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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Artigo 5 - Se o dom do intelecto existe mesmo nos que não tem a graça santificante.

Parece que o dom do intelecto existe mesmo nos que não tem a graça santificante.

1 – Pois, diz Agostinho, explicando aquilo da Escritura - A minha alma desejou ansiosa as tuas justificações - O intelecto voa rápido, seguindo-o tardo, ou mesmo não o seguindo, o afeto. Ora, todos os que tem a graça santificante tem pronto o afeto, por via da caridade. Logo, pode existir o dom do intelecto nos que não tem a graça santificante.

2. Demais. – A Escritura diz, que é necessário haver inteligência nas visões proféticas; donde se conclui não ir a profecia sem o dom do intelecto. Ora, a profecia pode existir sem a graça santificante, como está claro no evangelho, onde aos que dizem - profetizamos em teu nome - responde-se: eu nunca vos conheci. Logo, o dom do intelecto pode existir sem a graça santificante.

3. Demais. – O dom do intelecto responde à virtude da fé, conforme aquilo da Escritura, de acordo com outra lição: Se o não crerdes não entendereis. Ora, a fé pode existir sem a graça santificante. Logo, também o dom do intelecto.

Mas, em contrário, diz o Senhor: Todo aquele que do Pai ouviu e aprendeu vem a mim. Ora, pelo intelecto, apreendemos e penetramos o que ouvimos, como o diz claramente Gregório. Logo, todo o que tem o dom do intelecto vem a Cristo, o que não é possível sem a graça santificante. Portanto, sem esta, não existe tal dom.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos os dons do Espírito Santo aperfeiçoam a alma, levando esta a deixar-se facilmente mover pelo mesmo. Por onde, o lume intelectual da graça é considerado dom do intelecto, enquanto o intelecto humano se torna bem disposto para ser movido pelo Espírito Santo. Ora, consiste a influência dessa moção em fazer-nos apreender a verdade relativa ao fim. Por isso, enquanto o Espírito Santo não mover a inteligência humana para ter apreciação exata do fim, não consegue ela o dom do intelecto embora conheça por iluminação do mesmo Espírito outros preâmbulos a esse dom. Ora, essa apreciação exata do último fim só a possui aquele que não erra, relativamente a ele, ao qual esta unido, como ao que é ótimo. E isto só o consegue quem tem a graça santificante, assim como, na ordem moral, o homem exerce uma apreciação reta do fim pelo hábito da virtude. Por onde, ninguém tem o dom do intelecto sem a graça santificante.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­– Agostinho chama intelecto a qualquer iluminação intelectual, que contudo não realiza o dom na sua essência perfeita, se não nos levar a inteligência a apreciar com retidão o fim.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A inteligência necessária à profecia é uma iluminação da mente relativa ao que é revelado aos profetas; não o é, porém, relativamente à apreciação reta do fim último, o que pertence ao dom do intelecto.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A fé implica somente um assentimento ao que lhe é proposto. Enquanto que o intelecto implica uma certa percepção da verdade, que não pode ser relativa ao fim senão em quem possui a graça santificante, como se disse. Logo, o caso não é o mesmo, no tocante ao intelecto e à fé.

Artigo 4 - Se o dom do intelecto é infuso em todos os que tem a graça.

O quarto discute-se assim. – Parece que o dom do intelecto não é infuso em todos os que tem a graça.

1. – Pois, como diz Gregório, o dom do intelecto é dado contra o embotamento da mente. Ora, muitos dos que tem a graça ainda padecem desse embotamento. Logo, nem todos os que tem a graça tem o dom do intelecto.

2. Demais. – Entre as coisas que dizem respeito ao conhecimento, só é necessária para a salvação a fé, porque como diz a Escritura, Cristo habita pela fé nos vossos corações. Ora, nem todos os que tem fé tem o dom do intelecto; antes, os que creem devem orar para que entendam, como diz Agostinho. Logo, o dom do intelecto não é necessário para a salvação, e portanto não o tem todos os que estão em graça.

3. Demais. – O que é comum a todos os que tem a graça nunca lhes pode faltar. Ora, a graça do intelecto, e de outros dons, perdemo-la às vezes utilmente; pois às vezes a alma, que compreende coisas sublimes, se eleva pela soberba e, por isso, fica embotada gravemente para atingir causas ínfimas e vis, no dizer de Gregório. Logo, o dom do intelecto não o tem todos os que tem a graça.

Mas, em contrário, a Escritura: Não souberam nem entenderam, andam em trevas. Ora, ninguém, que tenha a graça, anda nas trevas, conforme àquilo do Evangelho: O que me segue não anda em trevas. Logo, ninguém, que tenha a graça, carece do dom do intelecto.

SOLUÇÃO. – Todos os que tem a graça hão de necessariamente ter a retidão da vontade; pois que, pela graça, prepara-se a vontade do homem para o bem, como diz Agostinho. Ora, a vontade não pode ordenar-se retamente para o bem, sem que nela preexista algum conhecimento da verdade, pois o objeto da vontade é o bem conhecido, como diz Aristóteles, Assim como, pois, pelo dom da caridade, o Espírito Santo ordena a vontade do homem a mover-se diretamente para um certo bem sobrenatural, assim, pelo dom do intelecto ilumina-lhe a mente para conhecer uma certa verdade sobrenatural a que deve tender a vontade reta. Por onde, assim como o dom da caridade existe em todos os que tem a graça santificante, assim também o dom do intelecto.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Certos dos que tem a graça santificante podem sofrer embotamento relativo ao que não é necessário à salvação. Mas, no concernente ao necessário, são suficientemente instruídos pelo Espírito Santo, conforme àquilo da Escritura. A sua unção vos ensina em todas as causas.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Embora nem todos os que tem a fé entendam plenamente o que se lhes propõe para crerem, entendem contudo que em tais verdades devem crer e em nada devem desviar-se delas.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O dom do intelecto nunca falta aos santos, relativamente ao necessário à salvação. Mas falta às vezes em relação a outras coisas, de modo que não podem penetrar perfeitamente tudo, pelo intelecto, para que se livrem da contaminação da soberba.

Artigo 2 - Se temos o dom do intelecto simultaneamente com o da fé.

O segundo discute-se assim. – Parece que o dom do intelecto não pode ser possuído simultaneamente com o da fé.

1. – Pois, como diz Agostinho: O que é entendido é delimitado pela compreensão de quem entende. Ora, não cremos o que compreendemos, conforme àquilo do Apóstolo. Não que a tenha eu já alcançado, ou que seja já perfeito. Logo, fé e intelecto não podem coexistir no mesmo sujeito.

2. Demais. – Tudo o que é inteligido é visto pelo intelecto. Ora, é a fé relativa às coisas que não aparecem, como já se disse. Logo, a fé não pode coexistir num mesmo sujeito com o intelecto.

3. Demais. – O intelecto é susceptível de maior certeza que a ciência. Ora, ciência e fé não podem coexistir num mesmo sujeito como já se disse. Logo, com maior razão, o intelecto e a fé.

Mas, em contrário, Gregório diz, que o intelecto, pelas coisas ouvidas, ilumina a mente. Ora, quem tem fé pode ter a mente iluminada relativamente a essas coisas; donde o dizer a Escritura: o Senhor lhe abriu o entendimento aos discípulos, para alcançarem o sentido das Escrituras. Logo, o intelecto pode coexistir com a fé.

SOLUÇÃO. – A questão vertente exige dupla distinção: uma relativa à fé e a outra, ao intelecto. – Quanto à fé, devemos distinguir o que lhe pertence essencial e diretamente e excede a razão natural - como a Trindade e a unidade divinas e a encarnação do Filho de Deus - do que lhe pertence por lhe estar ordenado, de certo modo, como tudo o que contém a divina Escritura. – No concernente ao intelecto, devemos distinguir a dupla acepção em que podemos tomar a palavra inteligir. De um modo, em sentido perfeito, isto é, quando chegamos a conhecer a essência da coisa inteligida e a verdade da proposição inteligida, como em si mesma é. E deste modo não podemos inteligir, por força da fé, o que diretamente a ela pertence. Mas o podemos quanto a certas coisas à fé ordenadas. De outro modo, podemos inteligir uma coisa imperfeitamente, isto é, quando não conhecemos o que é ou de que modo é a essência mesma dela, ou a verdade da proposição; contudo, conhecemos que as aparências externas não contrariam a verdade. Isto é, quando inteligimos que, por causa das aparências externas, não precisamos nos afastar das verdades da fé. E deste modo nada impede intelijamos, enquanto temos fé, também o que essencialmente lhe pertence.

E daqui se DEDUZEM CLARAS AS RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES. – Pois, as primeiras três objeções colhem, no sentido em que inteligimos perfeitamente. E a última procede, quanto ao intelecto das coisas ordenadas à fé.

Artigo 1 - Se o intelecto é um dom do Espírito Santo.

O primeiro discute-se assim. – Parece que não é o intelecto um dom do Espírito Santo.

1. – Pois, os dons gratuitos distinguem-se dos sobrenaturais, a que se acrescentam. Ora, o intelecto é um dom natural da alma, pelo qual conhecemos os princípios evidentes, como o demonstra o Filósofo.  Logo, não deve ser considerado dom do Espírito Santo.

2. Demais. – As criaturas participam, ao seu modo e proporção, dos dons divinos, como está claro em Dionísio. Ora, pelo seu modo, a natureza humana não conhece intuitivamente a verdade, o que é por essência próprio do intelecto, mas discursivamente, o que é próprio da razão, conforme está claro em Dionísio. Logo, o conhecimento divino concedido aos homens deve ser considerado dom, antes, da razão que do intelecto.

3. Demais. – Na divisão das potências da alma, o intelecto se contrapõe à vontade, como claramente o diz Aristóteles. Ora, nenhum dom do Espírito Santo se chama vontade. Logo, também nenhum deve chamar-se intelecto.

Mas, em contrário, a Escritura. E descansará sobre ele o Espírito do Senhor; espírito de sabedoria e de entendimento.

SOLUÇÃO. – O nome de intelecto implica um conhecimento íntimo; pois, inteligir significa quase ler interiormente. E isto aparecerá claro a quem considerar na diferença entre intelecto e sentido, Pois, o conhecimento sensível tem por objeto as qualidades exteriores sensíveis; ao contrário, o conhecimento intelectual penetra até a essência das coisas, porquanto o seu objeto é a quididade das mesma como diz Aristóteles. Ora, por muitos gêneros se distribui a constituição íntima das coisas, que o conhecimento humano deve penetrar até o que tem de mais intrínseco. Assim, sob os acidentes se oculta a natureza substancial dos seres; nas palavras se ocultam as suas significações; nas semelhanças e nas figuras, a verdade figurada. Também o inteligível é, de certo modo, interno, em relação ao sensível, apreendido externamente; e as causas compreendem os efeitos, e reciprocamente. Por onde, podemos considerar o intelecto como concernente a tudo isso. Mas, começando o conhecimento do homem pelos sentidos, como pelo que é quase exterior, é manifesto que, quanto mais forte for a luz do intelecto, tanto mais profunda será a sua penetração. Ora, o lume do nosso intelecto, sendo de virtude finita, tem um grau limitado de penetração. Por isso o homem necessita de um lume sobrenatural, para chegar a certos conhecimentos que não pode alcançar pelo só lume natural. E esse lume sobrenatural dado ao homem chama-se dom do intelecto.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Pelo lume natural infuso em nós conhecemos somente certos princípios gerais, naturalmente conhecidos. Mas, como o homem se ordena a uma felicidade sobrenatural, segundo já se disse, é forçoso, alcance certas noções mais elevadas. E para isso é necessário o dom do intelecto.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O discurso da razão sempre começa pelo intelecto e no intelecto termina; pois, raciocinamos partindo de certos objetos inteligidos. E o discurso da razão se completa quando chegamos a inteligir o que, antes, nos era desconhecido. Portanto, o nosso raciocínio se baseia numa intelecção precedente. Ora, o dom da graça não procede do lume natural, mas se lhe acrescenta, quase para o aperfeiçoar. Por onde, a esse acréscimo não se chama razão, mas antes, intelecto, pois, o lume acrescentado está para o que conhecemos sobrenaturalmente, como o lume natural ao que primordialmente conhecemos.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A vontade designa simplesmente um apetite movido, sem determinação de nenhuma excelência. Ao passo que o intelecto designa uma certa excelência do conhecimento, de penetrar até ao íntimo. Por onde, o dom sobrenatural recebe, antes, a denominação de intelecto, que a de vontade.

Artigo 2 - Se a purificação do coração é efeito da fé.

O segundo discute-se assim. – Parece que a purificação do coração não é efeito da fé.

1. – Pois, a pureza do coração reside precipuamente no afeto. Ora, a fé reside na inteligência. Logo, não causa a purificação do coração.

2. Demais. – Não pode a causa da purificação do coração coexistir com a impureza. Ora, a fé pode coexistir com a impureza do pecado, como o demonstram os que têm a fé informe. Logo, a fé não purifica o coração.

3. Demais. – Se a fé purificasse de algum modo, o coração humano, purificar-nos-ia sobretudo a inteligência. Ora, sendo um conhecimento enigmático, não pode, com a sua obscuridade, purificar o intelecto. Logo, a fé de nenhum modo purifica o coração.

Mas, em contrário, diz a Escritura. Purificando com a fé os seus corações.

SOLUÇÃO. – A impureza de qualquer ser está em mesclar-se com o que lhe é inferior. Assim, não se diz que a prata fica impura por misturar-se com o ouro, que a torna melhor, mas, quando se mistura com o chumbo ou o estanho. Ora, é manifesto, que a criatura racional é mais digna que todas as criaturas temporais e corpóreas. Por isso, torna-se impura quando se une, pelo amor, ao que é temporal. E dessa impureza se purifica pelo movimento contrário, tendendo para Deus, que lhe é superior. Ora, desse movimento o princípio primeiro é a fé, conforme a Escritura: é necessário que o que se chega a Deus; creia logo, o primeiro princípio da purificação do coração é a fé que, quando aperfeiçoada pela caridade informada, causa a purificação perfeita.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ O que pertence ao intelecto é princípio do que pertence ao afeto, por mover a este o bem do intelecto.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A fé, ainda a informe, exclui a impureza do erro, que lhe é oposta. E esta consiste em o intelecto humano unir-se desordenadamente ao que lhe é inferior, querendo medir o divino pelas essências das coisas sensíveis. Mas, quando informado pela caridade, não se compadece com nenhuma impureza, porque, no dizer da Escritura, a caridade cobre todos os delitos.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A obscuridade da fé não depende da impureza da culpa, mas antes, da deficiência natural ao intelecto humano, no estado da vida presente.

Artigo 1 - Se o temor é efeito da fé.

O primeiro discute-se assim. – Parece que o temor não é efeito da fé.

1. – Pois, o efeito não precede à causa. Ora, o temor precede à fé, no dizer da Escritura: Vós os que temeis ao Senhor, crede-o. Logo, não é o temor efeito da fé.

2. Demais. – Os contrários não podem ter a mesma causa. Ora, temor e esperança são contrários, orno se disse, pois, a fé gera a esperança, conforme uma Glosa. Logo, não é causa do temor.

3. Demais. – Um contrário não pode ser causa de outro. Ora, o objeto da fé é o bem da verdade primeira; ao passo, que o do temor é o mal, conforme se disse. E como os atos se especificam pelos seus objetos, segundo já foi estabelecido resulta que não é a fé a causa do temor.

Mas, em contrário, a Escritura: Os demônios creem e estremecem.

SOLUÇÃO. – O temor é um movimento da virtude apetitiva, como já dissemos. Ora, o princípio de todos os movimentos apetitivos é o bem ou o mal apreendido. Por onde e necessariamente será alguma apreensão o princípio do temor e de todos os movimentos apetitivos. Ora, a fé causa em nós uma apreensão de certos males penais aplicados pelo juízo divino. E desse modo é a fé causa do temor, que nos faz temer a punição de Deus; e tal temor é servil. É também a causa do temor filial, pelo qual tememos a separação de Deus, ou pelo qual evitamos compararmo-nos com Ele, pelo reverenciar, considerando-o como o bem imenso e altíssimo, do qual é péssimo o separar-se e mau querermos com Ele nos igualar. Da primeira espécie de temor porém, isto é, do servil, é a causa a fé informe; e do temor filial, que é o da segunda espécie, é a causa a fé informada que, pela caridade, leva o homem a unir-se e a submeter-se a Deus.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ O temor de Deus não pode, universalmente, preceder a fé, porque, se lhe ignorassemos de todo os prêmios ou as penas, que conhecemos pela fé, de nenhum modo o temeríamos. Mas, suposta a fé em certos artigos, por exemplo, na excelência divina, daí resulta o temor de reverência; donde se segue, ulteriormente, que o homem deve sujeitar a inteligência a Deus para crer tudo o que Ele prometeu. Por isso, o texto citado acrescenta: E não vós faltará a sua recompensa.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Os contrários podem ter a mesma causa, em pontos de vista opostos, não porém no mesmo ponto de vista. Assim, a fé gera a esperança, fazendo-nos levar em conta os prémios com que Deus retribui os justos; e, por outro lado, gera o temor, fazendo­nos levar em conta as penas que inflige aos pecadores.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O objeto primário e formal da fé é o bem que é a verdade primeira; mas, materialmente, também são propostos à fé certos males. Por exemplo, que é mau não se sujeitar a Deus ou separar-se dele; e que os pecadores sofrerão males penais infligidos por Deus. E assim, pode a fé ser causa do temor.

Artigo 2 - Se é a fé informe um dom de Deus.

O segundo discute-se assim. – Parece que a fé informe não é um dom de Deus.

1. –Pois, como diz a Escritura; as obras de Deus são perfeitas, Ora, a fé informe é imperfeita. Logo, não é obra de Deus.

2. Demais. –Assim como se chama disforme a um ato que não tem a forma devida, assim também informe se chama à fé sem a devida forma. Ora, o ato disforme do pecado não vem de Deus como já se disse. Logo, também de Deus não vem a fé informe.

3. Demais. –Deus cura totalmente a quem cura, conforme a Escritura. Se recebe um homem a circuncisão em dia de sábado, por não se violar a lei de Moisés, porque vos indignais vós de que eu em dia de sábado curasse a todo um homem? Ora, pela fé o homem se cura da infidelidade. Logo, quem quer que receba de Deus o dom da fé fica imediatamente purificado de todos os pecados. Mas, isto não se opera senão pela fé informada. Portanto, só a fé informada é dom de Deus, com exclusão da fé informe.

Mas, em contrário, uma certa Glosa diz: a fé sem a caridade é que é um dom de Deus. Ora, esta é informe. Logo, a fé informe é um dom de Deus.

SOLUÇÃO. –  A informidade é uma privação. Ora, devemos atender a que a privação respeita umas vezes, à essência específica; outras, não, mas sobrevém ao ser já constituído na sua espécie própria. Assim, a privação do equilíbrio devido dos humores concerne à essência mesma específica da doença; ao contrário, a obscuridade não pertence à essência específica mesma do que é diáfano, mas lhe sobrevém. Ora, quando se determina a causa de um ser, entendemos assinalá-la relativamente à espécie própria do mesmo. Por onde, o que não pode ser considerado causa da privação também não o pode, do ser a que a privação diz respeito especificamente. Assim, não pode ser considerada causa da doença a que não o é do desiquilíbrio dos humores. Pode, contudo ser considerada causa da diafaneidade o que não o é da obscuridade, que não concerne à essência específica daquela. Ora, a informidade da fé não lhe respeita à essência específica, pois informe se chama à fé a que falta uma certa forma exterior, como já dissemos. Por onde, a causa da fé informe é a causa da fé em si mesma considerada. E essa é Deus, segundo já foi dito. Donde se conclui ser a fé informe um dom de Deus.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Embora a fé informe não tenha, absolutamente falando, a perfeição da virtude, é perfeita, contudo, de uma certa perfeição, que basta à da fé, na sua essência.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A disformidade de um ato moral diz-lhe respeito à essência específica, como já dissemos. Pois, chama-se disforme o ato privado da sua forma intrínseca, que é a proporção devida entre as circunstâncias dele. Logo, Deus não pode ser considerado causa do ato disforme. Ele, que não é causa da disformidade, embora o seja do ato como tal. - Ou, devemos dizer que a disformidade implica, não só a privação da forma devida, mas ainda, uma disposição contrária. Por onde, está a disformidade para o ato como a falsidade, para o fim. Logo, como o ato disforme, também nenhuma fé falsa vem de Deus. E assim como de Deus procede a fé informe, assim também os atos genericamente bons, embora não informados pela caridade, como frequentemente se dá com os pecadores.

RESPOSTA À TERCEIRA. –Quem recebe de Deus a fé, sem a caridade, não fica, absolutamente falando, resguardado de ser infiel, por não ficar removida a culpa da infidelidade precedente; mas o fica relativamente, de modo que se liberte desse pecado. Pois frequentemente acontece que, por ação divina, deixamos de praticar um ato pecaminoso sem contudo deixarmos a prática de outro ato dessa natureza, por sugestão da nossa própria iniquidade. E também, deste modo, Deus concede a um a fé sem lhe dar o dom da caridade; como, ainda dá a certos, sem a caridade, o dom da profecia e outros semelhantes.

Artigo 1 - Se é a fé infundida no homem por Deus.

O primeiro discute-se assim. – Parece que não é a fé infundida no homem por Deus.

1. –Pois, como diz Agostinho pela ciência gera-se, nutre-se, defende-se e fortifica-se em nós a fé. Ora, o que é gerado em nós pela ciência parece, antes, adquirido que infuso. Logo, não temos fé por infusão divina.

2. Demais. –O que o homem alcança, ouvindo e vendo, considera-se como adquirido por ele. Ora, ele adquire a fé vendo os milagres e ouvindo doutrina da mesma, conforme diz a Escritura: Conheceu o pai ser aquela mesma hora em que Jesus lhe dissera : Teu filho vive. E creu ele, e toda a sua casa ainda: a fé é pelo ouvido. Logo, tem a fé por aquisição.

3. Demais. –O que lhe está ao alcance da vontade o homem pode adquirir. Ora, a fé depende da vontade de quem crê, como diz Agostinho. Logo, podemos adquiri-la.

Mas, em contrário, a Escritura pela graça é que sois salvo mediante a fé, e isto não vem de vós porque é um dom de Deus.

SOLUÇÃO. –Duas condições exige a fé: ser-nos proposto o que devemos crer, para crermos explicitamente; e o assentimento ao que nos é proposto.

Pela primeira condição ela vem necessariamente de Deus. Pois, as verdades da fé, excedendo a razão humana, não são susceptíveis de contemplação pelo homem, se Deus não as revelar. Ora, a certos, como aos Apóstolos e aos profetas, Deus as revelou imediatamente; a outros, as propõe mediante pregadores da fé, como o diz a Escritura: Como pregarão eles se não forem enviados?

Em relação à segunda, isto é, ao assentimento do homem às verdades da fé, podemos considerar-lhe dupla causa. Uma inducente à fé, exteriormente, como um milagre presenciado ou a persuasão de uma pessoa, que leva a ter fé. Nem uma nem outra, porém, é causa suficiente, pois, dos que veem um mesmo milagre e dos que ouvem a mesma pregação, uns creem e outros, não. Portanto, é preciso admitir-se outra causa interior, que mova o homem, de dentro, a assentir nas verdades da fé. E essa os Pelagianos consideravam como sendo só o livre arbítrio. E diziam, por isso, que o início da fé está em nós, pois por nós mesmos nos preparamos a assentir às verdades dela. Porém a consumação da fé vem de Deus, que nos propõe o que devemos crer. Mas esta doutrina é falsa. Porque, o homem, assentindo nas verdades da fé, eleva-se acima da sua natureza, o que não pode se dar senão por um princípio sobrenatural, que move de dentro e que é Deus. Logo, a fé, quanto ao assentimento, que é o principal, no ato da mesma, vem de Deus, movendo interiormente, pela graça.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –A ciência que obra a modo de persuasão exterior, gera e nutre a fé. Mas, a causa principal e própria da fé é a que move, interiormente, a assentir.

RESPOSTA À SEGUNDA. –A objeção feita também procede, quanto à causa, que propõe exteriormente as verdades da fé, ou que persuade a crer por palavras ou obras.

RESPOSTA À TERCEIRA. –Crer depende, sem dúvida, da vontade do crente. Mas, é necessário seja a sua vontade preparada pela graça de Deus, para poder elevar-se ao que lhe excede à natureza, como já dissemos.

Artigo 4 - Se pode um ter maior fé que outro.

O quarto discute-se assim. – Parece que não pode um ter maior fé que outro.

1 – Pois, um hábito depende quantitativamente do seu objeto. Ora, quem tem fé crê em todas as verdades dela, porque, se não crê em alguma, perde totalmente a fé, como já se disse. Logo, parece que não pode um ter maior fé que outro.

2. Demais. –O que está no lugar supremo não é susceptível de mais nem de menos. Ora, a fé, por essência, está em supremo lugar, pois, para tê-la, deve o homem aderir à primeira verdade, acima de tudo. Logo, não é a fé susceptível de mais e de menos.

3. Demais. – A fé desempenha, no conhecimento, quanto à ordem da graça, o mesmo papel que o intelecto, faculdade dos princípios, no conhecimento natural, porque os artigos da fé são os princípios primeiros do conhecimento, na ordem da graça, como do sobredito resulta. Ora, o intelecto, faculdade dos princípios, a tem igualmente todos os homens. Logo, também a fé hão de tê-la igualmente todos os fiéis.

Mas, em contrário. –Onde quer que haja pequeno e grande há de também haver maior e menor. Ora, na fé há grande e pequeno; pois, diz o Senhor a Pedro: Homem de pouca fé, porque duvidastes? E à mulher: Ó mulher, grande é a tua fé. Logo pode a fé ser maior em um que em outro.

SOLUÇÃO. –Como já dissemos, um hábito pode quantitativamente ser considerado à dupla luz: quanto ao seu objeto e quanto à participação do sujeito. - Ora, o objeto da fé pode ser considerado sob dois aspectos: quanto à sua razão formal e quanto ao materialmente proposto para ser crido. Quanto ao seu objeto formal, ele é uno e simples, a saber, a verdade primeira, como já se disse. E assim, por este lado, a fé não se diversifica nos seus crentes, mas é especificamente a mesma em todos, como já dissemos. Ao contrário, o que é materialmente proposto para ser crido é múltiplo e susceptível, explicitamente, de mais ou menos. E sendo assim, pode um homem crer, explicitamente, em mais verdades, que outro e, portanto, ter maior fé, conforme a maior explicitação dela. - Considerada porém a fé na participação do sujeito, o mesmo pode se dar, de dois modos, porque o ato de fé procede tanto do intelecto como da vontade. como já dissemos. Portanto, pode-se dizer que um tem maior fé que outro quer por ter o intelecto maior certeza e segurança, quer por ter a vontade mais pronta, devota ou confiante.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Quem descrê pertinazmente alguma verdade de fé não tem o hábito da mesma, que tem, ao contrário, quem, não crendo em todas explicitamente, está contudo pronto a crê-las. E deste modo, quanto ao objeto, tem fé maior que outro quem crê explicitamente em mais artigos, como dissemos.

RESPOSTA À SEGUNDA. – É da essência da fé antepor a verdade primeira a todas as outras. Contudo, dos que a antepõem a tudo o mais, uns se lhe sujeitam mais certa e devotamente que outros. E por aí tem fé maior que outros.

RESPOSTA À TERCEIRA. –O intelecto dos princípios resulta da natureza humana como tal, que existe igualmente em todos. Ao passo que é a fé um dom da graça, que em todos não existe, igualmente. Logo, o caso não é o mesmo. – E, contudo conforme a maior capacidade do intelecto, um conhece mais a virtude dos princípios, que outro.

Artigo 3 - Se o herético, que não crê num artigo de fé, pode ter fé informe nos outros.

O terceiro discute-se assim. –Parece que o herético, que não crê num artigo de fé, pode ter fé informe nos outros.

1. –Pois, o intelecto natural do herético não é mais potente que o do católico. Ora, este, para crer em qualquer artigo de fé, precisa ser ajudado pelo dom da mesma. Logo, também os heréticos não podem, sem o dom da fé informe, crer em nenhum artigo de fé.

2. Demais. –Assim como a fé contém muitos artigos, assim também uma mesma ciência, por exemplo, a geometria, abrange muitas conclusões. Ora, qualquer pode ter a ciência de certas conclusões geométricas, ignorando as outras. Logo, também pode ter fé em uns artigos, e não em outros.

3. Demais. –Assim como o homem obedece a Deus, para crer em certos artigos, assim também, para observar os mandamentos da lei. Ora, pode ser obediente em relação a uns mandamentos e não, a outros. Logo, pode ter fé nuns artigos e não, em outros.

Mas, em contrário. –Assim como um pecado mortal contraria a caridade, assim descrer num artigo contraria à fé. Ora, a caridade não subsiste no homem depois do pecado mortal. Logo, nem a fé, em quem não crê num artigo.

SOLUÇÃO. –O herético, que descrê um artigo, não tem o hábito da fé informada, nem o da informe. E a razão é que a espécie de qualquer hábito depende da razão formal do objeto, a qual, desaparecida, a espécie do hábito não pode subsistir. Ora, é o objeto formal da fé a verdade primeira manifestada pelas Sagradas Escrituras e pela doutrina da Igreja. Por onde, quem quer que não adira, como a uma regra infalível e divina, à doutrina da Igreja, procedente da verdade primeira manifestada pela Sagrada Escritura, não tem o hábito da fé. Aceita, porém as verdades da fé de modo diferente do que, por ela as aceitaria. Assim como quem admitisse mentalmente alguma conclusão, sem lhe conhecer o meio por que é demonstrada, manifestamente não tem dela a ciência, mas só a opinião. Ora, é claro que quem adere à doutrina da Igreja, como à regra infalível, assente a, tudo o que a Igreja ensina. Do contrário, se, do que ela ensina, aceitasse como lhe apraz, umas coisas e não, outras, já não aderiria a essa doutrina, como à regra infalível, mas à vontade própria. E assim é manifesto que o herético descrendo pertinazmente um artigo, não está disposto a seguir em tudo a doutrina da Igreja; se porém, não houver pertinácia, já não é herético, mas apenas errado. Por onde, é claro que tal herético, em relação a um artigo, não tem fé nos outros, mas uma certa opinião fundada na vontade própria.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ O herético não admite os artigos de fé, em relação aos quais não erra, como os admite o fiel, isto é, aderindo absolutamente à verdade primeira, para possuir a qual o homem precisa ser ajudado pelo hábito da fé, Mas, as admite por vontade e juízo próprios.

RESPOSTA À SEGUNDA. –As diversas conclusões de uma mesma ciência são provadas por meios diversos, dos quais um pode ser conhecido sem o serem os outros. Por isso podemos conhecer certas conclusões de uma ciência sem conhecer as outras. Mas a todos os seus artigos a fé adere por um só meio, a saber, por causa da verdade primeira que nos é a proposta pela Escritura, conforme à doutrina da Igreja, entendidas retamente. Logo, quem rejeita esse meio carece totalmente da fé.

RESPOSTA À TERCEIRA. –Preceitos diversos de lei podem referir-se a motivos diversos próprios e próximos, e então, um pode ser observado sem os outros; ou, a um motivo primeiro, que é obedecer a Deus perfeitamente. Ora, deste se afasta quem transgride um preceito, conforme a Escritura. Quem faltar em um só ponto faz-se réu de ter violado todos.

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