Category: Santo Tomás de Aquino
(III Sent., dist. XXXIII, q. 1, a . 1, q. 1).
O terceiro discute-se assim. — Parece que os hábitos não se distinguem pelo bem e pelo mal.
1. — Pois, o bem e o mal são contrários. Ora, um mesmo hábito pode referir-se a dois contrários, como já se disse. Logo, os hábitos não se distinguem pelo bem e pelo mal.
2. Demais — O bem converte-se com o ente e assim, sendo comum a todos, não pode ser considerado como diferença de nenhuma espécie, conforme se vê claramente no Filósofo. Semelhantemente, o mal, sendo privação e não-ente, não pode ser diferente de nenhum ser. Logo, os hábitos não se podem distinguir especificamente pelo bem e pelo mal.
3. Demais — Diversos hábitos maus podem dizer respeito ao mesmo objeto, como os que dizem respeito à concupiscência, à intemperança e à insensibilidade; e o mesmo se dá com muitos hábitos bons, como a virtude humana e a heróica ou divina, conforme se vê claramente pelo Filósofo. Logo, os hábitos não se distinguem pelo bem e pelo mal.
Mas, em contrário, o hábito bom contraria o hábito mau; assim, a virtude, o vício. Ora, os contrários são especificamente diversos. Logo, os hábitos diferem especificamente pelo bem e pelo mal.
Solução. — Como já dissemos, os hábitos se distinguem especificamente, não só pelos objetos e princípios ativos, mas também por ordenarem-se à natureza; e isto pode dar-se de dois modos. — De um modo, conforme a conveniência ou inconveniência em relação à natureza. E então distingue-se especificamente o hábito bom e o mau. Pois, chama-se bom o que dispõe para o ato conveniente à natureza do agente; e mau é o que dispõe para o ato não conveniente à natureza. Assim, os atos das virtudes da natureza humana convêm em serem conformes à razão; ao passo que os dos vícios, sendo contrários à razão, discordam da natureza humana. Por onde, é manifesto que os hábitos se distinguem especificamente pela diferença do bem e do mal. — De outro modo, segundo a natureza, os hábitos distinguem-se enquanto que uns dispõem para o ato conveniente à natureza inferior; outros, ao ato conveniente à natureza superior. E assim a virtude humana, que dispõe para o ato conveniente à natureza humana, distingue-se da virtude divina ou heróica, que dispõe para o ato conveniente a uma certa natureza superior.
Donde a resposta à primeira objeção. — Um mesmo hábito pode referir-se a dois contrários, quando estes convêm numa mesma noção. Nunca porém se pode dar que hábitos contrários sejam de uma mesma espécie; pois, a contrariedade dos hábitos se funda em noções contrárias. E assim os hábitos se distinguem pelo bem e pelo mal, i. é, enquanto um é bom e outro mau; e não porque um diga respeito ao bem e outro, ao mal.
Resposta à segunda. — O bem comum a todos os entes não é uma diferença constitutiva da espécie de nenhum hábito; mas, um certo e determinado bem, fundado na conveniência com uma determinada natureza, a saber, a humana. Semelhantemente, o mal, como diferença constitutiva do hábito, não é uma privação pura, mas algo de determinado, repugnante a uma determinada natureza.
Resposta à terceira. — Vários hábitos bons referentes ao mesmo objeto específico, distinguem-se pela conveniência com diversas naturezas, como já se disse. Ao passo que vários hábitos maus se distinguem, relativamente a uma mesma ação, pelas diversas repugnâncias relativas ao que é conforme à natureza; assim, a uma virtude são contrários os diversos vícios relativos à mesma matéria.
(Infra, a . 3; q. 60, a . 1; q. 63, a . 4; III Sent., dist. XXXIII, q. 1. a . 1, qª 1).
O segundo discute-se assim. — Parece que os hábitos não se distinguem pelos objetos.
1. — Pois, os contrários são especificamente diferentes. Ora, o mesmo hábito da ciência diz respeito a objetos contrários; assim, a medicina tem por objeto o são e o doente. Logo, os hábitos não se distinguem por objetos especificamente diferentes.
2. Demais — Ciências diversas pertencem a hábitos diversos. Ora, um mesmo cognoscível pode pertencer à ciência diversas; assim, o naturalista e o astrólogo demonstram que a terra é redonda, como diz Aristóteles. Logo, os hábitos não se distinguem pelos objetos.
3. Demais — Os mesmos atos têm o mesmo objeto. Ora, um mesmo ato pode pertencer a diversos hábitos virtuosos, desde que se refira a fins diversos; assim, dar dinheiro a alguém, por amor de Deus, pertence à caridade; mas, se for para solver um débito, pertence à justiça. Logo, também um mesmo objeto pode pertencer a diversos hábitos; e portanto, a diversidade dos hábitos não depende da diversidade dos objetos.
Mas, em contrário. — Os atos diferem especificamente segundo a diversidade dos objetos, como já se disse. Ora, os hábitos são certas disposições para os atos. Logo, também se distinguem pelos seus objetos diversos.
Solução. — O hábito é tanto hábito como uma determinada forma. Por onde, a distinção dos hábitos pode fundar-se na espécie, ou no modo comum pelo qual as formas se distinguem especificamente, ou no modo próprio da distinção dos hábitos. Ora, as formas se distinguem umas das outras pelos diversos princípios ativos, porque todo agente produz o que lhe é especificamente semelhante. O hábito, por seu lado, implica em ordenar-se para algum termo. Ora, todas as coisas que se consideram ordenadas para algum termo, distinguem-se pela distinção dos termos a que se ordenam. Ora, o hábito é uma disposição ordenada para dois termos: a natureza e a operação dela resultante. — Assim, pois, a três luzes os hábitos se distinguem especificamente: pelos princípios ativos de tais disposições, pela natureza e pelos objetos especificamente diferentes, como a seguir se explicará.
Donde a resposta à primeira objeção. — Na distinção das potências e também dos hábitos, não devemos considerar o objeto materialmente, mas a sua noção específica ou mesmo genericamente diferente. Pois, embora os contrários especificamente difiram pela diversidade das coisas, contudo pela mesma razão os conhecemos a ambos, pois um é conhecido pelo outro. E portanto, enquanto convêm na mesma razão de cognoscibilidade, pertencem ao mesmo hábito cognoscitivo.
Resposta à segunda. — Que a terra é redonda, o físico o demonstra por um meio e o astrólogo por outro. Este o faz por meios matemáticos, como, pelas figuras dos eclipses ou outro meio semelhante. O físico, por seu lado, o demonstra por meios naturais, como o movimento dos graves para o centro ou meios semelhantes. Ora, todo o valor da demonstração, que é o silogismo que nos leva ao conhecimento, como se disse, depende do termo médio. Por onde, meios diversos são como diversos princípios ativos, pelos quais os hábitos das ciências se diversificam.
Resposta à terceira. — Como diz o Filósofo, o fim se comporta relativamente às ações, como o princípio relativamente às demonstrações. Por onde, a diversidade dos fins diversifica as virtudes, bem como a diversidade dos princípios ativos. Ora, são os fins, objetos dos atos internos, que pertencem principalmente às virtudes, como do sobredito resulta.
(III Sent., dist. XXXIII, q. 1, a . 1, qª 1; De Verit., q. 15, a . 2, ad 11; De Virtut., q. 1, a . 12, ad 4).
O primeiro discute-se assim. — Parece não podem existir muitos hábitos numa mesma potência.
1. — Pois, a multiplicação de uma atividade, que se distingue de outra pelo mesmo fundamento, acarreta a multiplicação dessa outra. Ora, a potência e o hábito distinguem-se pelo mesmo fundamento, a saber, pelos atos e pelos objetos. Logo, também assim se multiplicam. Logo, não podem existir muitos hábitos numa mesma potência.
2. Demais — A potência é uma virtude simples. Ora, num sujeito simples não pode haver diversidade de acidentes, porque o sujeito é causa do acidente e do que é simples só pode resultar um ser. Logo, numa mesma potência não podem existir muitos hábitos.
3. Demais — Assim como o corpo é formado pela figura, assim o é a potência pelo hábito. Ora, um mesmo corpo não pode ser formado simultaneamente por várias figuras. Logo, também uma potência não pode ser simultaneamente formada por muitos hábitos. Logo, muitos hábitos não podem existir simultaneamente na mesma potência.
Mas, em contrário, o intelecto é uma potência, na qual, contudo há hábitos de diversas ciências.
Solução. — Como já dissemos, os hábitos são disposições do que é potencial em relação a alguma coisa, quer seja a natureza, quer uma operação ou fim da natureza. — Ora, os hábitos que são disposições para a natureza, podem, manifestamente, existir vários num mesmo sujeito, porque as partes deste podem ser consideradas diversamente, e conforme a disposição delas assim se denominam os hábitos. Assim, se consideramos os humores como partes do corpo humano, da disposição deles em a natureza humana depende o hábito ou disposição da saúde. Se porém considerarmos as partes semelhantes, como os nervos, os ossos e as carnes, a mesma disposição em ordem à natureza constitui a fortaleza ou a magreza. Se por fim levarmos em conta os membros, como as mãos, os pés e outros, a disposição deles conveniente à natureza é a beleza. E assim há vários hábitos ou disposições num mesmo sujeito.
Se porém considerarmos os hábitos que são disposições para a operação e que propriamente pertencem às potências, também podem vários pertencer a uma mesma potência. E a razão é que o sujeito do hábito é a potência passiva, como já dissemos; pois, a potência que só é ativa não é sujeito de nenhum hábito, como consta claramente do sobredito. Ora, a potência passiva está para o ato determinado de uma mesma espécie, como a matéria está para a forma; pois assim como a matéria é determinada a uma mesma forma por um mesmo agente, assim a potência passiva é determinada, por virtude de um objeto ativo, a um ato específico. Por onde, assim como vários objetos podem mover uma potência passiva, assim uma potência passiva pode ser sujeito de diversos atos ou perfeições especificamente considerados. Ora, os hábitos são qualidades ou formas inerentes à potência, pelos quais esta se inclina a atos especificamente determinados. Por onde, a uma mesma potência podem pertencer vários hábitos, assim como vários atos especificamente diferentes.
Donde a resposta à primeira objeção. — Como nos seres naturais a diversidade das espécies se funda na forma, e a diversidade dos gêneros se funda na matéria, como já se disse, porque seres genericamente diversos têm matéria diversa; assim também a diversidade genérica dos objetos produz a distinção das potências, e por isso o Filósofo diz que seres genericamente diferentes têm também partículas diferentes da alma. A diversidade específica dos objetos, por fim, causa a diversidade específica dos atos e por conseqüência, dos hábitos. Ora, a diversidade genérica implica a diversidade específica, mas não inversamente. Portanto, a potência diversas correspondem atos específicos diversos e diversos hábitos. Não é necessário porém que hábitos diversos pertençam a potências diversas; antes, vários podem pertencer a uma mesma potência. E assim como há gêneros de gêneros e espécies de espécies, assim também podem existir diversas espécies de hábitos e potências.
Resposta à segunda. — Embora essencialmente simples, a potência é de virtude múltipla, porque pode se estender a muitos atos especificamente diferentes. Por onde, nada impede existam numa mesma potência muitos hábitos especificamente diferentes.
Resposta à terceira. — O corpo é formado pela figura como pela sua terminação própria. Ora, o hábito não é uma terminação da potência, mas, uma disposição para o ato, como seu último termo. Portanto, numa mesma potência não podem existir simultaneamente vários hábitos, senão talvez enquanto um está compreendido no outro; assim como também um mesmo corpo não pode ter várias figuras, senão enquanto que uma está na outra, como o triângulo no quadrângulo. Pois, o intelecto não pode inteligir muitos objetos simultânea e atualmente; pode porém saber muitas simultânea e habitualmente.
Em seguida devemos tratar da distinção dos hábitos. E sobre este ponto quatro artigos se discutem:
(IIª-IIªe, q. 24, a . 10; I Sent., dist. XVII, q. 2, a . 5).
O terceiro discute-se assim. — Parece que o hábito não se destrói ou diminui só pelo cessar da atividade.
1. — Pois, os hábitos são mais permanentes que as qualidades passivas, como do sobredito resulta. Ora, as qualidades passivas não se destroem nem diminuem pela cessação do ato; assim, a brancura não diminui, embora não imute a vista, nem o calor, mesmo que não aqueça. Logo, também os hábitos não diminuem nem se destroem pela cessação do ato.
2. Demais — A corrupção e a diminuição são mutações. Ora, nada se muda sem uma causa motora. Logo, como a cessação do ato não implica nenhuma causa motora, conclui-se que essa cessação não pode causar a diminuição ou destruição do hábito.
3. Demais — Os hábitos da ciência e da virtude residem na alma intelectiva, que está fora do tempo. Ora, o que está fora do tempo não se destrói nem diminui pela diuturnidade temporal. Logo, nem os referidos hábitos se destroem ou diminuem embora permaneçam muito tempo sem se exercitarem.
Mas, em contrário, diz o Filósofo que a disparição da ciência não são só é o engano, mas também, o esquecimento; e ainda: a falta de exercício dissolve muitas amizades. E pela mesma razão os outros hábitos das virtudes diminuem ou desaparecem pela cessação do ato.
Solução. — Como já se disse, um motor pode sê-lo de duplo modo. Por si mesmo, quando move em razão da própria forma; assim, o fogo aquece. Ou por acidente, como o que remove um obstáculo, e deste modo a cessação do ato causa a destruição ou a diminuição dos hábitos, enquanto remove o ato que impedia as causas destrutivas ou diminuidoras do hábito. Pois, como já dissemos, os hábitos, em si mesmos, desvanecem-se ou diminuem por obra do agente contrário. Por onde, os hábitos, cujos contrários aumentam no decurso do tempo e deviam ser eliminados pelo ato procedente do hábito, tais hábitos diminuem ou mesmo desaparecem totalmente pela diuturna cessação do ato, como bem o demonstram a ciência e a virtude.
Pois é manifesto que o hábito da virtude moral torna o homem pronto no escolher o meio, nas ações e nas paixões. Ora, quem não emprega o hábito da virtude para moderar as paixões ou as atividades próprias, dá lugar necessariamente ao nascimento de muitas paixões e atos contrários ao modo da virtude, pela inclinação do apetite sensitivo e de outros móveis externos. Por isso, a virtude desaparece ou diminui pela cessação do ato.
E o mesmo se dá por parte dos hábitos intelectuais, que tornam o homem pronto a julgar retamente das coisas imaginadas. Se pois cessarmos o uso desses hábitos, surgem as imaginações estranhas, que às vezes levam ao termo oposto, e a ponto tal que, se não forem de certo modo cortadas ou comprimidas, tornam-nos menos aptos para julgar retamente, dispondo-nos mesmo, por vezes e totalmente, ao contrário. Assim que, pela cessação do ato, diminui ou mesmo destrói-se o hábito intelectual.
Donde a resposta à primeira objeção. — Cessando de aquecer, também o calor desapareceria se isso provocasse o aumento do frio, que elimina o calor.
Resposta à segunda. — A cessação do ato leva à destruição ou diminuição, porque remove o obstáculo, como já se disse.
Resposta à terceira. — A parte intelectiva da alma, em si mesma, está fora do tempo; mas a sensitiva a ele está sujeita. Por onde, no decurso do tempo, transmuta-se quanto às paixões da parte apetitiva; e mesmo quanto às virtudes apreensivas; por onde, diz o Filósofo, que o tempo é causa do esquecimento.
O segundo discute-se assim. — Parece que o hábito não pode diminuir.
1. — Pois, o hábito é uma qualidade e forma simples. Ora, o que é simples é possuído ou perdido na sua totalidade. Logo, o hábito, embora possa perder-se, não pode diminuir.
2. Demais — Tudo o que convém ao acidente convém-lhe em si mesmo ou em razão do seu sujeito. Ora, o hábito, em si mesmo, não aumenta nem diminui, pois do contrário se seguiria que uma espécie pode ser predicada, mais ou menos, dos seus indivíduos.
Se portanto o hábito não pode diminuir, quanto à participação do sujeito, segue-se que lhe advém alguma propriedade, que não lhe é comum com o sujeito. Ora, a forma, à qual convém alguma propriedade que lhe não é comum com o seu sujeito, é separável, como já se disse. Donde resulta que o hábito é uma forma separável, o que é impossível.
3. Demais — A essência e a natureza do hábito, bem como a de qualquer acidente, consiste em concretizar-se num sujeito; por isso, qualquer acidente se define pelo seu sujeito. Se, pois, o hábito, em si mesmo, não aumenta nem diminui, também não poderá diminuir quando concretizado num sujeito e, portanto, não poderá diminuir de nenhum modo.
Mas, em contrário, é da essência dos termos contrários recaírem sobre o mesmo objeto. Ora, o aumento e a diminuição são contrários. E portanto, se o hábito pode aumentar também pode diminuir.
Solução. — Os hábitos podem diminuir de dois modos, assim como, segundo já vimos, podem aumentar. E como eles aumentam pela mesma causa que os gera, assim diminuem pela mesma que os destrói; pois, a diminuição de um hábito é via para a sua destruição, e inversamente, a sua geração é um fundamento do seu aumentar-se.
Donde a resposta à primeira objeção. — O hábito, em si mesmo considerado, sendo uma forma simples, não lhe pode caber a diminuição. Mas o pode quanto ao modo diverso de participar, que provém da indeterminação da potência do ser mesmo que participa, e a qual pode participar diversamente de uma mesma forma, ou pode estender-se a um maior ou menor número delas.
Resposta à segunda. — A objeção colheria se a essência mesma do hábito não pudesse de nenhum modo diminuir. Ora, nós não dizemos isso, mas sim, que qualquer diminuição da essência do hábito tem o seu princípio, não nele, mas no ser que participa.
Resposta à terceira. — Seja qual for o sentido atribuído ao acidente, ele depende, por essência, do sujeito, porém de diferentes maneiras. Pois, tomado abstratamente, o acidente implica relação com o sujeito, a qual começa naquele e termina neste; assim, chama-se brancura àquilo pelo que uma coisa é branca. Por onde, na definição do acidente abstrato não se inclui o sujeito, como quase a primeira parte da definição, que é o gênero, mas como que a segunda, que é a diferença; assim, dizemos que a simitas é a curvidade do nariz. Mas, nos seres concretos, a relação começa no sujeito e termina no acidente; assim, chama-se branco àquilo que tem brancura. Por onde, na definição deste acidente incluímos o sujeito como gênero, que é a primeira parte da definição; assim, dizemos que simus é um nariz curvo. Por onde, o que convém aos acidentes por parte do sujeito, e não essencialmente, não se lhes atribui abstrata, mas concretamente. E tal é o que se dá com o aumento e a diminuição, em alguns deles; por isso dizemos que há mais ou menos, não brancura, mas, branco. E o mesmo se dá com os hábitos e outras qualidades, salvo que certos aumentam e diminuem por adição, como do sobredito resulta.
(I, q. 89, a . 5).
O primeiro discute-se assim. — Parece que o hábito não pode perder-se.
1. — Pois, o hábito é uma como segunda natureza, sendo por isso que as ações habituais são deleitáveis. Ora, a natureza não se perde, enquanto permanece o ser a que ela pertence. Logo, também o hábito se não pode perder enquanto permanecer o sujeito.
2. Demais — Toda desaparição da forma se dá ou pela alteração do sujeito, ou pela presença da forma contrária; assim, a doença desaparece com a corrupção da natureza animal ou com a superveniência da saúde. Ora, a ciência, que é um hábito, não pode desaparecer com a alteração do sujeito, porque o intelecto, que é o sujeito, é uma substância e não se corrompe, como já se disse. E semelhantemente também não pode desaparecer por nenhum contrário, pois as espécies inteligíveis não são contrárias entre si, como já se disse. Logo, o hábito da ciência não pode desaparecer de nenhum modo.
3. Demais — Toda alteração implica algum movimento. Ora, o hábito da ciência, existente na alma, não pode desaparecer por um movimento próprio da alma mesma, por que esta em si mesma não é movida. E só acidentalmente o é pelo movimento do corpo. Ora, nenhuma alteração corpórea pode desvanecer as espécies inteligíveis existentes no intelecto, pois que é o lugar das espécies, sem corpo; donde se conclui que nem pelos sentidos e nem pela morte os hábitos podem perder-se. Logo, o hábito da ciência não se pode perder. E por conseguinte, nem o da virtude, também existente na alma racional; e, como diz o Filósofo, as virtudes são mais permanentes que as disciplinas.
Mas, em contrário, diz o Filósofo que o esquecimento e o engano são perdas da ciência. Ora, quem peca perde o hábito da virtude. E por atos contrários é que as virtudes se geram e corrompem, com já se disse.
Solução. — Dizemos que uma forma é eliminada absolutamente, pela sua contrária, e acidentalmente, pela corrupção do seu sujeito. Se, portanto, existir algum hábito cujo sujeito seja corruptível, e cuja causa tenha um contrário, esse poderá perder-se, dos dois modos, segundo bem o manifestam os hábitos corpóreos como a saúde e a doença. Os hábitos porém, cujo sujeito é incorruptível, não podem perder-se acidentalmente. Há contudo certos hábitos que, embora existentes principalmente num sujeito incorruptível, existem, secundariamente, num corruptível. Assim, o hábito da ciência existe, principalmente, no intelecto possível e, secundariamente, nas potências apreensivas sensitivas, como já dissemos. Por onde, por parte do intelecto possível o hábito da ciência não pode perder-se acidentalmente, senão só por parte das potências sensitivas inferiores.
Por isso devemos examinar se esses hábitos podem, em si mesmos, perder-se. Porque, se houver um hábito que tenha algum contrário, ou por si mesmo ou em virtude da sua causa, esse poderá, em si mesmo, perder-se; não o poderá porém, se não tiver contrário. — Ora, é manifesto que a espécie inteligível existente no intelecto possível não tem nenhum contrário, como também o é que nada pode ser contrário ao intelecto agente, causa dessa espécie. Por onde, se existir algum hábito, no intelecto possível, causado imediatamente pelo intelecto agente, esse há-de ser incorruptível absoluta e acidentalmente. E tais são os hábitos dos primeiros princípios, tanto especulativos como práticos, que se não podem perder por nenhum esquecimento ou engano; por isso diz o Filósofo, que a prudência não se perde pelo esquecimento. — Há, por outro lado, no intelecto possível, um hábito causado pela razão, que é o das conclusões e se chama ciência. E essa causa pode ter dupla contrariedade. Uma, proveniente das proposições mesmas, das quais a razão procede; assim, à proposição — o bem é o bem — é contrária esta outra — o bem não é o bem — segundo o Filósofo. Outra, proveniente do processo mesmo da razão; é assim que um silogismo sofístico se opõe a um dialético ou demonstrativo. Por onde é claro que, pela razão falsa, pode perder-se o hábito da verdadeira opinião ou até da ciência. Por isso, diz o Filósofo, que o engano é a corrupção da ciência, como já dissemos.
Há porém certas virtudes intelectuais residentes na razão mesma, conforme já se disse e com as quais se dá o mesmo que com a ciência ou a opinião. Por outro lado, outras, as virtudes morais, residentes na parte apetitiva da alma, em que se fundam também os vícios opostos. Assim, pois, como os hábitos da parte apetitiva são causados pela razão naturalmente motora dessa parte; assim também, pelo juízo da razão, movendo, de qualquer modo, para o termo oposto, que por ignorância, quer pela paixão ou ainda pela eleição, perder-se o hábito da virtude ou do vício.
Donde a resposta à primeira objeção. — Como já se disse, o hábito se assemelha à natureza mas, com certa deficiência. Por onde, como a natureza de um ser não pode, de nenhum modo, dele separar-se, o hábito, por seu lado, só dificilmente o pode.
Resposta à segunda. — Embora nada seja contrário às espécies inteligíveis, pode contudo haver contrário às proposições e ao processo da razão, como já se disse.
Resposta à terceira. — A ciência, quanto aos fundamentos mesmos do hábito, não pode ser alterada pelo movimento corpóreo; senão só quanto ao impedimento do ato, na medida em que o intelecto precisa, para o seu ato, das potências sensitivas, que podem sofrer impedimento proveniente da transmutação corpórea. Porém, pelo movimento inteligível da razão, o hábito da ciência pode corromper-se, mesmo quanto aos próprios fundamentos do hábito. E semelhantemente, pode corromper-se também o hábito da virtude. Contudo, a expressão — as virtudes são mais permanentes que as ciências — deve ser entendida, não relativamente ao sujeito ou à causa, mas ao ato; pois, o uso das virtudes é contínuo, durante toda a vida, o que não se dá com o das ciências.
Em seguida devemos tratar da diminuição e da corrupção dos hábitos.
E sobre esta questão três artigos se discutem:
O terceiro discute-se assim. — Parece que qualquer ato aumenta o hábito.
1. — Pois, multiplicada a causa, multiplicado fica o efeito. Ora, os atos são causas de certos hábitos, como já se disse. Logo, o hábito aumenta com a multiplicação dos atos.
2. Demais — Os semelhantes são julgados pelo mesmo juízo. Ora, todos os atos procedentes do mesmo hábito são semelhantes, como já se disse. Logo, se certos atos aumentam o hábito, qualquer ato aumentará o mesmo.
3. Demais — O semelhante aumenta o semelhante. Ora, qualquer ato é semelhante ao hábito donde procede. Logo, qualquer ato aumenta o hábito.
Mas, em contrário. — Os contrários não podem ter a mesma causa. Mas, como já se disse, certos atos procedentes de um hábito o diminuem; assim p. ex. quando se fazem negligentemente. Logo, nem todo ato aumenta o hábito.
Solução. — Atos semelhantes causam hábitos semelhantes, como já ficou dito. Pois, a semelhança e a dissemelhança se fundam, não só na mesma ou em qualidade diversa, mas também no mesmo ou em diverso modo da participação. Assim, não só o preto é dissemelhante do branco, mas também o menos do mais branco, porque também daquele para este último se dá o mesmo movimento que o de um para outro contrário, segundo já se estabeleceu.
Como porém da vontade humana depende o uso dos hábitos, segundo do sobredito resulta, assim como quem tem um hábito pode não usar dele e mesmo praticar o ato que lhe é contrário; assim também pode-se dar que use do hábito por um ato que não responda, proporcionalmente, à intensidade do hábito. Por onde, se a intenção do ato se adequar proporcionalmente à do hábito, ou mesmo a sobreexceder, qualquer ato ou aumentará o hábito ou contribuirá para o seu aumento; e poderemos então falar do aumento dos hábitos por semelhança com o aumento do animal. Pois, não é um alimento ingerido que aumenta, assim como não é uma gota que cava a pedra; mas, sim, o alimento multiplicado. Assim também o hábito cresce por atos multiplicados. Se porém a intenção do ato for proporcionalmente deficiente em relação à intensidade do hábito, esse ato não dispõe para o aumento, mas antes, para a diminuição do hábito.
Donde consta com evidência a resposta às objeções.
(IIª-IIªe, q. 24, a . 5; De Virtut., q. 1, a . 11; q. 5, a . 3).
O segundo discute-se assim. — Parece que o aumento dos hábitos se dá por adição.
1. — Pois, o nome de aumento, como já se disse, foi transferido das quantidades corpóreas para as formas. Ora, naquelas não há aumento sem adição, e por isso, conforme já se disse, o aumento é um aditamento feito à grandeza preexistente. Logo, também nos hábitos o aumento só se dá pela adição.
2. Demais — O hábito não aumenta senão por meio de um agente. Ora, todo agente produz algum efeito no sujeito paciente; assim, o agente que aquece produz o calor no corpo aquecido. Logo, não pode haver aumento sem haver adição.
3. Demais — Assim como o que não é branco é potencial em relação ao branco; assim, o menos branco também o é em relação ao mais branco. Mas, o que não é branco só vem a sê-lo pela superveniência da brancura. Logo, o menos branco não se torna mais branco senão por alguma outra brancura superveniente.
Mas, em contrário, diz o Filósofo: O corpo quente torna-se mais quente sem que um novo calor se lhe acrescente à matéria; pois do contrário esse corpo não estaria quente quando o estava menos. Logo, pela mesma razão, também nenhuma adição existe nas outras formas susceptíveis de aumento.
Solução. — A solução desta questão depende do que já dissemos antes. Pois, como já estabelecemos, nas formas susceptíveis de intenção e de remissão, o aumento e a diminuição provêm, de um modo, não da forma em si mesma considerada, mas das diversas participações do sujeito. Por onde, tal aumento dos hábitos e das outras formas não se realiza pela adição de uma forma a outra, mas porque o sujeito participa mais ou menos perfeitamente de uma e mesma forma. E assim como o agente em ato é que torna um corpo atualmente quente, quase começando, então a participar da forma, e não que esta comece, em si mesma, a existir, como já se provou; assim também, pela ação intensa do agente um corpo se torna mais quente, como participando mais perfeitamente da forma, e não como se algo a esta se acrescentasse.
Por onde, se pela adição se entendesse um aumento da forma, deste último modo, isto só poderia dar-se por parte da forma mesma, ou por parte do sujeito. No primeiro caso, como já dissemos, tal adição, ou subtração, variaria a espécie, como varia a espécie da cor, quando de pálida vem a ser branca. O segundo caso não se poderia dar senão porque o sujeito recebeu uma forma que antes não tinha; assim, se dissermos que o frio aumenta num homem que, primeiro, o sentia numa parte do corpo, e depois veio a senti-lo em várias; ou então porque se acrescenta outro sujeito participante da mesma forma, como se acrescentasse o quente ao que já o era, e o branco ao que já era branco. Ora, de ambos estes modos dizemos que o corpo se tornou, não mais quente ou branco, mas maior.
Mas, como certos acidentes aumentam por si mesmos, conforme já dissemos, em certos deles o aumento pode dar-se por adição. Assim, o movimento aumenta porque algo se lhe acrescenta, ou quanto ao tempo em que se realiza, ou pela distância que percorre; e contudo, a espécie permanece a mesma, por causa da unidade do termo. E também um mesmo movimento pode aumentar na sua intensidade, em relação à participação do sujeito, podendo realizar-se mais ou menos expedita ou prontamente. — Semelhantemente, a ciência pode, em si mesma, aumentar por adição: assim, quando aprendemos várias conclusões da geometria, o nosso hábito dessa ciência aumenta especificamente. Também a ciência de um sujeito, que dela participa, pode aumentar de intensidade; tal se dá quando um homem considera certas conclusões mais expedita e claramente que outro.
Quanto aos hábitos corpóreos porém não pode dar-se grande aumento por adição, porque consideramos completamente são ou belo o animal que o for em todas as suas partes. E é pela mutação das qualidades simples, não susceptíveis de aumento, senão segundo a intenção, quanto ao sujeito participante, que os hábitos podem chegar o uma compleição mais perfeita.
Mas abaixo trataremos desta questão relativamente às virtudes.
Donde a resposta à primeira objeção. — A grandeza corpórea também é susceptível de duplo aumento. Um, por adição de um sujeito a outro; tal é o caso do aumento dos seres vivos. Outro, só por intensidade, sem nenhuma adição, como se dá com os corpos rarefeitos, segundo já se disse.
Resposta à segunda. — A causa que aumenta o hábito produz sempre um efeito no sujeito, não porém uma nova forma. Leva porém o sujeito a participar mais perfeitamente da forma preexistente, ou a ter mais ampla extensão.
Resposta à terceira. — O que ainda não é branco e que portanto ainda não tem essa forma, é, em relação a ela, potencial; e por isso o agente causa, no sujeito, uma nova forma. O que porém é menos quente ou branco não é potencial em relação à forma, pois a tem atualizada; mas o é em relação ao modo perfeito de participação, o que consegue pela ação do agente.