Skip to content

Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 2 — Se o apetite sensitivo e o intelectivo são potências diversas.

(De Verit., q. 22, a. 4; q. 25, a. 1; III De Anima, lect. XIV).
 
O segundo discute-se assim. ― Parece que o apetite sensitivo e o intelectivo não são potências diversas.
 
1. ― Pois, as potências não se diversificam pelas diferenças acidentais, como se disse antes (q. 77, a. 3). Ora, é acidental ao apetecível ser apreendido pelo sentido ou pelo intelecto. Logo, o apetite sensitivo e o intelectivo não são potências diversas.
 
2. Demais. ― O conhecimento intelectivo é o do universal e, por aí, se distingue do sensitivo que é o conhecimento do singular. Ora, essa distinção não tem lugar na parte apetitiva; pois, sendo o apetite movido, pela alma, para causas singulares, todos os apetites visam causas singulares. Logo, o apetite intelectivo não deve se distinguir do sensitivo.
 
3. Demais. ― Assim como a apetitiva, como potência inferior, é dependente da apreensiva, assim também a motiva. Mas, não há, no homem, uma potência motiva, conseqüente ao intelecto, diferente da que, nos outros animais, é conseqüente ao sentido. Logo, pela mesma razão, não é diferente a potência apetitiva.
 
Mas, em contrário; o Filósofo distingue um duplo apetite, e diz, que o superior move o inferior.
 
Solução. ― É necessário admitir o apetite intelectivo como potência diferente da sensitiva. Pois, a potência apetitiva é uma potência passiva, cuja natureza é ser movida pelo que foi apreendido; por onde, o apetecível apreendido é motor não movido; porém, o apetite é motor movido, como diz Aristóteles. Ora, o passivo e o móvel se distinguem pela distinção do ativo e do motivo; pois, é forçoso que o motivo seja proporcionado ao móvel e o ativo, ao passivo, e a essência da potência passiva mesma está em ser ordenada ao que lhe é ativo. Ora, como o que é apreendido pelo intelecto é de outro gênero do que o apreendido pelo sentido, resulta que o apetite intelectivo é potência diferente do sensitivo.
 
Donde a resposta à primeira objeção. ― Não é por acidente que o apetecível é apreendido pelo sentido e pelo intelecto, mas em si mesmo é que convém a este. Pois, o apetecível só como apreendido é que move o apetite. Por onde, as diferenças do apreendido são, em si, as do apetecível. E, por isso, as potências apetitivas distinguem-se pelas diferenças das coisas apreendidas, como sendo os objetos próprios delas.
 
Resposta à segunda. ― Embora o apetite intelectivo busque coisas singulares exteriores à alma, busca-as todavia por meio de alguma noção universal; assim, quando deseja algo de bom. Por onde, diz o Filósofo, pode-se ter ódio universalmente, p. ex., quando o temos de todo gênero de ladrões. Semelhantemente, pelo apetite intelectivo também podemos desejar bens imateriais, que os sentidos não apreendem, como a ciência, as virtudes e outros semelhantes.
 
Resposta à terceira. ― Como já foi dito, a opinião universal não move senão mediante a particular; e, semelhantemente, o apetite superior move mediante o inferior. E, portanto, não há outra virtude motiva conseqüente ao intelecto e ao sentido.

Art. 1 — Se o apetite é uma potência especial da alma.

(III Sent., dist. XXVII, q. 1, a. 2; De Verit., q., 22, a 3).
 
O primeiro discute-se assim. ― Parece que o apetite não é uma potência da alma.
 
1. ― Pois, não se deve atribuir uma potência especial da alma ao que é comum aos seres animados e aos inanimados. Ora, o apetite é-lhes comum porque, como diz Aristóteles, o bem é o que todos os seres desejam. Logo, é uma potência especial da alma.
 
2. Demais. ― As potências se distinguem pelos objetos. Mas o que conhecemos é o mesmo que desejamos. Logo, a virtude apetitiva não deve ser diferente da apreensiva.
 
3. Demais. ― O comum não se distingue por oposição com o próprio. Ora, cada uma das potências da alma deseja um certo bem apetecível particular, a saber, o objeto que lhe é conveniente. Logo, em relação a esse objeto, que é o apetecível comum, não é necessário introduzir uma potência distinta das outras, chamada apetitiva.
 
Mas, em contrário, o Filósofo distingue a apetitiva das outras potências. E Damasceno também distingue as virtudes apetitivas das cognitivas.
 
Solução. ― É necessário admitir na alma uma potência apetitiva. O que se evidencia considerando que cada inclinação resulta de uma forma; assim, o fogo, pela sua forma, se inclina para o lugar superior e para gerar um semelhante a si. Ora, a forma, nos entes que participam do conhecimento, se encontra de modo mais alto do que nos privados dele. Pois, nestes últimos, encontra-se somente a forma que determina cada um deles a um ser próprio, e que a cada qual é natural. E a inclinação natural resulta dessa forma natural, sendo chamada apetite natural. Ao passo que nos entes dotados de conhecimento, cada qual é determinado, pela forma natural, ao ser natural próprio, o qual todavia é susceptível de receber as espécies das outras coisas; assim, o sentido recebe as espécies de todos os sensíveis, e o intelecto, de todos os inteligíveis. De modo que a alma do homem se torna, de certo modo, em tudo, pelo sentido e pelo intelecto. Por onde, os entes dotados de conhecimento aproximam-se, de certo modo, da semelhança com Deus, em quem todas as coisas preexistem, como diz Dionísio. Portanto, assim como as formas existem, nos entes que têm conhecimento, de modo mais elevado que o das, formas naturais; assim é necessário haja neles uma inclinação superior ao modo da inclinação natural e chamada apetite natural. E essa inclinação superior pertence à virtude apetitiva da alma, pela qual o animal pode apetecer as coisas que apreende, além daquelas às quais se inclina pela forma natural. E, portanto, é necessário admitir, na alma, uma potência apetitiva.
 
Donde a resposta à primeira objeção. ― O apetecer encontra-se nos entes dotados de conhecimento, mas de modo superior ao comum, que existe em todos os outros seres, como já se disse. E, portanto, é necessário seja, para isso, determinada uma potência da alma.
 
Resposta à segunda. ― O apreendido e o apetecido são idênticos quanto ao objeto, mas diferem pela relação com ele. Pois, o objeto é apreendido como ente sensível ou inteligível; ao passo que é apetecido como conveniente ou bom. Ora, a diversidade de relações com os objetos, e não a diversidade material, é que fundamentam a diversidade das potências.
 
Resposta à terceira. ― Cada potência da alma é uma forma ou natureza, com inclinação natural para alguma coisa. Por onde, cada uma deseja o objeto que lhe é conveniente, por um apetite natural. Superior a este, porém, é o apetite animal, conseqüente à apreensão, e pelo qual alguma coisa é apetecida, não pela razão de ser conveniente ao ato de tal potência ou tal outra, como p. ex., a visão, a ver, e audição, a ouvir; mas por ser conveniente, absolutamente ao animal.

Questão 80: Das potências apetitivas em comum.

Em seguida devem-se considerar as potências apetitivas, E sobre este assunto, quatro pontos se hão de tratar. Primeiro, do apetite em comum. Segundo, da sensualidade. Terceiro da vontade. Quarto, do livre arbítrio.
 
Sobre o primeiro, dois artigos se discutem:

Art. 3 — Se o diabo desejou ser como Deus.

 

(IIa IIae, q. 163, a. 2; II Sent., dist. V, q. 1 a. 2; dist. XXII, q. 1, a. 2; II Cont. Gent., cap. XIV; De Malo, q. 16, a. 1)
 
O terceiro discute-se assim. — Parece que o diabo não desejou ser como Deus.
 
1. — Pois, o que não incide na apreensão também não incide no apetite; porquanto, o bem apreendido move o apetite sensível, racional ou intelectual e só em tais apetites pode haver pecado. Ora, não é objeto da apreensão, o ser qualquer criatura igual a Deus; pois, isso implica contradição, porque necessariamente o finito seria infinito, se com este se iguala. Logo, o anjo não podia desejar ser como Deus.
 
2. Demais. — O fim da natureza pode ser apetido sem pecado. Ora, assimilar-se a Deus é o fim para o qual tende naturalmente toda criatura. Se portanto, o anjo desejou ser como Deus, não por igualdade, mas por semelhança, resulta que nisso não pecou.
 
3. Demais. — O anjo foi criado em maior plenitude de ciência do que o homem. Ora, nenhum homem, a menos que não seja de todo amente, elege ser igual ao anjo e muito menos a Deus; porque a eleição só pode visar coisas possíveis, com as quais se ocupa o conselho. Logo, muito menos pecou o anjo, desejando ser como Deus..
 
Mas, em contrário, diz a Escritura da pessoa do diabo: Subirei ao céu... e serei semelhante do Altíssimo. E Agostinho diz, que inchado de soberba, quis chamar-se Deus.
 
Solução. — O anjo, sem nenhuma dúvida pecou por querer ser como Deus. Mas isto se pode entender em duplo sentido: por equiparação e por semelhança. — Do primeiro modo, não podia desejar ser como Deus, porque sabia, por conhecimento natural, ser isso impossível; e nem ao seu primeiro ato pecaminoso, precedeu um hábito ou uma paixão que ligasse a virtude cognoscitiva, de modo a, sendo esta deficiente num caso particular, eleger o impossível, como às vezes acontece conosco. E ainda, dado que isso fosse possível, seria contra o desejo natural. Pois, há em cada um o desejo natural de conservar o seu ser, que não se conservaria se se transmutasse em uma natureza mais elevada. Por onde, nenhum ser de natureza de grau inferior pode desejar o grau da natureza superior; assim, não deseja o asno ser cavalo, porque já não seria asno se se transferisse no grau da natureza superior. Mas, neste ponto, a imaginação se engana. Pois, por desejar um homem subir a um grau mais alto, quanto a certos acidentes, que podem aumentar sem a destruição do sujeito, imagina que pode desejar um grau mais elevado de natureza, ao qual não pode chegar sem que deixe de existir. Ora, é manifesto que Deus excede o anjo, não por certos acidentes mas pelo grau da natureza; e assim, também um anjo excede o outro. Donde, é impossível um anjo inferior desejar ser igual ao superior e, muito menos, igual a Deus.
 
Mas, desejar ser como Deus, por semelhança, de dois modos pode se dar. — De um modo, quanto ao pelo que é natural a um ser o assemelhar-se a Deus. E assim, quem neste sentido deseja ser semelhante a Deus não peca, pois, deseja alcançar a semelhança com Deus, na ordem devida, a saber, enquanto tem essa semelhança recebida de Deus. Se, porém, desejasse ser semelhante a Deus por justiça, como por virtude própria e não pela virtude de Deus, pecaria. — De outro modo, pode alguém desejar ser semelhante a Deus quanto ao que não lhe é natural que com Deus se assemelhe; como se alguém desejasse criar o céu e a terra. O que é próprio de Deus; e, nesse desejo, haveria pecado.
 
Ora, deste modo é que o diabo desejou ser como Deus. Não que com Deus se assemelhasse, por não haver ninguém a quem fosse inferior, absolutamente, porque, então desejaria o seu não-ser; pois nenhuma criatura pode existir, senão por participar o ser dependentemente de Deus. Mas desejou indebitamente ser semelhante a Deus, porque desejou como fim último da beatitude aquilo ao que podia chegar pela virtude da sua natureza, desviando o seu desejo da beatitude sobrenatural, que é graça de Deus. — Ou, se desejou como fim último a semelhança com Deus, que é dom da graça, quis tê-la pela virtude da sua natureza, e não pelo auxílio divino, segundo a disposição de Deus. E isto é consoante às palavras de Anselmo, dizendo ter o demônio desejado aquilo que obteria se perseverasse. — E estas duas explicações se reduzem a uma só: de uma e outra maneira o diabo desejou ter a beatitude final, pela sua virtude, o que é próprio de Deus.
 
Como porém o que é por si é princípio e causa do que existe por outro, daí também resulta que desejou ter um certo principado sobre todos os outros seres. No que também perversamente quis assemelhar-se a Deus.
 
E, daqui se deduzem claramente as RESPOSTAS A TODAS AS OBJEÇÕES.

 

Art. 13 ― Se a consciência é uma potência.

(II Sent., dist. XXIV, q. 2, a. 4; De Verit., q. 17, a. 1).
 
O décimo terceiro discute-se assim. ― Parece que a consciência é uma potência.
 
1. ― Pois, diz Origines, a consciência é o espírito corretor e o pedagogo associado à alma, pelo qual ela foge das coisas más e adere às boas. Mas o espírito, na alma, denomina uma potência: quer a mente mesma, segundo aquilo da Escritura (Ef 4, 23) ― Renovai-vos pois no espírito do vosso entendimento; quer a imaginação, chamando-se, por isso, imaginária a visão espiritual, com se vê Agostinho. Logo, a consciência é uma potência.
 
2. Demais. ― Só uma potência da alma pode ser sujeito do pecado. Ora, a consciência é sujeito do pecado; pois, a Escritura diz, de certos (Tt 1, 15): acham-se contaminadas tanto a sua mente como a sua consciência. Logo, a consciência é uma potência.
 
3. Demais. ― A consciência é, necessariamente, ato, hábito ou potência. Ora, não é ato, porque, então, não permaneceria sempre no homem. Nem hábito, porque, então, não seria uma só a consciência, mas muitas; pois somos dirigidos, nas ações, por muitos hábitos cognoscitivos. Logo, a consciência é uma potência.
 
Mas, em contrário. ― A consciência pode se perder; não, porém, a potência. Logo, não é potência.
 
Solução. ― A consciência, propriamente falando, não é potência, mas ato. O que se evidencia quer em razão do nome, quer pelo que, conforme o uso comum de falar, se atribui à consciência.
 
Segundo, pois, a propriedade do vocábulo, a consciência importa a ordenação da ciência para alguma coisa, porquanto, consciência significa ciência com outra coisa. Ora, a aplicação da ciência a alguma coisa se faz por um ato. Por onde, em virtude dessa noção do nome, é claro que a consciência é um ato.
 
E o mesmo resulta daquilo que se atribui à consciência. Assim, diz-se que ela testifica, liga, instiga e, mesmo, acusa ou remorde ou repreende. E tudo isso resulta da aplicação de algum conhecimento nosso ou ciência nossa aquilo que praticamos. E essa aplicação se faz de três modos. ― Primeiro, quando reconhecemos ter ou não feito alguma coisa, segundo a Escritura (Ecle 7, 23): Porque sabes na tua consciência que também tu muitas vezes tens dito mal de outros. E, neste caso, diz-se que a consciência testifica. ― Segundo, quando pela nossa consciência julgamos dever fazer alguma coisa, ou não. E então, diz-se que a consciência instiga ou liga. ― Terceiro, quando, pela consciência, julgamos que alguma coisa foi bem ou mal feita. E então, diz-se que a consciência excusa, ou acusa ou remorde. Ora, é, claro que tudo isso resulta da aplicação atual da ciência àquilo que praticamos. Por onde, propriamente falando, a consciência denomina o ato.
 
Porém, como o hábito é o princípio do ato, às vezes se atribui o nome de consciência ao hábito primeiro natural, a saber, a sindérese; e é assim que Jerônimo denomina a consciência sindérese; Basílio, judicatório natural; e Damasceno, lei do nosso intelecto. Pois é costume nomear as causas pelos efeitos e vice-versa.
 
Donde a resposta à primeira objeção. ― Chama-se espírito à consciência, entendendo aquele pela mente, pois é um ditame desta.
 
Resposta à segunda. ― Diz-se que há inquinação na consciência, não como num sujeito, mas do modo por que o conhecido está no conhecimento, a saber, enquanto alguém se conhece como inquinado.
 
Resposta à terceira. ― O ato, embora em si não permaneça sempre, permanece, contudo, na sua causa, que é a potência e o hábito. Ora, os hábitos pelos quais a consciência é informada, embora sejam muitos, recebem todos, porém, a eficácia de um hábito primeiro, a saber, o hábito dos primeiros princípios, chamado sindérese. Por onde, tal hábito se chama, por vezes, especialmente, consciência, como se disse acima.

Art. 12 ― Se a sindérese é uma potência especial distinta das outras.

(II Sent., dist. XXIV, q. 2, a. 3; De Verit., q. 16, a. 1).
 
O duodécimo discute-se assim. ― Parece que a sindérese é uma potência especial, distinta das outras.
 
1. ― Pois, as coisas que caem sob uma divisão pertencem ao mesmo gênero. Mas, na Glosa de Jerônimo, a sindérese é dividida por oposição ao irascível, ao concupiscível e ao racional, que são potências. Logo, a sindérese é uma potência.
 
2. Demais. ― Os opostos são do mesmo gênero. Ora, a sindérese e a sensualidade se opõem, porque aquela sempre inclina para o bem e esta, sempre para o mal, sendo, por isso, representada pela serpente, como se vê em Agostinho. Logo, conclui-se que a sindérese é uma potência, como a sensualidade.
 
3. Demais. ― Agostinho diz, que para o judicatório natural há certas regras, e sementes das virtudes, verdadeiras e incomutáveis. E a essas chamamos sindérese. Logo, pertencendo às regras incomutáveis, pelas quais julgamos, à razão, na sua parte superior, como diz Agostinho, conclui-se que a sindérese é idêntica à razão. E, assim, é uma potência.
 
Mas, em contrário.As potências racionais se referem a termos opostos, segundo o Filósofo. Ora, a sindérese não se refere a tais termos mas inclina somente para o bem. Logo, não é potência; porque se o fosse, tinha que ser potência racional, pois, não se encontra nos brutos.
 
Solução. ― A sindérese não é potência, mas hábito; embora certos tenham dito que é uma potência mais alta que a razão; e outros, que é a razão mesma, não enquanto razão, mas enquanto natureza.
 
E, para a evidência disto, deve-se considerar que, como já se disse antes (a. 8), o raciocínio do homem, sendo movimento, parte, como de um princípio imóvel da inteligência, de certas noções, naturalmente conhecidas, sem a investigação da razão; e termina também pelo intelecto, enquanto julgamos, pelos princípios naturalmente conhecidos por si mesmos, daquilo que descobrimos raciocinando. Ora, dá-se que, assim como a razão especulativa raciocina sobre as coisas especulativas, assim a razão prática, sobre as operáveis. Logo, é necessário que, não só os princípios das coisas especulativas, mas também o das operáveis, nos sejam naturalmente ínsitos.
 
Ora, os primeiros princípios das coisas especulativas, naturalmente ínsitos, em nós não pertencem a nenhuma potência especial, mas a um hábito especial, chamado intelecto dos princípios, como se vê em Aristóteles. Por onde, também os princípios das coisas operáveis, naturalmente ínsitos em nós, não pertencem a uma potência especial, mas a um hábito natural especial, a que chamamos sindérese. E, por isso, se diz que a sindérese instiga ao bem e murmura contra o mal, enquanto, pelos primeiros princípios, procedemos a descobrir e julgamos do descoberto. Logo, é claro, a sindérese não é uma potência, mas um hábito natural.
 
Donde a resposta à primeira objeção. ― Essa divisão de Jerônimo se funda na diversidade dos atos e não na das potências. Pois, atos diversos podem pertencer à mesma potência.
 
Resposta à segunda. ― A oposição entre a sensualidade e a sindérese se funda na oposição dos atos; e não que pertençam elas a diversas espécies do mesmo gênero.
 
Resposta à terceira. ― Essas regras incomutáveis são os primeiros princípios das coisas operáveis, em relação às quais não é possível errar; e se atribuem à razão como à potência, e a sindérese como ao hábito. Por onde, por uma e outra, a saber, pela razão e pela sindérese, julgamos naturalmente.

Art. 11 ― Se o intelecto especulativo e o prático são potências diversas.

(III Sent., dist. XXIII, q.2, a. 3, qª 2; De Verit., q. 3, a. 3; VI Ethic., lect. II; III De Anima, lect. XV).
 
O undécimo discute-se assim. ― Parece que o intelecto especulativo e o prático são potências diversas.
 
1. ― Pois, o apreensivo e o motivo são gêneros diversos de potências, como se vê em Aristóteles. Ora, o intelecto especulativo é somente apreensivo, ao passo que o prático é motivo. Logo, são potências diversas.
 
2. Demais. ― Os aspectos diversos do objeto diversificam as potências. Ora, ao passo que o objeto do intelecto especulativo é a verdade, o do prático, é o bem; e ambos esses objetos diferem essencialmente. Logo, o intelecto especulativo e o prático são potências diversas.
 
3. Demais. ― Na parte intelectiva, o intelecto prático está para o especulativo, como a estimativa para a imaginativa, na parte sensitiva. Ora, a estimativa difere da imaginativa como uma potência, de outra, como se disse antes (q. 78, a. 4). Logo, também o intelecto prático, do especulativo.
 
Mas, em contrário, como diz Aristóteles, o intelecto especulativo, por extensão, torna-se prático. Ora, uma potência não se muda em outra. Logo, o intelecto especulativo e o prático não são potências diversas.
 
Solução. ― O intelecto prático e o especulativo não são potências diversas. E a razão é que, como já se disse antes (q. 77, a. 3), o acidental, em relação ao aspecto do objeto a que se refere uma potência, não diversifica a esta. Assim, é acidental ao colorido ser homem, grande ou pequeno; por isso, tais acidentes são apreendidos pela mesma potência visíva. Ora, é acidental ao que é apreendido pelo intelecto ser ou não ordenado à operação. E nisto está a diferença entre o intelecto especulativo e o prático; o que aquele apreende não se ordena à operação, mas só à consideração da verdade; ao passo que, o apreendido, por este se ordena à operação. E, por isso, o Filósofo diz que o fim especulativo difere do prático; por onde, denominados pelos seus fins, um se chama intelecto especulativo; o outro, prático, i. é., operativo.
 
Donde a resposta à primeira objeção. ― O intelecto prático é motivo, não por executar o movimento, mas porque dirige para o movimento. O que lhe convém, segundo o modo da sua apreensão.
 
Resposta à segunda. ― A verdade e o bem incluem-se um no outro. Pois, a verdade é um certo bem, do contrário não seria desejável; e o bem é uma certa verdade, do contrário não seria inteligível. Portanto, assim como objeto do apetite pode ser o verdadeiro, sob o aspecto de bom, como p. ex., quando alguém deseja conhecer a verdade; assim também o objeto do intelecto prático é o bem que se ordena à operação, sob o aspecto de verdadeiro. Pois, o intelecto prático, como o especulativo, conhece a verdade, mas ordenando a verdade conhecida para a operação.
 
Resposta à terceira. ― Há muitas diferenças que diversificam as potências sensitivas, e que não diversificam as intelectivas, como já se disse antes (a. 7, ad 2; q. 77, a. 3 ad 4).

Art. 10 ― Se a inteligência é potência diferente do intelecto.

O décimo discute-se assim. ― Parece que a inteligência é potência diferente do intelecto.
 
1. ― Pois, como disse alguém, quando queremos subir do inferior para o superior, primeiro nos socorremos do sentido, depois da imaginação, em seguida, da razão depois, do intelecto e, por último, da inteligência. Ora, a imaginação e o sentido são potências diversas. Logo, também o intelecto e a inteligência.
 
2. Demais. ― Boécio diz, que o homem é considerado diferentemente pelo sentido, pela imaginação, pela razão e pela inteligência. Ora, o intelecto é a mesma potência que a razão. Logo, conclui-se que a inteligência é potência diferente do intelecto, como a razão o é da imaginação e do sentido.
 
3. Demais. ― Os atos são anteriores às potências, como diz Aristóteles. Ora, a inteligência é um ato separado dos outros, que são atribuídos ao intelecto. Pois, como diz Damasceno o primeiro movimento (no conhecimento) se chama intelecção; a intelecção aplicada a um objeto se chama intenção; a permanente e configurativa da alma conforme ao objeto conhecido se chama cogitação; a cogitação que permanece no mesmo sujeito, que a si mesmo se examina e julga, chama-se frónesis, i. e., sapiência; a frónesis desenvolvida constitui o raciocínio, i. é., a palavra interiormente ordenada; donde procede a palavra articulada pela língua. Logo resulta que a inteligência é uma potência especial.
 
Mas, em contrário, diz o Filósofo, a inteligência se refere aos indivisíveis, nos quais não há falsidade. Ora, tal modo de conhecer pertence ao intelecto. Logo, a inteligência não é potência diferente do intelecto.
 
Solução. ― O vocábulo inteligência significa, propriamente, o ato mesmo do intelecto, que é inteligir. Porém, em certos livros traduzidos do árabe, as substâncias separadas, a que nós chamamos anjos, denominam-se Inteligências, talvez porque tais substâncias sempre inteligem em ato. Ao passo que, nos livros traduzidos do grego, chamam-se Intelectos ou Mentes. Assim, pois, a inteligência não se distingue do intelecto como uma potência, de outra, mas como o ato, da potência. E tal divisão é aceita, também pelos filósofos. Assim, ora admitem quatro intelectos: o agente, o possível, o habitual e o atual. Dos quais, o agente e o possível são potências diferentes; pois, como em todos os seres, há uma potência ativa e outra, passiva. Porém, os outros três se distinguem pelos três estados do intelecto possível, que, ora sendo somente potencial chama-se possível: ora, estando em ato primeiro, que é a ciência, chama-se habitual; ora, em ato segundo, que é a reflexão, chama-se intelecto em ato atual.
 
Donde a resposta à primeira objeção. ― Se tal autoridade deve ser aceita, por inteligência aí se entende o ato do intelecto; e, então, ela se divide por oposição com o intelecto, como o ato por oposição com a potência.
 
Resposta à segunda. ― Boécio entende por inteligência o ato do intelecto, que transcede o ato da razão. Por onde, no mesmo passo, diz que a razão tanto é própria ao gênero humano, como a inteligência só, ao divino; pois, é próprio de Deus inteligir todas as coisas, sem nenhuma investigação.
 
Resposta à terceira. ― todos esses atos, que Damasceno enumera, pertencem à mesma potência, a saber, à intelectiva. Esta, primeiro, apreende, absolutamente, uma coisa, e tal ato se chama intelecção; segundo, ordena o que apreende a conhecer ou operar outra coisa, e a isso se chama intenção; o persistir na indagação do que intenciona chama-se cogitação; o exame do que foi cogitado, à luz de princípios certos, chama-se saber ou ter sabedoria, nisso consistindo a prudência ou sapiência, pois, pertence as sapiência julgar, como diz Aristóteles. Depois de estar certa de algo, por ter sido como examinado, cogita como possa manifestá-lo aos outros, e tal é à disposição da elocução interior; da qual procede a elocução exterior. Não é, pois, toda diferença dos atos que diversifica as potências; mas só a que se não pode reduzir ao mesmo princípio, como já se disse antes (q. 78, a. 4).

Art. 9 ― Se a razão superior e a inferior são potências diversas.

(II Sent., dist. XXIV, q. 2, a. 2; De Verit q. 15, a 2).
 
O nono discute-se assim. ― Parece que a razão superior e a inferior são potências diversas.
 
1. ― Pois, Agostinho diz, que a imagem da Trindade está na parte superior da razão, não porém na inferior. Ora, as partes da alma são as potências mesmas dela. Logo, duas potências são a razão superior e a inferior.
 
2. Demais. ― Nada nasce de si mesmo. Ora, a razão inferior nasce da superior e por esta é regulada e dirigida. Logo, a razão superior é potência diferente da inferior.
 
3. Demais. ― O Filósofo diz que o princípio intelectivo da alma, pelo qual ela conhece o necessário, é princípio diferente e parte diversa do princípio opinativo e do raciocinativo, pelos quais conhece os contingentes. E isto o prova dizendo, que a causas genericamente diferentes ordenam-se partes da alma genericamente diferentes. Ora, o contingente e o necessário, assim como o corruptível e o incorruptível, são genericamente diferentes. Sendo, pois, o necessário idêntico ao eterno e o temporal, ao contingente, resulta que o princípio intelectivo, do Filósofo, é idêntico à parte superior da razão, que, segundo Agostinho, considera e delibera sobre as coisas eternas; e o raciocinativo ou opinativo do Filósofo, é idêntico à razão inferior, que, segundo Agostinho, busca a disposição das coisas temporais. Logo, são potências diferentes da alma a razão superior e a inferior.
 
4. Demais. ― Damasceno diz: pela imaginação se faz a opinião; em seguida a mente, separando a opinião verdadeira da falsa julga de verdade e, por isso, mente provém de medir. E, por fim, o intelecto é relativo ao que já foi julgado e determinado verdadeiramente. Assim, pois, o opinativo ou razão inferior difere da mente e do intelecto, que se pode compreender como a razão superior.
 
Mas, em contrário, Agostinho diz, que a razão superior só se distingue da inferior pela sua função. Logo, não são duas potências.
 
Solução. ― A razão superior e a inferior, como Agostinho as entende, de nenhum modo podem ser duas potências da alma. Pois, diz que a razão superior é a que considera ou delibera nas coisas eternas; considera, examinando-as em si mesma; delibera, tirando delas as regras das ações. Porém, denomina razão inferior a que se ocupa com as coisas temporais. Ora, as coisas temporais e as eternas se comparam com o nosso conhecimento, como sendo umas o meio de se conhecerem as outras. Pois, por via da invenção, chegamos ao conhecimento das coisas eternas, pelas temporais, conforme àquilo da Escritura (Rm 1, 20): Porque as coisas invisíveis de Deus, compreendendo-se pelas coisas feitas, tornaram-se visíveis. Ao passo que, por via do juízo, julgamos das coisas temporais pelas eternas, já conhecidas, e dispomos as temporais pelas noções das eternas.  
 
Mas pode suceder que o meio e aquilo a que, pelo meio, chegamos, pertençam a hábitos diversos. Assim, os primeiros princípios indemonstráveis pertencem ao hábito do intelecto; porém, as conclusões desses deduzidas, ao hábito da ciência. E, por isso, dos princípios da geometria é que se devem tirar as conclusões, noutra ciência, p. ex., na perspectiva. Mas a potência da razão, que atinge o termo médio e o último, é a mesma. Pois, o ato da razão é um como movimento, que passa daquele para este; e também é o móvel que, passando pelo meio, chega ao fim. Por onde, a razão superior e a inferior são uma só e mesma potência; distinguindo-se, porém, pela função dos atos e pelos diversos hábitos; assim, à razão superior se atribui a sapiência e, à inferior, a ciência.
 
Donde a resposta à primeira objeção. ― Pode-se chamar parte ao que resulta de uma partição, de qualquer espécie que esta seja. Assim, a razão superior e a inferior chamam-se partes, não por serem potências diversas, mas como provenientes da divisão da razão pelas suas diversas funções.
 
Resposta à segunda. ― A razão inferior é considerada como deduzida da superior e como por esta regulada, enquanto os princípios, de que usa aquela, são deduzidos dos princípios desta e por eles regulados.
 
Resposta à terceira.O princípio do conhecimento intelectivo, de que o Filósofo fala, não se identifica com a razão superior. Pois, verdades conhecidas como necessárias também se encontram na ordem temporal, na qual se funda a ciência natural e a matemática. Porém, o opinativo e o raciocinativo têm objeto ainda menor que o da razão inferior, pois só se referem aos contingentes. Mas isso não quer dizer que seja absolutamente, uma a potência pela qual o intelecto conhece o necessário e, outra, pela qual conhece o contingente; porque conhece um e outro pela mesma noção do objeto, a saber, a noção de ente e de verdade. Por onde, os necessários, que têm o ser perfeito na verdade, conhece-os perfeitamente, atingindo-lhes a qüididade, pela qual demonstra os acidentes próprios dos mesmos. Porém, conhece os contingentes imperfeitamente, por terem o ser imperfeito, bem como a verdade. Ora, o perfeito e o imperfeito em ato não diversificam a potência; mas diversificam os atos, quanto ao modo de agir e, por conseqüência, os princípios dos atos e os hábitos. E, por isso, o Filósofo introduziu duas sub-partes da alma, a capaz do conhecimento científico e a raciocinativa, não por serem duas potências, mas por se distinguirem pela aptidão diversa a receberem os diversos hábitos cuja diversidade é o que ele quer indagar no passo citado. Pois, os contingentes e os necessários, embora diferentes pelos gêneros próprios, convêm todavia, pela noção comum de ente, visada pelo intelecto, e em relação à qual eles se comportam diferentemente, como o perfeito e o imperfeito.
 
Resposta à quarta. ― Essa distinção de Damasceno é segundo a diversidade dos atos e não a das potências. Assim, opinião significa o ato do intelecto que abraça uma parte da contradição com temor da outra. Ao passo que julgar ou medir ― donde provém o vocábulo mente ― é o ato do intelecto pelo qual ele aplica princípios certos ao exame do que lhe é proposto. Enfim, inteligir é aderir, aprovativamente, ao que foi julgado.

Art. 8 ― Se a razão é potência diferente do intelecto.

(III Sent., dist. XXXV, q. 2, a. 2, qª 1; De Verit., q. 15, a. 1).
 
O oitavo discute-se assim. ― Parece que a razão é potência diferente do intelecto.
 
1. ― Pois, foi dito: Quando queremos subir do que é inferior para o que é superior, primeiro nos ajuda o sentido, depois a imaginação, em seguida a razão e, por fim, o intelecto. Portanto, a razão é uma potência diferente do intelecto, como a imaginação da razão.
 
2. Demais. ― Boécio diz, que o intelecto está para a razão como a eternidade para o tempo. Mas, não é próprio de uma mesma virtude estar na eternidade e no tempo. Logo, a razão e o intelecto não são potências idênticas.
 
3. Demais. ― O homem tem de comum com os anjos o intelecto; com os brutos, porém, o sentido. Ora, a razão, própria do homem e que o torna animal racional, é potência diferente do sentido. Logo, igualmente, também difere do intelecto, que, convindo, propriamente, aos anjos, faz com que sejam chamados intelectuais.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho: o que torna o homem mais excelente que os animais irracionais, é a razão, ou mente, ou inteligência, ou qualquer outro vocábulo mais cômodo que se use. Logo a razão, o intelecto e a mente são uma só potência.
 
Solução. ― A razão e o intelecto, no homem, não podem ser potências diversas; o que manifestamente se compreenderá se se considerar no ato deles. Pois, inteligir é apreender, pura e simplesmente, a verdade inteligível; ao passo que raciocinar é proceder de uma para outra intelecção, para conhecer a verdade inteligível. Por onde, os anjos que possuem perfeitamente, ao modo da sua natureza, o conhecimento da verdade inteligível, não têm necessidade de proceder de uma para a outra; mas, simplesmente e sem discurso, apreendem a verdade das coisas, como diz Dionísio. Porém, os homens, chegam a conhecer a verdade inteligível, procedendo de uma para outra, como diz o mesmo autor, no mesmo passo; e, por isso, se chamam racionais. Ora, é patente que o raciocinar está para o inteligir, como o ser movido para o repousar, ou o adquirir para o possuir; dos quais termos um pertence ao perfeito, o outro, porém, ao imperfeito. E como o movimento sempre procede do imóvel e termina no repouso, daí vem que o raciocínio humano, por via de inquisição ou de invenção, procede de certos princípios absolutamente inteligidos, que são os primeiros princípios; e, de novo, por via do juízo, volta, decompondo, aos primeiros princípios, à luz dos quais examina o que descobriu. Ora, é manifesto, que o ser movido e o repousar, mesmo nas coisas naturais, não se reduzem a potências diversas, mas a uma só e mesma; pois, é pela mesma natureza que uma coisa se move e repousa localmente. Logo, com muito maior razão, pela mesma potência inteligimos e raciocinamos. E assim, é claro que, no homem, a razão e o intelecto constituem a mesma potência.
 
Donde a resposta à primeira objeção. ― Essa enumeração se faz segundo a ordem dos atos e não segundo a distinção de potência; embora o livro citado não tenha grande autoridade, como já se disse (q. 77, a. 8 ad 1).
 
Resposta à segunda. ― Resulta clara a resposta do que acaba de ser dito. Pois, a eternidade está para o tempo como o imóvel para o móvel. E, por isso, se Boécio compara o intelecto com a eternidade, comparou a razão com o tempo.
 
Resposta à terceira. ― Os outros animais são de tal modo inferiores ao homem, que não podem atingir o conhecimento da verdade, que a razão indaga. Ao passo que o homem atinge, mas imperfeitamente, ao conhecimento da verdade inteligível, que os anjos conhecem. Por onde, a virtude cognoscitiva dos anjos não é de gênero diferente da virtude cognoscitiva da razão; mas está para esta como o perfeito para o imperfeito.

AdaptiveThemes