Category: Santo Tomás de Aquino
O segundo discute-se assim. – Parece que a ninguém é lícito possuir nada como próprio.
1. – Pois, tudo o que é contra o direito natural é ilícito. Logo, pelo direito natural, todas as coisas são comuns; e a essa comunidade se opõe a propriedade de bens particulares. Logo, é ilícito a qualquer homem apropriar-se de uma coisa externa.
2. Demais. – Basílio, explicando a palavra referida, do rico, diz: Os ricos, que consideram como seus os bens comuns de que em primeiro lugar se apropriaram; são semelhantes aquele que, chegando primeiro ao espetáculo e apossando-se do que é destinado ao uso comum, privasse dos seus lugares os que chegassem mais tarde. Ora, seria ilícito trancar aos outros o uso dos bens comuns. Logo, é ilícito apropriarmo-nos do que é comum.
3. Demais. – Ambrósio diz, de conformidade com o que está nas Decretais: Ninguém chama próprio ao que é comum. Ora, ele considera comuns as coisas exteriores, como resulta claro do que dissera antes. Logo, parece ilícito apropriarmo-nos de uma coisa exterior.
Mas, em contrário, Agostinho. – Chamam-se Apostólicos os que arrogantissimamente a si se deram esse nome, por não receberem na sua comunhão os que usam do matrimônio e que tem propriedade privada, como se dá na Igreja Católica, mesmo por parte de monges e de muitos clérigos. Ora, esses Apostólicos são heréticos porque, separando-se da Igreja, pensam não terem nenhuma esperança os que usam das coisas de que eles carecem. Logo, é errôneo dizer que não é lícito ao homem possuir bens como próprios.
SOLUÇÃO. – Relativamente às coisas exteriores tem o homem dois poderes.
Um é o de administrá-las e distribuí-las. E, quanto a esse, é lhe lícito possuir coisas como próprias. O que é mesmo necessário à vida humana por três razões. - A primeira é que cada um é mais solícito em administrar o que a si só lhe pertence, do que o comum a todos ou a muitos. Porque, neste caso, cada qual, fugindo do trabalho, abandona a outrem o pertencente ao bem comum, como se dá quando há muitos criados. - Segundo, porque as coisas humanas são melhores tratadas, se cada um emprega os seus cuidados em administrar uma coisa determinada; pois, se ao contrário, cada qual administrasse indeterminadamente qualquer coisa, haveria confusão. - Terceiro, porque, assim, cada um, estando contente com o seu, melhor se conserva a paz entre os homens. Por isso, vemos nascerem constantemente rixas entre os possuidores de uma coisa em comum e indivisamente.
O outro poder que tem o homem sobre as coisas exteriores é o uso delas. E, quanto a este, o homem não deve ter as coisas exteriores como próprias, mas, como comuns, de modo que cada um as comunique facilmente aos outros, quando delas tiverem necessidade. Por isso diz o Apóstolo: Manda aos ricos deste mundo que deem, que repartam francamente.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A comunidade das coisas é atribuída ao direito natural: não que o direito natural dite que tudo deve ser possuído em comum e nada como próprio. Mas que o possuir em separado não se funda no direito natural, mas antes, na convenção humana, que respeita o direito positivo, como já dissemos. Por onde, a propriedade dos bens exteriores não é contra o direito natural, mas é um acréscimo feito a este por expediente da razão humana.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Quem, chegando primeiro ao espetáculo, preparasse a entrada para os outros, não agiria ilicitamente, mas, assim age, impedindo-os de entrar. E semelhantemente, não age ilicitamente o rico, apropriando-se de uma coisa exterior que a princípio era comum, contanto que a comunique aos outros; peca, porém, se indebitamente os impede de usar dela. Por isso Basílio, no mesmo lugar, diz: Porque vives tu na abundância enquanto o outro mendiga, senão para ganhares tu os méritos de dispender bem e ser ele coroado com o prêmio da paciência?
RESPOSTA À TERCEIRA. – Quando Ambrósio diz - Ninguém chame próprio ao que é comum - refere-se ao uso da propriedade. Por isso acrescenta: Tudo o excedente às nossas necessidades por violência é que o obtivemos.
O primeiro discute-se assim. – Parece que não é natural ao homem a posse dos bens externos.
1. – Pois, não nos devemos atribuir o que pertence a Deus. Ora, a Deus pertence o domínio de todas as criaturas, conforme aquilo da Escritura: Do Senhor é a terra, etc. Logo, não é natural ao homem a posse dos bens externos.
2. Demais. – Basílio, explicando a palavra do rico - Recolherei todas as minhas novidades e os meus bens - diz: Dize-me quais os teus bens? Donde os tiraste e os trouxeste à vida? Ora, o que o homem naturalmente possui pode naturalmente chamar seu. Logo, não possui naturalmente os bens exteriores.
3. Demais. – Como diz Ambrósio, senhor é nome designativo do poder. Ora, o homem nenhum poder tem sobre as coisas exteriores, porque em nada pode mudar-lhe a natureza. Logo, a posse dos bens exteriores não é natural ao homem.
Mas, em contrário, a Escritura: Todas as coisas sujeitas debaixo de seus pés, isto é, do homem.
SOLUÇÃO. – Uma coisa externa pode ser considerada à dupla luz. Na sua natureza, que não depende do poder humano, mas só do divino, a cuja vontade tudo obedece. E no uso mesmo a que ela serve. E, deste segundo modo, o homem tem naturalmente o domínio sobre as coisas externas; pois, pela sua razão e pela sua vontade, pode usar das coisas externas para a sua utilidade, como se para si fossem fitas; pois, sempre o mais imperfeito é para o mais perfeito, como já estabelecemos. E, por esta razão, o Filósofo prova que a posse das coisas externas é natural ao homem. Pois, esse domínio natural sobre todas as criaturas, que cabe ao homem por ser dotado de razão, que é uma imagem de Deus, manifesta-se na criação mesma dele, conforme à Escritura: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança, o qual presida aos peixes do mar, etc.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Deus tem o domínio principal sobre todas as coisas. Ora, ele mesmo, na sua providência, ordenou certas ao sustento corporal do homem. E, por isso, este tem o domínio natural delas, quanto ao poder de usá-las.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O rico de que se trata foi repreendido por julgar que os bens externos eram principalmente seus, como se não os tivesse recebido de outrem, isto é, de Deus.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A objeção colhe, relativamente ao domínio das coisas externas, quanto à natureza mesma delas; pois, esse domínio só pertence a Deus, como dissemos.
O quarto discute-se assim. – Parece que o pecado não se agrava quando as referidas injustiças são cometidas contra pessoas chegadas a outras.
1. – Pois, essas tais injustiças são por natureza pecados, por causarem dano a outrem, contra a sua vontade. Ora, o mal causado à pessoa mesma de alguém e contra a sua vontade é, para ela, maior mal que o causado a outra que lhe é chegada. Logo, a injustiça cometida contra uma pessoa chegada é menor.
2. Demais. – Na Sagrada Escritura são principalmente repreendidos os que cometem injustiça contra os pupilos e as viúvas. Donde o dizer: Não desprezará os rogos do órfão, nem da viúva, se derramar a voz do gemido. Ora, a viúva, e o pupilo não são pessoas chegadas a outrem. Logo, a injúria cometida contra pessoas chegadas a outrem não agrava o pecado.
3. Demais. – A pessoa chegada tem, como a principal, vontade própria. Logo, o que é contrário à vontade da pessoa principal pode ser voluntário à pessoa que lhe é chegada. É o que se dá no adu1tério, que agrada à mulher e desagrada ao marido. Ora, tais injustiças, consistindo numa comutação involuntária, tem a natureza de pecado. Logo, tem essa natureza pecaminosa em menor grau.
Mas, em contrário, a Escritura: Os teus filhos e as tuas filhas sejam entregues a outro povo, vendo-o os teus olhos.
SOLUÇÃO. – Quanto mais são os que uma injustiça atinge, em igualdade de circunstâncias, tanto mais grave é o pecado. Por isso, é maior pecado ferir ou ofender o chefe, do que um particular; porque redunda em dano de toda a multidão, como dissemos. Ora, a injustiça cometida contra uma pessoa conjunta à outra de qualquer modo, atinge duas pessoas. Logo, em igualdade de circunstâncias, essa injustiça agrava o pecado. Pode porém acontecer que, em virtude de outras circunstâncias, seja pecado mais grave o cometido contra uma pessoa não chegada a ninguém, quer pela dignidade dessa pessoa, quer pela grandeza do dano.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A injustiça cometida contra a pessoa chegada é menos nociva à pessoa principal, do que se fosse cometida diretamente contra esta mesma e, por aí, é pecado menor. Mas, a injustiça, na sua totalidade, cometida contra a pessoa principal, acrescenta-se ao pecado em que incorre quem lesou a pessoa chegada, diretamente.
RESPOSTA À SEGUNDA. – As injustiças cometidas contra as viúvas e os pupilos aumentam, quer, por se oporem mais à misericórdia; quer, por ser o dano causado a essas pessoas mais grave, que não tem quem as ampare.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A mulher, consentindo voluntariamente no adultério, diminui, por seu lado, o pecado e a injustiça; pois, seria mais grave se o adúltero a tomasse por violência. Mas, nem por isso desaparece a injustiça cometida contra o marido; porque como diz o Apóstolo, a mulher não tem poder no seu corpo, mas tem no o marido. E o mesmo se dá em casos semelhantes. Mas, como o adultério se opõe, não só à justiça, mas também à castidade, com ele nos ocuparemos mais abaixo, no tratado da temperança.
O terceiro discute-se assim. – Parece que não é lícito encarcerar ninguém.
1. – Pois, é genericamente mau o ato que recai sobre matéria indevida, como se estabeleceu. Ora, tendo o homem a liberdade natural do arbítrio, é indevida a matéria da encarceração, que repugna à liberdade.
2. Demais. – A justiça humana deve ser regulada pela divina. Ora, diz a Escritura: Deus deixou o homem na mão do seu conselho. Logo, parece que ninguém deve ser posto a ferros ou no cárcere.
3. Demais. – A nenhum homem podemos privar da liberdade, mas podemos licitamente impedi-lo da prática do mal. Se, portanto, fosse lícito encarcerar a outrem, para impedi-lo de praticar o mal, a qualquer seria lícito encarcerar, o que é claramente falso. Logo, a mesma conclusão que acima.
Mas, em contrário, na Escritura se lê de um certo que foi posto no cárcere por causa do pecado de blasfêmia.
SOLUÇÃO. – Três coisas devemos considerar, por ordem, nos bens do corpo. A primeira é a integridade da substância corpórea a que causa detrimento a morte ou a mutilação. A segunda é a deleitação ou o repouso dos sentidos, a que se opõe o açoite ou qualquer outro castigo que provoca a dor dos sentidos. A terceira é o movimento e o uso dos membros, que fica impedido pela ligação, pelo encarceramento ou por qualquer outro modo de prender. E portanto, encarcerar ou prender alguém, de qualquer modo, é ilícito. Salvo por ordem da justiça ou como pena, ou como precaução para evitar algum mal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Quem abusa do poder que lhe foi dado merece perdê-lo. Logo, quem, pecando, abusou do livre exercício dos seus membros, dá matéria conveniente à encarceração.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Deus às vezes, conforme à ordem da sua sabedoria, coíbe os pecadores para que não possam cometer pecados, segundo aquilo da Escritura: Que dissipa os pensamentos dos malignos para que as suas mãos não possam acabar o que tinham começado. Outras vezes, porém, permite-lhes fazer o que querem. E, do mesmo modo, a justiça humana não encarcera os delinquentes, por qualquer crime, mas só por certos.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Prender alguém por alguns momentos para impedi-lo de cometer um ato ilícito, que está a ponto de perpetrar, a todos é lícito. Assim, se detivermos alguém para que se não precipite ou fira a outrem. Mas, absolutamente falando, encerrar ou prendê-lo, só pertence aquele que pode dispor universalmente dos atos ou da vida de outrem, que, por isso, fica impedido de praticar, não só o mal, mas ainda o bem.
O segundo discute-se assim. – Parece que não é lícito aos pais açoitar os filhos, ou aos senhores, os escravos.
1. – Pois, diz o Apóstolo: Vós outros, pais, não provoqueis a ira a vossos filhos; e, mais abaixo, acrescenta: E vós outros, os senhores, fazei isso mesmo com os servos, deixando as ameaças. Ora, os açoites que são também mais graves que as ameaças, provocam certos à ira. Logo, nem os pais devem açoitar os filhos, nem os senhores, os escravos.
2. Demais. – O Filósofo diz, que a palavra paterna é só para advertir e não para coagir. Ora, o açoite é uma coação. Logo, não é lícito aos pais açoitar os filhos.
3. Demais. – A cada um é lícito ensinar a outrem, o que constitui a esmola espiritual, como já se disse. Se, pois, é lícito aos pais açoitar os filhos, para ensiná-los, pela mesma razão todos podem fazê-lo, o que é evidentemente falso. Logo, a mesma conclusão que foi tirada antes.
Mas, em contrário, a Escritura: Aquele que poupa a vara aborrece seu filho; e mais adiante: Não queiras subtrair a correção ao menino, porque se tu o fustigares com a vara ele não morrerá. Tu o fustigarás com a vara e livrarás a sua alma do inferno. E, noutro lugar: Ao escravo malévolo tortura e ferros.
SOLUÇÃO. – O açoite causa um certo dano ao corpo do açoitado, mas diferente do que causa a mutilação. Pois, ao passo que a mutilação priva o corpo da sua integridade, o açoite somente causa uma sensação de dor, que, por isso, é muito menor dano que a mutilação de um membro. Ora, danificar a outrem só é lícito como lhe sendo uma pena por alguma injustiça cometida. Ora, podemos punir justamente só aquele que está sujeito à nossa jurisdição. Portanto, só podemos açoitar aquele que está sob o nosso poder. Ora, estando o filho sujeito à autoridade do pai e o escravo à do senhor, é lícito ao pai açoitar o filho e ao senhor, o escravo, por motivo de correção e ensino.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Sendo o desejo da vingança, a ira é sobretudo provocada quando nos consideramos injustamente lesados, como está claro no Filósofo. Portanto, o estarem os pais proibidos de provocar os filhos à ira não os impede de açoitá-los para ensiná-los, contanto que não lhes inflijam açoites imoderados. Quanto ao lugar aduzido, que adverte os senhores a deixarem as ameaças contra os escravos, ele pode ser entendido de dois modos, ou para que usem das ameaças com reserva, o que pertence à moderação no ensinar; ou para nem sempre cumprirem as ameaças, de modo a temperarem pela remissão, de misericórdia o juízo pelo qual ameaçaram de uma pena.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Um poder maior implica uma coação mais forte. Pois, assim como a cidade é uma comunidade perfeita, assim, o seu chefe tem o poder perfeito de coagir. Por isso, pode infligir penas irreparáveis como a de morte ou de mutilação. Mas, o pai e o senhor, chefes da família doméstica, que é uma comunidade imperfeita, tem um poder imperfeito de coagir, impondo penas mais leves, que não causem dano irreparável. E tal é o açoite.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A todos é lícito ensinar aos que o querem. Mas, impor uma disciplina a alguém, que não a quer, só o pode aquele de quem essa pessoa depende. E nisso se inclui castigar com açoites.
O primeiro discute-se assim. – Parece que em nenhum caso nos é lícito a mutilação de um membro.
1. – Pois, Damasceno diz, que cometer o pecado consiste em nos afastarmos do natural para buscarmos o que é contrário à natureza. Ora, pela natureza instituída por Deus, o corpo humano deve ser íntegro nos seus membros; e contra a natureza é faltar-lhe algum. Logo, mutilarmo-nos em algum membro parece que sempre é pecado.
2. Demais. – Assim como toda a alma esta para todo o corpo, assim, as partes da alma para as do corpo, como diz Aristóteles. Ora, não é lícito privar a alguém da sua alma, dando-lhe a morte, senão por autoridade pública. Logo, também não é lícito a ninguém mutilar-se em algum membro, senão pela mesma autoridade.
3. Demais. – A saúde da alma deve ser preferida à do corpo. Ora, a ninguém é lícito mutilarse num membro, por causa da saúde da alma. Assim, são punidos, segundo o Concílio Niceno, os que se castram para conservar a castidade. Logo, por nenhuma outra causa é lícito nos mutilarmos.
Mas, em contrário, a Escritura: Olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé.
SOLUÇÃO. – Sendo um membro parte de todo o corpo humano, cada membro existe para o todo corpóreo, como o imperfeito, para o perfeito. Por onde, devemos dispor dos membros do corpo conforme as exigências do todo. Ora, um membro é, em si mesmo, útil ao bem de todo o corpo; por acidente, porém, pode dar-se que seja nocivo, por exemplo, quando, gangrenado, é causa de corrupção para todo o corpo.
Portanto o membro são, estando na sua disposição natural, não pode ser amputado sem detrimento para todo o homem. Mas, como todo o homem se ordena, como ao fim, para toda a comunidade, da qual é parte, como dissemos, pode suceder que a amputação de um membro, embora cause detrimento a todo o corpo, se ordene contudo ao bem da comunidade, quando imposta a alguém como pena, para coibir pecados. Portanto, assim como o poder público pode nos privar totalmente da vida, por causa de certas culpas maiores, assim também nos priva de um membro, por certas culpas menores. O que, porém, não é lícito a um particular, mesmo com o consentimento daquele de quem é o membro; porque tal seria uma injustiça contra a comunidade, à qual pertence o homem e todas as suas partes.
Se, porém, um membro, devido à podridão, estiver corrompendo o corpo todo, então é lícito, pela vontade daquele a quem o membro pertence, amputar tal membro pútrido, por causa da saúde de todo o corpo. Da mesma forma, se se executar a vontade daquele a quem cabe cuidar da saúde de quem possui um membro pútrido. Em outro caso, é absolutamente ilícito a alguém mutilar-se.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Nada impede seja segundo a natureza universal o que é contra a natureza particular. Assim, a morte e a corrupção dos seres naturais é contra a natureza particular do ser que se corrompe, embora seja conforme à natureza universal. E semelhantemente, mutilar um membro, embora seja contra a a natureza particular do corpo daquele que é mutilado, é contudo conforme à razão natural, relativamente ao bem comum.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A vida humana, na sua totalidade, não se ordena a nenhum bem próprio do homem mesmo; antes, a ela se ordena tudo quanto o homem tem. Portanto, privar alguém da vida em nenhum caso nos pertence, senão ao poder público, a quem foi cometido zelar pelo bem comum. A amputação de um membro, porém, pode ordenar-se à saúde mesma de um indivíduo. E, portanto, em algum caso, pode lhe ser permitido.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Não se deve amputar um membro, em vista da saúde corporal do todo, senão quando não se lhe pode socorrer, de outro modo. Ao passo que sempre podemos promover a saúde espiritual sem fazer essa amputação; porque o pecado depende da vontade. Logo, em nenhum caso é licito amputar um membro, para evitar seja que pecado for. Por isso, Crisóstomo, expondo aquilo do Evangelho - Há uns castrados que a si mesmos e castraram por amor do reino dos céus - diz: Não pela amputação dos membros, mas pela expulsão dos maus pensamentos. Pois, atrai sobre si a maldição quem se amputa um membro; porque são homicidas os que assim procedem. E depois acrescenta: Nem isso concorre para acalmar a concupiscência, que, ao contrário, se torna assim mais molesta. Pois, o esperma que existe em nós tem outras fontes; e, sobretudo os propósitos incontinentes e a mente descuidada. De modo que a amputação de um membro, como freio dos pensamentos, não comprime as tentações.
O oitavo discute-se assim. – Parece que quem mata casualmente um homem incorre no reato de homicídio.
1. – Pois, lê-se na Escritura que Lamec, acreditando matar um animal, matou um homem e isso lhe foi reputado um homicídio. Logo, incorre no reato de homicídio quem mata casualmente um homem.
2. Demais. – A Escritura diz. Se alguém ferir uma mulher pejada e for causa de que aborte, se se seguiu a morte dela, dará vida por vida. Ora, isto pode dar-se sem a intenção de matar. Logo, o homicídio casual implica o reato de homicídio.
3. Demais. – Foram estabelecidos muitos cânones que punem o homicídio casual. Ora, penas não se aplicam senão à culpa. Logo, quem matou casualmente um homem incorre no reato de homicídio.
Mas, em contrário, Agostinho. Longe de mim o pensamento que uma ação lícita e que tem o bem por objeto, mas da qual resultou, contra a nossa intenção, um mal para alguém, deva nos ser imputada. Ora, acontece às vezes que, de um ato bom, que praticamos, resulta casualmente o homicídio. Logo, não nos pode ele ser imputado como culpa.
SOLUÇÃO. – Segundo o Filósofo, o acaso é uma causa que age fora da nossa intenção. Por onde, o casual, propriamente falando, não é intencionado nem voluntário. E, sendo todo pecado voluntário, segundo Agostinho, por consequência, o casual, como tal, não é pecado. Pode, porém, acontecer que aquilo que não é atual e por si mesmo querido ou intencionado, o seja acidentalmente, no sentido em que se chama causa acidental a que remove o obstáculo. Portanto, quem não remove o obstáculo donde resulta um homicídio, se devia fazê-lo, incorre de certo modo no reato de homicídio voluntário. O que de dois modos pode acontecer: ou quando, praticando um ato ilícito, que deveria evitar, dá lugar ao homicídio; ou quando não emprega o cuidado devido. Por isso, segundo o direito, não incorre no reato de homicídio quem emprega a solicitude devida, ao praticar um ato lícito, do qual, contudo, resulta um homicídio. Se, porém, praticar um ato ilícito, ou mesmo, lícito, sem empregar a diligência devida, não se livra do reato do homicídio, se do seu ato resultar a morte de um homem.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Lamec não empregou a diligência suficiente para evitar o homicídio e, por isso, não se livrou do reato do homicídio.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Quem fere uma mulher pejada pratica um ato ilícito. E portanto se daí resultar a morte dela ou do feto já com vida, não escapará ao crime de homicídio; sobretudo se a morte seguir-se logo a esse ferimento.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Segundo os cânones é imposta uma pena aos que matam casualmente, praticando um ato ilícito ou não empregando a diligência devida.
O sétimo discute-se assim. – Parece que não é lícito matar a outrem para nos defendermos.
1. – Pois, diz Agostinho: Não me agrada a opinião dos que nos permitem matar a outrem para não sermos mortos por ele; salvo se se trata de um soldado, ou de quem está investido de uma função pública, que mata para defender, não a si, mas aos outros, em virtude de um poder legitimamente recebido, que lhe compete à sua pessoa. Ora, quem, para se defender, mata a outrem, mata para não ser morto. Logo, parece que isso é ilícito.
2. Demais. – Como, perante a divina providência, estarão isentos deste pecado aqueles que se mancharam matando a outrem, por causas que devem ser desprezadas pergunta ainda Agostinho. E considera coisas desprezíveis aquelas que os homens podem perder contra a sua vontade, como resulta do que disse antes. Ora, nelas está compreendida a vida do corpo. Logo, para conservarmos a vida do corpo a ninguém é lícito matar a outrem.
3. Demais. – O Papa Nicolau diz: Quanto aos clérigos, que mataram um pagão, para se defenderem, e sobre os quais me consultaste se, depois que se emendaram pela penitência, podem readquirir a sua situação anterior ou subir a outra mais alta, sabei que nós não admitimos nenhuma ocasião, nem lhes damos nenhuma licença, para de qualquer modo, matarem a quem quer que seja. Ora, tanto os clérigos como os leigos estão obrigados, em geral, a observar os preceitos morais. Logo, nem aos leigos é lícito matar a outrem, para se defenderem.
4. Demais. – O homicídio é pecado mais grave que a simples fornicação ou o adultério. Ora, a ninguém é lícito praticar a simples fornicação ou o adultério, ou qualquer outro pecado mortal, para conservar a vida própria; porque a vida espiritual é preferível à corporal. Logo, a ninguém é lícito, para se defender a si mesmo, matar a outrem para conservar a vida própria.
5. Demais – Se a árvore é má, também o fruto, como diz a Escritura. Ora, segundo o Apóstolo, parece que a defesa própria é ilegítima. Não vos vingueis a vós mesmos. Logo, matar a outrem, que daí resulta, é ilícito.
Mas, em contrário, a Escritura: Se um ladrão for achado arrombado uma casa ou escavando e, sendo ferido, morrer, quem o feriu não será culpado da sua morte. Ora, é muito mais lícito defender a vida própria do que a casa própria. Logo, também não será réu de homicídio quem matar a outrem para defender a sua própria vida.
SOLUÇÃO. – Nada impede que um mesmo ato tenha duplo efeito, dos quais só um está em nossa intenção, estando o outro fora dela. Ora, os atos morais se especificam pela nossa intenção e não pelo que esta fora dela, que é acidental, como do sobredito resulta. Ora, do ato de quem se defende pode resultar um efeito duplo: um, a conservação da vida própria; outro, a morte do atacante. Portanto, tal ato, enquanto visa a conservação da vida, não é, de natureza, ilícito, pois, a cada um é natural conservar a existência, medida do possível. Um ato, porém, embora procedente de uma boa intenção, pode tornar-se ilícito se não for proporcionado ao fim. Portanto, age ilícitamente quem, para defender a vida própria, empregar violência maior que a necessária. Mas, se repelir a violência moderadamente, a defesa será lícita; pois, segundo o direito, repelir a força pela força é lícito, com a moderação de uma defesa sem culpa. Nem é necessário, para a salvação, deixarmos de praticar o ato da defesa moderada, para evitar a morte de outrem; pois, estamos mais obrigados a cuidar da nossa vida que da alheia. Mas, não sendo lícito matar um homem senão por autoridade pública, por causa do bem comum, como do sobredito resulta, é ilícita a intenção de matarmos a outrem, para nos defendermos a nós mesmos, salvo aquele que tem a autoridade pública. Pois, este, tendo a intenção de matar a outrem, para a sua defesa, refere esse ato ao bem público como o demonstra o soldado que combate o inimigo e o agente do juiz, que age contra os ladrões. Embora também estes pequem se forem levados por paixões pessoais.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O lugar de Agostinho deve ser entendido como aplicável ao caso em que temos a intenção de matar a outrem para nos livrarmos a nós mesmos da morte. E também nesse mesmo caso é que se entende o outro passo aduzido do mesmo autor: Por isso, ele diz assinaladamente - aquelas coisas, designando assim a intenção.
Donde se deduz clara a RESPOSTA À SEGUNDA OBJEÇÃO.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Do ato do homicídio, mesmo se for sem pecado, resulta uma irregularidade; como se dá com o juiz que condena alguém justamente à morte. E por isso o clérigo, mesmo se matar a outrem para se defender, é irregular, embora tenha a intenção de se defender e não, de matar.
RESPOSTA À QUARTA. – O ato da fornicação ou do adultério não se ordena à conservação da vida própria, necessariamente, como acontece, ao contrário, com o ato do homicídio.
RESPOSTA À QUINTA. – O lugar citado proíbe a defesa acompanhada do rancor da vingança. Donde o dizer a Glosa: Não vos defendendo isto é, não pagueis aos vossos adversários o ferimento com o ferimento.
O sexto discute-se assim. – Parece lícito, em certos casos, matar um inocente.
1. – Pois, o temor divino não se manifesta pelo pecado, porque o temor do Senhor lança fora o pecado, como diz a Escritura. Ora, Abraão foi louvado por temente ao Senhor, quando quis matar o filho inocente. Logo, podemos matar um inocente, sem pecado.
2. Demais. – No gênero dos pecados que cometemos contra o próximo, parece que o pecado é tanto maior, quanto maior for o dano causado aquele contra quem pecamos. Ora, a morte causa maior dano ao pecador do que ao inocente, fazendo este passar, da miséria desta vida, à glória celeste. Ora, sendo lícito, em certos casos, matar um pecador, também o é, com maior razão, matar o inocente ou o justo.
3. Demais. – O que fazemos por exigência da justiça não é pecado. Ora, às vezes, a ordem da justiça exige que se mate um inocente; por exemplo, quando o juiz, que deve julgar, fundado nas alegações, condena à morte o acusado por falsas testemunhas, que sabe ser inocente. E semelhantemente, o algoz, que executa o que foi injustamente condenado, por obediência ao juiz. Logo, podemos, sem pecado, matar um inocente.
Mas, em contrário, a Escritura. Não matarás o inocente nem o justo.
SOLUÇÃO. –Um homem pode ser considerado à dupla luz: em si mesmo ou nas suas relações com outro. Considerado em si mesmo, a nenhum podemos matar; porque em todos, ainda nos pecadores, devemos amar a natureza feita por Deus, e que fica destruída pela morte. Mas, como já dissemos, a morte do pecador torna-se lícita, se levarmos em conta o bem comum, que o pecado destrói. Ao contrário, a vida dos justos conserva e promove o bem comum, porque são a parte mais principal da sociedade. Logo, de nenhum modo é lícito matar um inocente.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como Deus tem o domínio sobre a morte e a vida por sua ordem morrem, tanto pecadores como justos. Logo, não peca quem mata um inocente por mandado de Deus; como não peca Deus, cuja ordem ele execute; antes, mostra temer a Deus, obedecendo-lhe ao mandado.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Ao pesar a gravidade do pecado, devemos levar em conta o essencial mais que o acidental. Por onde, quem mata um justo peca mais gravemente do que quem mata um pecador. Primeiro, porque danifica a quem mais devia amar e, assim, peca mais contra a caridade. Segundo, porque causa uma injustiça a quem menos o merecia, e portanto peca mais contra a justiça. Terceiro, porque priva a comunidade de um maior bem. Quarto, porque despreza mais a Deus, segundo a Escritura: que a vós despreza a mim despreza. - E se Deus dá a glória ao justo executado, acidentalmente isso se relaciona com a morte.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O juiz, que conhece como inocente o que é acusado por testemunhas falsas, deve examiná-las mais diligentemente, para ter ocasião de livrá-lo, como o fez Daniel. Se porém não puder fazê-lo, deve entregá-lo ao superior, para que o julgue. Mas, se nem isso puder, não peca dando a sentença fundado nas alegações; porque, então, mata o inocente, não ele, mas os que afirmam que o inocente é criminoso. - Quanto ao algoz, não deve executar a sentença do juiz, que condenou o inocente, se essa contiver um erro intolerável; do contrário, seriam escusados os verdugos, que mataram os mártires. Se porém não contiver nenhuma injustiça manifesta, não peca executando a ordem, porque não lhe cabe discutir a sentença do superior; e, então, não mata um inocente, pois, o mata o juiz, a cujo serviço está adstrito.
O quinto discute-se assim. – Parece que é lícito matar-se a si mesmo.
1. – Pois, o homicídio é pecado, por contrariar à justiça. Ora, ninguém pode fazer justiça a si mesmo, como o prova Aristóteles. Logo, ninguém peca matando-se a si mesmo.
2. Demais. – Matar os malfeitores é lícito ao que detém o poder público. Ora, às vezes, o detentor do poder público é um malfeitor. Logo, pode matar-se a si mesmo.
3. Demais. – É lícito sujeitarmo-nos espontaneamente a um perigo menor para evitar um maior; assim como nô-lo é amputar um membro gangrenado, para salvar a vida do corpo. Ora, às vezes, matando-nos a nós mesmos, evitamos um mal maior; quer uma vida miserável; quer a torpeza de algum pecado. Logo, é lícito matar-se um a si próprio.
4. Demais. – Sansão matou-se a si mesmo, como se lê na Escritura, e contudo é enumerado entre os santos. Logo, é lícito o matar-se a si próprio.
5. Demais. – A Escritura diz que um certo Razias matou-se a si mesmo, escolhendo antes morrer nobremente do que ver-se sujeito a pecadores e padecer ultrajes indignos do seu nascimento. Ora, nada é ilícito do que fazemos nobre e fortemente. Logo, o matar-se a si mesmo não é ilícito.
Mas, em contrario, Agostinho: Resta que entendamos o que foi dito do homem: Não matarás. Nem a outrem, pois, nem a ti mesmo. Portanto, quem se mata a si mesmo mata evidentemente um homem.
SOLUÇÃO. – Matar-se a si mesmo é absolutamente ilícito, por tríplice razão.
Primeiro, porque naturalmente todas as coisas a si mesmas se amam; por isso é que todas naturalmente conservam o próprio ser e resistem, o mais que podem, ao que procura destruí-las. Portanto, quem se mata a si mesmo vai contra a inclinação natural e contra a caridade que todos a si mesmos se devem. Logo, matar-se a si mesmo é sempre pecado mortal, por ser um ato contrário tanto à lei natural como à caridade.
Segundo, porque qualquer parte, pelo que é, pertence ao todo. Ora, cada homem é parte da comunidade e, portanto, o que é da comunidade o é. Logo, matando-se um a si mesmo, comete uma injustiça contra a comunidade, como está claro no Filósofo.
Terceiro, porque a vida é um dom divino feito ao homem e dependente do poder de Deus, que mata e faz viver. Logo, quem se priva a si mesmo, da vida, peca contra Deus; assim como quem mata um escravo alheio peca contra o dono do mesmo; e como também peca quem usurpa um juízo sobre uma coisa que lhe não foi confiada. Pois, só a Deus pertence julgar da morte e da vida, conforme aquilo da Escritura· Eu matarei e eu farei viver.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O homicídio é um pecado, não só por contrariar à justiça, mas também à caridade, que devemos ter para conosco mesmos. Logo, por aí o matar-se a si mesmo é pecado, relativamente à nossa pessoa própria. Relativamente porém, à comunidade e a Deus, tem a natureza de pecado por opor-se também à justiça.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O detentor do poder público pode matar os malfeitores licitamente porque pode julgá-los. Ora, ninguém é juiz de si próprio. Portanto, não é licito ao detentor do poder público matar-se a si mesmo, seja por que pecado for. É lícito, porém, entregar-se ao julgamento de outrem.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O homem é constituído senhor de si mesmo pelo livre arbítrio. E portanto pode dispor livremente de si mesmo, no que respeita aos bens desta vida, governada pelo livre arbítrio humano. Mas desse livre arbítrio não depende o trânsito desta vida para outra mais feliz, senão, do poder divino. Logo não é lícito ao homem matar-se a si mesmo, a fim de passar para uma vida mais feliz. - Do mesmo modo, nem para fugir a quaisquer misérias da vida presente. Porque, como claro está no Filósofo, último dos males desta vida e o mais terrível é a morte. Logo, dar-se a si mesmo a morte para fugir às misérias desta vida é praticar um mal maior para evitar um menor. - Semelhantemente, não é lícito a ninguém atar-se a si mesmo por causa de algum pecado cometido, quer porque, então, far-se-ia a si mesmo o mal máximo, privando-se do tempo necessário à penitência; quer ainda porque não é lícito matar um malfeitor senão em virtude de um julgamento do poder público. - Do mesmo modo, não é lícito a uma mulher matar-se a si mesma afim de não ser corrompida por outrem. Porque não deve cometer contra si mesma um crime máximo, como é o dar-se a si mesma a morte, para evitar um menor crime alheio. Pois, nenhum crime comete a mulher violada, se não der o seu consentimento, porque o corpo não se mancha senão pelo consentimento da alma, como disse Lúcia. Pois, é certo que a fornicação ou o adultério é menor pecado que o homicídio, e sobretudo o de si mesmo, que é o gravíssimo, por danificar a nossa própria pessoa, a que devemos o máximo amor. E também é periculosíssimo, porque não resta tempo para o expiarmos pela penitência. - Semelhantemente ainda, a ninguém é lícito matar-se a si mesmo pelo medo de consentir no pecado. Porque não devemos fazer males para que venham bem ou para evitarmos males, sobretudo menores e menos certos. Pois, é incerto se consentiremos num pecado futuro; porque Deus pode nos livrar do pecado, qualquer que seja a tentação que sobrevenha.
RESPOSTA À QUARTA. – Como diz Agostinho, Sansão, matando-se a si mesmo e aos inimigos, com a destruição da casa, só pode ser excusado porque o Espírito, que por ele fazia milagres, lho mandara secretamente. E a mesma razão dá para o procedimento de certas santas mulheres, que se mataram a si mesmas no tempo da perseguição, e cuja memória a Igreja celebra.
RESPOSTA À QUINTA. – Não fugir à morte que outro nos inflige é próprio da fortaleza, que busca o bem da virtude e evitar o pecado. O darmo-nos a nós mesmos a morte, para evitar os males da pena, implica sem dúvida uma certa espécie de fortaleza; pelo que, certos se mataram a si mesmos, pensando assim agir corajosamente; e, no número desses, está Razias. Não é essa porém a verdadeira fortaleza; antes, é uma certa fraqueza de alma, incapaz de suportar os males da penas como claro está no Filósofo e em Agostinho.