O sexto discute-se assim. – Parece lícito ter solicitude pelas coisas temporais.
1. – Pois, o presidente deve ser solícito por aquilo a que preside, conforme ao Apóstolo: O que preside em vigilância. Ora, o homem preside, por ordenação divina, às coisas temporais, conforme aquilo da Escritura: Todas as coisas sujeitaste debaixo de seus pés, as ovelhas e as vacas, etc. Logo, o homem deve ter solicitude pelas coisas temporais.
2. Demais. – Cada qual é solícito pelo fim em vista do qual age. Ora, é lícito o homem agir em vista das coisas temporais, com as quais sustenta a vida; donde o dizer o Apóstolo: Se algum não quer trabalhar, não coma. Logo, é lícito ter solicitude pelas coisas temporais.
3. Demais. – A solicitude pelas obras de misericórdia é louvável, como diz o Apóstolo: Quando veio a Roma me buscou com diligência. Ora, a solicitude pelas coisas temporais é às vezes obra de misericórdia; por exemplo, quando alguém põe solicitude em tratar dos negócios dos pupilos e dos pobres. Logo, a solicitude pelas coisas temporais não é ilícita.
Mas, em contrário, diz o Senhor: Não vos aflijais, pois, dizendo: Que comeremos ou que beberemos ou com que nos cobriremos? E, contudo essas coisas são sobremaneira necessárias.
SOLUÇÃO. – A solicitude implica no emprego de um certo esforço para conseguirmos alguma coisa. Ora, é claro que empregamos maior esforço quando temos maior medo de falhar; por isso, quando temos certeza de conseguir, menor é a nossa solicitude. Assim, pois, a solicitude pelas coisas temporais pode ser ilícita de três modos.
De um modo, relativamente aqui o em que empregamos a nossa solicitude; assim, se buscamos as coisas temporais como fim. Donde o dizer Agostinho quando o Senhor diz: Não vos aflijais etc., quer com isso significar que não no-las devemos propor como fim e que não pelas adquirir devemos fazer o a que nos manda a pregação do Evangelho. - De outro modo, a solicitude pelas coisas temporais pode ser ilícita, pelo esforço exagerado que pomos em buscá-las, e que nos afasta dos bens espirituais, em que devemos, sobretudo, pôr o nosso fito. Por isso o Evangelho diz: os cuidados deste mundo sufocam a palavra. - De terceiro modo, por causa do temor exagerado, a saber, quando tememos não nos falte o necessário, fazendo o que devemos. O que o Senhor exclui de três modos. Primeiro, por causa dos maiores benefícios que Deus nos fez - o nosso corpo e a nossa alma - que não resultaram da nossa solicitude. Segundo, por causa do cuidado que Deus tem dos animais e das plantas, sem a cooperação humana, proporcionalmente à natureza deles. Terceiro, pela divina Providência, por ignorância da qual os gentios punham principalmente a sua solicitude em buscar os bens temporais. E por isso, conclui que a nossa solicitude deve principalmente ter por objeto os bens espirituais, esperando que teremos também os temporais, segundo as nossas necessidades, se fizermos o que devemos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os bens temporais estão sujeitos ao homem para usar deles, conforme à sua necessidade; não para fazer deles o seu fim e empregar exagerada solicitude em adquiri-los.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A solicitude de quem ganha o pão com o trabalho corporal não é a gerada, mas moderada. Por isso, Jerônimo diz, que devemos exercer o trabalho e abandonar a solicitude, isto é, a exagerada, que tira a paz da alma.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A solicitude pelos bens temporais, para as obras de misericórdia ordena-se ao fim da caridade. Por onde, não é ilícita, se não for exagerada.