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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 10 — Se o sacramento da penitência deve reiterar-se.

 

O décimo discute-se assim. — Parece que o sacramento da penitência não deve reiterar-se.
 
1. — Pois. diz o Apóstolo: É impossível que os que foram uma vez iluminados, que tomaram já o gosto ao dom celestial, e que foram feitos participantes do Espírito Santo, e depois disto caíram, é impossível, digo, que eles tornem a ser renovados pela penitência. Ora, todos os que fi­zeram penitência foram iluminados e receberam o dom do Espírito Santo. Logo, quem quer que peque, depois da penitência, não na pode fazer de novo.
 
2. Demais. — Ambrósio diz: Encontram-se pessoas que pensam que devemos fazer penitên­cia muitas vezes; são uns luxuriosos em Cristo. Pois, se tivessem verdadeiramente feito penitên­cia, não pensariam que ela deve ser renovada; porquanto, como é um só o batismo, tam­bém uma só é a penitência. Ora, o batismo não se reitera. Logo, nem a penitência.
 
3. Demais. — Os milagres com que Deus curou as enfermidades do corpo significam a cura das doenças espirituais, pela qual somos li­vres dos pecados. Mas não lemos no Evangelho, que o Senhor tivesse dado a vista a nenhum cego duas vezes, ou tivesse limpado duas vezes algum leproso, ou ainda duas vezes ressuscitado algum morto. Logo, parece também que a nenhum pecador dá duas vezes o perdão, pela penitência.
 
4. Demais. — Gregório diz: Penitência é chorar os pecados antes cometidos, e não tornar a cometer o que devemos depois chorar. E Isidoro: É irrisor e não penitente quem continua a fazer o de que há de penitenciar-se. Quem, pois, é verdadeiramente penitente não tornará a pecar. Logo, não é possível a penitência ser reiterada.
 
5. Demais. — Assim como o batismo tira a sua eficácia da paixão de Cristo, assim também a penitência. Ora, o batismo não é reiterado, por causa da unidade da paixão e da morte de Cristo. Logo, pela mesma razão, nem a penitência.
 
6. Demais. — Gregório (Ambrósio) diz: A facilidade do perdão é um incentivo para pecar. Se, pois, Deus dá freqüentemente perdão, pela penitência, parece que dá aos homens um in­centivo para pecarem; e assim pareceria com­prazer-se com o pecado. O que não condiz com a sua bondade. Logo, a penitência não pode ser reiterada.
 
Mas, em contrário, somos induzidos à misericórdia pelo exemplo da divina misericórdia, se­gundo aquilo do Evangelho: Sêde misericordio­sos, como também vosso Pai é misericordioso. Ora, o Senhor impõe essa misericórdia aos seus discípulos, para que mais freqüentemente per­doem aos seus irmãos que os ofenderem. Por isso, a Pedro que perguntava Senhor, quantas vezes poderá pecar meu irmão contra mim, que eu lhe perdoe - respondeu Jesus: Não te digo que até sete vezes, mas que até se­tenta vezes sete vezes. E por isso, o Senhor mui freqüentemente dá pela penitência o perdão aos que pecam; pois sobretudo nos ensinou a fazer a oração: Perdoai-nos as nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores.
 
SOLUÇÃO. — Sobre a penitência certos erraram, dizendo que não podemos por meio dela conseguir duas vezes o perdão dos pecados. ­Desses uns, os Novacianos, deram a tal modo de ver uma extensão, a ponto de dizerem, que de­pois da primeira penitência, feita no batismo, os pecadores não podem alcançar novo perdão por uma nova penitência. - Outros heréticos houve porém, como o refere Agostinho, de acordo com os quais, depois do batismo é útil a penitência, não porém várias vezes, mas uma só. Estes erros procedem de duas causas. - Primeiro, porque esses heréticos erravam no to­cante à natureza da verdadeira penitência. Pois, sendo para a verdadeira penitência necessária a caridade, sem a qual não podem ser delidos os pecados, criam que, uma vez possuída, a cari­dade não pode ser perdida; e por conseqüência a penitência, sendo verdadeira, não pode nunca ser perdida pelo pecado, a ponto de ser neces­sária a renovação. Mas isto foi refutado na Se­gunda Parte, onde mostramos, que a caridade, uma vez possuída, pode ser perdida, por causa da liberdade do arbítrio; e portanto, depois de uma verdadeira penitência podemos pecar mor­talmente. - Segundo, porque erravam no pon­derar a gravidade do pecado. Pois, pensavam ser tão grave o pecado cometido depois de alcan­çado o perdão, que não é possível se:- perdoado. E nisso erravam relativamente ao pecado, o qual, mesmo depois de alcançada a absolvição, pode ser mais grave e mais leve mesmo, que o fora o primeiro pecado perdoado. E erravam muito mais contra a infinidade da divina misericórdia, superior a qualquer número e a qual­quer grandeza de pecados, segundo aquilo da Escritura: Tem piedade de mim, ó Deus, se­gundo a tua grande misericórdia; e segundo as muitas mostras da tua clemência, apaga a minha maldade. Por isso é reprovada a palavra pro­ferida por Caim: O meu pecado é muito grande para eu poder alcançar perdão. Por onde, a misericórdia de Deus perdoa aos pecadores pe­nitentes, sem nenhum limite. Donde o dizer a Escritura: Imensa e inconcebível é a misericór­dia de vossa promessa a respeito da malícia dos homens. Por onde é manifesto, que a penitência pode ser reiterada muitas vezes.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­Porque entre os judeus a lei instituíra determi­nadas abluções, pelas quais muitas vezes se pur­gavam das imundícies, certos deles criam que também pela ablução do batismo podiam puri­ficar-se várias vezes. E para excluir esse erro o Apóstolo escreve aos Hebreus: É impossível que os que foram uma vez iluminados, isto é, pelo batismo, tornem a ser renovados pela penitên­cia, isto é, pelo batismo, que é a ablução de regeneração e renovação do Espírito Santo. E dá a razão, a saber, que pelo batismo morremos com Cristo; e por isso acrescenta: Crucificam de novo ao Filho de Deus em si mesmo.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Ambrósio se refere à penitência solene, que na Igreja não se reitera, como diremos a seguir.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Diz Agostinho: Em ocasiões diversas o Senhor restituiu a vista a muitos cegos e curou muitos enfermos, para mostrar que nesses casos diversos perdoava muitas vezes os mesmos pecados. Assim, depois de ter curado um leproso, restituiu-lhe uma outra vez a vista. Se pois curou tantos cegos, coxos e anemicos, foi para impedir o pecador de desesperar. Por isso o Evangelho não narra que tivesse curado um doente senão uma vez, para nos inspirar a todos o temor dos pecados. Cha­ma-se a si mesmo médico, útil, não para os sãos, mas para os doentes. Mas que médico seria esse que não soubesse curar males que se renovam? Pois um médico há de curar cem vezes quem cem vezes adoeceu. Cristo seria, pois, inferior aos outros médicos, se não pudesse o que podem eles.
 
RESPOSTA À QUARTA. — Fazer penitência é chorarmos os pecados anteriormente cometidos e não cometermos atual nem intencionalmente ao mesmo tempo que os choramos, atos a serem por sua vez chorados. Pois, irrisor é e não pe­nitente quem ao mesmo tempo que faz peni­tência, pratica atos de que deve penitenciar-­se. Quem se propõe a fazer de novo o que fez, ou quem comete atualmente o mesmo ou outro gênero de pecado. Mas o fato de alguém pecar, atual ou intencionalmente, depois de ter feito penitência, não impede que esta tenha sido ver­dadeira. Porque nunca a verdade de um ato anterior fica exclui da pela do ato contrário subseqüente; pois, assim como correu verdadei­ramente quem agora está sentado, assim foi verdadeiramente penitente quem depois veio a pecar.
 
RESPOSTA À QUINTA. — O batismo tira a sua virtude da paixão de Cristo, como sendo um re­nascimento espiritual, ligado com a morte es­piritual da vida precedente. Ora, está decre­tado aos homens que morram uma só vez e nasçam uma só vez. Por isso devemos ser ba­tizados uma só vez. Mas a penitência tira a sua virtude da paixão de Cristo, como sendo um remédio espiritual, que pode ser reiterado muitas vezes.
 
RESPOSTA À SEXTA. — Agostinho diz que o grande ódio de Deus pelo pecado se revela por estar sempre pronto a destruí-lo, a fim de não dissolver-se o que criou, nem se corrompa o que amou, isto é, pelo desespero.

 

Art. 9 — Se a penitência pode ser contínua.

 

O nono discute-se assim. — Parece que a penitência não pode ser contínua.
 
1. — Pois, diz a Escritura: Cesse lá do choro a tua voz e de verterem lágrimas os teus olhos. Ora, isto não poderia ser, se a penitência. consistente em choro e lágrimas, fosse contínua. Logo, a penitência não pode ser contínua.
 
2. Demais. — Devemos nos com prazer com todas as nossas boas obras, segundo aquilo da Escritura: Servi ao Senhor em alegria. Ora, fazendo penitência, praticamos uma boa obra. Logo, devemos nos comprazer com ela. Mas, não podemos estar em alegria e tristeza ao mesmo tempo, conforme está claro no Filósofo. Logo não pode o penitente chorar continuamente os pecados passados, como o exige a penitência.
 
3. Demais. — O Apóstolo diz: Deveis con­solá-lo, isto é, o penitente, para que não aconteça que seja consumido de demasiada tristeza quem se acha em tais circunstâncias. Ora, a consola­ção expulsa as lágrimas, que constituem a essên­cia da penitência. Logo, a penitência não deve ser contínua.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho: Cuidemos para que seja contínua a dor da nossa penitência.
 
SOLUÇÃO. — De dois modos podemos fazer penitência: por atos e pelo hábito. - Ora, atualmente é-nos impossível fazer penitência contínua; pois seria necessário os atos do penitente, internos ou externos, interpolarem-se ao menos no sono e na satisfação de outras neces­sidades corpóreas. - Noutro sentido referimo­-nos à penitência habitual. E então devemos fa­zer continua penitência. Tanto por nunca de­vermos praticar nada de contrário à penitência e que nos viesse privar da disposição atual de penitente; quanto por devermos trazer sempre no propósito a dor dos pecados passados.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­O choro e as lágrimas são atos externos de pe­nitência, os quais não só não devem ser contí­nuos, mas ainda não é necessário durem até ao fim da vida, como dissemos. Por isso no mesmo lugar se diz sinaladamente: porque recompensa há para a tua obra. Ora, a recompensa da obra do penitente é a plena remissão do pecado, quanto à culpa e quanto à pena; e depois de alcan­çá-la, já não devemos mais fazer a penitência externa. Mas isto não exclui a continuidade da penitência, tal como dissemos.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A dupla luz podemos considerar a dor e a alegria. - Primeiro, en­quanto paixões do apetite sensitivo. E então de nenhum modo podem existir simultâneas, por serem absolutamente contrárias quer pelos seus objetos - por exemplo, quando recaem sobre o mesmo objeto; quer ao menos pelo movimento do coração - pois, ao passo que a alegria implica o dilatar-se do coração, a tristeza é acompanhada da constrição dele. E é neste sentido que fala o Filósofo. - A outra luz podemos considerar a alegria e a tristeza enquanto consistentes num simples ato da vontade, a que uma cousa agrada ou desagrada. E então não podem ter contrariedade senão por parte do objeto - por exemplo, quando recaem sobre o mesmo objeto e ao mes­mo respeito. E nesse caso não podem coexistir a alegria e a tristeza, porque uma mesma coisa não pode simultaneamente e ao mesmo respeito agradar e desagradar. Se porém a alegria e a tristeza assim consideradas não recaírem sobre o mesmo objeto e ao mesmo respeito; ou se re­caírem sobre objetos diversos, ou sobre o mes­mo mas a respeitos diversos, então nenhuma contrariedade há entre a alegria e a tristeza. Por onde, nada impede alegrarmo-nos e entristecer­mo-no; simultaneamente; por exemplo, vendo um justo sofrer, ao mesmo tempo que nos apraz a sua justiça desagrada-nos o seu sofrimento. E deste modo pode nos desagradar o termos pecado, e nos agradar a nossa displicência, pelo havermos feito, com a esperança do perdão, de maneira que a própria tristeza nos seja matéria de ale­gria. Donde o dizer Agostinho: Tenha sempre o penitente dor dos seus pecados e se alegre pela ter. Se porém a tristeza de nenhum modo fos­se compatível com a alegria, isso privaria, não da continuidade habitual da penitência, mas da atual.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Segundo o Filósofo, à virtude pertence estabelecer a mediedade entre as paixões. Ora, a tristeza que, no ape­tite sensitivo do penitente resulta da displicên­cia da vontade, é uma paixão. Por onde, deve ser moderada pela virtude; e é vicioso o seu excesso, por induzir em desespero. O que signi­fica o Apóstolo, dizendo no mesmo lugar: Para que não aconteça seja consumido de demasiada tristeza, quem se acha em tais circunstâncias. E assim a consolação a que aí o Apóstolo refere é moderadora da tristeza, mas não priva total­mente dela.

 

Art. 8 — Se a penitência deve durar até ao fim da vida.

 

O oitavo discute-se assim. — Parece que a penitência não deve durar até ao fim da vida.
 
1. — Pois, a penitência se ordena a delir o pecado. Ora, o penitente recebe logo a remissão dos pecados, conforme àquilo da Escritura: Se o ímpio fizer penitência de todos os seus peca­dos que cometeu viverá e não morrerá. Logo, não é preciso prolongar ainda mais a penitência.
 
2. Demais. — Fazer penitência é próprio dos principiantes. Ora, desse estado devemos passar para o dos que progridem e, depois, ao dos perfeitos. Logo, não devemos fazer penitência até ao fim da vida.
 
3. Demais. — Assim como nos outros sacramentos devemos observar as prescrições da Igre­ja, assim também neste. Ora, segundo os câno­nes, há tempos determinados para a penitência; de modo que quem cometeu um certo pecado ou tal outro faça tantos anos de penitência. Logo, parece que a penitência não se nos deve esten­der até ao fim da vida.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho: Que nos resta senão chorar durante esta vida? Pois, onde não há dor não há penitência. E se não faze­mos penitência, como alcançaremos perdão?
 
SOLUÇÃO. — Há duas espécies de penitência: a interior e a exterior. - A interior é a que nos faz chorar o pecado cometido. E essa deve durar até ao fim da vida. Pois, sempre nos de­vemos doer do pecado cometido; do contrário, se nos comprazemos no pecado, já por isso mesmo nele incorremos e perdemos o fruto do perdão. Ora, a displicência do pecado cometido causa dor em quem é dela susceptível, como o somos nós durante esta vida. Mas, depois dela, os bens aventurados não são mais capazes de dor. E por isso, sem nenhuma dor, lhes repugnarão todos os pecados passados, segundo aquilo da Escritura: Foram entregues ao esquecimento as primeiras angústias. - A penitência exterior é a pela qual damos mostras externas de dor, con­fessamos verbalmente os nossos pecados ao con­fessor, que os absolve, e satisfazemos conforme ele o ordenar. E essa penitência não há de du­rar até ao fim da vida; mas até um certo tempo, segundo a medida do pecado.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A verdadeira penitência não só remove os peca­dos passados, mas também nos preserva dos fu­turos. Pois, embora no primeiro instante da verdadeira penitência alcancemos a remissão dos pecados, devemos, contudo perseverar penitentes, para não reincidirmos no pecado.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Fazer penitência in­terior simultaneamente com a exterior é próprio dos incipientes, que acabam de sair do pecado. Mas, fazer penitência interna cabe tanto aos que progridem como aos perfeitos, segundo aquilo da Escritura: Por isso o próprio Paulo dizia: Não sou digno de ser chamado apóstolo, porque persegui a Igreja de Deus.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Esses tempos referi­dos são prefixados aos penitentes quanto ao ato da penitência exterior.

 

Art. 7 — Se este sacramento foi convenientemente instituído na Lei Nova.

 

O sétimo discute-se assim. — Parece que este sacramento não foi convenientemente instituído na Lei Nova.
 
1. — Pois, o que é de direito natural não precisa ser instituído. Ora, penitenciarmos dos males que praticamos é de direito natural; pois, não podemos amar o bem sem nos penitenciar­mos de que lhe é contrário. Logo, a penitência não foi convenientemente instituída na Lei Nova.
 
2. Demais. — O já existente na Lei Velha não precisava ser de novo instituído. Ora, na Lei Velha já existia a penitência, e por isso o Senhor se queixa, perguntando: Ninguém há que faça penitência do seu pecado, dizendo ­Que fiz eu? Logo, a penitência não devia ser instituída na Lei Nova.
 
3. Demais. — A penitência é conseqüente ao batismo, pois é a segunda tábua. Ora, a penitência foi instituída pelo Senhor antes do ba­tismo. Pois, no princípio da sua pregação o Se­nhor disse como lemos no Evangelho: Fazei penitência porque está próximo o reino de Deus. Logo, este sacramento não foi convenientemente instituído na Lei Nova.
 
Mas, em contrário, diz o Senhor: Assim é que importava que o Cristo padecesse e que ressurgisse dos mortos ao terceiro dia, e que em seu nome se pregasse penitência e remissão de pe­cados em todas as nações.
 
SOLUÇÃO. — Como dissemos, neste sacramento o ato do penitente se comporta como a matéria; e os atos do sacerdote, obrando como ministro de Cristo, se comportam como o ele­mento formal e completivo do sacramento. Ora, a matéria, mesmo nos outros sacramentos, pre­existe por natureza, como a água; ou por algu­ma arte, como o pão. Mas, é necessária uma instituição determinando que tal matéria deva ser assumida para o sacramento. Ora, a forma do sacramento e a sua virtude procedem total­mente da instituição de Cristo, de cuja paixão proveio a virtude dos sacramentos. Assim pois a matéria preexiste por natureza; pois, pela ra­zão natural somos levados a nos penitenciarmos dos males que praticamos; mas, o fazermos pe­nitência deste ou daquele modo, resulta de uma instituição divina. - Por isso Senhor, no prin­cípio da sua pregação, ordenou aos homens não só o se penitenciarem, mas também que fizessem penitência, significando assim os determinados modos dos atos requeridos por este sacramento. E o que respeita ao ofício dos ministros, o deter­minou quando disse a Pedro: Eu te darei as chaves do reino nos céus. Quanto à eficácia deste sacramento e à origem da sua virtude, ele as manifestou após a sua ressurreição, quando depois de ter-se referido à sua paixão e ressur­reição, disse, que importava que se pregasse em seu nome a penitência e a remissão de pecados em todas as nações. Pois, em virtude do nome de Jesus Cristo que sofreu e ressurgiu, este sacramento tem a sua eficácia de remitir os pe­cados. Por onde é claro que foi conveniente­mente instituído na Lei Nova.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — É de direito natural o nos penitenciarmos dos males que fizemos, arrependendo-nos de os ha­ver praticado, buscando de algum modo remédio à nossa dor; e ainda, dando certas mostras dela. Assim o fizeram os Ninívitas, como lemos na Es­critura; os quais tiveram mesmo, além da fé que neles tinha despertado a pregação de Jonas, de fazer o que essa fé exigia, com a esperança de alcançarem de Deus o perdão, segundo as palavras do profeta - Quem sabe se voltará Deus para nos perdoar e se aplacará ele o furor da sua ira, de sorte que nós não pereçamos? Mas, como todas as outras prescrições da lei na­tural foram precisadas por uma leis divinas po­sitivas, conforme o dissemos na Segunda Parte, assim também a penitência.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — As prescrições do di­reito natural recebem a sua determinação diver­samente na Lei Velha e na Nova, conforme o vêem à imperfeição daquela e à perfeição desta. Por isso a penitência, na Lei Velha, recebeu uma certa precisão. Primeiro, quanto à dor dos pe­cados, que devia exprimir-se antes pelos afetos do coração do que por sinais externos, segundo aquilo da Escritura: Rasgai os vossos corações e não os vossos vestidos. E quanto ao remédio que se devia buscar a dor; de modo que os minis­tros de Deus de certa maneira confessarem os seus pecados, pelo menos em geral. Donde o di­zer o Senhor: Se uma pessoa pecar por igno­rância oferecerá dos rebanhos um carneiro sem defeito, conforme à medida e a consideração do pecado, ao sacerdote; o qual orará por ele, por­que o fez com ignorância e perdoar-se-lhe-á. E o fato de fazer um oblação pelo seu pecado já era de certo modo confessá-lo ao sacerdote. Por isso diz a Escritura: Aquele que esconde as suas maldades não será bem sucedido; aquele porém que as confessar e se retirar delas alcançará misericórdia. - Mas ainda não havia o po­der das chaves, derivada da paixão de Cristo. E por conseqüente ainda não estava instituída a dor dos pecados com o propósito de o pecador se submeter, pela confissão e pela satisfação, às chaves da Igreja, com a esperança de conseguir perdão em virtude da paixão de Cristo.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Atentando isto mais consideradamente, veremos que o dito do Se­nhor sobre a necessidade do batismo precedeu no tempo o que disse da necessidade da penitência. Pois, o que disse a Nicodemos, sobre o batismo, foi antes do encarceramento de João, do qual depois se acrescenta que batizava. Mas o que disse da penitência foi depois do encarceramen­to de João. - Se porém tivesse primeiro indu­zido à penitência que ao batismo, sê-lo-ia por­que também antes do batismo é necessária uma certa penitência, como o diz Pedro: Fazei penitência e cada um de vós seja batizado.
 
RESPOSTA À QUARTA. — Cristo não recebeu o batismo que ele mesmo instituiu, mas foi bati­zado no batismo de João, como dissemos. Mas nem mesmo exerceu ativamente o seu ministé­rio, porque ele próprio não batizava em geral, mas os seus discípulos como diz Agostinho. Pois, receber o sacramento por ele próprio instituído de nenhum modo lhe convinha. Quer por não ter necessidade de penitência, quem não tinha nenhum pecado; nem pelo fato de conferir este sacramento aos outros, pois, para mostrar a sua misericórdia e o seu poder, conferia o efeito deste sacramento sem conferir o sacramento, como dissemos. – Quanto porém ao sacramento da Eucaristia, ele próprio o recebeu e o deu aos outros: quer para lhe mostrar a excelência; quer por ser esse sacramento o memorial da sua paixão, enquanto é nele Cristo o sacerdote e a hóstia.

 

Art. 6 — Se a penitência é a segunda tábua, depois do naufrágio.

 

O sexto discute-se assim. — Parece que a penitência não é a segunda tábua, depois do naufrágio.
 
1. — Pois, àquilo de Isaias - Fizeram como os de Sodoma, pública ostentação do seu pecado, diz a Glosa: A segunda tábua, depois do nau­frágio, é esconder os pecados. Ora, a penitência não esconde os pecados; ao contrário, revela-os. Logo, a penitência não é a segunda tábua.
 
2. Demais. — O fundamento ocupa, no edifício, não o segundo, mas o primeiro lugar. Ora, a penitência é o fundamento do edifício espiri­tual, segundo aquilo do - Apóstolo: Não lançando de novo o fundamento da penitência das obras mortas. Por isso precede ao próprio batismo, conforme ainda aquilo da Escritura: Fazei penitência e cada um de vós sela batizado. Logo, a penitência não é a segunda tábua.
 
3. Demais. — Todos os sacramentos são umas tábuas, isto é, remédios contra o pecado. Ora, a penitência não ocupa o segundo lugar entre os sacramentos; mas antes, o quarto, como do sobredito se colhe. Logo, a penitência não deve ser considerada como a segunda tábua depois do naufrágio.
 
Mas, em contrário, Jerônimo diz, que a segunda tábua depois do naufrágio é a penitência.
 
SOLUÇÃO. — O essencial é naturalmente anterior ao acidental; assim, a substância é ante­rior ao acidente. Ora, certos sacramentos se ordenam à salvação do homem; tal o batismo, que um nascimento espiritual; a confirmação, crescimento espiritual; e a Eucaristia, nutrição espiritual. A penitência porém se ordena à nos­sa salvação acidental e condicionalmente, isto é, suposto o pecado. Pois, se atualmente não pe­cássemos, não precisaríamos da penitência; mas precisaríamos do batismo, da confirmação e da Eucaristia. Assim como para a vida do corpo não precisaríamos de remédios se não enfermás­semos; mas para vivermos é preciso, nascermos, crescermos e nutrirmo-nos. Por onde, a peni­tência ocupa o segundo lugar relativamente ao estado de integridade conferido e conservado pelos referidos sacramentos. Por isso dizemos metaforicamente que é a segunda tábua depois do naufrágio. Assim, O primeiro remédio para os que atravessamos os mares é nos conservamos num navio em bom estado; o segundo, se ele naufraga, apegar-mo-nos a uma tábua. Do mes­mo modo, o primeiro remédio no mar desta vida é conservarmos a nossa integridade; o segundo, recuperarmos essa integridade pela penitência, se a perdemos pelo pecado.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­De dois modos podemos esconder os pecados. ­Primeiro, quando os cometemos. Pois, é pior pe­car em público que às ocultas; quer porque o pecador público se considera como pecando com maior desprezo; quer também por pecar com escândalo dos outros. Por isso, aplica-se um re­médio aos pecados que cometemos às ocultas. E neste sentido diz a Glosa: A segunda tábua de­pois do naufrágio é esconder os pecados; não que assim fique o pecado delido, como o é pela penitência; mas pelo tornar menor. - De outro modo, podemos esconder o pecado anteriormente cometido por negligência na confissão; e isso encontra a penitência. E então esconder o pe­cado não é a segunda tábua, mas antes o contrário da tábua; pois, como diz a Escritura, aquele que esconde as suas maldades não será bem sucedido.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A penitência não pode ser considerada o fundamento do edifício espiritual, absolutamente, falando, isto é, na pri­meira edificação; mas é o fundamento, na se­gunda reedificação, que se opera pela destruição do pecado. Pois, é ela que antes de tudo se impõe aos que voltam para Deus. Mas o Após­tolo, no lugar aduzido, fala do fundamento es­piritual da doutrina. - Quanto à penitência pre­cedente ao batismo, não é o sacramento da pe­nitência.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Os três sacramentos precedentes respeitam à nau íntegra, isto é, ao es­tado de integridade; em relação ao qual dizemos que a penitência é a segunda tábua.

 

Art. 5 — Se este sacramento é necessário à salvação.

 

O quinto discute-se assim. — Parece que este sacramento não é necessário à salvação.
 
1. — Pois, àquilo da Escritura. - Os que semeiam em lágrimas etc., diz a Glosa: Não andes triste, se tens boa vontade, com que se mede a paz. Ora, a tristeza é da essência da penitência, segundo aquilo do Apóstolo: A tris­teza que é segundo Deus produz para a salvação uma penitência estável. Logo, a boa vontade sem a penitência basta à salvação.
 
2. Demais. — A Escritura diz: A caridade cobre todos os delitos. E a seguir: Os pecados purificam-se pela misericórdia e pela fé. Ora, o fim deste sacramento é só purificar dos pecados. Logo, tendo caridade, fé e misericórdia, podemos alcançar a salvação, mesmo sem o sacramento da penitência.
 
3. Demais. — Os sacramentos da Igreja começaram com a instituição de Cristo. Ora, como lemos no Evangelho, Cristo perdoou a mulher adúltera, sem penitência. Logo, parece não ser a penitência necessária à salvação.
 
Mas, em contrário, o Senhor disse: Se vós outros não fizerdes penitência, todos assim mes­mo haveis de acabar.
 
SOLUÇÃO. — De dois modos pode uma coisa ser necessária à salvação: absoluta e condicio­nalmente. Absolutamente é necessário à salva­ção aquilo sem o que ela não pode ser alcança­da; assim, a graça de Cristo e o sacramento do batismo pelo qual renascemos em Cristo. Con­dicionalmente é necessário o sacramento da penitência; não por certo a todos, mas aos que estão em pecado. Assim, diz a Escritura: E tu, Senhor Deus dos justos, não fizeste a penitência para os justos - Abraão, Isaac e Jacó, nem para os que te não ofenderam. - Ora, o pecado, quando tiver sido consumado, gera a morte, no dizer da Escritura. Logo, é necessário, para a sua salvação, que o pecador seja purificado do pecado. O que não pode ser sem o sacramento da penitência, no qual obra a virtude da paixão de Cristo pela absolvição do sacerdote simultâ­nea com a confissão do pecador, que coopera com a graça para delir o pecado, como o diz Agostinho: Quem te criou sem ti não te justificará sem ti. Por onde é claro que o sacra­mento da penitência é necessário à salvação, de­pois do pecado; assim como o remédio é neces­sário ao corpo de quem caiu em grave doença.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­A glosa citada deve ser entendida de quem tem uma boa vontade sem a interpolação causada pelo pecado; pois, essa nenhuma causa tem para tristezas. Mas, quando a boa vontade foi supri­mida pelo pecado, não pode ser restituída sem a tristeza, pela qual nos penitenciamos do pecado passado; o que constitui a matéria da penitência.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Nem a fé, nem a ca­ridade nem a misericórdia podem, sem a peni­tência, tirar-nos do estado de pecado. Pois, ao seu lado, a caridade exige que nos arrependamos da ofensa cometida contra o amigo, e que em­preguemos estudo em nos reconciliarmos com ele. A fé, por outro lado, requere que, pela vir­tude da paixão de Cristo, que obra nos sacra­mentos da Igreja, nos justifiquemos dos nossos pecados. E por fim também a misericórdia orde­nada pede que reparemos pela penitência a nossa miséria, em que nos precipitou o pecado, segundo aquilo da Escritura: O pecado faz miseráveis os povos. Donde o outro dito da Escritura: Tem piedade com a tua alma, fazendo-te agradável a Deus.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Pela excelência do poder, que só Cristo tinha como dissemos, é que concedeu à mulher adúltera o efeito do sacra­mento da penitência - a remissão dos pecados - sem esse sacramento; embora não sem a pe­nitência interior, que operou nela pela graça.

 

Art. 4 — Se a imposição das mãos do sacerdote é necessária neste sacramento.

 

O quarto discute-se assim. — Parece necessária neste sacramento a imposição das mãos do sacerdote.
 
1. — Pois, diz o Evangelho: Porão as mãos sobre os enfermos e sararão. - Ora, os pecado­res são doentes espirituais, que recebem um bom estado espiritual, por este sacramento. Logo, é necessária, nele, a imposição das mãos.
 
2. Demais. — Pelo sacramento da Penitên­cia recuperamos o Espírito Santo, que perdemos. Por isso diz a Escritura, da pessoa do penitente: Dá-me a alegria da tua salvação e conforta-me por meio do espírito principal. Ora, o Espírito Santo é dado pela imposição pelas mãos. Assim, como o refere a Escritura, os Apóstolos punham a mão sobre eles e recebiam o Espírito Santo. E o Evangelho: Foram apresentados ao Senhor vários meninos, para lhes impor as mãos. Logo, neste sacramento deve fazer-se a imposição das mãos.
 
3. Demais. — As palavras do sacerdote nes­te sacramento não têm maior eficácia, que nos outros. Ora, nos outros não bastam as palavras do ministro, salvo acompanhadas de um ato ex­terior. Assim no batismo é necessário as pala­vras do sacerdote - Eu te batizo, serem acom­panhadas da ablução. Logo, também quando o sacerdote diz - Eu te absolvo, é necessário pra­tique o ato de impor as mãos sobre o penitente.
 
Mas, em contrário, o Senhor disse a Pedro: Tudo o que desatares sobre a terra, sem fazer qualquer menção da imposição das mãos. E nem a fez quando disse a todos: Aos que vós perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados. Logo, este sacramento não requer a imposição das mãos.
 
SOLUÇÃO. — A imposição das mãos nos sacramentos da Igreja é feita para designar um abundante efeito da graça, pela qual, os que recebem essa imposição, por uma certa semelhança se associam aos ministros, que devem ter uma graça mais abundante. Por onde, a impo­sição das mãos se faz no sacramento da confir­mação, que confere a plenitude do Espírito San­to; e no sacramento da ordem, que confere uma certa excelência de poder nos divinos mistérios. Donde o dizer o Apóstolo: Tornes a acender o fogo da graça de Deus, que recebeste pela impo­sição das minhas mãos. Ora, o sacramento da penitência não se ordena à consecução de nenhuma excelência de graça, mas à remissão dos pecados. Por isso este sacramento não requer a imposição das mãos, como também não a requer o batismo, no qual contudo é dada uma remissão mais plena dos pecados.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­Essa imposição das mãos não é sacramental, mas se ordena a realização de um milagre; isto é, curar, pelo contato da mão de um homem santificado, uma doença, mesmo corporal. Assim como le­mos, do Senhor, que curava os enfermos impon­do-lhes as mãos; e que curou o leproso, pelo contato.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Não é qualquer re­cepção do Espírito Santo que requer a imposição das mãos; pois, também no batismo recebemos o Espírito Santo e contudo não há imposição de mãos. Mas essa imposição é requerida quando recebemos a plenitude do Espírito Santo, o que se dá na confirmação.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Nos sacramentos que se consumam no uso da matéria, tem o ministro que praticar um ato corpóreo sobre quem recebe o sacramento; talo caso do batismo, da confir­mação e da extrema-unção. Ora, este sacramen­to não consiste no uso de matéria nenhuma externa; mas, em lugar da matéria estão os atos do penitente. Por onde, assim como na Eucaristia o sacerdote, pela só prolação das palavras sobre a matéria, celebra o sacramento; assim também, as só palavras do sacerdote que absolve o penitente conferem o sacramento da absol­vição. E se algum ato corpóreo fosse necessá­rio da parte do sacerdote, não teria menos lugar o sinal da cruz, próprio da Eucaristia, que a imposição às mãos, como sinal de que os pecados são perdoados pelo sangue da cruz de Cristo. E contudo não é isso de necessidade neste sacra­mento, como não o é na Eucaristia.

 

Art. 3 — Se esta é a forma deste sacramento: Eu te absolvo.

 

O terceiro discute-se assim. — Parece que esta não é a forma deste sacramento: Eu te absolvo.
 
1. — Pois, as formas dos sacramentos pro­vêm da instituição de Cristo e do uso da Igre­ja. Ora, não lemos que Cristo tivesse instituído esta forma. Nem está no uso comum; ao contrário, em certas absolvições públicas na Igreja - como a da Prima, da Completas e da Ceia do Senhor - o absolvente não fala no modo indicativo, dizendo - Eu te absolvo, mas de modo deprecativo, dizendo - Que Deus omni­potente se amerceie de vós, ou, Deus omnipo­tente vos dê a absolvição. Logo, esta não é a forma deste sacramento - Eu te absolvo.
 
2. Demais. — Leão Papa (I) diz: O perdão de Deus não no podemos obter senão pelas súplicas dos sacerdotes. Ora, refere-se ao perdão que Deus concede aos penitentes. Logo, a for­ma deste sacramento deve ser de modo depre­cativo.
 
3. Demais. — É o mesmo absolver do peca­do e perdoá-lo. Ora, só Deus pode perdoar o pecado, que só pode purificar-nos interiormente dele, como diz Agostinho. Logo, parece que só Deus pode absolver do pecado. Portanto, o sa­cerdote não deve dizer - Eu te absolvo, como não diz - Eu te perdôo os pecados.
 
4. Demais. — Assim como o Senhor deu aos discípulos o poder de absolver dos pecados, tam­bém lhes deu o poder de curar as enfermidades, de expulsar os demônios e sanar as doenças. Ora, para curar os enfermos os Apóstolos não pronunciavam as palavras - Eu te curo; mas ­O Senhor Jesus Cristo te cure. Logo, parece que os sacerdotes, recebendo um poder outorgado por Cristo aos Apóstolos, não devem usar da fórmula - Eu te absolvo; mas - Cristo te dê a absol­vição.
 
5. Demais. — Certos, usando desta forma, assim a completam: Eu te absolvo, isto é, eu te declaro absolvido. Ora, isto o sacerdote não o pode fazer, se Deus não lh'o revelar. Por isso, como lemos no Evangelho, antes de Cristo ter dito a Pedro - Tudo o que ligares sobre a terra, etc., disse-lhe: Bem-aventurado és, Simão, filho de João, porque não foi a carne e sangue quem te revelou, mas sim meu Pai, que está nos céus. Logo, parece que o sacerdote, a quem não foi feita revelação, diz presunçosamente - Eu te absolvo mesmo se acrescentar - isto é, te declaro absolvido.
 
Mas, em contrário, assim como o Senhor disse aos discípulos - Ide e ensinai a todas as gentes, batizando-as, etc., assim disse a Pedro: Tudo o que ligares. Ora, o sacerdote, fundado na autoridade daquelas palavras de Cristo, diz - Eu te batizo. Logo, apoiado na mesma autoridade, deve dizer, neste sacramento - Eu te absolvo.
 
SOLUÇÃO. — A perfeição de todo ser se lhe atribui à forma. Ora, como dissemos este sacramento se completa pelas palavras do sacer­dote. Por onde e necessariamente, o concer­nente ao penitente - palavras ou atos, são de certo modo a matéria deste sacramento; e o que faz o sacerdote exerce a função de forma. Ora, como os sacramentos da lei nova realizam o que figuram, segundo dissemos, há de a forma do sacramento significar o que faz o sacramento, em proporção com a matéria sacramental. Por isso, a forma do batismo é - Eu te batizo; e a da confirmação - Eu te assinalo com o sinal da cruz e te confirmo com o crisma da salvação, porque esses sacramentos se consumam pelo uso da matéria. No sacramento da Eucaristia porém, consistente na consagração mesma da ma­téria, é expressa a verdade da consagração, quando o sacerdote diz: Isto é o meu corpo. Mas o sacramento da penitência não consiste na consagração de matéria nenhuma nem no uso de qualquer matéria santificada; mas antes, na remoção da matéria do pecado, enquanto que estes se consideram matéria da penitência, como do sobredito se colhe. Ora, é essa remoção a expressa pelo sacerdote quando diz: Eu te absolvo. Pois, os pecados são uns quase vínculos, segundo aquilo da Escritura: As suas mesmas iniqüidades prendem ao ímpio e é apertado com as ataduras de seus pecados. Por onde é claro que esta é a convenientissima forma deste pe­cado: Eu te absolvo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A fórmula em questão é tirada das próprias pa­lavras que Cristo disse a Pedro: Tudo o que ligares sobre a terra, etc. E dessa fórmula usa a Igreja na absolvição sacramental. Quanto às absolvições dadas em público, não são sacramen­tais, mas antes, umas quase orações ordenadas à remissão dos pecados veniais. Por isso, na ab­solvição sacramental não bastaria dizer - Deus omnipotente se amerceie de ti, ou Deus te dê a absolvição e a remissão, porque com tais pala­vras o sacerdote não significa ser dada a absol­vição, mas pede que o seja. - O sacerdote porém recita, antes da absolvição sacramental, as referidas orações, a fim de não ficar impedido o efeito do sacramento por parte do penitente, cujos atos constituem a matéria deste sacra­mento, mas não, do batismo nem da confirmação.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — As palavras de Leão devem entender-se relativamente à deprecação feita antes da absolvição; mas não excluem a absolvição sacerdotal.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Só Deus, pela sua autoridade, pode desatar do pecado e perdoar os pecados. Os sacerdotes o fazem pelo seu minis­tério; isto é, enquanto as suas palavras operam instrumentalmente neste sacramento, como tam­bém nos outros; pois, a virtude divina é a que obra interiormente em todos os sinais sacramen­tais, quer sejam palavras quer causas, como do sobredito se colhe. Por isso, o Senhor exprimiu uma e outra coisa, quando disse a, Pedro - Tudo o que desatares sobre a terra, etc.; e aos discípulos - Aos que vós perdoardes os pecados, ser-­lhes-ão perdoados. Por isso também o sacerdote diz, antes, - Eu te absolvo, do que - Eu te perdôo os pecados. Porque está mais de acordo com as palavras ditas pelo Senhor, dando o po­der das chaves, em virtude do qual os sacerdotes absolvem. - Mas como o sacerdote absolve na qualidade de ministro, convenientemente se acrescentam palavras concernentes à primária autoridade de Deus, e são: Eu te absolvo em nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo; ou, por virtude da paixão de Cristo; ou, por virtude da paixão de Cristo; ou, por autoridade de Deus, como o expõe Dionísio. Não sendo porém esse acréscimo determinado pelas palavras de Cristo, como no batismo, por isso é deixado ao arbítrio do sacerdote.
 
RESPOSTA À QUARTA. — Aos Apóstolos não foi dado o poder de por si mesmos curarem os en­fermos, mas que estes fossem curados pelas ora­ções deles. Foi-lhes porém conferido o poder de obrar instrumental ou ministerialmente, nos sa­cramentos. Por onde, podem exprimir o seu ato, antes pelas formas sacramentais, que curando doenças. No que nem sempre falam de modo deprecativo, mas às vezes, no indicativo; assim, quando Pedro disse ao coxo - O que tenho isso te dou. Em nome de Jesus Cristo levanta-te e anda.
 
RESPOSTA À QUINTA. — Esta exposição da fór­mula - Eu te absolvo, isto é, te declaro absolvido, é em parte verdadeira, mas não é completa. Porque os sacramentos da Lei Nova não só signi­ficam, mas também realizam o que significam. Por onde, assim como o sacerdote quando batiza alguém, o declara interiormente purificado, por palavras e por atos que não somente significam, mas produzem essa purificação; assim também quando diz - Eu te absolvo, declara o penitente absolvido, não só significativa, mas também efetivamente. - E não o faz como se agisse com incerteza. Pois, assim como os outros sacramen­tos da lei nova produzem por si mesmos um efeito certo, em virtude da paixão de Cristo, em­bora possa ele ficar impedido por quem recebe o sacramento, o mesmo se dá com a penitência. Donde o dizer Agostinho: Não é vergonhosa nem difícil, depois de perpetrado, mas expiado o adultério, a reconciliação dos cônjuges, quando, pelo poder das chaves do reino dos céus, não se tem mais dúvida sobre a remissão dos pecados. Por onde, nem o sacerdote precisa de nenhuma revelação especial, bastando-lhe a revelação ge­ral da fé, pela qual são perdoados os pecados. Por isso se diz ter sido feita a Pedro a revelação da fé. - Seria, pois, mais perfeita a exposição: Eu te absolvo, isto é, dou-te o sacramento da ab­solvição.

 

Art. 2 — Se os pecados são a matéria própria deste sacramento.

 

O segundo discute-se assim. — Parece que os pecados não são a matéria própria deste sacramento.
 
1. — Pois, nos outros sacramentos, a maté­ria é santificada por certas palavras proferidas; e, santificada, produz o efeito do sacramento. Ora, os pecados, contrariando ao efeito do sacramento, que é a graça remitente do pecado, não podem ser santificados. Logo, os pecados não são a matéria própria deste sacramento.
 
2. Demais. — Agostinho diz: Ninguém pode começar vida nova senão arrependendo-se da vida passada. Ora, a vida passada inclui não só os pecados, como também certas penalidades. Logo, os pecados não são a matéria própria da penitência.
 
3. Demais. — Dos pecados, um é o original, outros são mortais e outros, veniais. Ora, o sacramento da penitência não se ordena contra o pecado original, delido pelo batismo; nem con­tra o pecado mortal, perdoado pela confissão do pecador; nem enfim contra o venial, perdoado quando batemos no peito, tomamos água benta ou praticamos atos semelhantes. Logo, os pe­cados não são a matéria própria da penitência.
 
Mas, em contrário, o Apóstolo: Não fizeram penitência da imundície e fornicação e desones­tidade que cometeram.
 
SOLUÇÃO. — Há duas sortes de matéria – a próxima e a remota; assim, a matéria próxima da estátua é o metal; a remota, a água. Ora como dissemos, a matéria próxima deste sacra­mento são os pecados de que se arrepende que confessa e pelos quais satisfaz. Donde se con­clui que a matéria remota da penitência são os pecados, não enquanto queridos intencional­mente, mas enquanto devem ser detestados e delidos.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A objeção colhe, quanto à matéria próxima. do sacramento.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A vida passada e mortal é o objeto da penitência, não em razão da pena, mas, da culpa anexa.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Num certo sentido, a penitência tem como sua matéria todo gênero de pecados; mas não do mesmo modo. - Assim, a matéria própria e principal da penitência é o pecado mortal atual. Própria, porque propria­mente nos penitenciamos do que voluntariamen­te cometemos. Principal, porque este sacramento foi instituído para delir o pecado mortal. - Os pecados veniais constituem matéria pró­pria da penitência, enquanto voluntariamente os praticamos; mas o sacramento não foi instituído para os ter como matéria principal. - Quanto ao pecado original, nem é matéria principal da penitência, pois este sacramento não se ordena principalmente contra ele, mas antes o batismo; nem matéria própria, porque o pecado original não o praticamos por nossa vontade, salvo con­siderando-se como nossa a vontade de Adão, ao modo de falar do Apóstolo, quando diz: No qual todos pecaram. Mas, tomando-se a penitência em sentido lato, pela detestação de atos passa­dos, podemos falar em penitência do pecado original, como o diz Agostinho.

 

Art. 1 — Se a penitência é um sacramento.

 

O primeiro discute-se assim. — Parece que a penitência não é um sacramento.
 
1. — Pois, Gregório (Isidoro) diz e está nas Decretais: Os sacramentos são - o batismo, o crisma, o corpo e o sangue de Cristo; e se chamam sacramentos porque, oculta sob elementos corpóreos, a virtude divina opera invisivelmente a salvação. Ora, tal não se dá com a penitência, porque a virtude divina não obra a salvação, por meio dela, servindo-se de quaisquer elementos corporeos. Logo, a penitência não é um sacra­mento.
 
2. Demais. — Os sacramentos da Igreja são dispensados pelos ministros de Cristo, segundo aquilo do Apóstolo: Os homens devem-nos con­siderar como uns ministros de Cristo, e como uns dispensa dores dos mistérios de Deus. Ora, a pe­nitência não é dispensada pelos ministros de Cristo, mas é inspirada aos homens interiormen­te, por Deus, segundo aquilo da Escritura: De­pois que me converteste, fiz penitência. Logo, parece que a penitência não é um sacramento.
 
3. Demais. — Nos sacramentos, de que já tratamos, temos que distinguir o puro sacramen­to, a realidade e o sacramento, e a simples rea­lidade, como do sobredito resulta. Ora, nada disto há na penitência. Logo, a penitência não é sacramento.
 
Mas, em contrário, como o batismo é conferido para purificar do pecado, assim também a penitência. Por isso Pedro disse a Simão: Faze penitência desta tua maldade. Ora, o batismo é um sacramento, como se estabeleceu. Logo, pela mesma razão, a penitência.
 
SOLUÇÃO. — Como Gregório (Isidoro) diz, no capitulo supra-citado, o sacramento consiste numa cerimônia feita de modo tal, que nela re­cebamos simbolicamente o que devemos receber santamente. Ora, é manifeste que na penitên­cia, o ato praticado tem um significado santo, tanto da parte do pecado penitente, como da parte do sacerdote que absolve. Pois, o pecador penitente, pelo que faz e diz, mostra abandonar o pecado, no seu coração; semelhantemente, o sacerdote, pelo que faz e diz em relação ao pe­nitente, significa a obra de Deus, de remitir os pecados. Por onde, é manifesto que a penitência praticada na Igreja é um sacramento.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­Por coisas corpóreas se entendem, em sentido lato, também os atos exteriores sensíveis, que exercem neste sacramento a mesma função que a água no batismo ou o crisma na confirmação. Ora, devemos considerar que nos sacramentos dispensa dores de uma graça excelente, superior a toda a capacidade dos atos humanos, usa-se de uma certa matéria corpórea externa. Assim no batismo, que dá a plena remissão dos peca­dos, quanto à culpa e quanto à pena; na con­firmação, que confere a plenitude do Espírito Santo; e na extrema-unção, que confere a per­feita saúde espiritual, proveniente da virtude de Cristo, quase como de um principio extrínseco. Por onde, se há atos humanos em tais sacra­mentos, não lhes pertencem à essência, servindo apenas de nos dispor para eles. Nos sacramen­tos porém, que produzem um efeito correspon­dente aos atos humanos, os próprios atos hu­manos sensíveis desempenham o papel de maté­ria; tal o caso da penitência e do matrimônio. Assim como, nos remédios corpóreos, recorremos a certas coisas corpóreas, como os emplastros e os leituários; e a certos atos curativos, como determinados exercícios.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Nos sacramentos que têm matéria corpórea, é necessário seja ela apli­cada pelo ministro da Igreja, representante da pessoa de Cristo, em sinal de que a excelência da virtude, que opera no sacramento, vem de Cristo. Ora, no sacramento da penitência, como dissemos, os atos humanos desempenham o papel de matéria, provenientes de uma inspira­ção interna. Por isso, a matéria não é aplicada pelo ministro, mas por Deus, que age interiormente; o ministro dá somente o complemento do sacramento, absolvendo o penitente.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Também na peni­tência podemos distinguir o que é só sacramen­to, a saber, os atos praticados tanto pelo pe­cador penitente, como também pelo sacerdote absolvente. A realidade e o sacramento é a pe­nitência interna do pecador. Só realidade, e não sacramento é a remissão dos pecados. Desses elementos, o primeiro, tomado total e simulta­neamente, é a causa do segundo; e o primeiro com o segundo são a causa do terceiro.

 

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