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Art. 3 ─ Se os santos, vendo a Deus em essência, vêem tudo o que Deus vê em si mesmo.

O terceiro discute-se assim. ─ Parece que os santos, vendo a Deus, vêem tudo o que Deus em si mesmo vê.

1. ─ Pois, como diz Isidoro, os anjos conhecem no Verbo de Deus todas as causas, antes de serem feitas. Ora, os santos serão iguais aos anjos, diz o Evangelho. Logo, vendo a Deus, vêem tudo.

2. Demais. ─ Gregório diz: No céu todos contemplarão a Deus no seio da mesma claridade; que há, pois, que aí não conhecerão ao que tudo sabe? Ora, refere-se aos santos, que vêem a Deus em essência. Logo, os que vêem a Deus em essência tudo conhecerão.

3. Demais. ─ Como diz Aristóteles, o intelecto, conhecendo o máximo, pode, com maior razão, conhecer o mínimo. Ora, Deus é o máximo inteligível. Logo, a visão de Deus aumentará ao máximo a potência do intelecto. Logo, o intelecto, vendo-o, inteligirá tudo.
 
4. Demais. ─ O intelecto só não pode entender o que o supera. Ora, nenhuma criatura supera o intelecto que vê a Deus; pois, como diz Gregório, toda criatura é mesquinha para a alma que vê o Criador. Logo, os que vêem a Deus por essência tudo conhecem.

5. Demais. ─ Toda potência passiva que não chega a atualizar-se é imperfeita. Ora, o intelecto possível da alma humana é uma potência passiva em relação a qualquer conhecimento; pois, o intelecto possível é o que se pode tornar em todas as cousas, como o define Aristéles. ─ Se, portanto, na beatitude celeste não inteligisse todas as cousas, ficaria imperfeito. O que é absurdo.

6. Demais. ─ Quem vê um espelho vê tudo o que ele reflete. Ora, no Verbo de Deus, como em um espelho, tudo se reflete, pois é ele a razão e a semelhança de todas as cousas. Logo; os santos, vendo a Deus em essência, verão todas as cousas criadas.

7. Demais. ─ Diz a Escritura: Aos justos se lhes concederá o seu desejo. Ora, os santos, desejam saber tudo, porque todos os homens naturalmente desejam saber; e a glória não aniquila a natureza. Logo, lhes concederá Deus, que tudo conheçam.

8. Demais. ─ A ignorância é uma penalidade em a vida presente. Ora, de toda penalidade os santos serão livres pela glória. Logo, também de toda ignorância. Logo, conhecerão tudo.

9. Demais. ─ A beatitude dos santos, antes de estar na alma está no corpo. Ora, os corpos dos santos serão reconstituídos na glória à semelhança do corpo de Cristo, como o diz o Apóstolo. Logo, também as almas serão aperfeiçoadas à semelhança da alma de Cristo. Ora, a alma de Cristo verá a tudo no Verbo. Portanto, todas as almas dos santos verão todas as cousas no Verbo.

10. Demais. ─ Como o sentido, também o intelecto conhece tudo o por cuja semelhança é informado. Ora, a divina essência mais expressivamente contém a imagem de qualquer ser que qualquer outra semelhança dele. Logo, como na visão da beatitude a essência divina será como a forma do nosso intelecto, parece que os santos, vendo a Deus, tudo verão.

11. Demais. ─ O Comentador diz, que se o intelecto agente fosse a forma do intelecto possível nós compreenderíamos todas as cousas. Ora, a essência divina representa mais claramente todas as cousas que o intelecto agente. Logo, o intelecto que vir a Deus em essência tudo conhecerá.

12. Demais. ─ É porque os anjos inferiores, na sua condição atual, não conhecem tudo, que são iluminados, para conhecerem o que ignorem, pelos anjos superiores. Ora, depois do dia de juízo, um anjo não mais iluminará a outro; pois, então, cessará toda superioridade, diz a Glosa a um lugar do Apóstolo. Logo, os anjos inferiores então conhecerão todas as cousas. E pela mesma razão todos os outros santos, que vêem a Deus em essência.

Mas, em contrário. ─ Como diz Dionísio, os anjos superiores purificam os inferiores da sua ignorância. Ora, os anjos inferiores vêem a essência divina. Logo, o anjo que vê a essência divina pode ignorar certas cousas. Ora, nenhuma alma verá a Deus mais perfeitamente que os anjos. Logo, as almas que vêem a Deus não conhecerão necessariamente todas as cousas.

2. Demais. ─ Só Cristo não tem o espírito por medida, como diz o Evangelho. Ora, só a Cristo, por não ter o espírito por medida, cabe ver todas as cousas no Verbo; por isso, o Evangelho diz no mesmo lugar: O Pai todas as cousas pôs na sua mão. Logo, a ninguém mais senão a Cristo cabe conhecer todas as cousas no Verbo.

3. Demais. ─ Quanto mais perfeitamente é conhecido um princípio, tanto mais lhe conhecemos os efeitos, por meio dele. Ora, aos que vêem a Deus por essência uns o conhecem mais perfeitamente que outros, a êle o princípio de todas as cousas. Logo, uns conhecem mais cousas que outros. E portanto, nem todos sabem tudo.

SOLUÇÃO. ─ Deus, vendo a sua essência, conhece todas as cousas que existem, existirão e existiram. E esse se chama o conhecimento de visão, porque, à semelhança da visão corporal, conhece todas as cousas como presentes, Além disso, conhece, na visão da sua essência, tudo o que pode fazer, embora nunca o tenha feito nem haja de fazer. Do contrário, não conheceria perfeitamente o seu poder. Pois, uma potência não pode ser conhecida sem se lhe conhecerem os objetos. E a isso se chama conhecer por conhecimento de simples inteligência.

Ora, é impossível a um intelecto criado conhecer, pela visão da essência divina, tudo o que Deus pode fazer. Porque, quanto mais perfeitamente é conhecido um princípio, tanto mais cousas nele conhecemos. Assim, num princípio de demonstração, quem tiver engenho mais perspicaz verá maior número de conclusões que outro, de inteligência mais tardonha. Ora, a extensão do poder divino se funda no que pode fazer. O intelecto, portanto, que visse na essência divina todas as cousas que Deus pode fazer, esse ato de intelecção seria tão perfeito na sua extensão, como a extensão do poder divino na produção dos seus efeitos. E portanto, uma tal inteligência compreenderia o poder divino. O que é impossível a toda inteligência criada. Mas todas aquelas cousas que Deus conhece pelo conhecimento de visão, há um intelecto criado ─ a alma de Cristo, que as conhece no Verbo. Quanto porém aos mais, que vêem a essência divina, há duas opiniões a respeito.

Assim, uns dizem que todos os que vêem a Deus em essência, vêem tudo o que Deus vê por ciência de visão. ─ Mas isto repugna ao ensinamento dos Santos Padres, que afirmam haver certas cousas que os anjos ignoram; e contudo sabemos, pela fé, que todos vêem a essência de Deus. Por isso outros dizem que todos os que vêem a Deus por essência não vêem por isso tudo o que Deus vê, por não compreenderem a divina essência. Pois, do fato de conhecermos uma causa não decorre necessariamente que lhe conheçamos todos os efeitos, salvo se compreendermos perfeitamente a causa; e isso, no caso de Deus, não é possível a nenhum intelecto criado. Por onde, cada um dos que vêem a Deus em essência tanto mais cousas nela verá, quanto mais clara a visão que dela tiver. Razão pela qual pode, sobre elas, um instruir a outro. E assim a ciência dos anjos e das almas dos santos pode crescer até o dia do juízo; como tudo o concernente ao prêmio acidental. Mas não mais progredirá depois desse dia, porque então tudo entrará no seu estado definitivo. E nesse estado é possível que todos conheçam tudo o que Deus conheça por ciência de visão.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O dito de Isidoro ─ os anjos conhecem no Verbo todas as causas, antes de serem feitas ─ não pode referir-se ao que Deus conhece por ciência de simples inteligência, porque são cousas que nunca virão à existência; mas é referente só ao que Deus conhece por ciência de visão. E mesmo dessas não diz ele que todos os anjos as conheçam, senão só alguns. E ainda esses, que as conhecem, não as conhecem todas perfeitamente. Pois, numa mesma cousa podemos distinguir muitas razões de inteligibilidade, como as suas diversas propriedades e relações com outras cousas. E é possível que, de uma mesma cousa conhecida por dois em comum, um perceba mais razões de inteligibilidade que outro; que essas razões um a receba de outro. Por isso diz Dionísio que os anjos inferiores são instruídos pelos superiores, nas razões cognoscíveis das cousas. Por isso também os anjos, que conhecem todas as criaturas, nem por isso perceberão necessariamente tudo o que nelas pode ser inteligido.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ As palavras, citadas de Gregório mostram que na visão dos bem-aventurados nada faltará, para o conhecimento de todas as cousas, a parte da divina essência, meio pelo qual a visão se exerce, e mediante a qual Deus vê todas as cousas. E se todas não são conhecidas será por defeito do intelecto criado, que não compreende a essência divina.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O intelecto criado não vê a essência divina ao modo pelo qual ela existe, mas ao modo próprio de ele conhecer, que é finito. Donde, da sua eficácia cognoscitiva, proveniente da referida visão, não resulta necessariamente que seja ampliado ao infinito, a ponto de conhecer todas as cousas.

RESPOSTA À QUARTA. ─ A deficiência do conhecimento resulta não só do excesso e do defeito do cognoscível em relação ao intelecto, mas também da falta de união entre o intelecto e aquilo que é a razão da cognoscibilidade. Assim, a vista não verá uma pedra por não estar unida à espécie da pedra. Embora, pois, ao intelecto que vê a Deus esteja unida a própria essência divina, razão de ser de todas as cousas, não é enquanto razão de todas elas que lhe está o intelecto unido, mas enquanto razão só de certas cousas, e de tantas mais quanto a maior plenitude com que um intelecto vir a divina essência.

RESPOSTA À QUINTA. ─ Quando uma potência passiva for perfectível por várias perfeições coordenadas entre si, desde que recebeu a sua última perfeição, não é mais considerada imperfeita, mesmo se lhe faltarem algumas disposições prévias. Ora, todo conhecimento, que aperfeiçoe o intelecto criado, ordena-se como ao fim, ao conhecimento de Deus. Por onde, quem vise a Deus por essência, mesmo que nada mais conhecesse, teria um intelecto perfeito. Nem é mais perfeito pelo fato de ter outro conhecimento concomitante com o da essência divina, salvo se, assim, conhecer também a Deus mais perfeitamente. Por isso, diz Agostinho: Infeliz do homem que, conhecendo tudo a mais, i. é, as criaturas, te ignora contudo a ti. Feliz porém da que te conhece a ti ainda que ignore tudo mais. Mas aquele que te conhecer a ti e às criaturas, não será par isso mais feliz, porque só par ti o é.

RESPOSTA À SEXTA. ─ O Verbo de Deus é um espelho, mas dotado de vontade; e por isso, assim como se manifesta a quem quiser, assim manifestará em si o que quiser. Nem há símil com um espelho material, que não tem o poder de deixar-se ver Ou não. ─ Ou podemos responder, que num espelho material, tanto as cousas como o espelho são vistos na sua forma própria; embora o espelho seja visto mediante a forma refletida do objeto, p. ex., uma pedra, a qual a qual porém seria vista na sua forma própria refletida pelo espelho, cousa distinta dela. E assim, a mesma razão de conhecermos um é a de conhecermos outro. Mas no espelho incriado veremos as cousas pela forma mesma dele assim como conhecemos os efeitos pela semelhança com a causa, e não ao contrário. Mas daí não resulta necessariamente que, quem contemple o espelho eterno, veja tudo o que nele se reflete. Do mesmo modo que quem conhece uma causa não lhe conhece necessariamente todos os efeitos, salvo se tiver plena compreensão dela.

RESPOSTA A SÉTIMA. ─ O desejo dos santos de conhecerem todas as cousas será realizado pelo só fato de virem a Deus; assim como o desejo deles de terem todos os bens será satisfeito pela posse que terão de Deus. Pois, assim como Deus, pela sua bondade perfeita, satisfaz plenamente ao nosso desejo; e com a posse de Deus de certo modo possuímos tudo, assim a visão divina satisfaz plenamente ao intelecto, conforme aquilo do Evangelho: Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta.

RESPOSTA A OITAVA. ─ A ignorância, no seu sentido próprio implica uma privação e, como tal uma pena, e consiste em não sabermos o que deveríamos ou teríamos a obrigação de saber. Ora, de nenhum destes modos os santos na pátria sofrerão detrimento na sua ciência. Mas a ignorância pode também ser tomada, num sentido geral, por qualquer espécie de nesciência. E então os anjos e os santos na pátria ignorarão certas cousas. Por isso Dionísio diz que serão purificados da nesciência, que, neste sentido, não é uma penalidade, mas apenas uma deficiência. Nem há de a glória necessariamente eliminar toda deficiência como essa; pois, a essa luz, poderíamos também considerar uma deficiência de Lino, para, de não ser alçado à mesma glória de Pedro.

RESPOSTA A NONA. ─ O nosso corpo se conformará com o de Cristo, na glória, por semelhança e não por igualdade; pois, será resplendente como o corpo de Cristo, mas não igualmente. Da mesma maneira, a nossa alma terá uma glória semelhante à da alma de Cristo, mas não em grau igual. Assim também terá a ciência, como a alma de Cristo, mas não na mesma extensão, a ponto de saber tudo, como o sabe a alma de Cristo.

RESPOSTA A DÉCIMA. ─ Embora a essência divina seja a razão da cognoscibilidade de todas as cousas, nem por isso, em quanto razão dessa cognoscibilidade universal está unida a qualquer intelecto criado. A objeção, pois, não colhe.

RESPOSTA À UNDÉCIMA. ─ O intelecto agente é uma forma proporcionada ao intelecto possível, assim como a potência da matéria é proporcionada à potência do agente natural. De modo que tudo o existente na potência passiva da matéria ou do intelecto possível também exista na potência ativa do intelecto agente ou do agente natural. Por onde, se o intelecto agente se tornar a forma do intelecto possível, necessariamente este último conhecerá todas as cousas que a virtude do intelecto agente puder atingir. Ora, a essência divina não é uma forma proporcionada desse modo, ao nosso intelecto. Logo, não há símil.

RESPOSTA À DUODÉCIMA. ─ Nada impede admitir-se que depois do dia de juízo, uma vez plenamente consumada a glória dos homens e a dos anjos, que todos os bem-aventurados conhecerão tudo o que Deus conhece pela ciência de visão. Mas de modo que nem todos verão tudo na essência divina. A alma de Cristo porém, como vê agora, verá nela então todas as cousas; ao passo que os outros santos nela verão mais ou menos cousas, conforme o grau de claridade com que conhecerem a Deus. E assim a alma de Cristo, do que, mais que os outros, vir no Verbo, iluminá-los-á a todos; donde o dizer a Escritura: A claridade de Deus iluminou a cidade de Jerusalém e a lâmpada dela é o Cordeiro. E semelhantemente, os superiores iluminarão os inferiores, não por uma nova iluminação, de modo que aumentasse a ciência dos inferiores; mas por uma iluminação continuada, como se supusesse o sol, em repouso, a iluminar o ar. Por isso diz a Escritura: Os que tiverem ensinado a muitos o caminho da justiça, esses luzirão com as estréias por toda a eternidade. Quanto à superioridade de uma ordem sobre outra, o Apóstolo diz que cessará quanto à ação de Deus, nesta vida, sobre nós, mediante os ministérios das diversas ordens de anjos, como claramente o diz uma Glosa a esse lugar do Apóstolo.

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