O primeiro discute-se assim. – Parece que não é a fé infundida no homem por Deus.
1. –Pois, como diz Agostinho pela ciência gera-se, nutre-se, defende-se e fortifica-se em nós a fé. Ora, o que é gerado em nós pela ciência parece, antes, adquirido que infuso. Logo, não temos fé por infusão divina.
2. Demais. –O que o homem alcança, ouvindo e vendo, considera-se como adquirido por ele. Ora, ele adquire a fé vendo os milagres e ouvindo doutrina da mesma, conforme diz a Escritura: Conheceu o pai ser aquela mesma hora em que Jesus lhe dissera : Teu filho vive. E creu ele, e toda a sua casa ainda: a fé é pelo ouvido. Logo, tem a fé por aquisição.
3. Demais. –O que lhe está ao alcance da vontade o homem pode adquirir. Ora, a fé depende da vontade de quem crê, como diz Agostinho. Logo, podemos adquiri-la.
Mas, em contrário, a Escritura pela graça é que sois salvo mediante a fé, e isto não vem de vós porque é um dom de Deus.
SOLUÇÃO. –Duas condições exige a fé: ser-nos proposto o que devemos crer, para crermos explicitamente; e o assentimento ao que nos é proposto.
Pela primeira condição ela vem necessariamente de Deus. Pois, as verdades da fé, excedendo a razão humana, não são susceptíveis de contemplação pelo homem, se Deus não as revelar. Ora, a certos, como aos Apóstolos e aos profetas, Deus as revelou imediatamente; a outros, as propõe mediante pregadores da fé, como o diz a Escritura: Como pregarão eles se não forem enviados?
Em relação à segunda, isto é, ao assentimento do homem às verdades da fé, podemos considerar-lhe dupla causa. Uma inducente à fé, exteriormente, como um milagre presenciado ou a persuasão de uma pessoa, que leva a ter fé. Nem uma nem outra, porém, é causa suficiente, pois, dos que veem um mesmo milagre e dos que ouvem a mesma pregação, uns creem e outros, não. Portanto, é preciso admitir-se outra causa interior, que mova o homem, de dentro, a assentir nas verdades da fé. E essa os Pelagianos consideravam como sendo só o livre arbítrio. E diziam, por isso, que o início da fé está em nós, pois por nós mesmos nos preparamos a assentir às verdades dela. Porém a consumação da fé vem de Deus, que nos propõe o que devemos crer. Mas esta doutrina é falsa. Porque, o homem, assentindo nas verdades da fé, eleva-se acima da sua natureza, o que não pode se dar senão por um princípio sobrenatural, que move de dentro e que é Deus. Logo, a fé, quanto ao assentimento, que é o principal, no ato da mesma, vem de Deus, movendo interiormente, pela graça.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –A ciência que obra a modo de persuasão exterior, gera e nutre a fé. Mas, a causa principal e própria da fé é a que move, interiormente, a assentir.
RESPOSTA À SEGUNDA. –A objeção feita também procede, quanto à causa, que propõe exteriormente as verdades da fé, ou que persuade a crer por palavras ou obras.
RESPOSTA À TERCEIRA. –Crer depende, sem dúvida, da vontade do crente. Mas, é necessário seja a sua vontade preparada pela graça de Deus, para poder elevar-se ao que lhe excede à natureza, como já dissemos.