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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 2 — Se a matéria deste sacramento deve ser uma determinada quantidade de pão e de vinho.

O segundo discute-se assim. — Parece que a matéria deste sacramento deve ter uma determinada quantidade de pão e de vinho.
 
1. — Pois, os efeitos da graça não são me­nos ordenados que os da natureza. Ora, como diz Aristóteles, todos os seres existentes têm certos limites de grandeza e de crescimento. Logo e com muito maior razão, a chamada Eucaristia, é, boa graça, implica uma quantidade determinada de pão e vinho.
 
2. Demais. — Aos ministros da Igreja não foi dado por Cristo um poder que redundasse em irrisão da fé e dos seus sacramentos, segundo aquilo do Apóstolo: segundo o meu poder, que o Senhor me deu para vossa edificação e não para a vossa destruição. Ora, seria a irrisão do sacra­mento se o sacerdote quisesse consagrar todo o pão à venda no mercado e todo o vinho da ade­ga. Logo, não pode fazer tal.
 
3. Demais. — Se alguém fosse batizado no mar, nem por isso toda a água do mar se santifi­caria pela forma do batismo, mas só aquela com que recebe a ablução o corpo do batizado. Lo­go, nem neste sacramento se pode consagrar uma quantidade supérflua de pão.
 
Mas, em contrário, o muito se apõe ao pouco e o grande, ao pequeno. Ora, nenhuma quantida­de há tão pequena, de pão ou de vinho, que não possa ser consagrada. Logo, nenhuma há tão grande, que também não o possa ser.
 
SOLUÇÃO. — Certos foram de opinião, que o sacerdote não poderia consagrar uma quantidade imensa de pão ou de vinho, por exemplo, todo o pão à venda no mercado, ou todo o vinho de um tonel. Mas esta opinião não é verdadeira. Porque, em todos os seres materiais a versão de determina­ção da matéria se deduz da ordenação para o fim; assim, a matéria da serra é o ferro, para que seja capaz de cortar. Ora, o fim deste sacra­mento é o uso dos fiéis. Por onde e necessària­mente, a sua quantidade de matéria é determi­nada relativamente ao uso deles. Mas não pode ser determinada relativamente ao uso dos fiéis existentes atualmente; do contrário, um sacerdote com poucos paroquianos não poderia con­sagrar muitas hóstias. Donde se conclui que a matéria deste sacramento deve ser determinada relativamente ao uso dos fiéis, em absoluto ora, o número dos fiéis é indeterminado. Portanto, não se pode dizer que a quantidade de matéria deste sacramento seja determinada.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A matéria natural de um ser recebe a determina­ção da sua quantidade, pela relação com a sua forma determinada. Ora, o número dos fiéis a que se o número deste sacramento ordena, é in­determinado. Logo, a comparação não colhe.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O poder dos ministros da Igreja a duas coisas se ordena: ao efeito pró­prio e ao fim do efeito. Das quais a primeira não exclui a segunda. Por onde, se um sacerdote ti­ver a intenção de consagrar o corpo de Cristo, visando um mau fim, por exemplo, por irrisão ou por venefício, pela intenção desse mau fim peca; nem por isso, porém, pelo poder que lhe foi con­ferido, deixa de consagrar o sacramento.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O sacramento do ba­tismo se consuma no uso da matéria. Por isso, pela forma do batismo, não é santificada mais água do que a necessária do uso. Mas o sacra­mento da Eucaristia se consuma na consagra­ção da matéria. Logo, o símile não colhe.

Art. 1 — Se a matéria deste sacramento é o pão e o vinho.

O primeiro discute-se assim: — Parece que a matéria deste sacramento não é o pão e o vinho.
 
1. — Pois, este sacramento deve representar mais perfeitamente a paixão de Cristo do que os sacramentos da Lei Velha. Ora, as carnes dos animais, que eram a matéria dos sacramentos da Lei Velha, representam mais expressivamente a paixão de Cristo, que o pão e o vinho. Logo, a matéria deste sacramento devem ser antes as carnes dos animais, que o pão e o vinho.
 
2. Demais. — Este sacramento deve ser celebrado em toda parte. Ora, em muitas terras não há pão, e em muitas outras não há vinho. Logo, o pão e o vinho não são a matéria conve­niente deste sacramento.
 
3. Demais. — Este sacramento o recebem tanto sãos como enfermos. Ora, o vinho faz mal a certos enfermos. Logo, parece que o vinho não deve ser matéria deste sacramento.
 
Mas, em contrário, Alexandre Papa (I) diz: Nas oblações dos sacramentos ofereçam-se no sacrifício só pão e vinho misturado com água.
 
SOLUÇÃO. — Sobre a matéria deste sacramen­to cometeram-se muitos erros. - Assim, uns, chamados Artotiritas, como o refere Agostinho, ofereciam pão e queijo neste sacramento, por pensarem que os primeiros homens faziam obla­ções dos frutos da terra e das ovelhas. - Outros, os Catafrígios e os Pepuzianos, como deles se con­ta, extratam o sangue de uma criança, por meio de pequenos ferimentos feitos com punções em todo o corpo dela; e preparavam a sua como eu­caristia, misturando esse sangue com farinha e confeccionando assim um pão. — E outros enfim chamados Aquários, ofereciam neste sacramen­to só água, a pretexto de sobriedade. Mas todos estes erros e outros semelhantes ficaram excluídos por ter Cristo instituído este sacramento sob as espécies de pão e de vinho. E com razão. — Primeiro, quanto ao uso de tal sacramento, que é a manducação. Pois, assim co­mo a água é tomada no sacramento do batismo para o uso da ablução espiritual, porque a ablu­ção corporal é comumente feita com água, assim o pão e o vinho, de que os homens comumente se nutrem, são tomados neste sacramento para uso da manducação espiritual. — Segundo, quan­to à paixão de Cristo, na qual o sangue foi sepa­rado do corpo. Razão por que neste sacramento, memorial da paixão do Senhor, toma-se o pão separadamente como o sacramento do corpo, e o vinho como o sacramento do sangue. — Terceiro, quanto ao efeito considerado em cada um dos que o recebem. Porque, como diz Ambrósio, este sacramento tem o poder de nos fortificar o cor­po e a alma; e por isso a carne de Cristo é ofere­cida sob a espécie de pão, para a saúde do cor­po, e sob a espécie de vinho, para a salvação da alma; pois, como o diz a Escritura, a alma da carne está no sangue. — Quarto, quanto ao efei­to, em relação a toda a Igreja, constitui da de di­versos fiéis, assim como o pão é confeccionado de diversos grãos e o vinho corre de diversas uvas, conforme à glosa, aquilo do Apóstolo: Todos nós somos um corpo, etc.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­Embora as carnes dos animais imolados repre­sentem expressivamente a paixão de Cristo, con­tudo convêm menos ao uso comum deste sacra­mento, e para significar a unidade eclesiástica.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora nem todas as terras produzam trigo e vinho, contudo podem ser facilmente transportados a todas no quanto baste ao uso deste sacramento. Nem por falta de um desses elementos, deve-se consagrar só o ou­tro, pois, o sacramento não seria perfeito.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O vinho tomado em pequena quantidade não pode fazer muito mal a nenhum doente. Se contudo se teme que seja nocivo, não é necessário todos os que tomam o corpo de Cristo tomarem também o sangue, co­mo a seguir se dirá.

Questão 74: Da matéria específica da Eucaristia

Em segunda devemos tratar da matéria des­te sacramento. E primeiro da espécie da matéria. Segundo, da conversão do pão e do vinho no cor­po de Cristo. Terceiro, do modo de existir do cor­po de Cristo neste sacramento. Quarto, dos aci­dentes do pão e do vinho, que permanecem neste sacramento.
 
Na primeira questão discutem-se oito arti­gos:

Art. 6 — Se o cordeiro pascal foi a figura precípua deste sacramento.

O sexto discute-se assim. — Parece que o cordeiro pascal não foi a figura precípua deste sacramento.
 
1. — Pois, Cristo é chamado sacerdote segun­do a ordem de Melquisedeque, porque Melquisedeque fez a figura do sacrifício de Cristo, ofere­cendo o pão e o vinho, como lemos na Escritura. Ora, a expressão da semelhança faz com que os semelhantes sejam designados um pelo outro. Logo, parece que a oblação de Melquisedeque foi a figura precípua dêste sacramento.
 
2. Demais. — A passagem do Mar Vermelho foi a figura do batismo, segundo aquilo do Apóstolo: Todos foram batizados na nuvem e no mar. Ora, a imolação do cordeiro pascal precedeu à passa­gem do Mar Roxo, a que se seguiu o maná, como a Eucaristia é subsequente ao batismo. Logo, o maná é uma figura mais expressiva deste sacra­mento, do que o cordeiro pascal.
 
3. Demais. — A principal virtude deste sacramento é introduzir-nos no reino dos céus, co­mo um viático. Ora, isso foi sobretudo o prefigu­rado no sacramento da expiação, quando o pontí­fice entrava uma vez no ano com o sangue, no santo dos santos, como o explica o Apóstolo. Logo, parece que esse sacrifício era uma figura mais expressiva da Eucaristia que o cordeiro pascal.
 
Mas, em contrário, o Apóstolo: Cristo, que é a nossa Páscoa, foi imolado e assim solenizemos o nosso convite com os asmos da sinceridade e da verdade.
 
SOLUÇÃO. — Três coisas podemos considerar neste sacramento, a saber: o que é só sacramen­to — o pão e o vinho; o que é realidade e sacra­mento — o verdadeiro corpo de Cristo; e o que é só realidade - o efeito deste sacramento. ­Quanto, pois, ao que é só sacramento, a princi­palíssima figura dele foi a oblação de Melquisedeque, que ofereceu o pão e o vinho. — Quando o Cristo padecente, que está contido neste sacra­mento, figura dele foram todos os sacrifícios do Testamento Velho; e sobretudo o sacramento da expiação, que era soleníssimo. — Quanto enfim ao efeito, a sua principal figura foi o maná, que tinha em si a suavidade de todo o saber no dizer da Escritura, assim como a graça deste sacra­mento nos fortalece a alma para tudo. Mas o cordeiro pascal prefigurava a Eucaristia nos seus três elementos referidos. — Quanto ao primeiro, porque era comido com os pães as­mos, segundo a Escritura: Comerão a carne e pães asmos. - Quanto ao segundo, porque era imolado por toda a multidão dos filhos de Israel na décima quarta lua; o que era a figura da pai­xão de Cristo, chamado cordeiro, por causa da sua inocência. — Quanto enfim ao efeito, por­que pelo sangue do cordeiro pascal os filhos de Israel foram protegidos contra o anjo devastador, e tirados da escravidão do Egito.
 
E por isso é considerado como a figura precípua deste sacramento o cordeiro pascal, pela representar em tudo. Donde se deduzem claras as respostas às objeções.

Art. 5 — Se era conveniente a instituição deste sacramento.

O quinto discute-se assim. — Parece que não era conveniente a instituição deste sacramento.
 
1. — Pois, como diz o Filósofo, nós nos nutrimos da matéria idêntica à de que somos consti­tuídos. Ora, pelo batismo, que é uma regeneração espiritual, recebemos o ser espiritual. Logo, pelo batismo também nos nutrimos. E portanto não era necessário instituir este sacramento como nutrição espiritual.
 
2. Demais. — Por este sacramento os ho­mens se unem com Cristo como os membros com a cabeça. Ora, Cristo é a cabeça de todos os homens, inclusive dos que existiram desde o prin­cípio do mundo, como se disse. Logo, a instituição deste sacramento não devia ser definidoaté a ceia do Senhor.
 
3. Demais. — Este sacramento se chama memorial da paixão do senhor, segundo aquilo do Evangelho: Fazei isto em memória de mim. Ora, a memória é das coisas passadas. Logo, este sacramento não devia ser instituído antes da paixão de Cristo.
 
4. Demais. — Pelo batismo estamos aptos a receber a Eucaristia, que não é dada senão aos batizados. Ora, o batismo foi instituído depois da paixão e da ressurreição de cristo, como o refere o Evangelho. Logo e inconvenientemente, este sa­cramento foi instituído antes da paixão de Cristo.
 
Mas, em contrário, este sacramento foi instituído por Cristo, de quem o Evangelho diz: Ele tudo tem feito bem.
 
SOLUÇÃO. — Este sacramento foi conveniente­mente instituído na ceia, na qual Cristo pela úl­tima vez esteve reunido com os discípulos. - Pri­meiro, em razão do conteúdo desse sacramento. - Pois, o próprio Cristo está contido na Eucaris­tia como num sacramento. Por isso, quando Cris­to teve de se separar corporalmente dos discípu­los, en.tregou-se-Ihes a si mesmo sob a espécie sa­cramental, assim como na ausência do imperador se mostra a sua veneranda imagem. Por isso Eu­sébio (aut. inc.) diz: Porque o corpo que assumi­ra devia se separar dos olhos dos discípulos e su­bir ao céu, era necessário que no dia ela ceia nos consagrasse o sacramento elo seu corpo e sangue, a fim ele que fosse adorado perenemente no mis­tério quem uma vez se ofereceu como o preço ela nossa redenção. - segundo, porque sem a fé da paixão de Cristo nunca poderia haver salvação, segundo aquilo do Apóstolo: Ao qual propôs Deus para ser vítima ele propiciação pela fé no seu san­gue. Por isso era necessário que em todos os tempos houvesse entre os homens o que representas­se a paixão do senhor. Do que, no Testamento Ve­lho, o sacramento precípuo era o Cordeiro Pas­cal; donde o dizer o Apóstolo: Cristo, que é a nossa Páscoa, foi imolado. Mas lhe sucedeu, no Testamento Novo, o sacramento da Eucaristia, rememorativo da paixão passada, assim como o Cordeiro Pascal era prefigurativo da futura. Por isso era conveniente instituir o novo sacramento, na iminência da paixão, depois de celebrado o anterior, como diz Leão Papa (I). - Terceiro. porque as palavras pronunciadas por último, so­bretudo entre amigos que se separam, são as que mais se gravam na memória, principalmente por­que então são mais intensos os afetos para com eles; ora, o para o que temos maior hábito mais profundamente se nos grava na alma. Mas, co­mo diz S. Alexandre Papa (I), como nenhum sa­crifício pode ser maior que o do corpo e do san­gue de Cristo, nem nenhuma oblação lhe é su­perior, por isso, para que o tivéssemos em maior veneração, Cristo instituiu este sacramento na última despedida dos seus discípulos. E tal é o que diz Agostinho: O Salvador, desejando incul­car mais veementemente a profundeza deste mis­tério, quis que fosse a última coisa a fíxar-se no coração e na memória dos discípulos, dos quais devia separar-se para sofrer a sua paixão.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­Nós nos nutrimos da matéria idêntica à de que somos constituídos, mas não a recebemos do mes­mo modo. Assim, aquilo de que somos feitos o re­cebemos pela geração; e isso mesmo, enquanto nos serve de nutrição, o recebemos pela mandu­cação. Por onde, assim como pelo batismo renas­cemos em Cristo, assim pela Eucaristia, comemos a Cristo.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A Eucaristia é o sa­cramento perfeito da paixão do Senhor, pois con­tém o próprio Cristo padecente. Por isso não po­dia ser instituído antes da Encarnação; mas en­tão vigoravam os sacramentos que apenas eram prefigurativos da paixão do Senhor.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Este sacramento foi instituído na ceia, a fim de ser no futuro o me­morial da paixão do Senhor. depois de ela con­sumada. Por isso o Senhor diz sinaladamente:
 
Todas as vezes que o fizerdes, falando no futuro.
 
RESPOSTA À QUARTA. — A instituição responde à ordem da intenção. Ora, o sacramento da Eu­caristia, embora posterior ao batismo em perfei­ção, foi contudo anterior na intenção. Por isso tinha de ser instituído primeiro. - Ou podemos dizer que o batismo já de certo modo estava instituído por ocasião do batismo mesmo de Cristo. Por isso já certos foram batiza dos no batismo de Cristo, como lemos na Escritura.

Art. 4 — Se a este sacramento se dão acertadamente vários nomes.

O quarto discute-se assim. — Parece que não se dão acertadamente vários nomes a este sacramento.
 
1. — Pois, os nomes devem responder às causas. Ora, este sacramento é uno, como se disse. Logo, não deve ser designado com vários nomes.
 
2. Demais. — A espécie não se dá convenientemente a conhecer pelo que é comum a todo o gênero. Ora, a Eucaristia é um sacra­mento da lei nova. Mas, é comum a todos os sacramentos o ser, por eles, conferida a graça; e tal é o significado da palavra eucaristia, o mesmo que boa graça. Também todos os sacra­mentos nos servem de remédios no decurso da vida presente, o que é essencialmente o viático. E ainda todos os sacramentos implicam algo de sagrado, o que constitui por essência o sacrifício. Enfim, todos os sacramentos são meios por que os fiéis se comunicam; e isso significa o nome em grego, ou communio (comunhão) em latim. Logo, estes nomes não se adaptam convenientemente a este sacramento.
 
3. Hóstia significa o mesmo que o sacrifí­cio. Logo, assim como não é propriamente chamado sacrifício, assim também não é com pro­priedade denominado hóstia.
 
Mas, em contrário, o uso dos fiéis.
 
SOLUÇÃO. — Este sacramento tem tríplice significação. - Uma com respeito ao pretérito, enquanto comemorativo da paixão do Senhor, que foi um verdadeiro sacrifício, como se disse. E, neste sentido, se chama sacrifício. - Outra significação tem relativamente à realidade pre­sente da upidade eclesiástica, à qual os homens se agregam por este sacramento. E então se chama communio (comunhão). Pois, como ensina Damasceno, chama-se commu­nio porque por ela comunicamos com Cristo; e porque lhe participamos da carne e da divinda­de; e porque nos comunicamos e unimos por ela uns com os outros. - A terceira significação é relativa ao futuro, enquanto este sacramento é prefigurativo da função de Deus, que haverá na. pátria. E, neste sentido, chama-se viático, pois, nesta vida nos indica o caminho para lá chegar. E também, nesta acepção, se chama Eucaristia, isto é, boa graça, porque a graça de Deus é a vida eterna, na expressão do Apóstolo; ou porque realmente contém Cristo, que é cheio de graça. Em grego também se chama, isto é, assunção, porque, como diz Damasceno, por este meio assumimos a deidade do Filho.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Nada impede uma mesma coisa ter vários nomes, conforme as suas diversas propriedades ou efeitos.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O comum a todos os sacramentos atribui-se antonomasicamente a este, por causa da sua excelência.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Este sacramento se chama sacrifício, enquanto representa a paixão mesma de Cristo; e se chama hóstia, enquanto contém o próprio Cristo que é a hóstia de suavi­dade, na expressão do Apóstolo.

Art. 3 — Se este sacramento é de necessidade para a salvação.

O terceiro discute-se assim. — Parece que este sacramento é de necessidade para a sal­vação.
 
1. — Pois, diz o Senhor: Se não comerdes a carne do filho do homem e beberdes o seu san­gue, não tereis a vida em vós. Ora, neste sacra­mento comemos a carne de Cristo e bebemos o seu sangue. Logo, sem ele não podemos ter a saúde da vida espiritual.
 
2. Demais. — Este sacramento é um alimen­to espiritual. Ora, o alimento corporal é necessário à saúde do corpo. Logo, também este sacramento é necessário à vida espiritual.
 
3. Demais. — Assim como o batismo é o sacramento da paixão do Senhor, sem o qual não pode haver salvação, assim também a Eucaris­tia. Por isso diz o Apóstolo: Todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciareis a morte do Senhor até que ele venha. Logo, como o batismo é de necessidade para a salvação, assim também a Eucaristia.
 
Mas, em contrário, escreve Agostinho à Bonifácio: Nem penseis que as crianças, que não receberam o corpo e o sangue de Cristo, não pos­sam ter a vida.
 
SOLUÇÃO. — Neste sacramento duas causas podemos considerar: o sacramento em si mesmo e a realidade dele. Ora, como dissemos, a realidade deste sacramento é a unidade do corpo místico, sem a qual não pode haver salvação. Pois, nenhum outro caminho há para a salva­ção fora da Igreja, assim como nem no dilúvio, fora da Arca de Noé, símbolo da Igreja, confor­me lemos na Escritura. Mas, como dissemos. podemos ter a realidade de um sacramento, antes de a receber, pelo desejo mesmo de o re­ceber. Por onde, antes de receber a Eucaristia, podemos alcançar a salvação, pelo desejo de a receber; assim como o batismo, pelo desejo dele, conforme foi dito. Mas há uma dupla diferença entre a Eucaristia e o batismo. — Primeiro, porque o batismo é o princípio da vida espiri­tual e a porta dos sacramentos. Ao passo que a Eucaristia é quase a consumação da vida espiri­tual e o fim de todos os sacramentos, como dis­semos; pois, pelas santificações de todos os sa­cramentos se faz a preparação para receber ou consagrar a Eucaristia. Por onde, a recepção do batismo é necessária para entrarmos na vida espiritual; enquanto que a recepção da Euca­ristia o é, para consumá-la; não para possuí-la. em absoluto, bastando que a tenhamos pelo desejo, assim como alcançamos o fim pelo desejo e pela intenção. — A outra diferença está em o batismo nos preparar para a Eucaristia. Por onde, o fato mesmo de serem as crianças ba­tizadas as dispõe, pela Igreja, a receber a Euca­ristia. E assim, do mesmo modo que crêem pela fé da Igreja, também pela intenção da Igreja desejam a Eucaristia e, por conseqüência, rece­bem-lhe a realidade. Mas ao batismo não se preparam por outro sacramento precedente. Por isso, antes de receberem o batismo, as crianças de nenhum modo o receberam em desejo, o que só o podem os adultos. Portanto, não podem receber a realidade do sacramento sem recebe­rem o sacramento. Logo, a Eucaristia não é de necessidade para a salvação do mesmo modo por que o é o batismo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­Expondo as palavras do Evangelho - Esta co­mida e esta bebida, isto é, da carne e do sangue, diz Agostinho: Quer referir-se ao conjunto do corpo e dos seus membros, que é a Igreja, nos seus santos e fiéis predestinados, eleitos, justi­ficados e glorificados. E por isso o mesmo Dou­tor diz: Ninguém deve de nenhum modo pôr em dúvida que os fiéis então se tornam participantes do corpo e do sangue do Senhor quando se fazem pelo batismo membros do corpo de Cris­to e que não se lhes solve a união com esse pão e esse cálice mesmo se, antes de comerem desse pão e beberem desse cálice, partirem desta vida constituídos na unidade do corpo de Cristo.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Entre o alimento corporal e o espiritual há a diferença seguinte. O corporal se converte na substância de quem dele te nutre; e portanto tal alimento não pode concorrer para a conservação da nossa vida, se não o tomarmos realmente. Ao contrário, o alimento espiritual nos converte nele, segundo as palavras de Agostinho, onde diz que ouviu a voz de Cristo falando: Nem tu me mudarás em ti, como se fosse eu o alimento do teu corpo, mas tu é que te mudarás em mim. Podemos po­rém nos mudar em Cristo e com ele nos incorporarmos pelo desejo do coração, mesmo sem termos recebido a Eucaristia. Logo, a comparação não colhe.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O batismo é o sa­cramento da morte e da paixão de Cristo, pois nos regenera em Cristo, por virtude da sua paixão. Ao passo que a Eucaristia é o sacra­mento da paixão de Cristo, enquanto nos faz unir perfeitamente com os sofrimentos que Cristo padeceu. Por onde, assim como o batis­mo se chama sacramento da fé, fundamento da vida espiritual, assim a Eucaristia se chama sacramento da caridade, que é o vinculo da per­feição, na frase do Apóstolo.

Art. 2 — Se a Eucaristia é um só ou vários sacramentos.

O segundo discute-se assim. — Parece que a Eucaristia não é um só, mas vários sacramentos.
 
1. — Pois, reza uma Coleta: Que os sacramentos nos purifiquem, Senhor, que recebemos; sendo isto aplicado à recepção da Eucaristia. Logo, a Eucaristia não é um só, mas vários sa­cramentos.
 
2. Demais. — É impossível multiplicar-se o gênero, sem multiplicar-se a espécie; assim, que um só homem sejam vários animais. Ora, o si­nal é o gênero do sacramento, como se disse. Havendo, pois, na Eucaristia vários sinais, a saber, o pão e o vinho, resulta por consequência que são vários sacramentos.
 
3. Demais. — Este sacramento se consuma com a consagração da matéria, como se disse. Ora, há nele uma dupla consagração da matéria. Logo, são dois sacramentos.
 
Mas, em contrário, diz o Apóstolo: Nós to­dos somos um pão e um corpo, nós todos que participamos de um mesmo pão e de um mesmo cálice. Por onde é claro que a Eucaristia é o sacramento da unidade eclesiástica. Ora, um sacramento produz a semelhança da coisa de que é o sacramento. Logo, a Eucaristia é um só sacramento.
 
SOLUÇÃO. — Como diz Aristóteles, atribuímos à unidade não só ao indivisível ou ao con­tínuo, mas também ao perfeito; assim dizemos - uma casa e um homem. Ora, tem unidade de perfeição o ser para cuja integridade con­corre tudo o necessário ao seu fim. Assim, o ho­mem se integra por todos os membros necessá­rios à operação da alma; e uma casa, por todas as partes necessárias a tornarem-na habitável. E neste sentido atribuímos a unidade a este sa­cramento; pois, se ordena à nutrição espiritual, semelhante à corporal. Ora, a nutrição corpo­ral requere dois elementos: a comida, alimento seco, e a bebida, alimento úmido. Do mesmo modo, para a integridade deste sacramento concorrem duas coisas: a comida e a bebida espi­rituais, segundo aquilo do Evangelho - a minha carne verdadeiramente é comida e o meu sangue verdadeiramente é bebida. Logo, apesar ser este sacramento múltiplo, materialmente, é uno formal e' perfectivamente.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A mesma coleta reza, no plural. e em primeiro lugar: Que nos purifiquem os sacramentos que recebemos. E depois acrescenta, no singular: Que este teu sacramento não nos redunde em reato para a pena, para mostrar que, de certo modo múltiplo, é contudo, absolutamente, uno.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O pão e o vinho são por certo, materialmente considerados, sinais diferentes; mas, formal e perfectivamente, são um só, pois, constituem uma só nutrição.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Do fato de ser du­pla a consagração da matéria deste sacramento. não podemos concluir senão que ele tem multi­plicidade material, como se disse.

Art. 1 — Se a Eucaristia é um sacramento.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a Eucaristia não é um sacramento.
 
1. — Pois, dois sacramentos não devem ter o mesmo fim, porque cada um é eficaz para produzir o seu efeito. Ora, ordenando-se à per­feição tanto a confirmação como a Eucaristia, no dizer de Dionísio, sendo a confirmação um sacramento, como se estabeleceu, parece que não o é a Eucaristia.
 
2. Demais. — Em todos os sacramentos da lei nova, o que visivelmente está ao alcance dos sentidos produz o efeito visível do sacramento. Assim, a ablução da água causa o caráter ba­tismal e a ablução espiritual, como se disse. Ora, as espécies do pão e do vinho, que neste sacra­mento, são perceptíveis pelos sentidos, não pro­duzem nem o verdadeiro corpo de Cristo, que é a realidade e o sacramento, nem o corpo mís­tico, que é somente a realidade na Eucaristia. Logo, parece que a Eucaristia não é um sacra­mento da lei nova.
 
3. Demais. — Os sacramentos da lei nova, que têm matéria, consumam-se com o uso da matéria; assim o batismo na ablução, é a confirmação na assinalação da crisma. Se, portan­to, a Eucaristia fosse um sacramento, consumar­-se-ia com o uso da matéria e não com a consa­gração dela. O que é evidentemente falso, pois, a forma deste sacramento são as palavras pro­feridas na consagração da matéria, como a se­guir se dirá. Logo, a Eucaristia não é um sa­cramento.
 
Mas, em contrário, uma coleta reza: Este teu sacramento não nos redunde em reato para a pena.
 
SOLUÇÃO. — Os sacramentos da Igreja têm por fim socorrer-nos na vida espiritual. Ora, a vida espiritual se conforma com a corporal, por­que com as causas corpóreas têm semelhanças as espirituais. Ora, é manifesto que, assim como pela geração recebemos a vida do corpo e pelo crescimento chegamos à plenitude dessa vida, assim também nos é necessário o alimento para conservarmos a vida. Por onde, assim como para a vida espiritual há necessidade do batismo, que é a geração espiritual, e da confirma­ção, que é o crescimento espiritual, assim tam­bém é necessária a Eucaristia, que é o alimento espiritual.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Há duas sortes de perfeição. - Uma intrínseca ao homem, a que chega pelo crescimento. E essa é a própria da confirmação. - Outra é a que obtemos pela adjunção do alimento, do ves­tuário ou por modo semelhante. E essa é a per­feição própria da Eucaristia, que é o alimento espiritual.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A água do batismo não é por nenhuma virtude própria sua que causa um efeito espiritual, mas por virtude do Espírito Santo nela existente. Por isso Crisós­tomo diz, comentando aquilo do Evangelho - ­Um anjo do Senhor em certo tempo: Nos bati­zados a água não opera por si mesma; mas, quando receber a graça do Espírito Santo, então perdoa todos os pecados. Ora, a virtude do Es­pírito Santo está para a água do batismo, assim como o verdadeiro corpo de Cristo, para as es­pécies do pão e do vinho. Por onde, as espé­cies do pão e do vinho nenhuma eficácia têm senão em virtude do verdadeiro corpo de Cristo.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O sacramento é assim chamado por conter algo de sagrado. Ora, uma causa pode ser sagrada de dois modos, abso­luta e relativamente. Ora, a diferença entre a Eucaristia e os outros sacramentos, que têm matéria sensível, está em aquele conter o que é absolutamente sagrado, a saber, o pró­prio Cristo; ao passo que o batismo tem um conteúdo sagrado relativo, a saber, a virtude de santificar. E o mesmo se dá com a crisma e sacramentos semelhantes. Por onde, o sacra­mento da Eucaristia se consuma na consagração mesma da matéria; ao passo que os outros sacramentos, na aplicação da matéria à nossa san­tificação. - E daqui também resulta outra dife­rença, a saber. A realidade e o sacramento, na Eucaristia, é a própria matéria dela, mas o que é somente a realidade, isto é, a graça conferida, está em quem a recebe. Ao passo que no ba­tismo uma e outra coisa está em quem o re­cebe; a saber, o caráter, que é realidade e sa­cramento; e a graça da remissão dos pecados, que é somente a realidade. E o mesmo se dá com os outros sacramentos.

Questão 73: Do sacramento da Eucaristia em si mesmo

Na primeira questão discutem-se seis artigos:

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