(In Psalm.XVIII).
O primeiro discute-se assim. — Parece que o amor não é causa do temor.
1. — Pois, o que provoca alguma coisa é causa da mesma. Ora, o temor provoca o amor de caridade, como diz Agostinho. Logo, o temor é causa do amor e não inversamente.
2. Demais — Como diz o Filósofo, tememos sobretudo aqueles de quem esperamos algum mal iminente. Ora, somos levados mais ao ódio do que ao amor daqueles de quem esperamos algum mal. Logo, o temor é causado mais pelo ódio do que pelo amor.
3. Demais — Como já se disse, o que provém de nós mesmos não se manifesta como temível. Ora, o que procede do amor provém, especificamente, do íntimo do coração. Logo, o temor não é causado pelo amor.
Mas, em contrário, diz Agostinho: É certo que não há outra causa de temor senão a de perdermos o objeto amado quando possuído, ou não possuí-lo quando esperado. Logo, todo temor é causado por amarmos alguma coisa. Portanto, o amor é causa do temor.
Solução. — Os objetos das paixões da alma estão para ela como as formas para os seres naturais ou artificiais; pois as paixões se especificam pelos seus objetos, como os seres naturais pelas suas formas. Por onde, assim como a causa da forma o é daquilo que ela constitui; assim, tudo o que, de qualquer modo, é causa do objeto, é causa da paixão. Ora, a causa de um objeto pode ser eficiente ou dispositiva material. Assim, o objeto do prazer é o bem aparente conveniente e conjunto, cuja causa eficiente é o que produz a conjunção, a conveniência, a bondade ou a aparência desse bem. Por outro lado, a causa dispositiva material é o hábito, ou qualquer disposição pelo qual se nos torna conveniente ou aparente o bem conjunto.
Assim pois no caso em questão, o objeto do temor é o mal considerado como tal, como futuro e próximo e ao qual não podemos resistir facilmente. E portanto o que nos pode causar esse mal é causa efetiva do objeto do temor, e por conseqüência do próprio temor. O que porém nos torna de tal modo dispostos que temamos o mal de que acabamos de falar, é causa do temor e do seu objeto, como disposição material. E deste modo o amor é causa do temor. Pois, é de amarmos um bem que se nos torna mal o que dele nos priva; e por isso o tememos como um mal.
Donde a resposta à primeira objeção. — Como já dissemos, o temor em si mesmo e primariamente diz respeito ao mal de que foge, e oposto a algum bem amado, e portanto, nasce do amor. Secundariamente porém respeita aquilo por que provém o mal. E assim, acidentalmente, às vezes provoca o amor, i. é, quando tememos sermos punidos por Deus, observamos-lhe os mandamentos; donde, o início da esperança, que provoca o amor, como já dissemos.
Resposta à segunda. — Começamos por ter ódio à pessoa de quem esperamos o mal; mas, começa a ser amada desde que dela começamos a esperar o bem. Pois, desde o princípio era amado o bem, a que contraria o mal temido.
Resposta à terceira. — A objeção procede relativamente à causa eficiente de um mal temível, ao passo que o amor é causa do mal a modo de disposição material, como já dissemos.