Category: Júlio Fleichman
Discípulo e colaborador de Gustavo Corção, com quem fundou o movimento Permanência, que presidiu até sua morte, em 2005.
Júlio Fleichman
A maior parte dos que compõem o grupo de “Permanência”, pelo menos os que residem no Rio de Janeiro, sabem-se membros de uma escola reunidos em torno de um mestre espiritual.
Ao longo de cerca de 30 anos, menos tempo para alguns, os ensinamentos que recebemos resultaram, sobretudo, da Santa Doutrina da Igreja e da exposição dos pontos principais da serva desta doutrina, a filosofia aristotélico-tomista. Mas, sobretudo, ao longo de todos esses anos, o ensino e o exemplo do mestre que Deus nos deu, mais do que de abstrato professor, não deixaram nunca de fazer incursões retificadoras ou enriquecedoras da mentalidade comum em face dos problemas do momento, que se desenvolviam e desabrochavam em cursos de formação de uma espiritualidade, digamos seu nome próprio, em cursos de teologia ascética e mística. Sim, porque não há de haver necessariamente pretensões maiores do professor ou dos alunos em aprender esta ciência quando tomamos conhecimento da primeira lição fundamental que ali se ensinava: o amor sobrenatural sem medidas e sem limites, acima de tudo o mais impõe como preceito e não como sonho a obrigação — que é elementar e comum a todos os católicos — de buscar a perfeição, de procurar a santidade. Evidentemente não a santidade eminente, a santidade dos altares, mas aquela que, proporcionalmente à nossa pequenez, como ensinam Santa Terezinha, é ardentemente desejada pelo Pai que nos quer perfeitos como Ele é perfeito. Mesmo porque, prossegue a longa lição, longamente ensinada, longamente aprendida anos a fora, a vida espiritual não conhece parada ou descanso. “Quem não progride, regride”.
O progresso, o adiantamento, o crescimento da alma de cada homem se processa em sentido diametralmente oposto ao crescimento, ao progresso no plano natural. Progredir, para os seres vivos do gênero animal — inclusive para o homem —, significa caminhar para uma autonomia crescente e uma crescente iniciativa própria quanto aos atos de pura natureza. Progredir no plano do crescimento espiritual importa em caminhar por desertos e trevas para deixar de lado as iniciativas próprias e a própria vontade e alcançar uma crescente dependência, uma entrega cada vez maior Àquele que nos quer tomar em Suas mãos e fazer-nos caminhar para Ele, como Ele quer e por onde Ele manda. Pela estrada que é chamada com o belo nome de Estrada Real da Santa Cruz, na “Imitação de Cristo”. Tomai sobre vós a vossa cruz e segui-me, diz o Senhor.
Tudo aquilo que aprendemos nas aulas de Dogmática ou que praticamos em termos de virtude e penitência; os atos de religião e culto feitos em termos de oração vocal; a Missa e os Sacramentos, especialmente a Sagrada Eucaristia; a vida monástica e os exercícios espirituais, tudo isso se dirige, encontra seu sentido próprio na preparação e encaminhamento de cada alma para a busca da porta a que bater, para a presença diante do Senhor em que, com mansidão e humildade conforme Ele nos quer, coloquemo-nos, em verdade e singeleza, em Suas mãos. Mas, a verdade manda que se diga que já é Ele que nos trouxe até esta porta e já foi por obra de Sua graça que ouvimos e guardamos o que nos era pedido. O que importa aqui dizer e o que importa que não esqueçamos é que tudo o que possamos querer em matéria de aprendizado de doutrina, de atos de mortificação ou de busca de virtude só tem sentido se nos favorecer na alma a aspiração de um relacionamento pessoal, interior e direto com Nosso Senhor, Ele mesmo, por obra de Sua graça.
É verdade que este empreendimento é não só difícil, mas perigoso e requer, em princípio, a assistência, o socorro de um diretor espiritual que nos acompanhe em nosso itinerário pessoal e não apenas nos ajude como mestre. É verdade que, em tempos normais, a Igreja sempre recomendou que não nos lançássemos a tal empreitada sem direção de um confessor ou, pelo menos, de um homem sábio e virtuoso que nos pudesse assistir em termos pessoais. Mas hoje, sabemos todos, é quase impossível encontrar este tipo de assistência e, por isso, é imprescindível que em nossas orações e nas aspirações que nossa alma dirige ao Senhor, lembremos esta dificuldade e peçamos a Ele que nos socorra, que providencie, como Ele mesmo sabe que precisamos e como Ele mesmo quer. Porque, o fato é que o preceito continua de pé e a sede do Senhor pelas almas que se lhe entregam pessoalmente, na intimidade do coração de cada um, não diminui nem fica suspensa. Por outro lado, o Senhor espera que não nos conformemos com “qualquer um” pseudo-sacerdote ou pseudo-bispo que nos virá falar de “campanhas de fraternidade” ou de outros tipos de corrupção espiritual com que consiga afastar-nos de Deus. Quem nos fala hoje, entre os bispos, uma linguagem que nos lembre, pelo menos nos lembre, a procura de santidade e o preceito correspondente? Quem ainda nos dirá que procure na “Imitação de Cristo” ou em São João da Cruz ou em Santa Terezinha d’Ávila exemplos de ascensão mística que a todos nos é pedida? Mudou nossa religião? Se mudou, se é outra, então nós não a queremos. A nossa religião, a católica, mantém a mesma linguagem, a mesma exigência e o mesmo ardente desejo da parte de Deus.
Não precisamos ter medo de esquecermo-nos das obrigações que os tempos difíceis nos trazem, da necessidade do combate dos deveres de estado, das aflições e dos sofrimentos nossos e alheios. Ninguém perde por esperar. Aquilo que aqui chamamos “nossa cruz” inclui tudo isso. A nós, que recebemos aquelas grandes lições lembradas acima e que procurarmos segui-las, nunca nos faltaram combates, trabalhos, deveres de estado, sofrimentos e aflições. Temos filhos, temos irmãos, temos a visão do que se passa no mundo. Mas, sobretudo, não nos falte, acima de tudo, não nos abandone, a lembrança da necessidade de procura de vida interior; a reiterada e constante aspiração de vivermos na presença de Deus em oração permanente como nos diz S. Paulo que devemos querer; a referência a Deus e de todos os nossos atos, nossos desejos, nossa consideração das coisas do mundo. Se, do alto dessa visão que em Deus tudo centraliza e a Ele tudo refere podemos ver melhor (e sabemos que vemos melhor); se a Ele tudo referindo buscamos, sobretudo, a Sua glória e não a nossa e, com isso, sabemos que todas as coisas, do universo dos homens e de nossa vida particular, ganham dimensões próprias e com elas um enriquecimento proporcionado que o pecador desconhece, não deixemos nunca de aspirar a um crescimento incessante na santidade a que fomos chamados para, esquecidos de nós mesmos e de tudo mais, vivermos permanentemente, crescentemente, a vida da caridade que já é um começo do céu. Pois, com temor e tremor, lembrando-nos de que quem não progride, regride, podemos suspeitar que foi por ignorarem ou terem esquecido tudo isso; foi, talvez, por se terem habituado a uma maneira prevalentemente exteriorizada de praticarem a religião; foi, quem sabe, por um vazio quanto àquilo que o próprio Senhor chamou “o único necessário” que tantos bispos e tantos padres e tantos fiéis, tão fácil e tragicamente se deixaram envolver e desencaminhar pela corrupção que invadiu os átrios da Igreja e, nela, nos meios católicos, nas mais altas cúpulas como em quase todas as paróquias ou colégios católicos ou Ordens Religiosas ou associações ou instituições que já foram ditas “da Igreja”, em toda parte, fez tantos estragos, desviou tanta gente e perdeu tantas almas, talvez.
Permanência, n° 90/91, maio/junho de 1976.
Todo esquerdista é um deformado. E quanto mais culto, quanto mais vinculado aos seus precursores, humanistas no século XVI, “filósofos” ou “esclarecidos” do século XVIII e logo depois, os jacobinos e em seguida os maçons, todos os socialistas de todos os matizes firmam-se obstinadamente em certos postulados arbitrários e na certeza fanática de suas convicções. Quando lhes ocorre chocarem-se com os fatos, pior para os fatos. Se o povo simples, ainda não atingido por suas arengas, repele-os, muitas vezes por simples enfado (são chatíssimos), logo constróem em suas cabeças uma contorção pela qual ficam sendo “reacionários” ou “vendidos” os que não se deixam sensibilizar pelos seus esquemas, todos de conflito: ricos contra pobres, progressistas contra reacionários, inovadores contra “apegados aos seus privilégios de classe”, etc., etc.
Esta deformação mental, porém, tem raízes mais profundas e mais sombrias. Os socialistas são, realmente, almas ressentidas, poços de rancor generalizados, filhos do ódio. Seu ódio, normalmente, volta-se para os que servem-lhes de pretexto ou contra aqueles que lhes barram o caminho.
Que eles são filhos do ódio, sentiu o poeta e exprimiu-o muitíssimo bem. Fernando Pessoa, no seu poema “Ontem à tarde...” (Alberto Caeiro) vai fundo na percepção do que o socialista é:
“Ontem à tarde, um homem das cidades
Falava à porta da estalagem.
Falava comigo também.
Falava da justiça e da luta para haver justiça
E dos operários que sofrem,
E do trabalho constante e dos que têm fome
E dos ricos, que só têm costas para isso.
E olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos
E sorriu com agrado, julgando que eu sentia
O ódio que ele sentia
E a compaixão que ele dizia que sentia”.
........................ (Poema XXXII).
Nos países em que ainda não têm o poder total, esse ódio concentra-se numa surda sabotagem contra os que constituem “a repressão”. É por isso que aparece, sobretudo, entre os intelectuais e em especial na imprensa, um clima, um ambiente, uma mentalidade generalizada que sente a mais completa indiferença pelas vítimas dos criminosos, uma mal disfarçada simpatia pelos criminosos e um ódio implacável contra a polícia que prepara e esconde o ódio total contra o Exército, contra os militares em geral. Mas não se pense que o ódio contra os militares é apenas ódio contra os que lhes barram o caminho. É mais do que isso. É, antes disso, ódio contra aqueles que significam sobretudo uma ordem, um organismo institucional, um regime de subordinação de uns e de exercício de autoridade de outros. É ódio à autoridade mais do que qual quer outra coisa. Ora, o ódio à autoridade esconde o ódio a Deus, ódio que nasce da soberba, ódio que exprime o orgulho, ódio de quem quer ser seu próprio senhor. E deles disse Nosso Senhor: “Odiaram-me sem motivo” (Jo. XV, 25).
(Revista Permanência Julho-Agosto 1986, N° 212-213.)
A CRISE É DE FÉ
Alguns anos antes de falecer, após 35 anos de militância como presidente da Permanência, Júlio Fleichman narrou sua trajetória ao lado de Gustavo Corção — o mais firme de nossos polemistas católicos — os eventos decisivos na formação de seu posicionamento diante desta terrível crise de nosso tempo, e de seu combate aos inimigos da Igreja.
Hoje, os membros de Permanência e os novos católicos que vão se convertendo à defesa da Tradição, reúnem-se na Capela S. Miguel Arcanjo, às sextas e domingos, no Cosme Velho, para assistir a "Missa de sempre" — a Missa Tridentina, celebrada por D. Lourenço Fleichman, OSB — e prosseguir no combate.
Como foi o seu encontro com Gustavo Corção? Como o senhor chegou a conhecê-lo?
LEIA A CONTINUAÇÃO
Este filme despertou enorme atenção pública por três razões: primeiro, por ter sido feito por um grande ator como produtor, Mel Gibson; segundo, por ser uma filmagem da vida de Cristo, numa obra cinematográfica de nível artístico admirável, em tempos de total indiferença, para não dizer desprezo ou rancor, pela pessoa de Jesus Cristo ou por qualquer aspecto de vida religiosa católica e terceiro pela imediata reação agressiva de grupos judeus nos Estados Unidos onde rabinos ligados à organização maçônica judaica B:nai B:rith iniciaram campanha contra o produtor e seu filme acusando-o de ser anti-semita. Esta última razão funcionou como o que os gregos chamavam “estentoreio”, isto é, alto-falantes que atraíram a atenção dos jornais e televisões e provocaram debates acirrados sobre o assunto.
INTRODUÇÃO
Em nossa extrema miséria, os membros da PERMANÊNCIA procuramos durante muitos anos conservar algum tipo de reunião que nos aproximasse um dos outros em razão do amor a Nosso Senhor, para que, de algum modo, encontrássemos um ambiente em que se falasse de Deus e para Ele se voltassem nossos esforços.
Tenho sobre minha mesa 10 pastas cheias de recortes sobre D. Helder Câmara. Cobrem o período que vai de 1964 até 1977. A simples existência dessas pastas, cheias de recortes que nos informaram, aqui no Brasil de TODOS os pronunciamentos de D. Helder Câmara, muitos transcritos na íntegra e em TODOS os jornais, desmentem por si só a alegação de que D. Helder é aqui "totalement censuré", como costuma dizer contra nós o jornal "La Croix" de Paris. Mas, como não pretendo ser democrata nem partidário da liberdade de imprensa (no sentido em que esta expressão é entendida nos Estados Unidos) acrescento que uma coisa D. Helder Câmara tem sido e continua sendo, graças a Deus, impedido de fazer pelo Governo brasileiro. Não que seus pensamentos sejam expressos e publicados mas, sim, que ele faça CAMPANHAS públicas em que mistificaria a opinião pública com sua condição de Arcebispo, fingindo que a Igreja Católica, a que tem 20 séculos e é sempre a mesma, endossa suas atitudes. Isso sim, graças a Deus, lhe é proibido.
A nossa circular aos assinantes de PERMANÊNCIA valeu-nos uma porção de cartas e listas de assinaturas, pedindo ao Papa a recuperação da missa que a Igreja sempre celebrou. Estas cartas foram enviadas a Roma apesar de sua insignificância e do pouco que podem pesar, para influir no curso dos acontecimentos.
A vinda do Messias, o Filho de Deus, centro da História, é o fundamento de toda a Criação e da Redenção da humanidade decaída.
Depois que Ele veio abriram-se os caminhos ainda fechados para a ascensão das almas para o Senhor. Agora, tendo-O como modelo a imitar, guia a seguir, os homens não precisam mais de profetas através dos quais consultem o Senhor sobre a paz ou a guerra porque O têm a Ele, pendurado na Cruz. “Tomai sobre vós a vossa cruz de cada dia e segui-me” é o que Ele nos diz. Trata-se portanto de encarar a vida pessoal de cada um na perspectiva única possível para uma alma religiosa, a da procura ardente da própria santificação, sabendo que ela só de Deus nos pode vir mas que de nosso pedir também depende o conceder. Deus dispôs as concessões de seus dons segundo as orações dos que as devem receber, embora sempre nos cumule abundantemente de graças que recebemos sem suspeitar, embora Ele nos ame primeiro antes que tenhamos um começo de consciência disso.
A LEI FUNDAMENTAL DA IGREJA
“A lei fundamental da Igreja é a salvação das almas”. Mons. Lefebvre diz: “Nós agimos segundo a lei fundamental da Igreja para salvar as almas, salvar o sacerdócio, continuar a Igreja. E é bem isso que está em jogo. Nós nos opomos a certas leis disciplinares para salvar as leis fundamentais da Igreja. Utilizando contra nós leis disciplinares é a destruição das leis fundamentais que ocorre. (...). O novo código de Direito Canônico contém artigos que vão contra os fins da Igreja. Quando se permite dar a comunhão a um protestante, não se pode dizer que isso não seja contra a finalidade da Igreja. Quando se diz que há na Igreja dois poderes supremos, não se pode dizer que isso não vai contra a finalidade da Igreja. A definição da Igreja como “povo de Deus” em que se encontram confundidos todos os ministérios e não se faz mais distinção entre o clero e os leigos, é contrária ao dogma. Tudo isso é contra os fins da Igreja. Destroem os princípios fundamentais do Direito e querem que nos submetamos a isso. Para salvar as leis fundamentais da Igreja fomos obrigados a ir contra leis disciplinares. Em tudo isto, quem está errado, quem tem razão? Evidentemente, têm razão os que salvam as leis fundamentais da Igreja. As leis disciplinares são feitas para servir às leis fundamentais, isto é, a salvação das almas, a glória de Deus, a continuação da Igreja. É perfeitamente claro. (...). O que nós preferiríamos, é claro, é que tudo fosse normal, que nós não nos encontrássemos nessa situação aparentemente ilegal. Mas não nos podem censurar de ter querido mudar seja o que for na Igreja. E por que continuamos? Por que buscamos os fins da Igreja. Se podem nos acusar de faltar a certas leis disciplinares, ninguém pode dizer que a Fraternidade não age segundo as finalidades da Igreja”. E Mons. Lefebvre continua mostrando que mesmo no caso de leis disciplinares a Igreja sempre deixou uma porta aberta, levando em conta a salvação das almas e cita três exemplos: o cânon 2261 que permite, em certas situações, que até mesmo a um padre excomungado se procure para confessar; os que são autorizados a se darem em casamento se não encontram padre idôneo que os case dentro de 30 dias e também para a confirmação, há casos em que um simples padre pode dá-la, por exemplo, em caso de risco de morte iminente (Fideliter número 55).
I. OS DIREITOS E AS OBRIGAÇÕES
Os defensores dos “direitos humanos” entendem, por estas palavras, dois tipos de valores que buscam defender: ora a expressão se refere a problemas de alegadas “torturas” em prisioneiros que eles chamam “políticos” — e nesse caso trata-se de uma campanha que só começou a existir no mundo a partir da derrubada de governos esquerdistas na América Latina — ora dos que se arvoram em defensores dos “direitos humanos” se referem a requisitos “democráticos” da organização social, requisitos esses nascidos das concepções iluministas do século XVIII e que misturam atributos de ordem natural com pretensos direitos de uma lógica materialista presente no humanismo desde a Renascença.