(Supra, q. 16, a. 3; De Verit., q. 10, a. 1, ad 2; Qu. De Anima a. 13; I De Anima, lect. XIV; II, lect. III, V).
O primeiro discute-se assim. ― Parece que não se devem distinguir cinco gêneros de potências da alma, a saber: o vegetativo, o sensitivo, o apetitivo, o motivo local e o intelectivo.
1. ― Pois, as potências da alma são consideradas partes da mesma. Ora, em geral, todos lhe admitem só três partes: a alma vegetativa, a sensível e a racional. Logo, só há três gêneros de potências e não cinco.
2. Demais. ― As potências da alma são os princípios das operações vitais. Ora, como ensina o Filósofo, de quatro modos pode-se dizer que um ser vive: Embora os modos de viver sejam múltiplos, dizemos que um ser é vivo quando nele exista um apenas desses modos, a saber, o intelecto e os sentidos, o movimento e o repouso locais; e a estes devendo acrescentar-se o movimento alimentar, o de decrescimento e de aumento. Logo, só há quatro gêneros de potências da alma, excluindo-se o apetitivo.
3. Demais. ― Ao que é comum a todas as potências não se deve atribuir nenhum gênero especial de alma. Ora, desejar convém a qualquer das potências da alma; assim, a visão deseja o visível conveniente, dizendo, por isso, a Escritura: A praça do corpo e a beleza do rosto desejará o teu olho; mas a verdura dos campos semeados leva muita vantagem a ambas as coisas. E, do mesmo modo, qualquer outra potência deseja o seu objeto conveniente. Logo, não se deve admitir o apetitivo como gênero especial das potências da alma.
4. Demais. ― O princípio motor, nos animais, é o sentido ou o intelecto ou o apetite, como já se disse. Logo, não se deve considerar o gênero motivo, como especial da alma, além dos outros gêneros já mencionados.
Mas, em contrário,diz o Filósofo: Consideramos como potências a vegetativa, a sensitiva, a apetitiva, a motiva local e a intelectiva.
Solução. ― Cinco são os gêneros das potências da alma, já enumerados; mas as almas são três; e os modos de viver, quatro.
E a razão desta diversidade está em se distinguirem diversas almas segundo os modos diversos pelos quais a operação da alma sobreexcede a da natureza corpórea. Pois, esta, totalmente, está sujeita à alma, e com ela se compara como matéria e instrumento. ― Ora, há uma operação da alma excedente de tal modo à natureza corpórea, que nem mesmo se exerce por meio de qualquer órgão corpóreo. E tal é a operação da alma racional. ― Há outra inferior a esta, que se realiza pelo órgão, mas não por qualquer qualidade corpórea. E tal é a da alma sensitiva; pois, embora o cálido e o frio, o úmido e o seco, e outras qualidades corpóreas semelhantes sejam necessárias para a operação do sentido, todavia não o são, a ponto tal, que a operação da alma sensível se exerça, mediante a virtude de tais qualidades; sendo elas só necessárias para a devida disposição do órgão. ― Por fim, a operação ínfima da alma é a que exerce pelo órgão corpóreo e em virtude de qualidade corpórea. Mas, ainda assim, sobreexcede a operação da natureza corpórea; pois, ao passo que as moções dos corpos procedem de um princípio exterior, tais operações procedem de um intrínseco, o que é comum a todas as operações da alma, porquanto, todo ser animado move-se, de certo modo, a si mesmo. E tal é a operação da alma vegetativa; assim, a digestão, e tudo o que dela resulta, realiza-se instrumentalmente pela ação do calor, como já se disse.
Quanto aos gêneros das potências da alma, eles se distinguem pelos objetos. Pois, quanto mais elevada for a potência, tanto mais universal será o seu objeto, como já antes se disse. Ora, o objeto da operação da alma pode ser encarado sob tríplice ordem. ― Há uma potência que têm por objeto o corpo somente, unido à alma. E este gênero de potências se chama vegetativo;pois, a potência vegetativa só pode agir no corpo unido à alma. ― Há, porém outro gênero de potências que visa um objeto mais universal, a saber, todo o corpo sensível, e não só o corpo unido à alma. ― Há, por fim, outro gênero, que visa um objeto ainda mais universal e é, não só o corpo sensível, mas todo ente, universalmente. ― Por onde se vê, que estes dois últimos gêneros de potências exercem operação relativa, não só a uma coisa conjunta, mas também a uma coisa extrínseca. Como porém é necessário que o ser ativo esteja ligado, de certo modo, ao seu objeto, em relação ao qual opera, necessário é que a coisa extrínseca, objeto da operação da alma, se compare com esta por dois aspectos da sua natureza. ― De um modo, por lhe ser natural estar unida à alma e nesta estar pela sua semelhança. E, sob este aspecto, há dois gêneros de potências: o sensitivo, relativo ao objeto menos comum, que é o corpo sensível; e o intelectivo, relativo ao objeto comuníssimo, que é o ente universal. ― De outro modo, porém, enquanto a alma mesma se inclina e tende para a coisa exterior. E ainda, a esta luz, há dois gêneros de potências: o apetitivo,pelo qual a alma está para a coisa extrínseca como fim, que é primeiro na intenção; e outro, o motivolocal,enquanto a alma está para a coisa exterior como para o termo da operação e do movimento; assim, todo animal se move para conseguir a coisa desejada intencionada.
Quanto aos modos de viver, eles se distinguem pelos graus dos viventes. ― Assim, há certos viventes, como as plantas, em que só há o modo vegetativo. ― Outros há, porém, nos quais, com o vegetativo existe também o sensitivo, não, porém, o motivo local; assim, os animais imóveis, como as conchas. ― Outros ainda, além disso, têm o motivo local; assim, os animais perfeitos que, precisando de muitas coisas necessárias à vida, precisam por isso do movimento para poderem procurá-las, colocadas que estão à distância. ― Outros viventes há, por fim, como os homens, nos quais, além desses, há o modo intelectivo. Quanto ao apetitivo, esse não constitui nenhum grau de vivência porque todos os que têm sentido também têm apetite, como já se disse.
E, por aqui, se resolvem as duas primeiras objeções.
Resposta à terceira. ― Apetite natural é a inclinação natural de um ser para alguma coisa. Por onde, toda potência deseja, por apetite natural, o que lhe é conveniente. Mas o apetite animal resulta da forma apreendida e supõe uma potência especial da alma, não bastando só a apreensão. Pois, a coisa desejada o é como naturalmente existe; ela não está porém desse modo na virtude apreensiva, mas só por semelhança. Por onde é claro, que a visão deseja naturalmente o visível, só para realizar o seu ato que é ver. O animal, porém, deseja a coisa vista, pela virtude apetitiva, não só para vê-la, mas também para outros usos. Pois, se a alma não precisasse das coisas percebidas pelo sentido senão por causa dos atos dos sentidos, a saber, para que as sentisse, não seria necessário considerar o apetitivo como um gênero especial, entre as potências da alma, porque bastaria o apetite natural das potências.
Resposta à quarta. ― Embora o sentido e o apetite sejam princípios motores, nos animais perfeitos, contudo, como sentidos, não bastam para mover, se não se lhes acrescentar alguma virtude. Pois, embora os animais imóveis tenham sentido e apetite, não têm, contudo, a virtude motora. Ora, esta não só está no apetite e no sentido, como ordenadora do movimento, mas também está nas partes mesmas do corpo, para que sejam aptas a obedecer ao apetite da alma motiva. E a prova está em que, quando os membros são privados da sua disposição natural, não obedecem à tendência para o movimento.