VOLTAR À VERDADEIRA DOUTRINA OU PERECER
1. Talvez possa parecer temerário de nossa parte acusar de tão numerosos e tão graves erros doutrinais e pastorais um Concilio ecumênico da Igreja Católica. Parecerá talvez mesmo que nós sejamos culpados de pecado grave, suspeito de heresia. A heresia, no entanto, como lembramos (cf. § 2.0), é “a negação obstinada, depois de ter recebido o batismo, de uma verdade que se deve crer de fé divina e católica ou a duvida obstinada sobre ela” (CIC 1983, c.751). Ora o Vaticano II não condenou nenhum erro nem definiu nenhuma “verdade” de fé “divina e católica”, nenhum dogma de fé. Ele não quis faze-lo e se declarou um Concilio puramente pastoral, passando seu magistério extraordinário para a posição de magistério canonicamente indefinível, finalmente simplesmente “autêntico”, e talvez nem mesmo “autêntico”, por causa dos erros ensinados (cf. Introdução). O magistério autêntico tem também certamente direito ao assentimento dos fieis, mas este não é o mesmo assentimento daquele que se deve aos dogmas da fé, cuja negação até o fim de nossa vida nos faria morrer com nossos pecados. O Concilio, enquanto ele é “novo”, tem o direito ao assentimento que se deve a uma “pastoral” e que se pode legitimamente não dar se por ventura esta pastoral não for boa.Este assentimento se funda nas regras da prudência, para a qual convergem a sã razão e o sensus fidei do fiel.
A prudência, sustentada pela sã razão, nos pede escutar a voz do sensus fidei, que nos incita, quanto a ele, a recusar nosso assentimento às deliberações de um Concilio ambíguo e coberto de erros, como o Vaticano II.
Esta prudência do fiel lhe vem do cuidado constante de não ofender a Deus e de salvar sua alma; neste cuidado se reflete o temor de Deus e esta é uma das maneiras de como a Graça age em nós. A recusa das doutrinas ambíguas e errôneas divulgadas pelo Vaticano II é, pois, não somente licita e legitima, segundo a organização canônica e toda a Tradição, mas nos é igualmente imposta pelo dever de defender o deposito da fé, dever que pesa sobre cada um de nós, segundo suas capacidades. Com efeito, cada um de nós é miles Christi e deve combater pela fé.
2. A recusa dos falsos ensinamentos do Vaticano II não nos coloca, pois fora da Igreja. Esta recusa não faz de nós heréticos, nem no sentido formal nem no sentido material, não nos faz, menos ainda, cismáticos, já que não recusamos nosso assentimento às ordens legitimamente dadas pela autoridade e que não temos a intenção de sair da Igreja para constituir ou seguir uma outra.Realmente, nós julgamos a pastoral do Concilio à luz da Tradição, quer dizer, o que a Igreja sempre ensinou durante dezenove séculos, a partir de Nosso Senhor e dos Apóstolos. Desta comparação resulta sem sombra de duvida que o “aggiornamento” querido por João XXIII e imposto pelo Concilio introduziu novidades incompatíveis com o que sempre foi ensinado pela Igreja, e, portanto inconciliáveis com o deposito da fé. Foi preciso que assistíssemos à subversão multiforme da própria noção de Igreja Católica, de Corpo Místico, de Santa Missa, de Liturgia, de Sacerdócio, de Colegialidade, de Casamento católico, de Reino de Deus, de Tradição, de Encarnação e de Redenção, de Anunciação, de liberdade religiosa, da noção católica de homem, da justa relação entre a Igreja e o Estado, da descrição correta do que são, objetivamente, os heréticos, os cismáticos e os não-cristãos. Foi preciso que escutássemos, da própria boca de um Papa, o elogio do pensamento moderno já condenado diversas vezes por seus predecessores, ao qual pensamento moderno se quis confiar a maneira de enunciar a doutrina eterna da Igreja, porque a Igreja quis se submeter a uma “reforma continua”, a uma adaptação cada vez mais clara aos falsos valores do mundo. Este pensamento moderno e contemporâneo é intrinsecamente hostil ao que é transcendente e especialmente ao Catolicismo do qual nega todas as verdades. Para a salvação das almas, o Concilio deveria ter condenado este pensamento. Ao contrário, fez-se cúmplice dele. A corrupção das noções autenticamente católicas e até do senso comum, foi feita vastamente, minuciosamente e sistematicamente. Os textos do Vaticano II constituem um documento impressionante da decadência intelectual (e não apenas intelectual) da Hierarquia católica, decadência contra a qual lutaram em vão os Papas até Pio XII e a parte sã da própria Hierarquia durante o Concilio.
Então quem está dentro da Igreja? Aqueles que aceitam e procuram por em pratica as falsas doutrinas do Vaticano II ou aqueles que as recusam abertamente para permanecer fieis ao que o Magistério, assistido pelo Espírito Santo, ensinou durante dezenove séculos?
Os que aceitam de boa fé estas falsas doutrinas permanecem, certamente, na Igreja, mas vivem nela como que apanhados em uma armadilha, constrangidos objetivamente à infidelidade, sem se dar conta de que estão praticamente sem defesa contra o perigo de perder ou corromper gravemente sua fé. “ Seja fiel até a morte e eu te darei a coroa da vida”, disse Nosso Senhor ressuscitado (Ap. 2,10). Aceitar Vaticano II, seu diabólico emaranhado de contradições, de ambigüidades e de erros, apenas mascarados pelas homenagens à Tradição, puramente formais ou, em todo caso, sem influencia em relação às novidades introduzidas, é por conseqüência impossível para quem quer que se dê conta e pretenda ficar fiel à Igreja, ficar na Igreja Católica, que não é a Igreja concebida pelo Concilio, que se define, ela mesma, como “Igreja do Cristo”, Igreja “ecumênica” ou “conciliar”, reduzindo ao mínimo o emprego do adjetivo “católica”. Isto foi enxertado na verdadeira Igreja como o joio no trigo. De nossa parte não temos vergonha de ser nem de nos definir como católicos e não temos vergonha de afirmar a verdade, a saber, que a aceitação de Vaticano II nos afastaria da Tradição e, portanto da sã doutrina, com grave perigo para a salvação de nossa alma. Com efeito, sem a sã doutrina, é extremamente difícil observar a moral ensinada por Nosso Senhor e guardar a fé.
3. Os desastres que se sucederam na Igreja e nas nações católicas depois do Vaticano II e que se podem resumir na formula: corrupção da fé e dos costumes, não são compreendidos em sua causa efetiva e em sua natureza. De outro modo, eminentes representantes da Hierarquia não continuariam a afirmar que é preciso cuidar das gerações pós-Concilio, redescobrindo e pondo em obra o “verdadeiro” Vaticano II. Quarenta anos depois, ainda se está à procura do “verdadeiro significado” destes fundamentos? Quarenta anos depois ainda não foram achados?
Este triste refrão se funda no preconceito que quer que Vaticano II tenha sido um super concilio que teria representado para a Igreja o ponto de partida de uma nova orientação, que seria de todo modo impossível abandonar, como se a doutrina (a verdadeira doutrina católica) anterior a ele não houvesse jamais existido. É o refrão daqueles que, na realidade, participam intelectualmente da revolução que se desencadeou na Igreja com o Concilio e que só cuidam de corrigir os “abusos” dela, provavelmente para amortecer as reações.
A verdade é que a crise atual da Igreja tem suas raízes no Concilio e não nas degenerescências do pós-Concilio. Esta sinopse demonstrou isso. A Hierarquia atual tem só um dever: o de restabelecer a autentica doutrina católica. E para fazer isto, ela terá um dia que invalidar o Concilio ou corrigi-lo, ou reinterpretá-lo (se é possível) à luz da Tradição.
Não cabe a nós definir como o Papa deverá intervir em relação ao Vaticano II. Ainda menos lhe dar uma data. Mas nós nos permitimos lembrar à Hierarquia e a seus Chefes atuais que, nas visões comunicadas aos videntes de Fátima, Deus Todo Poderoso dignou-se nos mostrar, em Sua infinita misericórdia, o castigo terrestre que Sua justiça infligirá um dia a toda a Igreja militante, a nós todos, por causa das ofensas e infidelidades graves, horríveis e repetidas perpetradas em primeiro lugar por aqueles que devem “guardar a doutrina da fé”, se estas ofensas e infidelidades continuam. Se ninguém tem a coragem de mudar de caminho, Deus renovará a Igreja pelo “testemunho do sangue” (Hebr. 12, 4), pelo sangue dos mártires e do grande numero dos mortos.
Se não se tem a coragem de mudar de caminho por medo a priori da possível, violenta reação do mundo, que crê já ter posto no seu saco a Igreja Católica com tudo que ela representa, se não se tem a coragem de levantar de novo a bandeira porque se está convencido de que é precisamente com a volta ao dogma da fé que se desencadeará a perseguição anunciada em Fátima, que se invoque então, nos permitam ajuntar, a ajuda do Espírito Santo para que Ele nos dê a força de vencer nossos temores humanos, para a gloria de Deus e a salvação das almas: “Não tenhais medo daqueles que matam o corpo e depois nada mais podem fazer. ..temei Aquele que depois de matar, tem o poder de lançar no inferno” (Luc. 12,4-5).