, quando Deus for tudo em todos. Por onde, na pátria, esse preceito será cumprido plena e perfeitamente. Nesta vida também será cumprido, mas imperfeitamente. E contudo, na vida presente, um o cumprirá tanto mais perfeitamente que outro, quanto mais se aproximar, por uma certa semelhança, da perfeição da pátria.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A objeção prova que o preceito em questão pode de algum modo, ser cumprido nesta vida, embora não perfeitamente.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Assim como um soldado, que luta legitimamente, embora não vença, nem por isso é culpado ou merece qualquer pena; assim também, nesta vida, cumpre o preceito em questão quem, nada fazendo contra a lei divina, não peca mortalmente.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como diz Agostinho, porque não havia de ser preceituada ao homem essa perfeição, embora nesta vida ninguém a lenha? Pois, não podemos correr bem se não sabemos para onde devemos correr. E como sabê-lo-íamos, se nenhum preceito o mostrasse?