Category: Santo Tomás de Aquino
(III Sent., dist. XXIII, q. 1, a. 2, ad 3; II Cont. Gent., cap. LXXV; De Verit., q. 10, a. 9; II De Anima, lect VI).
O terceiro discute-se assim. ― Parece que o nosso intelecto não conhece o ato próprio.
1. ― Pois, é propriamente conhecido o que é objeto da virtude cognoscitiva. Ora, o ato difere do objeto. Logo, o intelecto não conhece o ato próprio.
2. Demais. ― Tudo o que é conhecido o é por algum ato. Ora, se o intelecto conhece o ato próprio, por algum ato o conhece; e, de novo, esse ato, por outro. Donde, há-se de proceder até o infinito, o que é impossível.
3. Demais. ― O sentido está para o seu ato, como o intelecto para o seu. Ora, o sentido próprio não sente o seu ato, pois isso pertence ao sentido comum, como já se disse. Logo, nem o intelecto intelige o seu ato.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Intelijo-me como inteligente.
Solução. ― Como já ficou dito (a. 1, 2), só se conhece aquilo que é atual. Ora, a perfeição última do intelecto é a sua operação. Esta operação, porém, não é ao modo da ação tendente para uma coisa exterior, como p. ex., a edificação é a perfeição da coisa edificada; mas permanece no operante, como perfeição e ato deste, segundo já se disse. Por onde, isto é que primeiro é inteligido, do intelecto, a saber, o seu próprio inteligir. ― Mas, nesta intelecção, os diversos intelectos se comportam diversamente. ― Assim, há um intelecto, o divino, que é o seu próprio inteligir. Por onde, Deus, inteligindo-se como inteligente, intelige a sua essência, pois esta é o seu inteligir. ― Há, porém, outro intelecto, o angélico, que não é o inteligir próprio, como já se disse (q. 76, a. 1); todavia, o primeiro objeto do inteligir do anjo é a própria essência dele. Por onde, embora no anjo se distinga, pela razão, o inteligir-se a si próprio, do inteligir a sua essência, contudo, ele intelige uma e outra coisa por um mesmo ato simultâneo. Porque, inteligir a sua essência é a perfeição própria desta; mas, por um mesmo ato simultâneo é inteligida a coisa, com a sua perfeição. ― Há, por fim, outro intelecto, o humano, que nem é o inteligir próprio, nem do seu inteligir é o objeto primeiro a essência própria, mas, algo de extrínseco, que é a natureza material da coisa. Por onde, o que é primariamente conhecido pelo intelecto humano é um objeto tal; secundariamente, é conhecido o ato mesmo pelo qual é conhecido o objeto; e, pelo ato, é conhecido o intelecto, em si, cuja perfeição é o inteligir. E, por isso, o Filósofo diz, que os objetos são conhecidos antes dos atos; e os atos, antes das potências.
Donde a resposta à primeira objeção. ― O objeto do intelecto é algo de comum, a saber, o ser e a verdade, no que está também compreendido o ato mesmo de inteligir. Por onde, o intelecto pode conhecer o ato próprio, mas não primariamente. Porque o primeiro objeto do nosso intelecto, no estado da vida presente, não é qualquer ser e qualquer verdade, mas o ser e a verdade considerados nas coisas materiais, como já se disse (q. 84, a. 7); e por eles é que o intelecto chega ao conhecimento de todas as outras coisas.
Resposta à segunda. ― O inteligir humano, em si, não é o ato e a perfeição da natureza inteligida, de modo que possa, por um só ato, ser inteligida a natureza da coisa material e o inteligir mesmo, assim como, por um só ato, é inteligida a coisa com a sua perfeição. Por onde, um é o ato pelo qual o intelecto intelige uma pedra e outro, o pelo qual se intelige como inteligindo a pedra, e assim por diante. Nem há inconveniente em que o intelecto seja potencialmente infinito, como antes já se disse (q. 86, a. 2).
Resposta à terceira. ― O sentido próprio sente por meio da imutação do órgão material pelo sensível exterior. Ora, não é possível que algo de material se imute a si mesmo; mas uma coisa é imutada por outra. Por onde, o ato do sentido próprio é percebido pelo sentido comum. Ora, como o nosso intelecto não intelige por imutação material do órgão, não há símile.
(III Sent., dist. XXIII, q. 1, a. 2; De Verit., q. 10, a. 9; Quold. VIII, q. 2, a. 2).
O segundo discute-se assim. ― Parece que o nosso intelecto conhece os hábitos da alma pela essência deles.
1. ― Pois, diz Agostinho, A fé não se manifesta no coração em que ela está, como se manifesta a alma de um homem, pelos movimentos do corpo; mas é possuída com ciência certíssima e proclamada pela consciência. E o mesmo se dá com os outros hábitos da alma. Logo, os hábitos da alma não são conhecidos pelos atos, mas por si mesmos.
2. Demais. ― As coisas materiais exteriores à alma são conhecidas pelas semelhanças delas, que nela estão presencialmente; e por isso se diz que são conhecidas pelas suas semelhanças. Ora, os hábitos da alma estão nela, presencialmente, pela sua essência. Logo, são conhecidos pela sua essência.
3. Demais. ― O que faz com que uma coisa seja o que é, tem, primariamente, as qualidades desta. Ora, as coisas externas são conhecidas da alma pelos hábitos e espécies inteligíveis. Logo, estes são, em si mesmos, mais conhecidos da alma.
Mas, em contrário. ― Os hábitos são os princípios, tanto dos atos como das potências. Mas, como já ficou dito, os atos e as operações são, pela razão, anteriores às potências. Logo, pela mesma razão, são anteriores aos hábitos. E assim, tanto os hábitos como as potências são conhecidos pelos atos.
Solução. ― O hábito, de certo modo, é o meio entre a potência pura e o ato puro. Pois, como já se disse (a. 1), só o atual é conhecido. Donde, na medida em que o hábito é deficiente, quanto ao ato perfeito, nessa mesma o é quanto a ser cognoscível por si mesmo. Mas é necessário que seja conhecido pelo seu ato, ou porque alguém percebe que tem um hábito, percebendo que produz um ato próprio desse hábito; ou porque inquire a natureza e a essência do hábito, pela consideração do ato. Ora, aquele modo de conhecer o hábito dá-se pela presença mesma dele, pois, é por esta causa do ato, pelo qual é imediatamente percebido. Ao passo que este dá-se pela perquirição atenta, como antes já se disse, a respeito da alma (a. 1).
Donde a resposta à primeira objeção. ― Embora a fé não seja conhecida pelos movimentos exteriores do corpo, é, todavia, percebida, por aquele em quem existe, também pelo ato interior do coração. Pois, ninguém tem consciência de ter fé, senão porque tem a percepção de que crê.
Resposta à segunda. ― Os hábitos estão presentes ao nosso intelecto, não como objetos dele, porque o objeto do nosso intelecto, no estado da vida presente, é a natureza da coisa material, como antes já se disse (q. 84, a. 7); mas estão presentes ao intelecto, como o meio pelo qual o intelecto intelige.
Resposta à terceira. ― O dito ― o que jaz uma coisa ser o que é, tem, primariamente as qualidades desta, é verdadeiro quando entendido de coisas pertencentes a uma mesma ordem, como no mesmo gênero de causa; assim, quando se diz que a saúde é desejável por causa da vida, resulta que esta é ainda mais desejável. Não é, porém, verdadeiro, entendido de coisas de ordens diversas; assim, se se disser que a saúde é desejável por causa do remédio, daí não se segue que este seja ainda mais desejável, porque a saúde pertence à ordem dos fins, ao passo que o remédio, à das causas eficientes. Assim, pois, de duas coisas pertencentes, em si, à ordem dos objetos do conhecimento, mais conhecida será a pela qual a outra é conhecida; como os princípios, mais que as conclusões. Ora, o hábito, como tal, não pertence à ordem dos objetos; nem é o objeto conhecido pelo qual certas coisas sejam conhecida, mas sim, a disposição ou forma pela qual o conhecente conhece. E, portanto, a objeção não colhe.
(Supra, q. 14, a. 2, ad 3; II Cont. Gent., cap. LXXV; III, cap. XLVI; De Verit., q. 8, a. 6; q. 10, a. 8; Qu. De Anima, a. 16, ad 8; II De Anima, lect. VI; III, lect. IX).
O primeiro discute-se assim. ― Parece que a alma intelectiva se conhece a si mesma, pela sua essência.
1. ― Pois diz Agostinho, que a mente incorpórea conhece a si mesma por si mesma.
2. Demais. ― O anjo e a alma humana convêm no gênero da substância intelectual comum. Ora, o anjo se intelige a si mesmo, pela sua essência. Logo, também a alma humana.
3. Demais. ― No que não há matéria, o intelecto se identifica com o que é inteligido, como diz Aristóteles. Ora, a alma humana, não sendo ato de nenhum corpo (q. 76, a. 1), não tem matéria. Logo, nessa alma, o intelecto se identifica com o que é inteligido; e, portanto, ela se intelige pela sua essência.
Mas, em contrário, como diz Aristóteles, o intelecto se intelige tanto a si mesmo como às outras coisas. Ora, estas ele as intelige, não pela essência, mas pelas semelhanças delas. Logo, também não se intelige a si, pela sua essência.
Solução. ― É cognoscível o que é atual e não o que é potencial, como diz Aristóteles; assim, um ser conhecido é ente e verdadeiro, enquanto atual. O que manifestamente se vê, nas coisas sensíveis; pois, a vista não percebe o colorido potencial, mas só o atual. E, semelhantemente, é manifesto que o intelecto, como cognoscitivo das coisas materiais, só conhece o que é atual; donde vem que não conhece a matéria prima, senão enquanto esta tem proporção com a forma, como diz Aristóteles. Por onde, as substâncias imateriais, na medida em que são atualizadas pela essência própria, nessa mesma são inteligíveis por essa essência.
Ora, a essência de Deus; que é ato puro e perfeito, é, em si e perfeitamente, por si mesma inteligível. Por onde, Deus, pela sua essência, intelige, não só a si mesmo, como a todas as causas. ― A essência do anjo, porém, pertence ao gêneros dos inteligíveis, como ato que é, mas não como ato puro e completo. Por onde, o inteligir angélico não é completo, pela essência do anjo; pois embora este se intelija a si mesmo, pela sua essência, contudo não pode conhecer tudo, por essa mesma essência; mas conhece as coisas diferentes de si pelas semelhanças delas. ― Ao passo que o intelecto humano se comporta, no gênero das coisas inteligíveis, somente como ser potencial, assim como a matéria prima se comporta no gênero das coisas sensíveis; e, por isso ele se chama possível. Assim, pois, considerado na sua essência, comporta-se como potência inteligente. Por onde, tem, de si mesmo, virtude para inteligir, não, porém, para ser inteligido, senão quando se atualiza. E assim, até os próprios Platônicos admitiam a ordem dos entes inteligíveis como superior à dos intelectos; porque, o intelecto não intelige senão pela participação do inteligível; ora, o que participa é inferior ao que é participado, na opinião deles.
Se, pois, o intelecto humano se atualizasse por participação das formas inteligíveis separadas, como ensinavam os Platônicos, por uma tal participação das coisas incorpóreas o intelecto humano se inteligiria a si mesmo. Ora, como é conatural ao nosso intelecto, no estado da vida presente, referir-se às coisas materiais e sensíveis, como se disse antes (q. 84, a. 7), é conseqüente que ele se intelija a si mesmo, na medida em que é atualizado pelas espécies abstraídas das coisas sensíveis, pela luz do intelecto agente, que é o ato dos próprios inteligíveis e, mediante estes, ato do intelecto possível. Logo, não é pela sua essência, mas pelo seu ato, que o nosso intelecto se conhece a si mesmo. E isto, de dois modos. ― Particularmente, enquanto Sócrates ou Platão percebe a si mesmo como tendo uma alma intelectiva, porque percebe o inteligir próprio. ― De outro modo, universalmente, enquanto consideramos a natureza da mente humana, pelo ato do intelecto.
É verdade, porém, que o juízo e a eficácia deste conhecimento, pelo qual conhecemos a natureza da alma, compete-nos pela derivação da luz do nosso intelecto, da verdade divina, na qual se contêm as razões de todas as coisas, como antes se disse (q. 84, a. 5). Por onde, Agostinho diz: Contemplamos a verdade inviolável, pela qual, tão perfeitamente quanto podemos, definimos, não qual seja a mente de cada homem, mas qual deva ser, pelas razões sempiternas.
Ora, há diferença entre estes dois conhecimentos. ― Pois, para se ter o primeiro conhecimento da alma, basta a presença mesma desta, que é o princípio do ato, pelo qual a alma se percebe a si mesma. ― Mas, para ter da alma o segundo conhecimento, não basta a presença da mesma, mas requer-se diligente e sutil inquisição. Donde vem que muitos ignoram a natureza da alma, e muitos erraram também sobre a natureza dela. Pelo que Agostinho diz, falando de tal inquisição da alma: Que a alma não procure considerar-se como ausente, mas cure de se discernir como presente, i. é., conhecer a sua diferença, das outras coisas, o que é conhecer a sua qüididade e natureza.
Donde a resposta à primeira objeção. ― A alma se conhece a si mesma por si mesma, porque, afinal, chega ao conhecimento de si mesma, embora por ato seu. Pois, é ela mesma que é conhecida, porque se ama a si mesma, como no mesmo passo citado se acrescenta. Uma coisa, porém, pode ser considerada como conhecida por si mesma, de dois modos: porque lhe adquirimos o conhecimento sem ser pelo intermédio de nenhuma outra e, assim, é que se consideram os primeiros princípios conhecidos por si mesmos; ou porque não é cognoscível por acidente, como a cor é visível por si e a substância, por acidente.
Resposta à segunda. ― A essência do anjo está, como ato, no gênero dos inteligíveis; e portanto, se comporta como intelecto e como causa inteligida. Por onde, o anjo apreende a sua essência, por si mesmo. Não porém o intelecto humano, que, ou é absolutamente potencial, em relação aos inteligíveis, como intelecto possível; ou é o ato dos inteligíveis abstratos dos fantasmas, como intelecto agente.
Resposta à terceira. ― O passo citado do Filósofo é, universalmente, verdadeiro de todo intelecto. Pois, assim como o sentido em ato é o sensível em ato, por causa da semelhança do sensível, que é a forma do sentido em ato; assim o intelecto em ato é a coisa inteligida em ato, por causa da semelhança da coisa inteligida que é a forma do intelecto em ato. Por onde, o intelecto humano, atualizado pela espécie da coisa inteligida, é inteligido pela mesma espécie, como pela sua forma. Pois, dizer que, nos seres que não têm matéria, o intelecto é idêntico ao inteligido, é o mesmo que dizer que, nas coisas inteligidas em ato, o intelecto é idêntico ao que é inteligido. Porquanto, o que é inteligido em ato não tem matéria. Mas a diferença está em que as essências de certos seres não têm matéria; assim, as substâncias separadas, a que chamamos anjos, das quais cada uma tanto é inteligida como inteligente. Há porém certas coisas das quais as essências não são sem matéria, mas só as semelhanças abstratas delas. Por onde diz o Comentador, que a proposição induzida só é verdadeira das substâncias separadas; verifica-se de certo modo, nelas, o que não se verifica em outros seres, como já se disse.
Em seguida deve-se considerar como a alma intelectiva se conhece a si mesma e àquilo que nela existe.
E, sobre estes pontos, quatro artigos se discutem:
O primeiro discute-se assim. — Parece que o intelecto dos demônios ficou entenebrecido pela privação do conhecimento de toda verdade.
1. — Pois, se conhecesse alguma verdade, conheceriam sobretudo a si mesmos, o que seria conhecerem substâncias separadas. Ora, isto não lhes conviria à miséria, pois, é própria de uma grande beatitude; a ponto que alguns ensinaram ser a felicidade última do homem o conhecimento das substâncias separadas. Logo, os demônios estão privados de todo conhecimento da verdade.
2. Demais. — O que por natureza é manifesto, em máximo grau, parece ser, em máximo grau, manifesto aos anjos, bons ou maus. E se não nos é a nós, nesse mesmo grau, isso provém da debilidade do nosso intelecto que recebe os dados dos fantasmas; assim como, por debilidade dos olhos a coruja não pode ver a luz do sol. Ora, os demônios não podem conhecer a Deus, manifestíssimo em si mesmo, pois é a suma das verdades, porque não têm o coração puro, que só pode ver a Deus. Logo, também não podem ter conhecimento dos outros objetos.
3. Demais. — O conhecimento angélico das coisas é duplo, segundo Agostinho: o matutino e o vespertino. Ora, aquele não compete aos demônios, porque não vêm as coisas no Verbo. Nem também o vespertino, que refere as coisas conhecidas ao louvor do Criador; donde o vir a ser tarde depois da manhã, como diz a Escritura. Logo, os demônios não podem ter conhecimento das coisas.
4. Demais. — Os anjos, no seu conhecimento, conheceram o mistério do reino de Deus, como diz Agostinho. Ora, os demônios estão privados desse conhecimento, pois, se eles o conhecessem nunca sacrificariam o Senhor da glória, como diz a Escritura. Logo, pela mesma razão, estão privados de qualquer outro conhecimento da verdade.
5. Demais. — Quem conhece qualquer verdade, ou a conhece naturalmente, como conhecemos os primeiros princípios; ou pela receber de outrem, como o que sabemos aprendendo; ou pela experiência de um longo tempo, como o que sabemos pelo ter descoberto. Ora, os demônios não podem, pela própria natureza, conhecer a verdade, porque deles estão separados os bons anjos, como a luz das trevas, segundo diz Agostinho; e toda manifestação se faz pela luz, na expressão da Escritura. Semelhantemente, nem pela revelação; nem por aprender dos bons anjos, pois, não há comércio entre a luz e as trevas, como diz a Escritura. Nem pela experiência de longo tempo, porque esta nasce dos sentidos. Logo, os demônios não têm nenhum conhecimento da verdade.
Mas, em contrário, diz Dionísio que, dados aos demônios os dons angélicos, nós de nenhum modo os consideramos mudados, permanecendo íntegros e esplendíssimos. Ora, entre esses dons naturais está o conhecimento da verdade. Logo, eles têm algum conhecimento desta.
Solução. — Há um duplo conhecimento da verdade: o obtido pela natureza e o pela graça. Sendo este último, também duplo: um é somente especulativo, quando, p. ex., são revelados a algumas pessoas certos segredos divinos; outro, porém, é afetivo, produz o amor de Deus e pertence propriamente ao dom da sabedoria. — Ora, destas três formas de conhecimento, a primeira nem foi suprimida nem diminuída nos demônios. Pois, resulta da própria natureza angélica, que é naturalmente inteligência ou mente. Por isso, por causa da simplicidade da substância, essa natureza de nada pode ser privada, de maneira a ser punida pela privação dos dons naturais, como o homem o é pela privação da mão, do pé ou de outro qualquer membro. Por onde diz Dionísio (loc. cit) que os dons naturais permanecem íntegros, nos demônios e, por isso o conhecimento natural não se lhes diminuiu. — Porém, a segunda forma de conhecimento, a que se obtém pela graça e consiste na especulação, não lhes tendo sido tirada, foi-lhes contudo diminuída. Porque, dos segredos divinos é-lhes revelado somente o necessário, ou mediante os anjos, ou por alguns efeitos temporais da divina virtude, como diz Agostinho. Não, porém, como o é aos próprios santos anjos, aos quais mais claramente mais coisas são reveladas no Verbo mesmo. — Mas, da terceira forma de conhecimento eles são totalmente privados, bem como da caridade.
Donde a resposta à primeira objeção. — A felicidade consiste na aplicação ao que nos é superior. Ora, as substâncias separadas são-nos superiores, na ordem da natureza; por isso, pode haver uma certa razão de felicidade para o homem em as conhecer, embora a felicidade perfeita dele esteja em conhecer a substância primeira, Deus. Mas às substâncias separadas é-lhes conatural mutuamente se conhecerem, assim como é a nós conhecer as naturezas sensíveis. Por onde, assim como a felicidade do homem não consiste em conhecer estas naturezas, assim a dos anjos não consiste em mutuamente se conhecerem.
Resposta à segunda. — O que é manifestíssimo, por natureza, é-nos oculto como excedente à capacidade do nosso intelecto e não só porque este receba os dados, dos fantasmas. Ora, a substância divina excede não só a capacidade do intelecto humano, mas também a do angélico. Por onde, nem o próprio anjo, pela sua natureza, pode conhecer a substância de Deus. Contudo pode, pela sua natureza, ter de Deus um conhecimento mais elevado que o homem, por causa da perfeição do seu intelecto. E um tal conhecimento de Deus permanece também nos demônios; pois, embora não tenham a pureza, que vem da graça, têm, todavia, a pureza natural, suficiente para o conhecimento natural que têm de Deus.
Resposta à terceira. — A criatura é treva, comparada com a excelência da luz divina. E por isso, o conhecimento próprio à criatura, na sua natureza própria, se chama vespertino, porque a tarde vai de mistura com as trevas, se bem tenha alguma luz; quando, porém, esta faltar totalmente, faz-se a noite. Assim, pois, também o conhecimento das coisas, em a natureza própria delas, quando for referido ao louvor do Criador, como se dá com os bons anjos, tem algo da luz divina e pode chamar-se vespertino; se, porém, não se referir a Deus, como se dá com os demônios, não se chama vespertino, mas noturno. Por isso, se lê na Escritura que Deus chamou noite às trevas, que separou da luz.
Resposta à quarta. — O mistério do reino de Deus, realizado por Cristo, certamente todos os anjos o conheceram, desde o princípio, de algum modo; sobretudo desde que foram beatificados pela visão do Verbo, que os demônios nunca tiveram. Mas, todos os anjos não o conheceram, nem perfeita nem igualmente. Por onde, muito menos os demônios conheceram perfeitamente o mistério da Incarnação, durante a existência de Cristo, no mundo. Pois, como diz Agostinho, não lhes foi dado a conhecer, como aos santos anjos, que fruem da eternidade participada do Verbo; mas lhes foi, por certos efeitos temporais, como para os aterrar. Porque, se perfeitamente e com certeza tivessem sabido ser Cristo o Filho de Deus e tivessem conhecido o efeito da sua Paixão, nunca teriam tentado crucificar o Senhor da glória.
Resposta à quinta. — De três modos os demônios conhecem qualquer verdade. — Primeiro, pela sutileza de sua natureza; pois, embora entenebrecidos pela privação da luz da graça, são todavia lúcidos pela luz da natureza intelectual. — Segundo, pela revelação aos santos anjos, com os quais, embora não convenham pela conformidade da vontade, convém, contudo, pela semelhança da natureza intelectual, podendo, por essa natureza, receber o que por outros for manifestado. — Terceiro, conhecem pela experiência de um longo tempo, embora não a adquiram pelos sentidos, mas como pelas coisas singulares se completa a semelhança da espécie inteligível que lhes é naturalmente infusa, conhecem certas coisas presentes, que não conheciam enquanto ainda eram futuras, como já se disse antes, ao tratar do conhecimento dos anjos.
Conseqüentemente devemos tratar da pena dos demônios. E sobre este ponto quatro artigos se discutem:
(Supra, q. 57, a. 3; IIª IIae, q. 95, a. 1; q. 172, a. 1; I Sent., dist. XXXVIII, a. 5, ad; II, dist. VII, q. 2, a. 2; III Cont. Gent., cap. CLIV; De Verit. Q. 8, a. 12; De Malo, q. 16, a. 7; Compend. Theol., cap. CXXXIII; In Isai., cap. III).
O quarto discute-se assim. ― Parece que o nosso intelecto conhece as coisas futuras.
1. ― Pois, o nosso intelecto conhece pelas espécies inteligíveis, que abstrai das condições particulares de lugar e tempo; e por isso elas se referem indiferentemente a todos os tempos. Ora, ele pode conhecer o presente. Logo, também as coisas futuras.
2. Demais. ― O homem, mesmo quando privado dos sentidos, pode conhecer certos futuros, como é patente nos adormecidos e nos frenéticos. Ora, essa privação dos sentidos dá maior vigor à inteligência. Logo, o intelecto, por si mesmo, pode conhecer as coisas futuras.
3. Demais. ― O conhecimento intelectivo do homem é mais eficaz do que qualquer conhecimento dos brutos. Ora, certos animais prevêem certos futuros; assim, as gralhas pequenas, freqüentemente crocitando, anunciam a chuva que em breve virá. Logo, com maioria de razão, o intelecto humano pode conhecer as coisas futuras.
Mas, em contrário, diz a Escritura (Ecle 8, 6-7): É muita a aflição do homem, porque ignora as coisas passadas, e por nenhum mensageiro pode saber as futuras.
Solução. ― Sobre o conhecimento dos futuros deve-se distinguir, do mesmo modo que sobre o dos contingentes. Pois, os futuros, enquanto sujeitos ao tempo, são singulares, que o intelecto humano não conhece senão pela reflexão, como já se disse antes (a. 1). Porém, as noções dos futuros podem ser universais e perceptíveis pelo intelecto, de modo que se pode ter ciência delas. Para tratarmos, porém, completamente do conhecimento dos futuros, deve-se saber que podem ser conhecidos de duplo modo: em si mesmos e nas suas causas. Em si mesmos, só podem ser conhecidos por Deus, a quem estão presentes, quando ainda são futuros, no decurso das causas; pois o olhar eterno de Deus domina, simultaneamente, todo o decurso do tempo como já se disse antes (q. 14, a. 13), quando se tratou da ciência de Deus. Mas, nas suas causas, podem ser conhecidos também de nós. E se provêm das causas necessariamente, são conhecidos com a certeza da ciência; assim, o astrólogo conhece o eclipse futuro. Se porém provêm das causas, no mais das vezes, então podem ser conhecidos por conjectura mais ou menos certa, conforme as causas forem mais ou menos inclinadas para os efeitos.
Donde a resposta à primeira objeção. ― A objeção procede, quanto ao conhecimento por meio das noções universais das coisas; pelas quais os futuros podem ser conhecidos segundo a dependência do efeito em relação à causa.
Resposta à segunda. ― Como diz Agostinho, a alma recebe uma certa colaboração do acaso de modo que, por sua natureza pode conhecer os futuros. Assim, quando se retrai dos sentidos corpóreos e, de certo modo, volta-se para si mesma, torna-se participante do conhecimento dos futuros. Tal opinião seria racional se admitíssemos que a alma adquire o conhecimento das causas pela participação das idéias, como ensinavam os Platônicos; porque então, ela conheceria, por natureza, as causas universais de todos os efeitos, mas ficaria impedida pelo corpo; de modo que, uma vez separada dos sentidos, conheceria os futuros. Ora, este modo de conhecer não é conatural ao nosso intelecto, que tira dos sentidos os elementos do seu conhecimentos. Por onde, não é por natureza que a alma, quando separada dos sentidos, conhece os futuros; mas é, antes, pela impressão de certas causas superiores espirituais e corporais. ― Espirituais, como quando, pelo ministério dos anjos, com a virtude divina, o intelecto humano é iluminado e os fantasmas são ordenados ao conhecimento de certos futuros. Ou também quando, por operação dos demônios produz-se uma comoção na fantasia, designando de antemão certos futuros, que os demônios conhecem, como já se disse antes (q. 57, a. 3). Ora, essas impressões das causas espirituais a alma pode naturalmente recebê-las, sobretudo quando separada dos sentidos; porque, então, se torna mais próxima das substâncias espirituais e mais livre das agitações exteriores. ― Mas também o fato pode sedar pela impressão das causas superiores corporais; pois, é manifesto que os corpos superiores causam impressão nos inferiores. Por onde, como as virtudes sensitivas são atos dos órgãos corpóreos, é conseqüente que a impressão dos corpos celestes cause, de certo modo, imutação na fantasia. E por isso, sendo os corpos celestes causa de muitos futuros, produzem-se na imaginação sinais de certos deles. E tais sinais são percebidos mais de noite, pelos que dormem, do que de dia, pelos que estão acordados; porque, como diz Aristóteles, as coisas transmitidas de dia dissipam-se facilmente; ao passo que o ar da noite é tranqüilo porque as noites são mais silenciosas. E despertam o sentido, no corpo, por causa do sono; pois, os pequenos movimentos interiores são sentidos mais pelos adormecidos do que pelos acordados. Ora, esses movimentos produzem os fantasmas, pelos quais são previstos os futuros.
Resposta à terceira. ― Os brutos nada têm, acima da fantasia, que ordene os fantasmas, como os homens, que têm a razão; e por isso, a fantasia dos brutos é conseqüente, totalmente, à impressão celeste. Por onde, pelos movimentos deles podem-se conhecer certos futuros, como a chuva e outros, mais do que pelo movimento dos homens, que se movem pelo conselho da razão. E por isso diz o Filósofo: há certos homens imprudentíssimos que são previdentes em sumo grau; porque a inteligência deles não é trabalhada de cuidados; mas, deserta e vazia de tudo é, quando movida, como que levada pelo motor.
(De Verit., 9 isto é, q. 15, a. 2, ad 3; VI Ethic., lect. 1).
O terceiro discute-se assim. ― Parece que o intelecto não conhece os contingentes.
1. ― Pois, como diz Aristóteles, o intelecto, a sapiência e a ciência não se ocupam com coisas contingentes, mas necessárias.
2. Demais. ― Como diz Aristóteles, coisas que ora existem e ora não existem são mensuradas pelo tempo. Ora, o intelecto faz abstração do tempo, como das outras condições materiais. Ora, como o próprio das coisas contingentes é, ora, existir e ora, não existir, resulta que tais coisas não são conhecidas pelo intelecto.
Mas, em contrário. ― Toda ciência está no intelecto. Ora, há certas ciências que se ocupam com os contingentes, como as ciências morais, que têm por objeto os atos humanos sujeitos ao livre arbítrio; e também as ciências naturais, quanto à parte que trata dos seres susceptíveis de geração e corrupção. Logo, o intelecto conhece os contingentes.
Solução. ― De dois modos podem-se considerar as coisas contingentes: enquanto contingentes e enquanto têm algo de necessário, pois nada há de tal modo contingente, que nada tenha em si de necessário. Como o fato mesmo de Sócrates correr é, em si, contingente; mas a dependência da corrida, em relação ao movimento, é necessária, pois é necessário que Sócrates se mova, se corre.
Ora, é pela matéria que um ser é contingente; pois, é contingente o que pode ser e não ser, e a potência pertence à matéria. Ao passo que a necessidade é resultante da essência da forma; pois, as coisas conseqüentes à forma existem necessariamente. A matéria, porém, é o principio da individuação. Ora, a noção do universal é apreendida, abstraindo a forma, da matéria particular. Pois, como já se disse antes (a. 1), o intelecto, por si e diretamente, busca o universal; o sentido, porém, o singular, embora, indiretamente este também seja apreendido pelo intelecto, de certo modo, corno ficou dito antes (Ibid). Por onde, os contingentes, corno tais, são conhecidos diretamente pelo sentidos e, indiretamente, pelo intelecto; porém as noções universais e necessárias dos contingentes são conhecidas pelo intelecto.
Por onde, se se atender às noções universais das coisas que se podem saber, todas as ciências se ocupam com o necessário. Se se atender, porém, às coisas mesmo, então há certas ciências que buscam o necessário e outras, o contingente.
Donde se deduzem as respostas às objeções.
(De Verit., q. 2, art. 9; Compend. Theol., cap. CXXXIII).
O segundo discute-se assim. ― Parece que o nosso intelecto pode conhecer infinitas coisas.
1. ― Pois, Deus excede toda a infinidade de todos os seres. Ora, o nosso intelecto pode conhecê-lo, como já se disse (q. 12). Logo, com maior razão, pode conhecer infinitas outras coisas.
2. Demais. ― É natural ao nosso intelecto conhecer os gêneros e as espécies. Mas, de certos gêneros são infinitas as espécies, como os números, as proposições e as figuras. Logo, o nosso intelecto pode conhecer infinitas coisas.
3. Demais. ― Se um corpo não impedisse outro de existir num mesmo lugar, nada impediria existirem infinitos corpos num mesmo lugar. Ora, uma espécie inteligível não impede outra de existir simultaneamente no mesmo intelecto, pois, é possível saberem-se muitas coisas habitualmente. Logo, nada impede que o nosso intelecto tenha, habitualmente, ciência de infinitas coisas.
4. Demais. ― O intelecto, não sendo virtude da matéria corpórea, como já se viu (q. 76, a. 1), é potência infinita. Ora, uma virtude infinita pode se referir ao infinito. Logo, o nosso intelecto pode conhecer infinitas coisas.
Mas, em contrário, diz Aristóteles: o infinito, como tal é desconhecido.
Solução. ― Sendo a potência proporcionada ao seu objeto, necessário é que o intelecto esteja para o infinito, na mesma relação em que está o seu objeto, que é a qüididade da coisa material. Ora, nas coisas materiais, não há infinito atual, mas só potencial, enquanto que uma coisa sucede à outra, como diz Aristóteles. Por onde, em o nosso intelecto há o infinito potencial, enquanto ele apreende uma coisa depois de outra; pois, o nosso intelecto nunca intelige tantas coisas de modo que não possa inteligir mais. Ora, nem atual nem habitualmente o nosso intelecto pode inteligir infinitas coisas. ― Atualmente não, porque não pode conhecer simultaneamente em ato senão o que conhece por uma espécie. Ora, o infinito não tem uma só espécie; do contrário teria a essência de todo e de perfeito. Por onde, não pode ser inteligido senão apreendendo-se lhe uma parte depois de outra, como resulta da sua definição em Aristóteles. Pois o infinito é aquilo de que se pode apreender uma quantidade, restando sempre alguma coisa mais a apreender. De modo que o infinito não poderia ser conhecido atualmente, sem que se lhe enumerassem todas as partes, o que é impossível. ― E pela mesma razão, não podemos inteligir infinitas coisas, habitualmente. Pois, em nós, o conhecimento habitual é causado pela consideração atual. Assim que, inteligindo, tornamo-nos cientes, como diz Aristóteles. Por onde, não poderíamos ter o conhecimento distinto habitual de coisas infinitas, sem que considerássemos todas elas, enumerando-as pela sucessão do conhecimento, o que é impossível. ― E assim, nem atual nem potencialmente o nosso intelecto pode conhecer causas infinitas; mas só potencialmente, como já se disse.
Donde a resposta à primeira objeção. ― Como já ficou estabelecido antes (q. 7, a. 1), diz-se que Deus é infinito, como forma não determinada por qualquer matéria. Ao passo que, nas coisas materiais, diz-se infinita a que tem privação da determinação formal. E como a forma é conhecida em si, ao passo que a matéria sem a forma é desconhecida, daí vem que o infinito material é, em si, desconhecido. Porém o infinito formal, que é Deus, é conhecido em si mesmo; desconhecido, porém, para nós, pela deficiência do nosso intelecto que, no estado da vida presente, tem aptidão natural para conhecer as coisas materiais. E portanto, na vida presente, não podemos conhecer a Deus, senão pelos efeitos materiais. Na vida futura, porém, será eliminada, pela glória, a deficiência do nosso intelecto. E então, poderemos ver o próprio Deus, na sua essência, sem que, todavia, o compreendamos.
Resposta à segunda. ― É natural ao nosso intelecto conhecer as espécies pela abstração dos fantasmas. Por onde, as espécies dos números e das figuras, quem não as imaginou, não as pode conhecer, nem atual nem habitualmente; salvo, talvez, genericamente e pelos princípios universais, o que é conhecer potencial e confusamente.
Resposta à terceira. ― Se dois ou muitos corpos estivessem num lugar, não seria necessário que entrassem nesse lugar, sucessivamente, de modo que pela sucessão mesma desse fato esses corpos localizados fossem enumerados. Ora, as espécies inteligíveis entram em o nosso intelecto sucessivamente, porque muitas, simultaneamente, não podem ser inteligidas. Por onde, necessariamente, em o nosso intelecto estão espécies enumeradas e não infinitas.
Resposta à quarta. ― Sendo infinito pela virtude, o nosso intelecto conhece o infinito. E a sua virtude é infinita por que não é determinada pela matéria corpórea. E, sendo capaz de conhecer o universal, abstrato da matéria individual, não fica conseqüentemente limitado a um indivíduo, mas, em si mesmo, se aplica a infinitos indivíduos.
(II Sent., dist. III, q. 3, a. 3, ad 1; IV, dist. L, q. 1, a. 3; I Cont. Gent., cap. LXV; De Verit., q. 2, a. 5, 6; q. 10, a. 5; Qu. De Anima, a. 20; Quodl, VII, q. 1, a. 3; XII, q. 8; Opusc. XXIX, De Princip. Individ.: III De Anima Lect. VIII).
O primeiro discute-se assim. ― Parece que o intelecto conhece o singular.
1. ― Pois, quem conhece a composição conhece-lhe os extremos. Ora, o nosso intelecto conhece esta composição ― Sócrates é homem ― porque é capaz de formar uma proposição. Logo, o nosso intelecto conhece Sócrates como singular.
2. Demais. ― O intelecto prático dirige para a ação. Ora, os atos se referem ao singular. Logo o intelecto o conhece.
3. Demais. ― O nosso intelecto se intelige a si mesmo. Ora, ele, em si mesmo, é um singular; do contrário não exerceria nenhum ato, pois os atos são próprios só do singular. Logo, este é conhecido pelo nosso intelecto.
4. Demais. ― Tudo o que pode a virtude inferior pode a superior. Ora, o sentido conhece o singular. Logo, com maioria de razão, o intelecto.
Mas, em contrário, diz o Filósofo: o universal é conhecido pela razão e o singular, pelo sentido.
Solução. ― O nosso intelecto não pode conhecer o singular, nas coisas materiais, direta e primariamente. E isso porque o princípio da singularidade delas é a matéria individual. Ora, o nosso intelecto, como já se disse antes (q. 85, a. 1), intelige abstraindo a espécie inteligível, de tal matéria; e isso que ele abstrai é universal. Por onde, o nosso intelecto não conhece diretamente senão o universal. ― Porém, indiretamente e por uma como reflexão, pode conhecer o singular. Pois, como já se disse (q. 84, a. 7), mesmo depois de haver abstraído as espécies inteligíveis, não pode, por ela, inteligir em ato, senão voltando-se para os fantasmas, nos quais intelige as espécies inteligíveis, como diz Aristóteles. Assim, pois, intelige diretamente o universal em si, pela espécie inteligível; indiretamente, porém, o singular, do qual são os fantasmas. E, assim, forma a proposição ― Sócrates é homem.
Donde é clara a resposta à primeira objeção.
Resposta à segunda. ― A eleição do particular operável é uma como conclusão de um silogismo do intelecto prático, como diz Aristóteles. Pois, de uma proposição universal não se pode concluir diretamente o singular, senão mediante o aceite de alguma proposição particular. Por onde, a razão universal do intelecto prático não move senão mediante uma apreensão particular da parte sensitiva, como diz Aristóteles.
Resposta à terceira. ― Não repugna seja inteligido o singular como tal, senão só enquanto material; pois, só imaterialmente é que uma coisa pode ser inteligida. Por onde, não repugna seja inteligido o que é singular e imaterial, como o intelecto.
Resposta à quarta. ― A virtude superior pode tanto como a inferior, mas de modo mais eminente. Por onde, aquilo de que o sentido tem conhecimento, material e concretamente, i. é., do singular, diretamente, isso mesmo o intelecto conhece imaterial e abstratamente, o que é conhecer o universal.