Skip to content

Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 2 — Se o efeito deste sacramento é fazer-nos alcançar a glória.

O segundo discute-se assim. — Parece não ser efeito deste sacramento fazer-nos alcançar a glória.
 
1. — Pois, o efeito é proporcionado à causa. Ora, este sacramento é próprio dos que vianda­mos neste mundo, chamando-se por isso viático. Ora, não sendo as viandantes capazes ainda da glória, parece que este sacramento não nos faz alcançar a glória.
 
2. Demais. — Posta a causa suficiente, re­sulta o efeito. Ora, muitos recebem este sacramento que nunca chegarão à glória, como o diz Agostinho. Logo, este sacramento não é causa de alcançarmos a glória.
 
3. Demais. — O mais não pode ser produ­zido pelo menos, pois a ação de nenhum ser lhe ultrapassa a espécie. Ora, é menos receber a Cristo sob uma espécie alheia, como o recebemos neste sacramento, do que gozá-lo na sua espécie própria, o que constitui a glória. Logo, este sacra­mento não nos faz alcançar a glória.
 
Mas, em contrário, o Evangelho: Se qualquer comer deste pão viverá eternamente. Ora, a vida eterna é a vida da glória. Logo, o efeito deste sa­cramento é fazer-nos alcançar a glória.
 
SOLUÇÃO. — Duas coisas podemos considerar neste sacramento. A causa do efeito, a saber, o próprio Cristo nele contido, e a sua paixão repre­sentada. E o meio pelo qual alcançamos o efei­to, a saber, a recepção do sacramento e das suas espécies. E, de ambos os modos este sacramento é apto a fazer-nos alcançar a vida eterna. ­Pois, quanto a Cristo, ele próprio pela sua paixão franqueou-nos a entrada da vida eterna, segun­do àquilo do Apóstolo: É mediador de um novo testamento, para que, intervindo a morte, rece­bam a promessa da herança eterna os que tem sido chamado. Por isso a forma desse sacramen­to reza: Este é o cálice do meu sangue, do novo e eterno Testamento. - Semelhantemente, também a nutrição da comida espiritual e a unidade, significada pelas espécies do pão e do vinho te­mo-las por certo nesta vida, mas imperfeitamen­te; perfeitamente, porém os teremos na vida da glória. Por isso Agostinho, aquilo do Evangelho - A minha carne é verdadeiramente comida ­diz: Os homens buscamos o comer e o beber para saciarmos a fome e a sede, mas isso só o produz verdadeiramente esta comida e esta bebida, tor­nando imortais e incorruptíveis os que o tomamos e fazendo-nos entrar na sociedade dos santos, onde haverá paz e unidade plena e perfeita.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — — A paixão de Cristo, por cuja virtude obra este sa­cramento, é por certo a causa eficiente da glória. não porém de modo que nele nos faça entrar imediatamente, pois devemos primeiro padecer com ele, para que depois sejamos com ele glo­rificados. Assim também, este sacramento não nos introduz imediatamente na glória. mas nos dá o poder de a ela chegarmos. Por isso se chama viático. E como figura dele lemos na Escritura, que Elias comeu e bebeu e com o vigor daquela comida caminhou quarenta dias e quarenta noi­tes até o monte de Deus, Horeb.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Assim como a paixão de Cristo não produz efeito naqueles. que não estão para com ela na disposição devida, assim também por este sacramento não alcançam a glória os que o recebem indignamente. Por isso Agostinho, expondo aquelas palavras do Evange­lho - Comeram o maná e morreram - diz: Uma coisa é o Sacramento e outra, a virtude do sacramento. Muitos se achegam ao altar e dele re­cebem a morte. Por onde, comei espiritualmente o pão celeste, aproximando-vos do altar vestidos de inocência. Por isso nada há para admirar, se os que não conservam a inocência não recebem o efeito deste sacramento.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O ser Cristo recebido sob espécie alheia, resulta da natureza co sacra­mento, que atua instrumentalmente. Ora, nada impede uma causa instrumental produzir um efeito mais amplo, como dissemos.

Art. 1 — Se este sacramento confere a graça.

O primeiro discute-se assim. — Parece que este sacramento não confere a graça.
 
1. — Pois, este sacramento é uma nutrição espiritual. Ora, nutrição não se dá senão ao ser vivo. Mas, a vida espiritual, provindo da graça. não pode receber este sacramento senão quem está em graça. Logo, este sacramento não confe­re a graça a quem ainda não a tem. Semelhan­temente, nem vem aumentar a graça, porque o crescimento espiritual é efeito do sacramento da confirmação, como se disse. Logo, este sacramen­to não confere a graça.
 
2. Demais. — Este sacramento é conferido a modo de uma como refeição espiritual. Ora, a re­feição espiritual implica antes no uso, que na conservação da graça. Logo, parece que este sa­cramento não confere a graça.
 
3. Demais. — Como dissemos, neste sacramento é oferecido o corpo de Cristo, para saúde do corpo, e o sangue para saúde da alma. Ora, não o corpo, mas a alma é o sujeito da graça, como se estabeleceu na Segunda Parte. Logo, pelo menos, quanto ao corpo, este sacramento não confere a graça.
 
Mas, em contrário, diz o Senhor: O pão que eu darei é a minha carne, para ser a vida do mundo. Ora, a vida espiritual provém da graça. Logo, este sacramento confere a graça.
 
SOLUÇÃO. — O efeito deste sacramento deve ser considerado, primária e principalmente, pelo que nele se contém, que é Cristo. O qual, assim como vindo visivelmente ao mundo, deu ao mundo a vida da graça, segundo àquilo do Evangelho — A graça e a verdade foram trazidas por Jesus Cristo; assim também, dando-se-nos sacra­mentalmente obra em nós a vida da graça, se­gundo aquilo do Evangelho - O que me come a mim, esse mesmo também viverá por mim. Donde o dizer Cirilo: O verbo vivificante de Deus, unin­do-se a si mesmo à nossa carne, tornou-a vivifi­cante. Pois, era-lhe decente unir-se de certo modo dos nossos corpos pela sua carne e pelo seu pre­cioso sangue, que recebemos sob a forma de pão e de vinho, depois da consagração vivificante. Secundariamente, o seu efeito é considerado no que este sacramento representa, o saber, a paixão de Cristo, como se disse. E assim, o efeito produzido para o mundo pela paixão de Cristo, este sacramento o produz em nós. Por isso, aqui­lo do Evangelho — Imediatamente saiu sangue é água, diz Crisóstomo: Como dai tiveram ori­gem os sagrados mistérios, quando amares o tremendo cálice, fá-lo como se o bebesses do lado mesmo de Cristo. Por isso o próprio Senhor disse: Este é o meu sangue, que será derramado por muito para remissão de pecados. Em terceiro lugar, o efeito deste sacramento é considerado quanto ao modo pelo qual é dado, a saber, a modo de comida e bebida. Por onde, todo o efeito produzido pela comida e pela bebida materiais, quanto à vida do corpo, que é susten­tá-lo, fazê-lo crescer; separá-lo e deleitá-lo, todo ele produz este sacramento para a vida espiritual. Por isso, diz Ambrósio: Este é o pão da vida eter­na; que sustenta a substância da nossa alma. E Crisóstomo: Dá-se-nos aos que o desejamos, a ser tocado, comido e abraçado. Por onde o próprio Senhor diz: A minha carne verdadeiramente é comida e o meu sangue verdadeiramente é bebida. Em quarto lugar, o efeito deste sacramento é considerado relativamente às espécies, sob as quais é dado. Por isso, Agostinho diz no mesmo lugar: Nosso Senhor quis usar, para que se transformassem no seu sangue, de coisas que constituem uma unidade formada de muitos ele­mentos. Pois uma — o pão, é unidade constituída de muitos grãos; a outra — o vinho é unidade formada da confluência de muitos. Donde o dizer ele ainda, em outro lugar: O sacramento da pie­dade, o sinal da unidade, o vínculo da caridade. E sendo Cristo e a sua paixão a causa da graça, e não podendo haver nutrição e caridade espiritual sem graça, de tudo o que dissemos é manifesto, que este sacramento confere a graça.   
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Este sacramento tem por si mesmo o poder de conferir a graça. Nem há quem tenha a graça antes de recebê-lo, a não ser que disso tenha o desejo, ou por si mesmo - como os adultos, ou por desejo da Igreja - como as crianças, segun­do dissemos. Por onde, já é eficácia da sua vir­tude, que pelo desejo desse sacramento alcancemos a graça, que nos vivifica espiritualmente. Resta, pois, que, ao recebermos realmente o sa­cramento, a graça aumenta em nós, e a vida es­piritual se aperfeiçoa. Mas de modo diferente do que pelo sacramento da confirmação, que nos faz crescer e aperfeiçoar na graça, para arrostar os ataques exteriores dos inimigos de Cristo. Pois, este sacramento nos aumenta a graça e aperfei­çoa a vida espiritual, para em nós mesmos levamos uma existência perfeita, pela união com Deus.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Este sacramento con­fere a graça espiritualmente, com a virtude da caridade. Por isso Damasceno o compara a brasa que Isaias viu; pois, a brasa não é simples lenha, mas unida ao jogo; assim também o pão da co­munhão não é simples pão, mais unido à divin­dade. Porque como diz Gregório, na homília de Pentecostes, o amor de Deus não é ocioso; e. quando existe em nós obra grandes causas. Por onde, este sacramento tem por si mesmo o poder de nos conferir, não só o hábito da graça e da virtude, mas também o de nos levar a ação, se­gundo aquilo do Apóstolo: O amor de Cristo nos constrange. Donde vem que, por virtude deste sa­cramento, a alma se nutre espiritualmente deleitando-se e de certo modo inebriando-se com a doçura da bondade divina. segundo àquilo da Eucaristia: Comei, amigos e bebei e embriagai-vos, caríssimos.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Os sacramentos, obrando conforme a semelhança que significam, por uma certa assimilação dizemos, que neste sa­cramento o corpo é oferecido para saúde do corpo; e o sangue, para saúde da alma. Embora o corpo e o sangue operem a saúde do corpo e da alma. pois sob ambas as espécies está Cristo totalmente, como dissemos. E embora não seja o corpo o sujeito imediato da graça, contudo da alma, o efeito da graça redunda no corpo, en­quanto que na vida presente os nossos membros como os instrumentos da justiça os oferecemos a Deus, na frase do Apóstolo. E na vida futura o nosso corpo participará da incorrupção e da gló­ria da alma.

Questão 79: Dos efeitos deste sacramento

Em seguida devemos tratar dos efeitos deste sacramento. E nesta questão discutem-se oito artigos:

Art. 4 — Se, na ocasião da morte de Cristo, este sacramento estivesse conservado numa píxide, ou fosse consagrado por um dos Apóstolos, Cristo ai morreria.

 

O quarto discute-se assim. — Parece que, se na ocasião da morte de Cristo, este sacramento estivesse conservado numa píxide, ou fosse con­sagrado por um dos Apóstolos, Cristo aí não mor­reria.
 
1. — Pois, a morte de Cristo se cumpriu pela sua paixão. Ora, então, Cristo estava de modo impassível neste sacramento. Logo, nele não po­dia morrer.
 
2. Demais. — Na morte de Cristo o sangue se lhe separou do corpo. Ora, neste sacramento estão simultaneamente o seu corpo e o seu san­gue. Logo, neste sacramento Cristo não morreria.
 
3. Demais. — A morte resulta da separação da alma, do corpo. Ora, este sacramento con­tém tanto o corpo como a alma de Cristo. Logo, neste sacramento Cristo não podia morrer.
 
Mas, em contrário, o mesmo Cristo, que estava na cruz, estaria neste sacramento. Ora, na cruz estava morto. Logo, também o havia de estar, conservado no sacramento.
 
SOLUÇÃO. — O corpo de Cristo é substancial­mente o mesmo, tanto neste sacramento como na sua forma própria, mas não do mesmo modo. Pois, na sua forma própria, se relaciona com os corpos circunstantes pelas dimensões que lhe são naturais, o que não se dá com as espécies sacra­mentais. Por onde, todos os atributos essenciais a Cristo — como viver, morrer, sofrer, ser anima­do ou inanimado e semelhantes — podem ser dele predicados, tanto na sua existência própria como na sacramental. Mas tudo o que lhe respeita, nas suas relações com os corpos externos — como ser objeto de irrisão e de conspurcação, ser crucifi­cado, flagelado e coisas semelhantes — podemos atribuir-lhe à sua existência própria, mas não à sacramental. Por isso certos disseram em verso: Cristo, conservado numa píxide, poderá sofrer as dores que o seu corpo é susceptível, mas não, no­vas que lhe adviessem de uma causa exterior.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como dissemos, um corpo passível é susceptível da paixão causada por um agente externo. Por isso Cristo, existente sob as espécies sacramen­tais, não pode sofrer. Mas pode morrer.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como dissemos, sob a espécie do pão está o corpo de Cristo em virtude da consagração; e o seu sangue, sob a espécie do vinho. Mas, nas circunstâncias atuais, em que realmente o sangue de Cristo não lhe está sepa­rado do corpo, por concomitância real o seu san­gue está sob a espécie do pão simultaneamente com o corpo, e o corpo sob a espécie do vinho, simultaneamente com o sangue. Mas, se na oca­sião da paixão de Cristo, quando o seu sangue estava realmente separado do seu corpo, este sa­cramento tivesse sido celebrado, sob a espécie do pão estaria o corpo de Cristo, e só o seu san­gue sob a espécie do vinho.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como dissemos, a alma de Cristo está neste sacramento por conco­mitância real, que não pode ser sem o corpo; mas não por força da consagração. Por onde, se então tivesse sido este sacramento celebrado ou consu­mado, quando a alma estava realmente separada do, corpo, a alma de Cristo não estaria sob este sacramento. Não por falta de virtude das pala­vras, mas por uma disposição real.

 

Art. 3 — Se Cristo, tomou e deu aos discípulos, o seu corpo impassível.

O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo tomou e deu aos discípulos o seu corpo impassível.
 
1. — Pois, àquilo do Evangelho — Transfigurou-se perante eles — diz uma glosa: Aquele corpo que tinha por natureza, esse o deu aos dis­cípulos na Ceia, não mortal e passível. E ao outro lugar da Escritura — diz a Glosa: A Cruz, soberanamente forte, tornou capaz de ser comi­da a carne de Cristo, que antes da paixão não o era. Ora, Cristo nos deu o seu corpo capaz de ser comido. Logo, deu-o tal qual o tinha depois da paixão, isto é, impassível e imortal.
 
2. Demais. — Todo corpo passível sofre, sendo tocado e comido. Se, portanto, o corpo de Cristo fosse passível, teria sofrido com o fato de os discípulos terem-no tocado e comido.
 
3. Demais. — As palavras sacramentais não tem então maior virtude quando proferidas pelo sacerdote em nome de Cristo, que quando foram proferidas pelo próprio Cristo. Ora, o sacerdote, em virtude das palavras sacramentais, consagra no altar o corpo de Cristo impassível e imortal. Logo, com maior razão o fez Cristo.
 
Mas, em contrário como diz Inocêncio III, então deu aos discípulos um corpo tal qual tinha. Ora, tinha então um corpo passível e mortal. Logo, foi um corpo passível e mortal que deu aos discípulos.
 
SOLUÇÃO. — Hugo Victorino (Inocenc. III), afirmou, que Cristo, antes da paixão e em diver­sas ocasiões, assumiu quatro dotes do corpo glo­rificado, a saber: a subtileza, na natividade, quando saiu do ventre virginal de Maria; a agi­lidade, quando andou sobre o mar, sem molhar os pés; a claridade, na transfiguração; a impas­sibilidade, na Ceia, quando deu o seu corpo a comer aos discípulos. E, sendo assim, deu aos discípulos o seu corpo impassível e imortal. Mas, seja o que for que se deva pensar dos outros dotes, a cujo respeito já nos pronunciamos, sobre a impassibilidade porém é inadmissí­vel a opinião de Hugo. Pois, como é manifesto, era o mesmo verdadeiro corpo de Cristo que os discípulos viam então na sua forma própria e tomaram na espécie sacramental. Mas, na sua forma própria, em que era assim visto, não era impassível; ao contrário, estava preparado para a paixão. Por onde, também o corpo de Cristo, dado sob a forma de sacramento, não era im­passível. Mas estava de modo impassível, sob a espé­cie do sacramento, o que em si havia de passível. Pois, assim como a visão requere o contato do corpo visto, pelo meio atmosférico, assim, a pai­xão requere o contato do corpo paciente com o agente que nele produz a paixão. Ora, o corpo de Cristo, do modo por que está neste sacramen­to, não se relaciona com as coisas que o circun­dam, mediante as suas dimensões próprias, pelas quais os corpos se tocam — como dissemos; mas mediante as dimensões das espécies do pão e do vinho. Por onde, são essas espécies as pacientes e as que são vistas, mas não o corpo mesmo de Cristo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Diz-se que Cristo, na Ceia, não deu o seu corpo mortal e passível, pelo não haver dado de modo mortal e passível. Mas a cruz tornou o corpo de Cristo capaz de ser comido, enquanto este sacra­mento representa a paixão de Cristo.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A objeção colheria se o corpo de Cristo, assim como era passível, assim também estivesse neste sacramento de maneira passível.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como dissemos, os acidentes do corpo de Cristo estão no sacramento por concomitância real; não porém em virtude do sacramento, pela qual nele está a substância do corpo de Cristo. Por onde, a virtude das pa­lavras sacramentais faz com que esteja sob o sa­cramento o corpo de Cristo, a saber, com todos os acidentes realmente nele existentes.

Art. 2 — Se Cristo deu o seu corpo a Judas.

O segundo discute-se assim. — Parece que Cristo não deu o seu corpo a Judas.
 
1. — Pois, como lemos no Evangelho, depois de ter o Senhor dado o seu corpo e o seu sangue aos discípulos, disse-lhes: Não beberei mais deste fruto da vida até àquele dia em que o be­berei de novo convosco no reino de meu Pai. Donde se conclui que aqueles a quem deu o seu corpo e o seu sangue de novo haviam de beber com ele. Ora, Cristo não o bebeu de novo com ele. Logo, não recebeu com os outros discípulos o corpo e o sangue de Cristo.
 
2. Demais. — O Senhor cumpriu o que mandou, segundo aquilo da Escritura: Começou Je­sus a fazer e a ensinar. Mas ele próprio orde­nou: Não deis aos cães o que é santo. Logo, sabendo que Judas era pecador, parece que não lhe deu o seu corpo nem o seu sangue.
 
3. Demais. — O Evangelho narra em particular, que Cristo deu a Judas o pão molhado. Se, portanto, deu-lhe o seu corpo, parece que lh'o deu como um bocado. Tanto mais quanto lemos no mesmo lugar que atrás do bocado en­trou nele Satanás. Ao que diz Agostinho: Daqui aprendamos o quanto devemos nos acautelar de receber mal o bem. Se, pois é condenado quem não distingue, isto é, não discerne dos outros ali­mentos o corpo de Cristo, como não o será quem, fingindo-se-lhe amigo, achega-se-lhe à mesa como inimigo? Ora, com o bocado molhado não recebeu o corpo de Cristo, conforme adverte Agostinho, comentando aquilo do Evangelho: ­Tendo molhado o pão, deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes: Mas então Judas não recebeu o corpo de Cristo, como o pensam certos, que lêem desatentamente. Logo, parece que Judas não recebeu o corpo de Cristo.
 
Mas, em contrário, diz Crisóstomo: Judas, sendo participante dos mistérios, não se conver­teu. Por isso mais monstruoso se lhe tornou o crime, tanto por se ter achegado ao sacramento, cheio já do seu mau propósito, como por não se ter tornado melhor, achegando-se a ele, nem pelo medo, nem pelo beneficia nem pela honra.
 
SOLUÇÃO. — Hilário afirmou que Cristo não deu a Judas nem o seu corpo nem o seu sangue. O que teria sido conveniente, considerada a malícia de Judas. Mas, como Cristo devia ser-nos um exemplo de justiça, não lhe convinha ao ma­gistério separar a Judas, pecador oculto, sem acusador e provas evidentes, da comunhão dos outros. A fim de não dar por aí aos prelados da Igreja o exemplo, pelo qual procedessem semelhantemente. E para que o próprio Judas, exas­perado com isso, não tirasse daí ocasião de pecar. Por onde, devemos concluir, que Judas recebeu, com os outros discípulos, o corpo e o sangue do Senhor, como diz Dionísio e Agostinho.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Essa é a razão de Hilário, para mostrar que Ju­das não recebeu o corpo de Cristo. Mas não é cogente, porque Cristo fala aos discípulos de cujo colégio Judas se separou, sem que Cristo o ti­vesse excluído. Por onde, Cristo, da sua parte, também com Judas, bebe o vinho no reino de Deus; mas esse convite o próprio Judas o repudia.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo, como Deus, conhecia a nequícia de Judas; mas não a conhe­cia ao modo por que os homens conhecem. Por isso não excluiu a Judas da comunhão, para dar o exemplo aos outros sacerdotes, de não excluí­rem tais pecadores ocultos.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Sem dúvida Judas, comendo o pão molhado, não recebeu o corpo de Cristo, mas um simples pão. Mas talvez, adver­te Agostinho, o pão molhado significa o fingi­mento de Judas; assim, certas coisas se molham para mudarem de cor. Mas, se esse pão molhado tem uma boa significação, a saber, a doçura da bondade divina, porque o pão se torna de melhor sabor quando molhado, ao que foi ingrato a esse bem se lhe seguiu merecidamente a condenação. Assim como se dá com os que recebem o corpo de Cristo indignamente. — E segundo diz Agosti­nho no mesmo lugar devemos compreender que o Senhor já antes distribuíra a todos os seus discípulos o sacramento do seu corpo e do seu sangue e com eles estava o próprio Judas, como o narra Lucas. Mas depois, segundo a narração de João, veio o Senhor a revelar o seu traidor, pelo bocado molhado que lhe deu.

Art. 1 — Se Cristo tomou o seu próprio corpo e sangue.

O primeiro discute-se assim. — Parece que Cristo não tomou o seu próprio corpo e sangue.
 
1. — Pois, não devemos afirmar dos atos e ditos de Cristo senão o que não nos transmitiu a autoridade da Sagrada Escritura. Ora, os Evangelhos não referem ter Cristo comido, o seu corpo nem bebido o seu sangue. Logo, também nós não podemos afirmá-la.
 
2. Demais. — Nenhum ser pode estar em si mesmo, salvo talvez em razão das partes, isto é, enquanto uma parte está em outra, como o en­sina Aristóteles. Ora, o que é comido e bebido está em quem come e bebe. Logo, estando Cris­to totalmente sob ambas as espécies do sacra­mento, parece impossível que ele próprio rece­besse este sacramento.
 
3. Demais. — De dois modos podemos re­ceber este sacramento — o espiritual e sacra­mental. Ora, recebê-lo espiritualmente não ca­bia a Cristo, pois, nenhuma graça tinha a rece­ber deste sacramento. E por conseqüência nem o modo sacramental, que sem o espiritual é imperfeito, como se estabeleceu. Logo, Cristo de nenhum modo recebeu este sacramento.
 
Mas, em contrário, diz Jerônimo: Nosso Senhor Jesus Cristo foi ao mesmo tempo conviva e o banquete, ele próprio a si mesmo se comeu.
 
SOLUÇÃO. — Certos disseram que Cristo, na Ceia, deu aos seus discípulos o seu corpo e san­gue, mas ele próprio não os tomou. — Mas esta opinião é inadmissível. Porque Cristo era o pri­meiro a observar o que instituiu para os outros observarem. Por isso quis ser batizado antes de impor o batismo aos outros, segundo aquilo da Escritura: Começou Jesus a fazer e a ensinar. Por onde, primeiro tomou o seu corpo e o seu sangue e depois deu a tomá-las aos discípulos. Assim, àquilo da Escritura — Depois que comeu e bebeu, etc. — diz a Glosa: Cristo comeu e bebeu na ceia, quando deu aos discípulos o sa­cramento do seu corpo e sangue. Por onde, como os filhos tiveram carne e sangue comum, ele também participou igualmente das mesmas causas.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os Evangelhos referem que Cristo tomou o pão e o cálice. Mas não devemos entendê-lo como os tivesse apenas tomado nas mãos, segundo certos dizem; senão que os tomou para os dar a tomar aos outros. Por isso, o dizer aos discípulos: ­Tomai e comei, e ainda — Tomai e bebei, deve-­se entender como tendo ele próprio tomado para comer e beber. Assim é que certos o disseram em verso:
 
O Rei está sentado, na Ceia, rodeado do grupo dos doze;
Tem-se a si mesmo nas mãos, é para si o seu próprio alimento.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como dissemos, Cris­to, enquanto está neste sacramento, ocupa lugar, não nas suas dimensões próprias, mas nas di­mensões das espécies sacramentais. De modo que, em qualquer lugar onde essas espécies esti­verem aí está o próprio Cristo. E como tais es­pécies podiam estar nas mãos e na boca de Cris­to, o próprio Cristo podia estar totalmente nas suas mãos e na sua boca. Mas isso não poderia dar-se se ocupasse um lugar segundo as suas espécies próprias.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como dissemos o efeito deste sacramento é não só o aumento da graça habitual, mas também uma certa deleita­ção atual com a doçura espiritual. Mas em­bora a graça de Cristo não aumentasse por ter recebido este sacramento, gozou contudo de um certo deleite espiritual, pela nova instituição dele. Por isso ele próprio o disse: Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta Páscoa. O que Eusébio expõe como alusivo ao novo mis­tério do Testamento Novo, que transmitiu aos discípulos. Por onde, comungou tanto espiritual como sacramentalmente, enquanto tomou o seu corpo sob a forma de sacramento, sacramento que sabia e dispôs que era o do seu corpo. Mas de modo diferente do que os demais, quando o recebem sacramental e espiritualmente, que re­cebem aumento de graça e precisam dos sinais sacramentais para perceberem a verdade.

Questão 81: Do uso que Cristo fez deste sacramento

Em seguida devemos tratar do uso que Cris­to fez deste sacramento, quando o instituiu.
 
E nesta questão discutem-se quatro artigos:

Art. 1 — Se a criatura corpórea procede de Deus.

O primeiro discute-se assim. — Parece que não procede de Deus a criatura corpórea.
 
1. — Pois, diz a escritura: Aprendi que todas as obras que Deus fez perseverarão para sempre. Ora, os corpos visíveis não duram eternamente, conforme a Escritura: As coisas visíveis são temporais, e as invisíveis são eternas. Logo, Deus não fez os corpos visíveis.
 
2. Demais. — Diz a Escritura: E viu Deus todas as coisas que tinha feito, e eram muito boas. Ora, as criaturas corpóreas são más, e o experimentamos por muitos males que nos causam, por exemplo, muitas serpentes, o calor do sol e coisas semelhantes; assim, pois, é mau o que é nocivo. Logo, as criaturas corpóreas não procedem de Deus.
 
3. Demais. — O que procede de Deus dele não afasta, antes, a ele conduz. Ora, as criaturas corpóreas afastam de Deus, como diz a Escritura: Não atendendo nós às coisas que se vêem. Logo, as criaturas corpóreas não procedem de Deus.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura: Qual fez o céu e a terra, o mar, e todas as coisas que neles há.
 
Solução. — Vários heréticos opinam que os seres visíveis não foram criados por Deus, mas pelo mau princípio, e tiram argumentos para o seu erro do lugar do Apóstolo: Deus deste século cegou os entendimentos dos infiéis. — Mas tal opinião é absolutamente inadmissível. Pois, se seres diversos para algo se unificam é necessário que essa unificação tenha alguma causa, pois não se unificam por si mesmos. Donde, sempre que se encontra alguma unidade em seres diversos, é necessário recebam estes de alguma causa una a sua unidade; assim, diversos corpos cálidos recebem do fogo o calor. Ora, o ser se encontra comumente em todas as coisas, embora diversas. Logo, é forçoso haver um princípio do ser, em virtude do qual exista tudo o que de qualquer modo existe — seres invisíveis e espirituais ou visíveis e corporais. — Quanto ao diabo, ele se chama deus do século presente, não pela criação, mas por lhe servirem os que vivem mundamente, segundo o modo de falar do Apóstolo: O deus deles é o ventre.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Todas as criaturas de deus perduram, de certo modo, eternamente, ao menos quanto à matéria; pois, as criaturas de nenhum modo se reduzem ao nada, mesmo as corruptíveis. Porém, quanto mais se aproxima de Deus, que é imóvel, tanto mais imóveis são. Pois, as criaturas corruptíveis perduram perpetuamente quanto à matéria, transformando-se quanto à forma substancial. As criaturas incorruptíveis, porém, permanecem, por certo, substancialmente, mas são mutáveis sob outros aspectos, p. ex., localmente, como os corpos celestes, ou em relação aos afetos, como as criaturas espirituais. E o dito do Apóstolo — As coisas visíveis são temporais — embora verdadeiro quanto às coisas em si mesmo consideradas, por estar toda criatura visível sujeita ao tempo, quanto ao seu ser ou ao seu movimento, todavia o Apóstolo quis aplicá-lo às coisas visíveis consideradas como prêmios do homem. Pois, dos prêmios do homem, os consistentes em tais coisas são temporalmente transitórios; ao passo que permanecem eternamente os que consistem nas coisas invisíveis. Por isso, antes já tinha dito: Produz em nós um peso eterno de glória.
 
Resposta à segunda. — A criatura corpórea, por natureza, é boa; mas não é o bem universal, senão um certo bem particular e restrito; e dessa particularidade e restrição resulta, na criatura, a contrariedade, em virtude da qual um bem se contrapõe ao outro, embora um e outro, em si mesmo, seja bem. Donde vem que certos, considerando, nas coisas, não a natureza própria delas, mas a conveniência deles, julgam absolutamente más as que lhes são nocivas; sem atenderem que o nocivo para um, sob certo aspecto, é profícuo para outro ou para os mesmos, sob diferente aspecto. O que de nenhum modo se daria se os corpos fossem maus e nocivos em si mesmos.
 
Resposta à terceira. — As criaturas, me si mesmas, não afastam, mas aproximam de Deus, pois as coisas invisíveis de Deus, compreendendo-se pelas coisas feitas, tornaram-se visíveis, como diz o Apóstolo. E se afastam de Deus, é por culpa dos que delas usam insipientemente; por onde, diz a Escritura: as criaturas se fizeram um laço para os pés dos insensatos. Mas o fato mesmo de afastarem de Deus prova que dele procedem; pois, se afastam de Deus os insipientes, é que os aliciam por algum bem nelas existentes, bem que têm de Deus.

Questão 65: Da obra da criação da criatura corpórea.

Depois de tratar da criatura espiritual devemos tratar da corpórea, em cuja produção a Escritura comemora as três obras seguintes. A obra da criação, quando diz: No princípio criou Deus o céu e a terra etc.; da distinção, quando diz: Dividiu a luz das trevas e as águas que estavam por baixo do firmamento das que estavam por cima do firmamento; e a obra da ornamentação, quando diz: Façam-se uns luzeiros no firmamento, etc. Portanto, devemos tratar, em primeiro lugar, da obra da criação; em segundo, da da distinção; em terceiro, da da ornamentação.
 
Sobre o primeiro ponto quatro artigos se discutem:

AdaptiveThemes