O quarto discute-se assim. – Parece que o dolo não é um pecado compreendido na astúcia.
1. – Pois, os varões perfeitos não têm pecado, sobretudo mortal. Ora, por vezes recorrem ao dolo, conforme à Escritura: Como sou astuto, vos tomei com dolo. Logo, nem sempre o dolo é pecado.
2. Demais. – Parece que o dolo é próprio, sobretudo da língua, conforme à Escritura. Com as suas línguas urdiram enganos. Ora, a astúcia, como a prudência, está no ato mesmo da razão. Logo, o dolo não está compreendido na astúcia.
3. Demais. – A Escritura diz: No coração dos que pensam males há engano. Ora, nem todo pensar no mal está compreendido na astúcia. Logo, parece que o dolo não se compreende na astúcia.
Mas, em contrário, a astúcia é aplicada a enganar, conforme àquilo do Apóstolo: Pela astúcia com que induzem ao erro; ao que também induz o dolo. Logo, o dolo não está compreendido na astúcia.
SOLUÇÃO. – Como já se disse, é próprio da astúcia não proceder por vias retas, mas empregar meios simulados e aparentes para conseguir um fim bom ou mau. Ora, o emprego desses meios podemos considerá-lo à dupla luz. - De um modo, quanto ao ato mesmo de pensar neles. O que é propriamente pertinente à astúcia, assim como cogitar nas vias retas conducentes a um fim devido é próprio da prudência. - De outro modo, podemos considerar o emprego dos referidos meios, quanto à execução da obra. E, essa pertence ao dolo, que, portanto, implica uma certa execução da astúcia.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Assim como a astúcia é propriamente tomada em mau sentido, e abusivamente em bom, assim também o dolo, que é a execução da astúcia.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A execução da astúcia, para enganar, dá-se, primeira e principalmente, por palavras, que têm o lugar principal entre os sinais com que o homem exprime o seu pensamento a outrem, conforme está claro em Agostinho. Por onde, o dolo é atribuído, sobretudo à palavra. Pode contudo, também haver dolo num ato, conforme à Escritura: E usaram de engano com os seus servos. Há também dolo no coração, segundo aquilo: O seu interior está cheio de dolo. Mas isto, no sentido em que alguém cogita em dolos, conforme ao lugar: E todo o dia maquinavam enganos.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Quem pensa em fazer mal necessariamente pensa nos meios de realizar o seu propósito; e quase sempre excogita meios dolosos com que mais facilmente o realize. Embora se de que, certos, às vezes, sem astúcia e dolo, mas, aberta e violentamente pratiquem o mal. Mas, isto por ser mais difícil poucos o podem.