O terceiro discute-se assim. ─ Parece que os sufrágios feitos pelos pecadores não aproveitam aos mortos.
1. ─ Pois, como diz o Evangelho, Deus não escuta aos pecadores. Ora, se as orações deles aproveitassem àqueles por quem oram, seriam escutados de Deus. Logo, os sufrágios feitos por eles não aproveitam aos mortos.
2. Demais. ─ Gregório diz: O intercessor que desagrada aumenta as iras de um espírito irritado. Ora, todo pecador desagrada a Deus. Logo, pelos sufrágios dos pecadores Deus não se dobra à misericórdia. Portanto, tais sufrágios não aproveitam.
3. Demais. ─ As obras feitas por alguém mais aproveitam ao seu autor que a outrem. Ora, o pecador, com as suas obras, nada merece para si mesmo. Logo e com maior razão, não podem elas aproveitar a outrem.
4. Demais. ─ Toda obra meritória há de ser vivificada, i. é, informada pela caridade. Ora, as obras feitas pelos pecadores são mortas. Logo, não podem os defuntos, por quem forem feitas, tirar delas nenhum proveito.
Mas, em contrário, ninguém pode saber com certeza se outrem está em pecado ou em graça.
Se portanto, só aproveitassem os sufrágios feitos pelos que estão em graça, não poderíamos saber a quem pedíssemos sufrágios pelos nossos defuntos. E assim muitos se absteriam de sufragar as almas dos mortos.
2. Demais. ─ Como diz Agostinho, os mortos são socorridos pelos sufrágios dos vivos, na medida em que, durante a vida, mereceram sê-lo, depois da morte. Logo, o valor dos sufrágios depende da condição de aqueles por quem são feitos. Portanto, não importa, segundo parece, por quem sejam feitos ─ por bons ou por maus.
SOLUÇÃO. ─ Duas cousas podemos considerar nos sufrágios feitos pelos maus.
Primeiro, a obra mesma praticada (opus operatums , como o sacrifício do altar. Ora, os nossos sacramentos tem uma eficácia própria, independente da qualidade do consagrante, e a realizam sejam quais forem os ministros. E por aqui os sufrágios feitos pelos maus aproveitam aos mortos. Segundo, a ação do agente (opus operamtis). E então devemos distinguir. Pois, o ato de um pecador, que faz sufrágios, pode ser considerado, de um modo, como obra própria dele. Nesse caso, de maneira nenhuma pode ser meritória, nem para si nem para outrem. De outro modo, enquanto esse ato pertence a outrem. O que de duas maneiras pode dar-se. ─ Primeiro, quando o pecador, que faz os sufrágios, representa, como sacerdote, a pessoa da Igreja universal; assim, quando reza na igreja, no ofício pelos mortos. E como se entende que quem age, em lugar de outrem, no nome deste o faz e o representa, conforme está claro em Dionísio, daí resulta que os sufrágios de um tal sacerdote, embora pecador, aproveitam aos defuntos. ─ Segundo, quando o agente procede como instrumento de outrem; ora, a obra do instrumento pertence, antes, ao agente principal. Por onde, embora quem age como instrumento de outrem, possa não estar em condições de merecer, a sua ação pode contudo ser meritória em razão do agente principal. Assim, se um escravo em estado de pecado praticasse obras de misericórdia por ordem de seu senhor, que tem a caridade. Portanto, quem, morrendo em estado de caridade, mandasse que se lhe fizessem sufrágios, esses lhe aproveitariam embora aqueles que os façam estejam em pecado. Mais valeriam porém se tivessem caridade, porque então essas obras seriam meritórias dos dois lados.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ As orações feitas pelos pecadores podem não lhes pertencer a eles, mas a outros. E então é digna de ser escutada por Deus. ─ Contudo, também às vezes Deus ouve os pecadores: quando pedem o que é do seu agrado. Pois, Deus dá os seus bens, não só aos justos, mas também aos pecadores, como lemos no Evangelho; não porém por mérito deles, mas pela sua clemência. Por isso, ao lugar citado do Apóstolo ─ Deus não escuta aos pecadores ─ diz a Glosa, que ele ai fala como ungido e não como gozando da visão
plena.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora a oração do pecador não seja ouvida, por vir de um intercessor que desagrada, contudo Deus pode aceitá-la em razão de outrem, de quem o pecador faz às vezes ou em nome de quem pede.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O fato de o pecador não tirar nenhuma vantagem, fazendo tais sufrágios, resulta de não ser capaz desse proveito, por causa de uma indisposição sua. Mas isso não impede possa deles valer-se, de algum modo, estando em boa disposição para tal, como dissemos.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Embora a obra do pecador, como tal, não seja viva, pode sê-lo porém enquanto pertencente a outrem, como dissemos. Mas como as objeções em sentido contrário concluem que não importa quem faz os sufrágios ─ se um bom ou um mau ─ por isso também devemos lhes responder a elas.
Por onde, RESPOSTA À QUINTA. ─ Embora ninguém possa com certeza saber se outrem está ou não na graça de Deus, podemos porém julgá-lo com probabilidade pelos atos externos. Pois, a árvore se conhece pelos seus frutos, como diz o Evangelho.
RESPOSTA À SEXTA. ─ Para os sufrágios aproveitarem a alguém é necessário a capacidade para se valer deles, pela parte de aqueles por quem são feitos; e esta a alma a adquiriu pelas obras que durante esta vida praticou. E é nesse sentido que escreve Agostinho. Mas nem por isso deixa de ser necessária a qualidade da obra, que deve aproveitar. O que porém não depende daquele por quem é feita, mas antes de quem o faz, quer executando a ordem alheia, quer mandando.