(I, q. 89, a . 5).
O primeiro discute-se assim. — Parece que o hábito não pode perder-se.
1. — Pois, o hábito é uma como segunda natureza, sendo por isso que as ações habituais são deleitáveis. Ora, a natureza não se perde, enquanto permanece o ser a que ela pertence. Logo, também o hábito se não pode perder enquanto permanecer o sujeito.
2. Demais — Toda desaparição da forma se dá ou pela alteração do sujeito, ou pela presença da forma contrária; assim, a doença desaparece com a corrupção da natureza animal ou com a superveniência da saúde. Ora, a ciência, que é um hábito, não pode desaparecer com a alteração do sujeito, porque o intelecto, que é o sujeito, é uma substância e não se corrompe, como já se disse. E semelhantemente também não pode desaparecer por nenhum contrário, pois as espécies inteligíveis não são contrárias entre si, como já se disse. Logo, o hábito da ciência não pode desaparecer de nenhum modo.
3. Demais — Toda alteração implica algum movimento. Ora, o hábito da ciência, existente na alma, não pode desaparecer por um movimento próprio da alma mesma, por que esta em si mesma não é movida. E só acidentalmente o é pelo movimento do corpo. Ora, nenhuma alteração corpórea pode desvanecer as espécies inteligíveis existentes no intelecto, pois que é o lugar das espécies, sem corpo; donde se conclui que nem pelos sentidos e nem pela morte os hábitos podem perder-se. Logo, o hábito da ciência não se pode perder. E por conseguinte, nem o da virtude, também existente na alma racional; e, como diz o Filósofo, as virtudes são mais permanentes que as disciplinas.
Mas, em contrário, diz o Filósofo que o esquecimento e o engano são perdas da ciência. Ora, quem peca perde o hábito da virtude. E por atos contrários é que as virtudes se geram e corrompem, com já se disse.
Solução. — Dizemos que uma forma é eliminada absolutamente, pela sua contrária, e acidentalmente, pela corrupção do seu sujeito. Se, portanto, existir algum hábito cujo sujeito seja corruptível, e cuja causa tenha um contrário, esse poderá perder-se, dos dois modos, segundo bem o manifestam os hábitos corpóreos como a saúde e a doença. Os hábitos porém, cujo sujeito é incorruptível, não podem perder-se acidentalmente. Há contudo certos hábitos que, embora existentes principalmente num sujeito incorruptível, existem, secundariamente, num corruptível. Assim, o hábito da ciência existe, principalmente, no intelecto possível e, secundariamente, nas potências apreensivas sensitivas, como já dissemos. Por onde, por parte do intelecto possível o hábito da ciência não pode perder-se acidentalmente, senão só por parte das potências sensitivas inferiores.
Por isso devemos examinar se esses hábitos podem, em si mesmos, perder-se. Porque, se houver um hábito que tenha algum contrário, ou por si mesmo ou em virtude da sua causa, esse poderá, em si mesmo, perder-se; não o poderá porém, se não tiver contrário. — Ora, é manifesto que a espécie inteligível existente no intelecto possível não tem nenhum contrário, como também o é que nada pode ser contrário ao intelecto agente, causa dessa espécie. Por onde, se existir algum hábito, no intelecto possível, causado imediatamente pelo intelecto agente, esse há-de ser incorruptível absoluta e acidentalmente. E tais são os hábitos dos primeiros princípios, tanto especulativos como práticos, que se não podem perder por nenhum esquecimento ou engano; por isso diz o Filósofo, que a prudência não se perde pelo esquecimento. — Há, por outro lado, no intelecto possível, um hábito causado pela razão, que é o das conclusões e se chama ciência. E essa causa pode ter dupla contrariedade. Uma, proveniente das proposições mesmas, das quais a razão procede; assim, à proposição — o bem é o bem — é contrária esta outra — o bem não é o bem — segundo o Filósofo. Outra, proveniente do processo mesmo da razão; é assim que um silogismo sofístico se opõe a um dialético ou demonstrativo. Por onde é claro que, pela razão falsa, pode perder-se o hábito da verdadeira opinião ou até da ciência. Por isso, diz o Filósofo, que o engano é a corrupção da ciência, como já dissemos.
Há porém certas virtudes intelectuais residentes na razão mesma, conforme já se disse e com as quais se dá o mesmo que com a ciência ou a opinião. Por outro lado, outras, as virtudes morais, residentes na parte apetitiva da alma, em que se fundam também os vícios opostos. Assim, pois, como os hábitos da parte apetitiva são causados pela razão naturalmente motora dessa parte; assim também, pelo juízo da razão, movendo, de qualquer modo, para o termo oposto, que por ignorância, quer pela paixão ou ainda pela eleição, perder-se o hábito da virtude ou do vício.
Donde a resposta à primeira objeção. — Como já se disse, o hábito se assemelha à natureza mas, com certa deficiência. Por onde, como a natureza de um ser não pode, de nenhum modo, dele separar-se, o hábito, por seu lado, só dificilmente o pode.
Resposta à segunda. — Embora nada seja contrário às espécies inteligíveis, pode contudo haver contrário às proposições e ao processo da razão, como já se disse.
Resposta à terceira. — A ciência, quanto aos fundamentos mesmos do hábito, não pode ser alterada pelo movimento corpóreo; senão só quanto ao impedimento do ato, na medida em que o intelecto precisa, para o seu ato, das potências sensitivas, que podem sofrer impedimento proveniente da transmutação corpórea. Porém, pelo movimento inteligível da razão, o hábito da ciência pode corromper-se, mesmo quanto aos próprios fundamentos do hábito. E semelhantemente, pode corromper-se também o hábito da virtude. Contudo, a expressão — as virtudes são mais permanentes que as ciências — deve ser entendida, não relativamente ao sujeito ou à causa, mas ao ato; pois, o uso das virtudes é contínuo, durante toda a vida, o que não se dá com o das ciências.