O segundo discute-se assim. ─ Parece que nem todos ressurgirão das cinzas.
1. ─ Pois, a ressurreição de Cristo é o modelo da nossa. Ora, Cristo não ressurgiu das cinzas, porque a sua carne não viu a corrupção, no dizer da Escritura. Logo, nem todos ressurgirão das cinzas.
2. Demais. ─ O corpo do homem nem sempre é queimado. Ora, nada pode ser reduzido a cinzas senão pela combustão. Logo, nem todos os homens ressurgirão das cinzas.
3. Demais. ─ O corpo de um homem morto não se reduz a cinzas imediatamente depois da morte. Ora, certos ─ os que viverem no fim do mundo ─ ressurgirão logo depois de mortos, como diz o Mestre. Logo, nem todos ressurgirão das cinzas.
4. Demais. ─ O termo de origem corresponde ao termo final. Ora, o termo final da ressurreição não é o mesmo para os bons e para os maus, conforme àquilo do Apóstolo: Todos certamente ressuscitaremos, mas nem todos seremos mudados. Logo, o termo de origem não será o mesmo para todos. Portanto, se os maus hão de ressurgir das suas cinzas, não o hão de os bons.
Mas, em contrário, diz Haymo: Todos os nascidos em pecado original terão que cumprir a sentença ─ és terra e em terra te tornarás. Ora, todos os que ressurgirem, na ressurreição universal, foram réus do pecado original, ou por terem assim nascido do ventre materno, ou pelo menos por terem sido concebidos assim no ventre materno. Logo, todos ressurgirão das suas cinzas.
2. Demais. ─ Muitas cousas há no corpo humano que não pertencem verdadeiramente à natureza humana. Ora, tudo isso há de ser eliminado. Logo, todos os corpos hão necessariamente de reduzir-se a cinzas.
SOLUÇÃO. ─ Pelas mesmas razões por que provamos que todos ressurgirão da morte, provaremos também que todos ressurgirão das cinzas, na ressurreição universal: salvo se a certos, por privilégio especial da graça lhes for concedido o contrário, assim como também lhes pode ser concedido ressurgir antes. Pois, a Escritura Santa prediz a ressurreição, assim também a reconstituição dos corpos. Por onde e necessariamente, assim como todos hão de morrer para poderem com verdade ressurgir, assim os corpos de todos hão de dissolver-se para que todos possam reconstituir-se. Porque, assim como a justiça divina infligiu aos homens a morte como pena, assim também a dissolução do corpo, conforme o diz a Escritura: Tu és terra e em terra te tornarás. Do mesmo modo, a ordem da natureza exige não sàmente a separação da alma do corpo, mas ainda a mistura dos elementos; assim como o vinagre não pode retomar a qualidade do vinho senão depois de feita a sua resolução na matéria primitiva. Ora, essa mistura mesma dos elementos é causada e conservada pelo movimento do céu; cessado o qual, todos os corpos mistos se resolverão nos seus elementos simples.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A ressurreição de Cristo é o modelo da nossa, quanto ao termo final, mas não quanto ao termo original.
RESPOSTA À SEGUNDA ─ Por cinzas se entendem todos os restos do corpo humano dissolvido, por duas razões. ─ Primeiro, porque era costume dos antigos queimar o corpo dos mortos e conservar-lhes a cinza. Donde o ter prevalecido o costume de se chamarem cinzas os elementos em que se resolve o corpo humano. ─ Segundo, pela causa da resolução, o fogo da concupiscência, que infeccionou radicalmente o corpo humano. Por isso, a fim de purificar dessa infecção, há de o corpo humano resolver-se até os seus elementos componentes. Ora, do que se resolve pelo fogo dizermos que se reduziu a cinzas. Donde a denominação de cinzas dada aquilo em que se o corpo humano resolve.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O fogo, que há de purificar a face do mundo, poderá reduzir imediatamente a cinzas os corpos dos que viverem então, assim como resolverá a matéria primitiva os outros corpos mistos.
RESPOSTA À QUARTA. ─ O movimento não se especifica pelo seu termo de origem, mas pelo termo final. Por onde, a ressurreição dos santos, que será gloriosa, há de por força diferir da dos ímpios, que não será gloriosa, pelo termo final e não pelo termo original. Pois, como acontece frequentemente, pede um corpo partir do mesmo ponto de origem e chegar a pontos finais diversos; poderá, de negro, passar a ser branco ou amarelo.