O segundo discute-se assim. – Parece que a prudência da carne é pecado mortal.
1. – Pois, o rebelar-se contra a lei divina é pecado mortal, por desprezarmos assim a Deus. Ora, a sabedoria da carne não é sujeita à lei de Deus, como diz o Apóstolo. Logo, a prudência da carne é pecado mortal.
2. Demais. – Todo pecado contra o Espírito Santo é mortal. Ora, a prudência da carne, não podendo estar sujeita à lei de Deus, como diz o Apostolo parece ser pecado contra o Espírito Santo. Portanto, parece ser um pecado irremissível, o que é próprio do pecado contra o Espírito Santo. Logo, a prudência da carne é pecado mortal.
3. Demais. – Ao máximo bem opõe-se o mal máximo, como diz Aristóteles. Ora, a prudência da carne se opõe à prudência, que é a principal entre as virtudes morais. Logo a prudência da carne é a principal entre os pecados mortais; e, portanto, é pecado mortal.
Mas, em contrário. - O que diminui o pecado não implica, por si, um pecado mortal, por natureza. Ora, buscar cautamente o que é próprio das preocupações da carne, e que parece ser pertinente à prudência da mesma, diminui o pecado. Logo, a prudência da carne não implica, por natureza, o pecado mortal.
SOLUÇÃO. – Como já a dissemos, de dois modos pode alguém ser chamado prudente: absolutamente, isto é, em ordem ao fim de toda a vida; ou, relativamente, isto é, em ordem a algum fim particular, como, por exemplo, quando dizemos que alguém é prudente num negócio ou cousa semelhante. Se, pois, considerarmos a prudência da carne no sentido da prudência, tomada na sua natureza absoluta, de modo que constituamos o fim último de toda a vida nas preocupações da carne, então ela é pecado mortal. Pois, nesse caso, o homem se afasta de Deus, por serem impossíveis vários fins últimos, como já estabelecemos. Se porém a prudência da carne for considerada uma prudência de natureza particular, então é pecado venial. Pois, podemos às vezes desejar desordenadamente um deleite da carne, sem nos afastarmos de Deus pelo pecado mortal, e por isso, sem fazermos do deleite carnal o fim de toda a nossa vida. Por onde, aplicar o nosso esforço à consecução desse deleite é pecado venial, implicado na prudência da carne. Não há, porém, prudência da carne quando, por exemplo, por um ato referimos os cuidados com o nosso corpo a um fim honesto, como quando comemos para sustentá-lo; pois, assim agindo, usamos do cuidado com o corpo como de um meio ordenado a um fim.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O Apóstolo se refere à prudência da carne, no sentido de constituirmos o fim de toda a vida humana nos bens da carne. E nesse sentido é pecado mortal.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A prudência da carne não implica pecado contra o Espírito Santo. E a expressão - não pode ser sujeita à lei de Deus - não se deve entender como significando que quem tem a prudência da carne não possa converter-se e sujeitar-se à lei de Deus, mas que tal prudência, em si mesma, não pode estar sujeita à lei de Deus, assim como a injustiça não pode ser justa, nem o calor pode sem frio, embora um corpo quente possa tornar-se frígido.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Todo pecado opõe-se à prudência, assim como todas as virtudes participam dela. Mas, isso não implica que todo pecado oposto à prudência seja gravíssimo; senão, só quando se lhe opõe mui gravemente.