(III Sent., dist. XXXVI, a. 2; De Virtut., q. 5, a. 2).
O terceiro discute-se assim. — Parece que podemos ter a caridade sem as outras virtudes.
1. — Pois, aquilo para que basta só um se ordenam indevidamente vários. Ora, só a caridade basta para realizarmos todas as obras virtuosas, como consta claro da Escritura (I Cor 13, 4): a caridade é paciente, é benigna etc. Logo, possuída a caridade, as demais virtudes são supérfluas.
2. Demais. — Quem possui o hábito da virtude a pratica facilmente e nisso se compraz; por isso o prazer que temos em obrar é sinal do hábito, como se disse. Ora, muitos que não estão em pecado mortal, têm caridade e contudo sentem dificuldade em agir virtuosamente, e nisso não se comprazem senão no que respeita à caridade. Logo, muitos têm a caridade, que não têm as outras virtudes.
3. Demais. — A caridade existe em todos os santos. Ora, há santos que não tiveram certas virtudes; pois, diz Beda que os santos se humilham mais pelas virtudes que não têm do que se gloriam pelas que possuem. Logo, não é necessário tenha todas as virtudes morais quem tem a caridade.
Mas, em contrário, pela caridade cumpre-se a lei na sua totalidade, conforme o dito da Escritura (Rm 13, 8): aquele que ama ao próximo tem cumprido com a lei. Ora, a lei, na sua totalidade, não pode ser cumprida senão com todas as virtudes morais, porque ela preceitua sobre todos os atos virtuosos, como se disse. Logo, quem tem a caridade tem todas as virtudes morais. E Agostinho também diz, numa de suas epístolas, que a caridade inclui em si todas as virtudes cardeais.
SOLUÇÃO. — Todas as virtudes morais são infundidas simultaneamente com a caridade, porque Deus não age menos perfeitamente nas obras da graça que nas da natureza. Assim, vemos que em nenhum ser da natureza se encontra um princípio de qualquer obra sem existir o necessário à realização dessa obra; p. ex., os animais têm órgãos pelos quais a alma obra perfeitamente o que está no seu poder. Ora, é manifesto que a caridade, ordenando o homem ao seu último fim, é o princípio de todas as boas obras que podem ordenar-se para tal fim. Por onde é necessário que, com a caridade, sejam infundidas no homem todas as virtudes morais, pelas quais ele produz os vários gêneros de boas obras. E assim, é claro que as virtudes morais infusas são conexas não só pelo que respeita a prudência, mas também, a caridade; e que quem perde a caridade, pelo pecado mortal, perde também todas as virtudes morais infusas.
Donde a resposta à primeira objeção. — Para o ato de uma potência inferior ser perfeito é necessário existir a perfeição, não só na potência superior, mas também na inferior. Pois, se o agente principal atuasse do modo devido, sem que o instrumento estivesse bem disposto, não poderia realizar uma obra perfeita. Por onde, para o homem empregar bem os meios, é necessário não só ter a virtude pela qual proceda retamente em relação ao fim, mas também as que o façam empregar com acerto os meios. Porque a virtude relativa ao fim se comporta como principal e motiva, em relação às que dependem do fim. E portanto, com a caridade, é necessário termos também as outras virtudes morais.
Resposta à segunda. — Às vezes sucede, que quem possui um hábito sofre dificuldade no agir, e por conseqüência não se deleita nem se compraz com o ato, por algum impedimento extrínseco sobreveniente. Assim, quem tem o hábito da ciência pode sofrer dificuldade em inteligir, por causa da sonolência ou de alguma enfermidade. E semelhantemente, os hábitos das virtudes morais infusas padecem às vezes dificuldade no agir, por causa de certas disposições contrárias, resíduos de atos precedentes. E essas dificuldades não se apresentam nas virtudes morais adquiridas, porque o exercício dos atos, pelos quais elas se adquirem, elimina também as disposições contrárias.
Resposta à terceira. — Alguns santos se consideram como não possuindo certas virtudes, por padecerem dificuldades em as praticar, pela razão já dita, embora tenham os hábitos de todas as virtudes.