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Art. 1 ─ Se os sufrágios feitos por um não podem aproveitar a outro.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que os sufrágios feitos por um não podem aproveitar a outro.

1. ─ Pois, diz o Apóstolo: Aquilo que semear o homem isso também colherá. Ora, se um pudesse colher fruto dos sufrágios feitos por outro, colheria do que outros semearam. Logo, dos sufrágios feitos por outros ninguém poderá colher fruto para si.

2. Demais. ─ A justiça de Deus pertence dar a cada um conforme os seus méritos. Donde o dizer a Escritura: Tu retribuirás a cada um segundo as suas obras. Ora, é impossível a justiça de Deus falhar. Logo, é impossível aproveitar-se um das obras feitas por outros.

3. Demais. ─ Pela mesma razão é uma obra meritória digna de louvor; i. é, por ser voluntária. Ora, pelas obras de um não será louvado outro. Logo, nem a obra de um pode ser meritória e frutuosa para outro.

4. Demais. ─ À justiça divina pertence igualmente retribuir o bem pelo bem e o mal pelo mal. Ora, ninguém é punido pelos maus atos de outrem; antes, como diz a Escritura, a alma que pecar, essa morrerá. Logo, não pode um aproveitar-se das boas obras de outrem.
 
Mas, em contrário, a Escritura: Eu sou participante de todos os que te temem, etc.

2. Demais. ─ Todos os fiéis, unidos pela caridade, são membros do corpo único da Igreja. Ora, os membros mutuamente se ajudam. Logo, pode um aproveitar-se dos méritos de outro.

SOLUÇÃO. ─ Os nossos atos podem ter dupla finalidade: fazer-nos adquirir um estado, como quando alcançamos o estado da beatitude pelas nossas obras meritórias; segundo, alcançarmos um estado subsequente, como quando por um ato merecemos um prêmio acidental ou a diminuição da pena. Ora, ambas essas finalidades um ato pode conseguir de dois modos ─ por via de mérito ou por via de oração. A diferença entre essas duas vias está em que o mérito se funda na justiça, ao passo que quem ora impetra o pedido, fundado na só liberalidade daquele a quem ora.
 
Donde devemos concluir, que as obras de um de nenhum modo podem aproveitar a outro para conseguir um estado, por via de mérito; p. ex., para, pelos meus atos, merecer outro a vida eterna. Porque a felicidade da glória é dada segundo a capacidade de quem a recebe; pois, cada qual se dispõe pelos seus atos e não pelos atos alheios, referindo-me à disposição que torna digno de um prêmio. Mas por via de oração, mesmo para alcançar um estado, as obras de um podem, durante esta vida, aproveitar a outrem; assim, quando pedimos para outro a graça inicial. Ora, como a impetração da oração se funda na liberalidade de Deus, a quem oramos, essa impetração pode abranger tudo o que ordenadamente depender do poder divino.

Quanto porém ao subsequente ou acessório a um determinado estado, as obras de um podem aproveitar a outro, não só por via da oração mas também por via do mérito. E isso de dois modos pode ser. ─ Ou por comunicarem as obras de todos numa raiz comum, que nas obras meritórias é a caridade. E portanto todos os mutuamente ligados pela caridade tiram proveito recíproco das suas obras mútuas, contudo, segundo a capacidade do estado de cada um, pois, mesmo na pátria cada qual se regozijará pelas obras dos outros. É tal o artigo da fé chamado da comunhão dos santos. ─ De outro modo, pela intenção do autor das obras, pois certas são especialmente feitas para aproveitarem a outro. Por isso tais obras de certa maneira pertencem àqueles por quem são feitas, quase a eles atribuídas por quem as fez. Por onde, podem lhes valer para cumprir uma satisfação, ou a causa semelhante que lhes não mude o estado.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A messe aludida é a consecução da vida eterna, como nos diz o Evangelho: E o que colhe ajunta para a vida eterna. Ora, a felicidade da vida eterna a ninguém é dada senão pelas suas obras próprias. Porque embora impetrem para que outro alcance a vida eterna, isso porém não poderá nunca ser feito senão mediante obras próprias dele; i. é, enquanto que, pelas preces de um a graça é dada a outro: pela qual merecerá a vida eterna.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ As obras feitas em benefício de outrem deste se tornam. Do mesmo modo, obras de quem constitui comigo uma unidade de certo modo me pertencem. Por onde, não colide com a justiça divina, se um colhe os frutos de obras feitas por quem lhe está unido na caridade, ou das obras em seu benefício feitas por outro. Pois isto também a justiça humana o permite, que a satisfação de um aproveite a outro.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Louvores a ninguém se dão senão pelo ato que praticou. Por isso o louvor é relativo a alguma causa, como diz Aristóteles. E como as obras de um não tornam nem mostram ninguém bem ou mal disposto para alguma causa, daí resulta que ninguém é louvado por obras alheias, senão acidentalmente, quando for de certo modo a causa dessas obras, por ter dado algum conselho ou auxílio, induzindo o autor delas a praticá-las ou de qualquer outro modo. Uma obra porém pode ser meritória para outrem, não só considerada a disposição deste, mas também quanto à alguma consequência da sua disposição ou do seu estado; como do sobredito se colhe.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Privar alguém do que lhe é devido repugna diretamente à justiça. Mas, dar-lhe o que lhe não é devido, longe de ser contrário à justiça, ultrapassa-lhe os limites e constitui uma liberalidade. Ora, não podemos sofrer consequências do mal feito por outrem, senão sendo privado do nosso. Eis porque não pode um ser punido pelo pecado alheio, como pode aproveitar das boas ações de outrem.

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