O terceiro discute–se assim. – Parece que a hipocrisia não se opõe à virtude da verdade.
1. – Pois, a simulação supõe um sinal e uma coisa assinalada. Ora, quanto a esses dois elementos, não parece opor–se a nenhuma virtude especial ; pois, o hipócrita simula qualquer virtude; e também por quaisquer obras virtuosas, como pelo jejum, pela oração e pela esmola, como se lê na Escritura. Logo, a hipocrisia não se opõe especialmente à virtude da verdade.
2. Demais. – Parece que toda simulação procede de algum dolo, por isso, opõe–se à simplicidade. Ora, o dolo se opõe à prudência, como se estabeleceu. Logo, a hipocrisia, que é uma simulação, não se opõe à verdade; mas antes, à prudência ou à simplicidade.
3. Demais. – Os atos morais se especificam pelo fim. Ora, o fim da virtude é a obtenção do lucro ou da vanglória. Por isso, àquilo da Escritura – Qual é a esperança do hipócrita, se rouba por avareza, etc., diz a Glosa: O hipócrita chamado em latim simulator (simulador), é um roubador avaro; que, agindo com iniquidade e querendo ser venerado pela sua santidade, rouba o louvor da vida alheia. Ora, a avareza ou a vanglória não se opondo diretamente à verdade, parece que também a ela não se opõe a simulação ou hipocrisia.
Mas, em contrário, toda simulação é uma mentira, como se disse. Ora, a mentira se opõe diretamente à verdade. Logo, também a simulação ou hipocrisia.
SOLUÇÃO. – Segundo o Filósofo, a contrariedade é uma oposição pela forma, que dá a espécie às coisas, Por onde, devemos dizer que a simulação ou hipocrisia pode opor–se a uma virtude de dois modos: direta e indiretamente. – Diretamente a sua oposição ou contrariedade deve ser considerada segundo a espécie mesma do ato, tornada em relação ao seu objeto próprio. Por onde, sendo a hipocrisia uma simulação, pela qual simulamos uma pessoa diferente de nos, como dissemos, se opõe diretamente à verdade, pela qual nos manifestamos, em nossa vida e pelas palavras, tais como somos, conforme o diz Aristóteles. – Indiretamente, porém, a oposição ou contrariedade da hipocrisia pode ser considerada relativamente a qualquer acidente; por exemplo, relativamente a um fim remoto, ou a algum instrumento do ato ou ele qualquer outro modo semelhante.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Hipócrita, que simula uma virtude, a considera como fim; não quanto à sua existência, como se quisesse tê–Ia, mas na sua aparência, como que querendo passar por tê–Ia. E assim agindo, o hipócrita não se opõe a essa virtude, mais à verdade, porque quer enganar os outros aparentando uma virtude que não tem. E quanto à prática dessa virtude, não a abraça, como buscando–a em si mesma, intencionalmente, mas. instrumentalmente como um sinal da mesma, E portanto, procedendo assim, não se coloca em oposição direta a essa virtude.
DONDE A RESPOSTA À SEGUNDA OBJEÇÃO. – Como dissemos, à prudência diretamente se opõe a astúcia, a que é próprio descobrir certas vias aparentes e não reais para realizar um propósito. E ela se exerce propriamente pelo dolo, quando se trata de palavras, e pela fraude, em se tratando de netos. Ora, como a astúcia está para à prudência, assim o dolo e a fraude, para a simplicidade, ordenando–se tanto o dolo como a fraude, .principalmente, a enganar e às vezes, secundariamente, a danificar o próximo. Por onde, a simplicidade deve principalmente abster–se de enganar. E assim sendo, a virtude da simplicidade é como dissemos, idêntica à da verdade, da qual só difere racionalmente. Pois, a verdade consiste em fazer concordar o sinal com o assinalado; e a simplicidade, em não buscar fins diversos, um interior e outro exteriormente.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O lucro ou glória é o fim remoto do simulador, como o é da mentira. Por isso, não se especifica por este fim, mas, pelo fim próximo, que é mostrarmo–nos diferentemente do que somos. Por isso, às vezes se dá que um finge de si, grandes coisas, não tendo em vista nenhum outro fim, mas só pelo prazer ele simular, como diz o Filósofo e como também já o dissemos.