O primeiro discute-se assim. ─ Parece que na alma separada subsistem as potências sensitivas.
1. - Pois, Agostinho diz: A alma, ao separar-se do corpo, leva tudo consigo ─ os sentidos, a imaginação, a razão, o intelecto, a inteligência, o concupiscível e o irascível. Ora, os sentidos e a imaginação, a potência irascível e a concupiscível são potências da alma. Logo, na alma separada subsistem as potências sensitivas.
2. Demais. ─ Agostinho diz: Cremos que só o homem tem alma substancial, que continua a viver separado do corpo e conserva vivazes os sentidos e o engenho. Logo, a alma separada do corpo conserva as suas potências sensitivas.
3. Demais. ─ As potências da alma ou nela existem substancialmente, como certos dizem, ou pelo menos são propriedades naturais dela. Ora, o que existe essencialmente num ser não pode separar-se dele; nem é possível um sujeito perder as suas propriedades naturais. Logo, não pode a alma, separada do corpo, perder nenhuma das suas potências.
4. Demais. ─ Não tem a sua total integridade o ser a que falta uma parte. Ora, as potências da alma se consideram partes dela. Se, pois, a alma perder, depois de separada do corpo, alguma das suas partes, não subsistirá na sua integridade, depois da morte. O que é inadmissível.
5. Demais. ─ As potências da alma concorrem mais para o mérito, do que o corpo; este é apenas o instrumento da ação, ao passo que a alma é o princípio do agir. Ora, necessariamente, há de o corpo ser premiado junto com a alma, pois com ela cooperou para o mérito. Logo e com muito maior razão, hão de as potências da alma ser premiadas simultaneamente com ela. Portanto, não nas perde a alma separada.
6. Demais. ─ Se a alma, separada do corpo, perde a potência sensitiva, há de por força essa faculdade ser reduzida ao nada; pois, não se pode dizer que se resolva numa determinada matéria, porque não tem matéria nenhuma como parte de si. Ora, o ser totalmente reduzido ao nada não pode voltar à existência, de modo a vir a ser numericamente o mesmo que antes. Logo, a alma não terá, na ressurreição, a mesma potência sensitiva que antes tinha. Ora, segundo o Filósofo, assim está a alma para o corpo como as potências da alma para as partes do corpo ─ tal a vista, para os olhos. Mas, não sendo a alma, que voltará a unir-se ao corpo, numericamente a mesma de antes, o homem não será já o mesmo numericamente, que antes fora. Portanto, já não teria os mesmos olhos que teve, se a potência visual não é a mesma de antes. ─ Pela mesma razão, parte nenhuma ressurgirá numericamente a mesma. Por consequência, o homem ressurrecto não será, na sua totalidade, o mesmo de antes. Logo, não é possível a alma separada perder as suas potências sensitivas.
7. Demais. ─ Se as potências sensitivas desaparecessem com a disparição do corpo, também deviam, enfraquecendo-se ele, enfraquecerem-se. Ora, tal não se dá; pois, como ensina Aristóteles, se um velho recobrasse a vista de um moço, enxergaria absolutamente como este. Logo, nem com a disparição do corpo hão de desaparecer as potências sensitivas.
Mas, em contrário, Agostinho diz: Só de duas substâncias consta o homem ─ alma e corpo; a alma racional e o corpo sensível. Ora, as potências sensitivas pertencem ao corpo. Logo, desaparecido o corpo, já não subsistem na alma as potências sensitivas.
2. Demais. ─ O Filósofo, tratando da separação da alma, diz: Quanto a saber se alguma cousa subsiste depois da dissolução do composto, devemos examiná-lo. Pois, para certos seres nada a isso se opõe. A alma, p. ex., esta nesse caso; não a alma inteira, mas o intelecto, porque para a alma inteira isso é talvez impassível. Donde se conclui que a alma não se separa totalmente do corpo, mas só as potências da alma intelectiva, não as da sensitiva ou vegetativa.
3. Demais. ─ O Filósofo diz, falando do intelecto: O intelecto se separa do corpo como o incorruptível, do corruptível. Quanto às outras partes da alma, é claro pelo que dissemos, que não são separáveis, como afirmam certos. Logo, as potências sensitivas não subsistem na alma separada.
SOLUÇÃO. ─ Nesta matéria variam as opiniões. Assim, uns, julgando estarem todas as potências na alma, ao modo por que o calor está no corpo, ensinam que a alma, separada do corpo, leva consigo todas as suas potências. Pois, se alguma lhe faltasse, ficaria necessariamente alterada nas suas propriedades naturais que, enquanto subsiste o seu sujeito, não podem variar. ─ Mas essa opinião é falsa. Pois, sendo em virtude da potência, que dizemos agirem ou sofrerem os seres dela dotados; e, sendo o mesmo ser o que pode agir e sofrer a ação, resulta necessariamente que a potência há de pertencer ao sujeito, que é agente ou paciente. Por isso o Filósofo diz, que a potência pertence ao mesmo ser a que pertence a ação. Ora, como é manifesto, certas operações, de que as potências da alma são os princípios, não procedem dela, propriamente falando, mas do composto; pois, não se exercem senão mediante o corpo, como ver, ouvir e semelhantes. Por onde e necessariamente, essas potências tem no composto o seu sujeito; mas procedem da alma como do princípio influente, assim como a forma é o princípio das propriedades do composto. Outras operações porém a alma as exerce sem a mediação de nenhum órgão corpóreo, como compreender, raciocinar e querer. Por onde, sendo tais atos próprios da alma, as potências, que são os princípios delas, pertencerão à alma não só como o princípio, mas ainda como o sujeito delas. Ora, permanecendo o sujeito próprio, necessariamente hão de subsistir a paixões próprias dele; e desaparecido ele, também estas desaparecerão. Portanto e necessariamente, aquelas potências que não precisam, para agir, de usar de um órgão corpóreo, hão de subsistir na alma separada. Ao contrário, aquelas que só se exercem mediante tal órgão, desaparecerão com a disparição do corpo. E tais são todas as potências pertencentes à alma sensível e vegetativa.
Por isso certos distinguem duas potências da alma sensível. Umas são atos dos órgãos, afluem da alma para o corpo, e essas desaparecem com ele. Outras, origens das primeiras, tem sua sede na alma, fazem-na tornar o corpo capaz de ver, de ouvir e de atos semelhantes; e essas potências originais subsistem na alma separada. ─ Mas esta opinião é inadmissível. Porque a alma é, pela sua essência mesma, e não mediante quaisquer potências, a origem das potências, que são os atos dos órgãos; assim como qualquer forma, por isso mesmo que pela sua essência informa a matéria, é a origem das propriedades naturalmente resultantes do composto. Portanto, se devêssemos admitir na alma outras potências, mediante as quais as que dão aos órgãos a sua perfeição de fluíssem da essência dela, pela mesma razão devíamos admitir ainda outras, mediante as quais da essência da alma de fluíssem essas potências médias, e assim ao infinito. Se, pois, devemos parar em algum ponto, melhor será pararmos no primeiro.
Por isso outros dizem, que as potências sensitivas e as outras semelhantes não subsistem na alma separada, a não ser ao modo pelo qual os principiados subsistem nos seus princípios como na raiz. Pois, a alma separada conserva o poder de influir de novo nas outras potências, se de novo vier a unir-se ao corpo; nem é necessário seja esse poder nada de acrescentado à essência, como se disse. E essa opinião é mais racional.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ As palavras citadas de Agostinho devem entender-se como significando, que a alma leva consigo e atualmente certas dessas potências, a saber, a inteligência e o intelecto; outras, radicalmente, como dissemos.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os sentidos que acompanham a alma, não são os sentidos externos atuais, mas os internos, pertencentes à parte intelectiva; pois, o intelecto às vezes é chamado sentido, como vemos em Basílio e no Filósofo. ─ Ou, se o entendermos dos sentidos externos, devemos responder o mesmo que à primeira objeção.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Como do sobredito resulta, as potências sensitivas não estão para a alma como as paixões naturais para o seu sujeito, mas como para a sua origem. Por isso a objeção não colhe.
RESPOSTA À QUARTA. ─ As potências da alma não se consideram como partes integrantes dela senão como partes potenciais. Ora, a natureza da alma como um todo é tal, que a virtude do todo se acha integralmente numa das partes e incompleta, nas outras. Assim, a virtude da alma está toda na potência intelectiva, e parcialmente nas outras potências. Por onde, como na alma separada permanecem as potências da parte intelectiva, íntegra continuará ela e não diminuída, embora as potências sensitivas não permaneçam em ato, assim como o poder do rei fica diminuído, se morre o preposto dele participante.
RESPOSTA À QUINTA. ─ O corpo contribui para o mérito, como parte essencial do homem que merece. Ora, assim, não cooperam as potências sensitivas, por pertencerem ao gênero dos acidentes. Logo, o símil não colhe.
RESPOSTA À SEXTA. ─ As potências sensitivas da alma não se consideram atos dos órgãos, como formas essenciais deles, independentes da alma, a que pertencem; mas são atos deles pelos aperfeiçoar para as suas operações próprias, assim como o calor é ato do fogo que lhe dá o poder de aquecer. Por onde, assim como o fogo permanece numericamente o mesmo, embora se lhe mudasse numericamente o calor; e como uma água fria permanece a mesma, embora a sua frigidez não se restabeleça na sua identidade anterior, depois de ter sido aquecida, assim também numericamente os mesmos continuarão os órgãos, depois da ressurreição, embora outras venham a lhes ser as faculdades.
RESPOSTA À SÉTIMA. ─ No lugar citado o Filósofo se refere a essas potências, enquanto subsistem na alma como na sua raiz. O que resulta claro das suas palavras: A velhice não consiste no que a alma sofra, mesmo que sofre o corpo. Portanto, nem por enfraquecer-se o corpo hão de também enfraquecer-se as potências da alma.