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Art. 3 — Se os hábitos se distinguem pelo bem e pelo mal.

(III Sent., dist. XXXIII, q. 1, a . 1, q. 1).
 
O terceiro discute-se assim. — Parece que os hábitos não se distinguem pelo bem e pelo mal.
 
1. — Pois, o bem e o mal são contrários. Ora, um mesmo hábito pode referir-se a dois contrários, como já se disse1. Logo, os hábitos não se distinguem pelo bem e pelo mal.
 
2. Demais — O bem converte-se com o ente e assim, sendo comum a todos, não pode ser considerado como diferença de nenhuma espécie, conforme se vê claramente no Filósofo2. Semelhantemente, o mal, sendo privação e não-ente, não pode ser diferente de nenhum ser. Logo, os hábitos não se podem distinguir especificamente pelo bem e pelo mal.
 
3. Demais — Diversos hábitos maus podem dizer respeito ao mesmo objeto, como os que dizem respeito à concupiscência, à intemperança e à insensibilidade; e o mesmo se dá com muitos hábitos bons, como a virtude humana e a heróica ou divina, conforme se vê claramente pelo Filósofo3. Logo, os hábitos não se distinguem pelo bem e pelo mal.
 
Mas, em contrário, o hábito bom contraria o hábito mau; assim, a virtude, o vício. Ora, os contrários são especificamente diversos. Logo, os hábitos diferem especificamente pelo bem e pelo mal.
 
Solução. — Como já dissemos4, os hábitos se distinguem especificamente, não só pelos objetos e princípios ativos, mas também por ordenarem-se à natureza; e isto pode dar-se de dois modos. — De um modo, conforme a conveniência ou inconveniência em relação à natureza. E então distingue-se especificamente o hábito bom e o mau. Pois, chama-se bom o que dispõe para o ato conveniente à natureza do agente; e mau é o que dispõe para o ato não conveniente à natureza. Assim, os atos das virtudes da natureza humana convêm em serem conformes à razão; ao passo que os dos vícios, sendo contrários à razão, discordam da natureza humana. Por onde, é manifesto que os hábitos se distinguem especificamente pela diferença do bem e do mal. — De outro modo, segundo a natureza, os hábitos distinguem-se enquanto que uns dispõem para o ato conveniente à natureza inferior; outros, ao ato conveniente à natureza superior. E assim a virtude humana, que dispõe para o ato conveniente à natureza humana, distingue-se da virtude divina ou heróica, que dispõe para o ato conveniente a uma certa natureza superior.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Um mesmo hábito pode referir-se a dois contrários, quando estes convêm numa mesma noção. Nunca porém se pode dar que hábitos contrários sejam de uma mesma espécie; pois, a contrariedade dos hábitos se funda em noções contrárias. E assim os hábitos se distinguem pelo bem e pelo mal, i. é, enquanto um é bom e outro mau; e não porque um diga respeito ao bem e outro, ao mal.
 
Resposta à segunda. — O bem comum a todos os entes não é uma diferença constitutiva da espécie de nenhum hábito; mas, um certo e determinado bem, fundado na conveniência com uma determinada natureza, a saber, a humana. Semelhantemente, o mal, como diferença constitutiva do hábito, não é uma privação pura, mas algo de determinado, repugnante a uma determinada natureza.
 
Resposta à terceira. — Vários hábitos bons referentes ao mesmo objeto específico, distinguem-se pela conveniência com diversas naturezas, como já se disse. Ao passo que vários hábitos maus se distinguem, relativamente a uma mesma ação, pelas diversas repugnâncias relativas ao que é conforme à natureza; assim, a uma virtude são contrários os diversos vícios relativos à mesma matéria.

  1. 1. Q. 54, a. 2, ad 1.
  2. 2. IV Topic. (cap. VI).
  3. 3. VII Ethic. (lect. I).
  4. 4. Q. 54, a. 2.
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