Category: Santo Tomás de Aquino
O primeiro discute-se assim. — Parece que a consagração deste sacramento não é própria do sacerdote.
1. — Pois, como se disse, este sacramento é consagrado em virtude de palavras, que são a forma dele. Ora, essas palavras não se mudam quer pronunciadas pelo sacerdote, quer por qualquer outro. Logo, parece que nem só o sacerdote, mas qualquer outro pode consagrar este sacramento.
2. Demais. — O sacerdote celebra este sacramento em nome de Cristo. Ora, um leigo santo está unido a Cristo pela caridade. Logo, parece que também um leigo, pode consagrá-lo. Por isso Crisóstomo diz, que todo santo é sacerdote.
3. Demais. — Assim como o batismo se ordena à nossa salvação, assim este sacramento, como se disse. Ora, também um leigo pode batizar, conforme foi dito. Logo, não é próprio do sacerdote celebrar este sacramento.
4. Demais. — Este sacramento se consuma pela consagração da matéria. Ora, consagrar as outras matérias - o crisma, os santos óleos e o óleo bento - só o pode o bispo. E, contudo essa consagração não tem a mesma dignidade, que a da Eucaristia, na qual está todo Cristo. Logo, não é próprio do sacerdote, mas só do bispo celebrar este sacramento.
Mas, em contrário, Isidoro diz e está nas Decretais: É próprio do presbítero celebrar no altar o sacramento do corpo e do sangue do Senhor.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, este sacramento tem tão grande dignidade que não é celebrado senão em nome de Cristo, Mas quem age em nome de outrem há-de fazê-lo por poder que lhe tenha sido por este conferido. Ora, assim como ao batizado é conferido por Cristo o poder de receber este sacramento, assim, ao sacerdote, quando ordenado, o poder de consagrá-lo em nome de Cristo. Pois, assim, é colocado na posição daqueles a quem foi dito: Fazei isto em memória de mim. Por onde, devemos concluir, que é próprio do sacerdote celebrar este sacramento.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A virtude sacramental tem vários elementos e não um só; assim como a virtude do batismo está nas palavras da forma e na água. Por onde e do mesmo modo, a virtude consagrativa não está só nas palavras mas também no poder conferido ao sacerdote, quando ao ordenar-se lhe diz o bispo: Recebe o poder de oferecer na Igreja o sacrifício tanto pelos vivos como pelos mortos. Assim, da virtude instrumental são dotados os vários instrumentos pelos quais age o agente principal.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O leigo justo está unido a Cristo pela união espiritual da fé e da caridade, mas não pelo poder sacramental. Por isso tem o sacerdócio espiritual para oferecer hóstias espirituais, das quais diz a Escritura: Sacrifício para Deus é o espírito atribulado. E noutro lugar: Oferecei os vossos corpos como uma hóstia viva. E ainda: Em sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A recepção deste sacramento não é de tanta necessidade como a do batismo, segundo do sobre dito se colhe. E por isso, embora em artigo de necessidade, um leigo possa batizar, não pode contudo celebrar este sacramento.
RESPOSTA À QUARTA. — O' bispo recebe o poder de agir em nome de Cristo sobre o seu corpo místico, isto é, sobre a Igreja; poder esse que não recebe o sacerdote na sua ordenação, embora possa tê-lo por delegação do bispo. Por isso, o não concernente ao corpo místico não é reservado ao bispo, como a consagração deste sacramento. Ao bispo porém pertence conferir, não só ao povo, mas também aos sacerdotes, aquilo de que podem usar por ofício próprio. E como a bênção do crisma, dos santos óleos, do óleo dos enfermos e do mais que é consagrado - por exemplo, do altar, da igreja, das vestes e dos vasos - confiram uma certa idoneidade para celebrar os sacramentos - o que pertence ao ofício do sacerdote, por isso essas consagrações são reservadas ao bispo como ao chefe de toda a ordem eclesiástica.
Em seguida devemos tratar do ministro deste sacramento.
E nesta questão discutem-se dez artigos:
O terceiro discute-se assim. — Parece que a criatura corpórea foi criada por Deus, mediante os anjos.
1. — Pois, assim como todas as coisas são governadas pela divina sabedoria, assim também por esta todas foram feitas, conforme a Escritura: Todas as coisas fizeste com sabedoria. Mas, ordenar é próprio do sábio, como diz Aristóteles. Por onde, no governo das coisas, as inferiores são regidas pelas superiores, numa certa ordem, como diz Agostinho. Logo, também na criação das coisas houve uma ordem tal, que a criatura corpórea, como inferior, foi criada pela espiritual, como superior.
2. Demais. — A diversidade dos efeitos mostra a das causas, porque a mesma causa sempre produz o mesmo efeito. Se, pois, todas as criaturas, tanto espirituais como corpóreas fossem criadas imediatamente por Deus, não haveria entre elas diversidade, nem uma distaria de Deus mais do que outra. O que é evidentemente falso, pois, como diz o Filósofo, alguns seres são corruptíveis por distarem muito de Deus.
3. Demais. — Para a produção de um efeito finito não se requer virtude infinita. Ora, todos os corpos são finitos. Logo, podiam ser produzidos por virtude finita das criaturas espirituais e o foram; pois, em tais criaturas não difere o ser do poder, sobretudo porque nenhuma dignidade conveniente a um ser, segundo a sua natureza, lhe é denegada, salvo por sua culpa.
Mas, em contrário, diz a Escritura: No princípio criou Deus o céu e a terra, pelos quais se entende a criatura corpórea. Logo, esta foi imediatamente criada por Deus.
Solução. — Alguns ensinaram, que as coisas procederam de Deus gradativamente, de modo que dele imediatamente procedeu a primeira criatura; esta produziu, outra, e assim por diante, até a criatura corpórea. — Mas esta opinião é inadmissível. Porque a primeira produção da criatura corpórea foi por via de criação, pela qual é produzida a matéria em si mesma; pois, no vir-a-ser, o imperfeito tem prioridade sobre o perfeito. Ora, é impossível que alguma coisa seja criada a não ser por Deus.
Para evidenciá-lo devemos considerar que, quanto mais superior é uma causa, tanto mais seres abrange no causar. Ora, o que nas coisas é substrato é mais comum do que o que as informa e restringe; assim, ser é mais comum do que viver e viver do que inteligir e a matéria do que a forma. Por tanto, quanto mais alguma coisa é substrato, tanto mais diretamente procede da causa superior. E logo, o que é o primeiro de todos os substratos propriamente depende da causalidade da causa suprema e, por conseqüência, nenhuma causa segunda pode produzir nada, sem que se pressuponha, na coisa produzida, algo causado pela causa superior. Ora, a criação é a produção de uma coisa na sua substância total, sem se pressupor nada de incriado ou de criado por outrem. Donde se conclui que ninguém pode criar nada, salvo Deus, causa primeira. E por isso, Moisés, para mostrar que todos os corpos foram criados imediatamente por Deus, disse: No princípio criou Deus o céu e a terra.
Donde a resposta à primeira objeção. — Na produção das coisas há uma certa ordem; não, por certo, de modo a ter uma criatura sido criada por outra, o que é impossível; mas de modo a terem sido, pela divina sapiência, constituídos diversos graus nas criaturas.
Resposta à segunda. — O próprio Deus, sem detrimento da sua simplicidade, conhece coisas diversas, como antes se demonstrou. E portanto, também é a causa pela sua sapiência das diversas coisas criadas, segundo as diversas coisas conhecidas; assim como o artífice, apreendendo diversas formas, produz diversos artefatos.
Resposta à terceira. — A grandeza da virtude do agente não só é medida pela coisa feita, mas também pelo modo de fazer; pois, uma mesma coisa é diferentemente feita por uma virtude maior e por uma menor. Ora, produzir um ser finito, sem que nada se lhe pressuponha, sendo próprio, como é, da virtude infinita, não pode competir a nenhuma criatura.
O segundo discute-se assim. — Parece que a criatura corpórea não foi feita para a bondade de Deus.
1. — Pois diz a Escritura: Criou as coisas para que todas subsistissem. Logo, todas as coisas foram criadas para o próprio ser delas, e não para a bondade de Deus.
2. Demais. — O bem, exercendo a função de fim, o que, nas coisas, é melhor há-de ser fim do menos bom. Ora, a criatura espiritual está para a corpórea, como o melhor para o menos bom. Logo, esta é para aquela e não para a bondade de Deus.
3. Demais. — A justiça dá coisas desiguais a seres desiguais. Ora, Deus é justo. Logo, antes de qualquer desigualdade criada por Deus, está a que Ele não criou. Ora, esta só pode ser a proveniente do livre arbítrio. Por onde, toda desigualdade resulta dos diversos movimentos do livre arbítrio. Mas as criaturas corpóreas não sendo iguais às espirituais, foram feitas para certos movimentos do livre arbítrio e não, para a bondade de Deus.
Mas, em contrário, diz a Escritura: Tudo fez o Senhor por causa de si mesmo.
Solução. — Orígines ensinou que a criatura corpórea não estava na intenção primeira de Deus o fazê-la, mas o fez como pena da criatura espiritual, que pecou. Pois, admitia que Deus, no princípio, fez só as criaturas espirituais, e todas iguais; e essas sendo dotadas de livre arbítrio, converteram-se umas, para Deus; e segundo a grandeza da conversão, assim lhes coube grau maior ou menor, permanecendo elas na sua simplicidade; outras, porém, afastaram-se de Deus e foram ligadas a corpos diversos, segundo o modo da sua aversão de Deus. — Mas, esta opinião é errônea. Primeiro, por contrariar a Escritura que, após ter narrado a criação de todas as espécies de criaturas corpóreas, acrescenta: E Deus viu que isto era bom, quase dizendo que cada qual por isso foi feita por que a existência em si mesma é boa. Ao passo que, segundo a opinião de Orígines, a criatura corpórea foi feita, não porque é bom que ela exista, mas para que fosse punido o mal de outrem. Segundo, porque resultaria proveniente do acaso a disposição do mundo corpóreo tal como existe. Pois, se o corpo do sol foi feito tal que conviesse à punição de algum pecado da criatura espiritual, resultaria a existência de vários sois no mundo, se várias criaturas espirituais pecaram semelhantemente àquela, para a punição de cujo pecado, Orígines admite como criado o sol. E o mesmo se daria com os outros seres, o que é absolutamente inadmissível.
Por onde, eliminada esta opinião como errônea, devemos considerar que a totalidade do universo se constitui de todas as criaturas, como o todo das partes. Se porém quisermos determinar o fim de algum modo e das suas partes, descobriremos, primeiro, que cada parte é para os seus atos, assim, os olhos, para ver; segundo, que a parte menos nobre é para a mais nobre, assim, os sentidos para o intelecto, o pulmão para o coração; terceiro, todas as partes são para a perfeição do todo, assim, a matéria para a forma, pois as partes são quase a matéria do todo; e por fim, o homem total é para algum fim extrínseco, a saber, para gozar de Deus. Por onde, também nas partes do universo cada criatura é para o seu próprio ato e perfeição; segundo, as criaturas menos nobres para as mais nobres, como as criaturas inferiores do homem são para este; depois, cada criatura é para a perfeição de todo o universo; e por fim, todo o universo, com as suas partes, se ordena para Deus como para o fim, enquanto nelas, por uma certa imitação, é representada a bondade divina, para a glória de Deus. Mas, além disso, as criaturas racionais, de certo modo especial, têm Deus como fim porque podem alcançá-lo pelas suas operações, conhecendo e amando. E assim é claro que a bondade divina é o fim de todos os seres corporais.
Donde a resposta à primeira objeção. — Toda criatura, pelo fato mesmo de existir, representa o ser divino e a sua bondade. Por onde, o ter Deus dado o ser a todas as coisas, para que existissem, não exclui que as tivesse criado para a sua bondade.
Resposta à segunda. — O fim próximo não exclui o fim último. Donde, o ter a criatura corpórea sido feita, de certo modo, para a espiritual, não exclui que tenha sido feita para a bondade de Deus.
Resposta à terceira. — A igualdade da justiça se dá na retribuição; pois o justo consiste em dar coisas iguais a seres iguais. Mas ela não tem lugar na primeira instituição das coisas. Pois, assim como o artífice coloca pedras no mesmo gênero em partes diversas do edifício, sem injustiça; não por alguma diversidade precedente delas, mas atendendo à perfeição de todo o edifício, que não existiria se as pedras nele não ocupassem posições diversas; assim Deus instituiu, desde o princípio, criaturas diversas e desiguais, para que houvesse perfeição no universo, e isso segundo a sua sapiência, sem injustiça, e sem nenhuma pressuposição, portanto, de diversidade de méritos.
O oitavo discute-se assim. — Parece que o pecado venial não impede o efeito deste sacramento.
1. — Pois, diz Agostinho; comentando àquilo do Evangelho - Os vossos pais comeram o maná: Comei espiritualmente o pão celeste; aproximai-vos do altar revestidos de inocência, os pecados, embora quotidianos, não são mortíferos. Por onde é claro, que os pecados quotidianos, chamados veniais, não impedem a manducação espiritual. Ora, os que o comem espiritualmente recebem o efeito deste sacramento. Logo, os pecados veniais não impedem esse efeito.
2. Demais. — Este sacramento não tem menor virtude que o batismo. Ora, o efeito do batismo só dissimulação o impede, como dissemos; e essa não pode constituir um pecado venial. Pois, como diz a Escritura, o Espírito Santo, mestre da disciplina, fugirá do fingido, que contudo, não fugirá de quem comete pecado venial. Portanto, os pecados veniais não impedem o efeito deste.
3. Demais. — Nada do que é removido pela ação de uma causa pode impedir-lhe o efeito. Ora, este sacramento dele os pecados veniais. Logo, estes não lhe impedem o efeito.
Mas, em contrário, diz Damasceno: O fogo do desejo, que arde em nós, de receber a Cristo, acendendo-se no braseiro da Eucaristia, delirá os nossos pecados e nos iluminará os corações, a fim de nos inflamarmos pela participação do fogo divino e nos deificarmos. Ora, o fogo do nosso desejo ou amor fica apagado pelos pecados veniais, que impedem o fervor da caridade, como se estabeleceu na Segunda Parte. Logo, os pecados veniais impedem o efeito deste sacramento.
SOLUÇÃO. — Os pecados veniais podem ser considerados a dupla luz: enquanto passados ou enquanto atualmente praticados. - A primeira luz de nenhum modo impedem o efeito deste sacramento. Pois, pode dar-se que alguém depois de ter cometido muitos pecados veniais se achegue devotamente a este sacramento e lhe alcance plenamente o efeito. - A outra luz, os pecados veniais não impedem de todo o efeito deste sacramento, mas só em parte. Pois, como dissemos, é efeito deste sacramento não só fazer-nos alcançar a graça habitual ou da caridade, mas ser também uma como nutrição da doçura espiritual. E essa fica impedida para quem o receber com o coração dissipado pelos pecados veniais. Mas isso não impede o aumento da graça ou da caridade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Quem em estado atual de pecado venial se achega a este sacramento, come espiritualmente, de maneira habitual; mas não de maneira atual. E portanto, recebe o efeito habitual deste sacramento, não porém, o atual.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O batismo não se ordena a um efeito atual, isto é, ao fervor da caridade, como este sacramento. Pois, o batismo é uma regeneração espiritual, pela qual, adquirimos a perfeição primeira, que é o hábito ou a forma. Ao passo que este sacramento é uma espiritual manducação, que traz consigo um prazer atual.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A objeção colhe, quanto aos pecados passados que este sacramento dele.
O sétimo discute-se assim. — Parece que este sacramento não aproveita senão a quem o recebe.
1. — Pois, este sacramento, entrando na mesma divisão que os outros, é do mesmo gênero que eles. Ora, os outros sacramentos não aproveitam senão a quem os recebe; assim, o efeito do batismo não o colhe senão o batizado. Logo, também este sacramento não pode aproveitar senão a quem o recebe.
2. Demais. — O efeito deste sacramento é fazer-nos alcançar a graça e a glória, é remitir-nos pelo menos a culpa venial. Ora, se este sacramento produzisse efeito para outros, que não quem o recebe, seria possível alcançarmos a graça e a glória e a remissão da culpa, sem ação nem paixão própria nossa e só pelo fato de receber outrem ou oferecer este sacramento.
3. Demais. — Multiplicada a causa, multiplica-se o efeito. Se, portanto, este sacramento aproveitasse a outrem, que não quem o recebe, resultaria que tanto mais lhe aproveitaria, quanto mais os que o recebessem, consagradas muitas hóstias em uma só missa. Mas não é esse o costume da Igreja, o comungarem muitos pela salvação de um só. Logo, parece que este sacramento não aproveita senão a quem o recebe.
Mas, em contrário, na celebração deste sacramento faz-se deprecação por muitos. O que saia Em vão, se ele lhes não aproveitasse. Logo, este sacramento não aproveita só a quem o recebe.
SOLUÇÃO. — Como dissemos este sacramento não é somente sacramento, mas também sacrifício. Pois, enquanto nele se representa a paixão de Cristo, pela qual Cristo se ofereceu como vítima a Deus, na linguagem do Apóstolo, tem natureza de sacrifício. Mas enquanto nos confere a graça invisível sob forma visível, tem natureza de sacramento. E assim este sacramento aproveita a quem o recebe, tanto a modo de sacramento, como de sacrifício; pois, é oferecido por todos os que o recebem, conforme o reza o canon da missa: Todos os que, participando deste altar, recebermos o sacramento corpo e sangue de teu Filho, fiquemos cheios de toda bênção celeste e graça. Mas, dos que não o recebem aproveita o modo de sacrifício, enquanto oferecido pela salvação deles. Por isso também se diz no canon da missa: Lembra-te, Senhor, dos teus servos e servas, por quem te oferecemos ou que te oferecem este sacrifício de louvor, por si e por todos os seus, pela redenção das suas almas, por sua salvação e conservação. E uma e outra coisa o Senhor exprime, ao dizer: Que por vós, isto é, pelos que o recebem, e por muitos outros, será derramado para remissão de pecados.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Este sacramento é por excelência e mais que os outros, sacrifício. Logo, o simile não colhe.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A paixão de Cristo aproveita a muitos para a remissão da culpa e a obtenção da graça e da glória; mas o efeito não se cumpre senão nos que estão unidos com a paixão de Cristo pela fé e pela caridade. Assim também este sacrifício, que é o memorial da paixão do Senhor, não produz efeito senão naqueles que estão unidos com este sacramento, pela fé e pela caridade. Por isso diz Agostinho: Quem oferecerá o corpo de Cristo senão por aqueles que são membros de Cristo? Por isso no canon da missa não se reza pelos que estão fora da Igreja. Aos quais porém o sacrifício aproveita, conforme o modo da devoção deles.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Por natureza um sacramento existe para ser recebido; mas é como sacrifício, que é recebido. Por isso, o fato de um ou muitos receberem o corpo de Cristo, não produz nenhum auxílio para outrem. Semelhantemente, nem por consagrar o sacerdote várias hóstias numa só missa, multiplica-se o efeito deste sacramento pois, o sacrifício é um só. Nem muitas hóstias consagradas têm maior virtude, que uma apenas; porque, tanto sob todas como sob cada uma está todo Cristo. Por onde quem, na mesma missa, tomasse simultaneamente muitas hóstias consagradas, não participaria, por isso de maior efeito do sacramento. Mas, em várias missas, multiplica-se a oblação do sacrifício. E portanto multiplica-se o efeito do sacrifício e do sacramento.
O sexto discute-se assim. – Parece que este sacramento não nos preserva dos pecados futuros.
1. — Pois, muitos dos que recebem dignamente este sacramento depois caem em pecado. Ora, isso não se daria se ele preservasse dos pecados futuros. Logo, o efeito deste sacramento não é preservar dos pecados futuros.
2. Demais. — A Eucaristia é o sacramento da caridade, como se disse. Ora, a caridade podendo, depois de possuída, ser perdida pelo pecado, como se estabeleceu, parece que não preserva dos pecados futuros. Logo, parece que nem este sacramento nos preserva do pecado.
3. Demais. — A origem do pecado em nós é a lei do pecado, que está nos nossos membros, segundo o Apóstolo. Ora, a mitigação da concupiscência, que é a lei do pecado, não é considerada efeito deste sacramento, mas antes, do batismo. Logo, preservar-nos dos pecados futuros não é o efeito deste sacramento.
Mas, em contrário, diz o Senhor: Este é o pão que desceu do céu, para que todo o que dele comer não morrer. O que, manifestamente, não se entende da morte do corpo. Logo, entende-se da morte espiritual, causada do pecado, e da qual este sacramento nos preserva.
SOLUÇÃO. — O pecado é uma espiritual morte da alma. Por onde, preservamo-nos do pecado futuro, do mesmo modo pelo qual o nosso corpo é preservado da morte futura. E isso de dois modos se dá. Primeiro, fortificando interiormente a nossa natureza contra as causas internas de corrupção; assim, preservamo-nos da morte pela comida e pelos remédios. De outro modo, defendendo-nos contra os ataques externos; e assim, preservamo-nos pelas armas, defesa do nosso corpo. Ora, de um e de outro modo este sacramento nos preserva do pecado. - Primeiro, unindo-se com Cristo por meio da graça, robustecer-nos a vida espiritual, sendo uma comida, por assim dizer, e um remédio espiritual, segundo àquilo da Escritura; o pão fortifica o coração do homem. E Agostinho diz: Aproxima-te confiante - é pão e não, veneno. - De outro modo, enquanto sinal da paixão de Cristo, pela qual os demônios foram vencidos, repele todo ataque dos demônios. Por isso diz Crisóstomo: Com leões expirando chamas, assim, saiamos dessa mesa inimigos terríveis ao diabo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O efeito deste sacramento nós o sentimos, conforme as nossas condições. Pois, o mesmo se dá com qualquer causa ativa, cujos efeitos são recebidos na matéria, ao modo desta. Ora, pela nossa condição nesta vida, podemos, usando do livre arbítrio escolher entre o bem e o mal. Por onde, embora este sacramento tenha em si mesmo a virtude de nos preservar do pecado, não nos tira a possibilidade de pecar.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Também a caridade em si mesma, preserva o homem do pecado, segundo àquilo do Apóstolo: O amor do próximo, não obra mal. Mas, da mutabilidade do livre arbítrio resulta o pecarmos, depois de termos tido a graça; assim como, depois de termos recebido este sacramento.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora este sacramento não se ordene diretamente à diminuição da concupiscência, diminui-a contudo, pela conseqüência de aumentar a caridade. Pois, como diz Agostinho, o aumento da caridade é a diminuição da concupiscência. E diretamente confirma-nos o coração no bem. O que também nos preserva do pecado.
O quinto discute-se assim. — Parece que este sacramento remite totalmente a pena do pecado.
1. — Pois, por este sacramento, assim como pelo batismo, recebemos em nós o efeito da paixão de Cristo, conforme se disse: - Ora, pelo batismo recebemos a remissão total da pena, em virtude da paixão de Cristo, que satisfaz suficientemente por todos os pecados, como do sobredito se colhe. Logo, parece que por este sacramento é-nos remitido totalmente o reato da pena.
2. Demais. — Alexandre Papa (I) diz: Nenhum sacrifício pode ser maior que o do corpo e do sangue de Cristo. Ora, pelos sacrifícios da Lei Velha o homem satisfazia pelos seus pecados. Assim, diz a Escritura: Se o homem pecar, que ofereça (isto ou aquilo) por seu pecado, e será perdoado. Logo, com maior razão, este sacramento tem o poder de remitir totalmente a pena.
3. Demais. — Sabemos que por este sacramento é remitida em parte o reato da pena; por isso é imposta a certos a satisfação de mandar celebrar missas por si. Ora, pela razão por que é remitida uma parte da pena, por essa mesma o será outra; pois, a virtude de Cristo contida no sacramento é infinita. Logo, parece que por este sacramento é totalmente perdoada a pena.
Mas, em contrário, se assim fosse, não se devia impor a ninguém nenhuma pena, como não se impõe ao batizado.
SOLUÇÃO. — Este sacramento é simultaneamente sacrifício e sacramento. Mas, tem natureza de sacrifício, quando oferecido, e de sacramento, quando recebido. Por onde, produz o efeito de sacramento em quem o receber e o de sacrifício, em quem o oferecer, ou nos por quem é oferecido. Se, pois, o consideramos como sacramento, produz duplo efeito - um, direto, por força de sacramento; outro, quase por certa concomitância, como o dissemos acerca do conteúdo do sacramento. Por força do sacramento, produz diretamente o efeito para que foi instituído. Ora, não foi instituído para satisfazer; mas para nos nutrir espiritualmente pela união com Cristo e os seus membros, como·a nutrição fica unida ao nutrido. Mas, operando-se essa união pela caridade, por cujo poder alcançamos a remissão tanto da culpa como da pena, daí resulta por consequência e por concomitância com o efeito principal, o alcançarmos, não a remissão total da pena, mas uma remissão relativa a intensidade da nossa devoção e fervor. Por outro lado, enquanto sacrifício tem uma virtude satisfativa. Ora, na satisfação levamos em conta, antes o afeto do oferente, que a quantidade da oblação. Por isso o senhor disse da viúva que ofereceu dois dinheiros, que deu mais que todos. Embora pois, esta oblação baste quantitativamente a satisfazer por toda pena, contudo é satisfatória para aqueles por quem é oferecida; ou também para os oferentes, conforme a intensidade da sua devoção, e não pela totalidade da pena.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O sacramento do batismo se ordena diretamente à remissão da pena e da culpa; não porém a Eucaristia. Porque quando recebemos o batismo como que morremos com Cristo; a Eucaristia porém, por assim dizer nos nutre e aperfeiçoa, por Cristo. Por onde, o símile não colhe.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Esses sacrifícios e oblações não operam a remissão total da pena, nem quanto à quantidade do oferecido - como a Eucaristia, nem quanto à devoção do sujeito Donde resulta que também por aí não se livra totalmente da pena.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O ser perdoada parte da pena e não toda, por este sacramento, não é por deficiência da virtude de Cristo, mas da devoção humana.
O quarto discute- se assim. — Parece que por este sacramento não se perdoam os pecados veniais.
1. — Pois, este sacramento, no dizer de Agostinho, é o sacramento da caridade. Ora, os pecados veniais não contrariam a caridade, conforme se estabeleceu na Segunda Parte. Logo, como os contrários entre si se repelem, parece que os pecados veniais não são perdoados por este sacramento.
2. Demais. — Se os pecados veniais fossem perdoados por este sacramento, da mesma razão se perdoaria um como se perdoariam todos. Ora, parece que todos não se perdoariam porque então seria frequente estarmos sem nenhum pecado venial, contra o dito do Evangelho: Se dissermos que estamos sem pecado nós mesmos nos enganamos. Logo, por este sacramento são perdoados só alguns pecados veniais.
3. Demais. — Os contrários mutualmente se repelem. Ora, os pecados veniais não impedem de receber este sacramento. Assim, Agostinho, aquilo do Evangelho - Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram - diz: Apresentai-vos ao altar vestidos de inocência; pois, os pecados, ainda quotidianos, não são mortais. Logo, nem os pecados veniais são delidos por este sacramento.
Mas, em contrário, diz lnocêncio III: Este sacramento dele os pecados veniais e fortifica contra os mortais.
SOLUÇÃO. — Duas coisas podemos considerar neste sacramento; o sacramento mesmo e a sua realidade. E de ambos resulta a sua virtude de remitir os pecados veniais. Pois, este sacramento é recebido sob a espécie de uma comida nutritiva. Ora, a nutrição pela comida é necessária para refazer o calor natural quotidianamente perdido pelo nosso corpo. Assim também, espiritualmente cada dia perdemos, pelos pecados veniais, do calor da concupiscência, que diminuem o fervor da caridade, como na Segunda Parte estabelecemos. Por onde, é próprio deste sacramento remitir-nos os pecados veniais. Por isso diz Ambrósio, que este pão quotidiano nós o comemos, como remédio de uma quotidiana enfermidade. - Quanto à realidade deste sacramento, é a caridade, não só habitual como também atual, que ele desperta; pelo que os pecados veniais são delidos. Por onde é manifesto, que este sacramento tem a virtude de delir os pecados veniais.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os pecados veniais, embora não contrariem ao hábito da caridade, contrariam-lhe contudo, o fervor do ato, excitado por este sacramento. Em razão do que, os pecados veniais são delidos.
RESPOSTA À SEGUNDA. — As palavras citadas não devem entender-se no sentido em que não possamos, em nenhum tempo, estar sem o reato do pecado venial; mas como significando que esta vida os santos não o passam, sem pecados veniais.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Maior é o poder da caridade, da qual é este sacramento, que o dos pecados veniais. Pois um ato de caridade dele os pecados veniais, que contudo, não no podem impedir totalmente. E o mesmo se dá com este sacramento.
O terceiro discute-se assim. — Parece que o efeito deste sacramento é a remissão do pecado mortal.
1. — Pois, reza uma coleta: Seja este sacramento a ablução dos crimes. Ora, crimes se chamam os pecados mortais. Logo, este sacramento lava dos pecados mortais.
2. Demais. — Este sacramento age em virtude da paixão de Cristo, como o batismo. Ora, pelo batismo se perdoam os pecados mortais, como se disse. Logo, também por este sacramento; sobretudo que a sua forma diz - Que será derramado por muitos para remissão dos pecados.
3. Demais. — Este sacramento confere a graça, como se deve. Ora, a graça nos justifica dos pecados mortais, segundo àquilo do Apóstolo: Tendo sido justificados gratuitamente por sua graça. Logo, por este sacramento se remitem os pecados mortais.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Todo aquele que come e bebe indignamente, come e bebe para si a condenação. O que a Glosa comenta: Aquele come e bebe indignamente, que vive no crime ou o trata com irreverência o sacramento; e esse come e bebe para si o juízo, isto é, a condenação. Logo, quem está em pecado mortal, recebendo este sacramento, aumenta ainda o seu pecado. em lugar de alcançar a remissão dele.
SOLUÇÃO. — A virtude deste sacramento pode ser considerada a dupla luz. – Primeiro, em si mesmo. E então tem o poder de remitir quaisquer pecados, em virtude da paixão de Cristo, fonte e causa do perdão dos pecados. - Segundo, relativamente a quem recebe este sacramento, conforme está ou não impedido de o fazer. Assim, quem tem consciência de estar em pecado mortal traz em si um impedimento de alcançar o efeito deste sacramento, por não estar em condições de o receber convenientemente. Quer por não viver espiritualmente e, portanto, não digno de um alimento espiritual, de que só quem vive o é. Quer por não poder unir-se com Cristo - efeito deste sacramento, pois tem o afeto de pecar mortalmente. E por isso se diz, que se no coração se aninha o afeto ao pecado, o ato de receber a Eucaristia antes o agrava do que purifica dele. Por onde, este sacramento não produz a remissão do pecado em quem o recebe com a consciência do pecado mortal. Pode porém este sacramento obrar a remissão dos pecados de dois modos. - De um modo, quando não é recebido realmente, mas só em desejo; tal o caso de quem foi primeiro justificado do pecado. - de outro, quando recebido mesmo por quem está em estado de pecado mortal, mas do qual não tem a consciência nem nela põe o seu afeto. Pois, talvez não foi antes suficientemente contrito; mas, achegando-se ao sacramento com devoção e reverência, consegue por ele a graça da caridade, que tornará íntegra o contrição e a remissão do pecado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Pedimos que este sacramento nos seja a ablução dos crimes, ou de aqueles de que não temos consciência, segundo aquilo da Escritura: Purifica-me dos meus pecados ocultos, Senhor. Ou para que se nos inteire a contrição para a remissão dos pecados. Ou ainda para nos ser concedida a força de os evitar.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O batismo é uma geração espiritual, consistente na mudança do não ser espiritual para o ser espiritual; e é conferido a modo de ablução. Por onde, relativamente a mudança como à ablução não se apresenta inconvenientemente ao batismo que tem a consciência de estar em pecado mortal. Ao passo que neste sacramento recebemos a Cristo como nutrimento espiritual; e isso não é possível a quem está morto pelos pecados. Logo, a comparação não colhe.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A graça é causa suficiente da remissão do pecado mortal; mas não o remite senão depois de tê-la o pecador recebido. Ora, este sacramento não confere tal graça. Logo, a objeção não colhe.