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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Artigo 2 - Se o ato da fé se distingue convenientemente em ato de crer a Deus, crer Deus e crer em Deus.

O segundo discute-se assim. – Parece que se distingue inconvenientemente o ato de fé em ato de crer a Deus, crer Deus e crer em Deus.

1. – Pois, a cada hábito corresponde um ato. Ora, a fé, sendo virtude, é um hábito. Logo, é inconveniente admitirem-se vários atos de fé.

2. Demais. – O comum a todos os atos de fé não deve ser considerado como um ato de fé particular. Ora, crer a Deus está compreendido em geral em todo ato de fé, porque esta se funda na verdade primeira. Logo, parece inconveniente distingui-la de outros atos também de fé.

3. Demais. – O que também convém aos infiéis não pode ser considerado de fé. Ora, crer na existência de Deus também os infiéis o creem. Logo, não deve ser considerado ato de fé.

4. Demais. – Mover-se para o fim é próprio da vontade, cujo objeto é o bem e o fim. Ora, crer é ato, não da vontade, mas do intelecto. Logo, não se deve estabelecer diferença nenhuma no ato de crer em Deus, o que implica movimento para o fim.

Mas, em contrário, Agostinho faz a distinção referida.

SOLUÇÃO. – O ato de toda potência ou hábito é considerado relativamente à ordem entre a potência ou o hábito e o seu objeto. Ora, o objeto da fé pode ser considerado à tríplice luz. Pois, crer, sendo ato próprio do intelecto, enquanto movido pela vontade a assentir, como já dissemos objeto da fé pode ser considerado, quer em relação ao intelecto mesmo, quer à vontade motora do intelecto. ­ Ora, se o considerarmos em relação ao intelecto, dois elementos podemos distinguir no ato de fé, como dissemos. Um é o seu objeto material, e então se diz que é um ato de fé crer Deus; porque, como já dissemos nada nos é proposto a crer senão enquanto diz respeito a Deus. Outro é a razão formal do objeto, que é como o meio pelo qual assertimos nele, como crível; e então se considera ato de fé crer a Deus; pois conforme já dissemos, o objeto formal da fé a verdade primeira a que o homem adere, afim de por ela assentir no que crê. - Se porém considerarmos, ao terceiro modo, o objeto da fé, enquanto é o intelecto movido pela vontade, então consideramos ato de fé crer em Deus, Pois, a verdade primeira de refere à vontade, enquanto ela exerce a função de fim.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­– As três distinções feitas não designam atos diversos de fé, mas um só e mesmo ato mantendo relações diversas com o objeto da fé.

Donde se deduz a RESPOSTA À SEGUNDA OBJEÇÃO.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Crer Deus não cabe aos infiéis, enquanto considerado ato de fé. Pois, não creem Deus existente dependentemente das condições determinadas pela fé. Por onde, nem creem verdadeiramente Deus, pois, no dizer do Filósofo, ausência do nosso conhecimento, em relação aos seres simples, consiste só em totalmente não os atingirmos.

RESPOSTA À QUARTA. – Como já se disse, a vontade move o intelecto e as mais potências da alma para o fim; e neste sentido é considerado ato de fé crer em Deus.

Artigo 1 - Se crer é cogitar com assentimento.

O primeiro discute-se assim. Parece que crer não é cogitar com assentimento.

1. – Pois, a cogitação implica investigação; porque cogitar é quase coagitar, ou agitar simultaneamente. Ora, Damasceno diz ser a fé um assentimento não indagativo. Logo, cogitar não pertence ao ato de fé.

2. Demais. – A fé se funda na razão, como a seguir se dirá. Ora, cogitar é ato da potência cogitativa, que pertence à parte sensitiva, como se disse na Primeira Parte. Logo, a cogitação não pertence à fé.

3. Demais. – Crer é ato do intelecto, porque o seu objeto é a verdade. Ore, parece que assentir, como consentir, não é ato do intelecto, mas da vontade conforme já se disse. Logo, crer não é cogitar com assentimento.

Mas, em contrário, Agostinho define assim crer.

SOLUÇÃO. - A palavra cogitar pode tomar­se em triplíce acepção. – Primeiro, em comum, para significar qualquer consideração atual do intelecto, Assim, Agostinho diz: Pela que denomino inteligência é que inteligimos cogitando. Noutra e mais própria acepção, chama-se cogitar à consideração do intelecto acompanhada de uma certa investigação, antes de alcançada a perfeição do mesmo, pela certeza da visão. E neste sentido Agostinho ensina não se diz que o Filho de Deus é cogitação, mas sim, o verbo de Deus. Porque, quando a nossa cogitação, alcança o objeto da ciência e é por ele informada, o nosso verbo é verdadeiro. Por onde, o Verbo de Deus deve ser compreendido como sem cogitação, sem nada de formal, que possa ser informe. E assim sendo, chama-se propriamente cogitação ao movimento da alma, que delibera, ainda não tornado perfeito pela plena visão da verdade. Ora, esse movimento pode ser da alma, que delibera sobre intenções universais, o que pertence à parte intelectiva, ou sobre intenções particulares, o que pertence à parte sensitiva. Por onde, cogitar, na segunda acepção, é tomado pelo ato do intelecto deliberante; ­ na terceira, pelo ato da virtude cogitativa.

Se pois tomarmos a palavra cogitar em comum, conforme à primeira acepção, a expressão - cogitar com assentimento - não significa tudo quanto a crença essencialmente implica. Pois, nessa acepção, também quem considera no que sabe ou intelige cogita com assentimento. – Tomado porém na segunda acepção, cogitar implica na essência total o ato da crença. Pois, certos dos atos pertinentes ao intelecto implicam um firme assentimento, sem a tal cogitação. Assim, quando consideramos o que sabemos ou inteligimos, essa consideração já é informada. Outros atos do intelecto porém importam, por certo, numa cogitação informe sem firme assentimento. Quer por não penderem para nenhuma parte, como se dá com quem duvida; quer, por penderem mais para uma parte, mas dependerem de algum leve sinal, como sucede com quem suspeita; quer, por aderirem a uma parte, mas com temor de que a outra seja a verdadeira, como acontece com quem opina. Ora, o ato de crer implica e adesão firme a uma das partes. Por aí, o crente convém com o que sabe e intelige. E, contudo, o seu conhecimento não é perfeito, pela visão manifesta; por onde, convém com o de quem duvida, suspeita e opina. E, assim, é próprio de quem crê cogitar com assentimento. E por isso, o ato de crer distingue-se de todos os atos do intelecto, relativos à verdade e à falsidade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ A fé não implica a investigação da razão natural, demonstrativa daquilo em que se crê. Implica porém uma certa investigação daquilo pelo que o homem é levado a crer; por exemplo, por ter sido dito por Deus e confirmado por milagres.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Cogitar, aqui, não se toma como ato da virtude cogitativa, mas enquanto pertencente ao intelecto, como se disse.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O intelecto do crente é determinado a um só objeto, não racional, mas voluntariamente. Por onde, assentimento, aqui, se toma pelo ato do intelecto, enquanto é, pela vontade, determinado a um objeto.

Artigo 10 - Se pertence ao Sumo Pontífice ordenar o símbolo da fé.

O décimo discute-se assim. – Parece que não pertence ao Sumo Pontífice ordenar o símbolo da fé.

1. – Pois, uma nova ordenação do símbolo foi necessária, por causa da explicação dos artigos da fé, como já se disse. Ora, no regime do Velho Testamento eram cada vez melhor explicados, conforme a sucessão dos tempos, pois as verdades da fé tornam-se tanto mais manifestas quanto maior for a proximidade de Cristo conforme já se disse. Ora, cessando essa causa, no regime da Lei Nova, não era necessário dar uma explicação cada vez mais clara dos artigos da fé. Logo, parece não pertencer à autoridade do Sumo Pontífice uma nova ordenação do símbolo.

2. Demais. – O que foi interdito, sob pena de anátema, pela Igreja Universal, não depende do poder de nenhum homem. Ora, uma nova ordenação do símbolo foi interdita, sob pena de anátema, por autoridade da Igreja Universal. Pois, dizem as atas do primeiro sínodo efesino: Uma vez lido até ao fim o símbolo do sínodo de Nicéia, o santo sínodo declarou não ser licito a ninguém professar, subscrever ou compor outra fé, que não a definida pelos Santos Padres reunidos em Nicéia sob a inspiração do Espírito Santo. E acrescenta-se a pena de anátema; sendo o mesmo repetido nas atas do sínodo calcedonense. Logo, parece não pertencer à autoridade do Sumo Pontífice ordenar de novo o símbolo.

3. Demais. – Atanásio não foi Sumo Pontífice, mas patriarca de Alexandria; e contudo, constituiu um símbolo cantado na Igreja. Logo, parece não pertencer, antes, ao Sumo Pontífice que aos outros, a constituição do símbolo.

Mas, em contrário, a organização do símbolo foi feita no sínodo geral. Ora, tal sínodo só pode se reunir pela autoridade do Sumo Pontífice, como está nas Decretais. Logo, a organização do símbolo pertence à autoridade do Sumo Pontífice.

SOLUÇÃO. – Como já se disse, uma nova ordenação do símbolo é necessária para obviar aos erros ocorrentes. Portanto, tem autoridade para ordená-lo quem pode determinar o que é matéria de fé, para que todos a esta adiram inconcussamente. Ora, tal é a autoridade do Sumo Pontífice, aquém são deferidas as maiores e mais difíceis questões da Igreja, como determinam as Decretais. Por isso, o Senhor disse a Pedro: a quem constituiu Sumo Pontífice: Eu roguei por ti para que a tua fé não falte; e tu, enfim, depois de convertido conforta a teus irmãos. E a razão disto é que toda a Igreja deve ter a mesma fé, conforme aquilo da Escritura. Todos digais uma mesma coisa, e que não haja entre vós cismas. Ora, isto não poderia ser observado se uma questão sobre a fé não fosse resolvida por quem governa toda a Igreja, de modo a ser a sua decisão aceita firmemente por toda ela. Por onde, só o Sumo Pontífice tem autoridade para fazer nova ordenação do símbolo, bem assim tudo o mais respeitante à Igreja universal, como reunir um sínodo geral e coisas semelhantes.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Na doutrina de Cristo e dos Apóstolos as verdades da fé estão suficientemente explicadas. Mas, os maus pervertem a doutrina apostólica e as outras verdades da Escritura, para perdição deles próprios, no dizer da Escritura. Por isso, foi necessário, no decurso do tempo, fazer uma explanação da fé, contra os erros ocorrentes.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O que o símbolo proíbe e declara se aplica os particulares, que não podem decidir sobre a fé. Mas tal declaração do sínodo geral não tirou o poder, ao sínodo seguinte, de decretar um novo símbolo, contendo, não certo, fé nova, senão a mesma, porém, mais desenvolvida. Por isso, todo sínodo sempre deixou ao seguinte a liberdade de acrescentar qualquer exposição às do precedente, havendo necessidade de se opor a alguma heresia sobre­vinda. O que, pertence ao Sumo Pontífice, por cuja autoridade o sínodo se reúne e a sua sentença se confirma.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Atanásio não compôs uma declaração da fé a modo de símbolo, mas antes, a modo de doutrina, conforme se colhe da sua maneira mesma de exprimir-se. Mas como a sua doutrina continha em resumo as verdades íntegras da fé, foi recebida, pela autoridade do Sumo Pontífice, de modo a ser tida por uma como regra da fé.

Artigo 9 - Se os artigos da fé estão convenientemente dispostos no símbolo.

O nono discute-se assim. – Parece que os artigos da fé estão inconvenientemente dispostos no símbolo.

1. – Pois, a Sagrada Escritura é a regra da fé, à qual não podemos acrescentar nem subtrair nada, como ela própria o diz: Vós não ajustareis nem tirareis nada às palavras que eu vos digo. Logo, é ilícito erigir-se qualquer outro símbolo em regra de fé, depois de ter sido outorgada a Sagrada Escritura.

2. Demais. – Como diz o Apóstolo, uma é a fé. Ora, o símbolo é a profissão da fé. Logo, foi conveniente terem-se feito vários símbolos.

3. Demais. – A confissão da fé, contida no símbolo, diz respeito a todos os fiéis. Ora, nem a todos cabe crer em Deus, mas só aos de fé informada. Logo, inconvenientemente foi outorgado o símbolo da fé sob a forma destas palavras: Creio em um só Deus.

4. Demais. – A descida aos infernos é um dos artigos de fé, como já se disse. Ora, o símbolo dos Padres não faz menção da descida aos infernos. Logo, parece que foi inconvenientemente acrescentado.

5. Demais. – Como diz Agostinho, expondo aquilo do Evangelho Credes em Deus, crede também em mim - cremos em Pedro ou em Paulo; ora, crer só o dizemos em relação a Deus. Logo, sendo a Igreja católica algo de puramente criado, resulta que é inconveniente dizer: Numa, santa, católica e apostólica Igreja.

6. Demais. – O símbolo foi dado para regra de fé. Ora, esta deve ser proposta a todos e publicamente. Logo, devia cantar-se, na missa, qualquer símbolo, como o dos Padres. Portanto, não parece conveniente a disposição dos artigos da fé no símbolo.

Mas, em contrário, a igreja universal não pode errar, por ser governada pelo Espírito Santo, que é o Espírito de verdade. Pois. assim o prometeu o Senhor aos discípulos, dizendo: Quando vier aquele Espírito de verdade, ele vós ensinará todas as verdades. Ora, o símbolo foi dado por autoridade da Igreja universal. Logo, nada contém de inconveniente.

SOLUÇÃO. – Como diz o Apóstolo, é necessário que o que se chega a Deus creia. Ora, ninguém pode crer senão numa verdade que lhe seja proposta à crença. Por isso, foi necessário coligir as verdades da fé, para mais facilmente poderem ser propostas a todos, afim de ninguém ficar privado da verdade, por ignorância da fé. Ora, tal coleção dos artigos da fé recebeu o nome de símbolo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ A Sagrada Escritura contém as verdades da fé difusamente, sob modo diversos e, certas, obscuramente. De modo que, para extraí-las dela é necessário longo estudo e exercício, que nem todos os que têm necessidade de conhecê-las podem dispender; pois a maior parte, tomados por outras ocupações, não tem tempo de se dedicar a esse estudo. Por isso, foi necessário se fizesse sumariamente uma coleção clara das sentenças da Sagrada Escritura, para ser proposta à crença de todos. O que - porém não foi nenhum acréscimo à Sagrada Escritura, mas antes um extrato da mesma.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Todos os símbolos ensinam as mesmas verdades da fé. Mas, há necessidade de instruir mais diligentemente o povo sobre elas, quando ocorrem erros, afim de não ser a fé dos simples corrompida pelos heréticos. Tal a causa de ter sido necessário comporem-se vários símbolos, só diferentes por explicar um, mais plenamente, o que outro contém implicitamente, conforme o exigia a instância dos heréticos.

RESPOSTA À TERCEIRA. – É como que a pessoa de toda a Igreja, unida pela fé, que propõe a confissão desta, no símbolo. Ora, a fé da Igreja é uma fé informada, que também se encontra em todos os membros da Igreja, pelo número e pelo mérito. Por onde, o símbolo transmite a confissão da fé enquanto conveniente à fé informada, de modo que se algum fiel não a tiver informada pode esforçar-se por alcançar essa forma.

RESPOSTA À QUARTA. – Como os heréticos não caíram em nenhum erro a respeito da descida aos infernos, não foi necessária nenhuma explicação sobre esse ponto. E por isso, não é repetido no símbolo dos Padres, mas suposto, como predeterminado, no dos Apóstolos. Pois, o símbolo subsequente não abole, antes, expõe o precedente, como já se disse.

RESPOSTA À QUINTA. – Quando se diz - na santa Igreja católica - devemos entendê-lo como significando ser a nossa fé referida ao Espírito Santo, que santifica a Igreja, de modo que o sentido é: Creio no Espírito Santo, que santifica a Igreja. Mas é melhor, segundo o uso comum, não se colocar aí a partícula na, mas dizer simplesmente, a santa Igreja católica, como diz também o Papa Leão.

RESPOSTA À SEXTA. – Sendo o símbolo dos Padres explicativo do dos Apóstolos, e tendo sido composto depois da fé já manifestada e quando a Igreja estava em paz, por isso é cantado publicamente na missa. Ao passo que o símbolo dos Apóstolos, composto no tempo da perseguição, quando a fé ainda não estava disseminada, é dito privadamente na Prima e no Completório, como que contra as trevas dos erros passados e futuros.

Artigo 8 - Se os artigos da fé estão convenientemente enumerados.

O oitavo discute-se assim. – Parece que os artigos da fé estão inconvenientemente enumerados.

1. – Pois, o que pode ser conhecido por meio da razão demonstrativa não pertence à fé, de modo a ser para todos, objeto de fé, como já se disse. Ora, a unidade de Deus pode ser conhecida por demonstração; pois, o Filósofo prova, e muitos outros filósofos aduziram razões que a demonstram. Logo, a unidade de Deus não deve ser tida como um artigo de fé.

2. Demais. – Assim como, por força da fé, havemos de crer em Deus omnipotente, assim também, por força da mesma, havemos de crer-lhe na omnisciência e na sua universal Providência; e muitos erraram quanto a estes dois pontos. Logo, entre os artigos da fé, devia ter-se feito menção tanto da sabedoria e da Providência divina, como da omnipotência.

3. Demais. – O conhecimento do Pai é o mesmo que o do Filho, conforme aquilo da Escritura. Quem me vê a mim vê também o Pai. Logo, deveria haver só um artigo relativo ao Pai e ao Filho e, pela mesma razão, ao Espírito Santo.

4. Demais. – A pessoa do Pai não é menor que a do Filho e do Espírito Santo Ora, vários artigos foram enumerados relativos à pessoa do Espírito Santo e, semelhantemente, à do Filho. Logo, vários também deviam ser os artigos relativos à pessoa do Pai.

5. Demais. – Assim como há algo de próprio à pessoa do Pai e à do Espírito Santo, assim também à do Filho, quanto à divindade. Ora, os artigos da fé atribuem uma obra própria ao Pai, que é a da criação; e semelhantemente, outra própria ao Espírito Santo, que é a de ter falado por meio dos profetas. Logo, os artigos da fé deviam também atribuir uma obra própria ao Filho, quanto à divindade.

6. Demais. – O Sacramento da Eucaristia tem as suas dificuldades próprias comparada com muitos artigos. Logo, devia ter-se feito um artigo especial sobre ela. Portanto, os artigos da fé não foram suficientemente enumerados.

Mas, em contrário, está a autoridade da Igreja que fez a enumeração.

SOLUÇÃO. – Como já se disse, à fé essencialmente pertence aquilo de que gozaremos a visão na vida eterna, e que a ela nos conduz. Ora, duas coisas se nos propõem a serem vistas nessa vida: a divindade, que nos estava velada, e cuja visão nos torna felizes; e o mistério da humanidade de Cristo; pelo qual temos acesso à gloria dos filhos de Deus, conforme o Apóstolo. Por isso, diz o Evangelho: A vida eterna consiste em que eles conheçam por um só verdadeiro Deus a ti, e a Jesus Cristo, que tu enviaste. Por onde, a primeira distinção das verdades da fé está em certas dizerem respeito à majestade divina; outras, ao mistério da humanidade de Cristo, que é o sacramento da piedade, como diz a Escritura.

Ora, sobre a majestade divina três artigos se nos propõem a crer. - O primeiro é a unidade divina. E a esta pertence o primeiro artigo. O segundo, a Trindade das pessoas. - Em terceiro lugar são nos propostas as obras próprias da divindade. Das quais a primeira pertence à existência da natureza. E por isso é nos proposto o artigo da criação. - A segunda pertence à existência da graça. E por isso num mesmo artigo nos propõe tudo o que pertence à santificação humana. - A terceira enfim, à existência da glória; e por isso é nos proposto outro artigo sobre a ressurreição da carne e a vida eterna. ­ E assim, há sete artigos pertencentes à divindade.

Semelhantemente, no tocante à divindade de Cristo se estabeleceram sete artigos. - Desses o primeiro versa sobre a encarnação ou a concepção de Cristo. - O segundo, sobre a sua natividade, da Virgem. - O terceiro, sobre a sua paixão, morte e sepultura. - O quarto sobre a descida aos infernos. - O quinto sobre a ressurreição. - O sexto, sobre a ascensão. - O sétimo, sobre o seu advento para o juízo.

E assim, são ao todo quatorze.

Certos, porém distinguem doze artigos de fé: seis pertencentes à divindade e seis, à humanidade. Resumem num só os três artigos sobre as três pessoas, porque o mesmo é o conhecimento delas três. Quanto ao artigo sobre obra da glorificação, dividem-no em dois: a ressurreição da carne e a glória da alma. Semelhantemente, reduzem a um os artigos sobre a concepção e a natividade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Conhecemos pela fé muitas verdades a respeito de Deus, que os filósofos não puderam investigar, pela razão natural. Por exemplo, sobre a sua providência, sobre a omnipotência, e que só a Ele devemos adorar. O que tudo está contido no artigo sobre a unidade divina.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O nome mesmo da divindade implica uma certa previsão, como se disse no Primeiro livro. Ora, a potência, no ser inteligente, não obra senão pela vontade e pelo conhecimento. Por onde, a omnipotência de Deus inclui, de certo modo, a ciência e a universal providência. Pois, não poderia fazer tudo o que quer, nos seres deste mundo, se não os conhecesse e exercesse sobre eles a sua providência.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O conhecimento do Padre, do Filho e do Espírito Santo é o mesmo, quanto à unidade essencial, pertencente ao primeiro artigo. Quanto porém à distinção das Pessoas, fundada nas relações de origem, o conhecimento do Filho está, de certo modo, incluído na do Padre. Pois, não seria Pai se não tivesse o Filho, sendo o nexo entre ambos o Espírito Santo. E sendo assim, bem andaram os que estabeleceram um só artigo relativo às três Pessoas. Mas como relativamente a cada uma das Pessoas, devemos atender a certos pontos sobre os quais é possível erro, podem estabelecer-se três artigos relativos às três Pessoas. Assim, Ario acreditava no Pai omnipotente e eterno, mas não que o Filho fosse coigual e consubstancial ao Pai; por isso, foi necessário acrescentar um artigo sobre a pessoa do Filho, para determinar o ponto em questão. E pela mesma razão foi necessário introduzir o artigo terceiro, contra Macedónio, sobre a pessoa do Espírito Santo. E semelhantemente, a concepção de Cristo, a sua natividade e ainda a ressurreição e a vida eterna podem ser compreendidas sob uma mesma noção, num mesmo artigo, enquanto tendo uma mesma ordenação. Mas, sob outra noção podem se distinguir,· enquanto tendo, cada uma, dificuldades especiais.

RESPOSTA À QUARTA. – Ao Filho e ao Espírito Santo é próprio serem enviados para santificar a criatura. Havendo, pois, mais verdades que devemos crer, sobre a pessoa do Filho e do Espírito Santo, são mais os artigos, que sobre a Pessoa do Pai, que nunca é enviado, conforme se disse na Primeira Parte.

RESPOSTA À QUINTA. – A santificação da criatura, pela graça, e a consumação, pela glória, também se operam pelo dom da caridade, próprio do Espírito Santo, e pelo da sapiência, próprio do Filho. Por onde, ambas essas obras propriamente pertencem ao Filho e ao Espírito Santo, sendo disso, porém, diversas as razões.

RESPOSTA À SEXTA. – Duas coisas podemos considerar, no sacramento da Eucaristia. Primeiro, que é um sacramento; e portanto, com o mesmo fundamento que os outros efeitos da graça santificante. Depois, que contém milagrosamente o corpo de Cristo, e então está compreendido na omnipotência, como todos os outros milagres à omnipotência atribuídos.

Artigo 7 - Se os artigos da fé aumentaram na sucessão dos tempos.

O sétimo discute-se assim. – Parece que os artigos da fé não aumentaram na sucessão dos tempos.

1. – Pois, como diz o Apóstolo, é a fé a substância das causas que se devem esperar. Ora, em todo tempo esperamos sempre as mesmas coisas. Logo, em todo tempo devemos crer sempre nas mesmas.

2. Demais. – As ciências ordenadas pelo homem recebem acréscimo, na sucessão dos tempos, por causa dá deficiência do conhecimento dos primeiros que as descobriram, como se vê claramente no Filósofo. Ora, a doutrina da fé não foi descoberta pelo homem, mas dada por Deus; porque é um dom de Deus, diz a Escritura. Ora, como a ciência de Deus não padece nenhuma deficiência, resulta que desde o princípio o conhecimento das verdades da fé foi perfeito, e não aumentou, na sucessão dos tempos.

3. Demais. – A obra da graça não procede menos ordenadamente que a da natureza. Ora, esta toma o seu início sempre do que é perfeito, como diz Boécio. Logo, também a obra da graça há de ter o seu início no que é perfeito; e assim os que primeiro transmitiram a fé a conheceram perfeitissimamente.

4. Demais. – Assim como a fé em Cristo nos chegou por meio dos Apóstolos, assim também, no Antigo Testamento, o conhecimento dela chegou aos patriarcas posteriores por meio dos primeiros, conforme aquilo da Escritura. Pergunta a teu pai e ele te informará. Ora, os Apóstolos foram plenissimamente instruídos sobre os mistérios; pois, receberam-nos, assim como com prioridade temporal, assim também, mais abundantemente que os outros, conforme a Glosa sobre aquilo da Escritura. Nós mesmos que temos as primícias do Espírito. Logo, conclui-se, que o conhecimento das verdades da fé não aumentou na sucessão dos tempos.

Mas, em contrário, Gregório diz: Com o andar dos tempos cresceu a ciência dos Padres espirituais; e quanto mais vizinhos se achavam do advento do Salvador, tanto mais plenamente receberam os sacramentos da salvação.

SOLUÇÃO. – Na doutrina da fé, os artigos desempenham o mesmo papel que os princípios evidentes na ciência adquirida pela razão natural. Ora, nesses princípios descobre-se uma certa ordem, pela qual uns estão implicitamente contidos nos outros, assim como todos se reduzem ao seguinte, como primeiro - é impossível afirmar e negar simultaneamente conforme está claro no Filósofo. Semelhantemente, todos os artigos estão implicitamente contidos em certas verdades primeiras da fé, a saber: devemos crer na existência de Deus e na sua Providência relativa à salvação dos homens, segundo aquilo da Escritura é necessário que o que se chega a Deus creia que há Deus e que é remunerador dos que o buscam. Pois, na existência divina se inclui tudo o que cremos existir eternamente em Deus, em que consiste a nossa felicidade. Por seu lado, na fé da Providência se incluem todas as coisas, temporalmente dispensadas por Deus para a salvação dos homens e que são a via para a felicidade. E deste modo, dos demais artigos subsequentes, uns se incluem nos outros; assim, a fé na redenção humana compreende implicitamente a encarnação de Cristo, a sua Paixão e fatos semelhantes.

Por onde, devemos concluir que, na sua substância, os artigos de fé não receberam acréscimo, na sucessão dos tempos; porque, tudo quanto os patriarcas posteriores acreditaram estava contido na fé dos precedentes, embora implicitamente. Mas, quanto à sua explicação, o número dos artigos aumentou; porque certos foram conhecidos explicitamente pelos patriarcas posteriores, que os anteriores assim não conheceram. Por isso, o Senhor diz a Moisés: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacó; mas eu não lhes declarei o meu nome Adonai. E Davis: Mais que os anciãos entendi: E o Apóstolo: O mistério de Cristo em outras gerações não foi conhecido, assim como agora tem sido revelado aos seus santos Apóstolos e profetas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Todos os homens sempre esperaram as mesmas coisas. Como, porém só por Cristo tiveram essas esperanças, quanto mais afastados estavam de Cristo no tempo, tanto mais longe se achavam da consecução dos bens esperados. Por isso, o Apóstolo diz: Na fé morreram todas estes, sem terem recebido as promessas, mas, vendo-as de longe. Ora, quanto mais uma coisa é vista de longe tanto menos distintamente o é. Por isso, os que estiveram mais vizinhos do advento de Cristo conheceram mais distintamente os bens esperados.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O progresso do conhecimento pode dar-se de dois modos. Primeiro, por parte de quem ensina, quer seja só, quer vários, e que progridem no conhecimento, na sucessão dos tempos. E esta é a razão do progresso das ciências descobertas pela razão humana. - De outro modo, por parte do discente. Assim, o mestre, conhecedor de toda a ciência, não a transmite toda, desde o princípio, ao discípulo, que não poderia compreendê-la, mas, a pouco e pouco, adaptando-lhe à capacidade. E deste modo os homens progrediram no conhecimento da fé, na sucessão dos tempos. Donde o comparar o Apóstolo estado, dos que viveram no regime do Velho Testamento, ao da puerícia.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Duas são as causas preexigidas à geração natural: o agente e a matéria. Ora, na ordem da causa agente, é naturalmente anterior o que é mais perfeito; assim, a natureza começa pelo perfeito, pois o imperfeito não chega à perfeição senão por agentes perfeitos preexistentes. Na ordem, porém da causa material, vem primeiro o imperfeito. E por aí, a natureza procede do imperfeito para o perfeito. - Ora, no manifestar a fé, Deus é como o agente de ciência abeterno perfeita; e o homem, como a matéria receptiva do influxo do agente divino. Por onde, cumpria que o conhecimento humano da fé partisse do imperfeito para o perfeito. E embora certos homens, que foram os doutores da fé, se comportassem a modo de causa agente, contudo a tais a manifestação do Espírito foi dada para a utilidade comum, como diz a Escritura: Por isso, aos Patriarcas, que foram os instituidores da fé, foi ministrado dela um conhecimento tão suficiente quanto era necessário que transmitissem ao povo, nesse tempo, clara ou figuradamente.

RESPOSTA À QUARTA. – A consumação última da graça foi feita por Cristo; por isso, o seu tempo se chama tempo da plenitude. Por isso, os que mais próximos estiveram de Cristo, quer antes, como João Batista, quer depois, como os Apóstolos, conheceram mais plenamente os mistérios da fé. Assim vemos se dar o mesmo com os diversos estados da vida humana: a perfeição é própria da juventude; e tanto mais perfeito é o estado do homem, quanto mais está próximo da juventude, por anterioridade ou posterioridade.

Artigo 6 - Se as verdades da fé devem distinguir-se em certos artigos.

O sexto discute-se assim. – Parece que as verdades da fé não devem distinguir-se em certos artigos.

1. – Pois, todo o conteúdo da Sagrada Escritura deve ser admitido pela fé. Mas, esse conteúdo, pela sua extensão, não pode ser reduzido a um número certo. Logo, é supérfluo distinguir artigos na fé.

2. Demais. – A distinção material, podendo ser levada ao infinito, não na deve levar em conta a arte. Ora, a razão formal do objeto da credibilidade, sendo a verdade primeira, é uma e indivisível como já se disse. Por onde, as verdades da fé não as pode distinguir a razão formal. Logo, deve-se deixar de lado a distinção material, em artigos, das verdades da fé.

3. Demais. – Como certos dizem um artigo é uma verdade indivisível, a respeito de Deus, que nos coarcta a crer. Ora, crer é um ato voluntário, pois, no dizer de Agostinho só crê quem quer. Logo, parece inconveniente distinguir as verdades da fé em artigos.

Mas, em contrário, diz Isidoro: Um artigo é a percepção da verdade divina, que tende para a mesma. Ora, por certas distinções é que podemos perceber a verdade divina; pois, o que em Deus tem unidade multiplica-se em nosso intelecto. Logo, as verdades da fé devem distinguir-se em artigos.

SOLUÇÃO. – Parece que a denominação latina de articulus (artigo) deriva do grego; pois, apopoy, em grego, correspondente ao latim ariiculus (artigo), significa uma certa coaptação de partes distintas. Por isso, as partículas do corpo, coaptadas umas às outras, chamam-se articulações dos membros. Semelhantemente, a gramática grega chama artigos a certas partes da oração coaptadas às demais palavras para exprimir-lhes o gênero, o número ou o caso. E do mesmo modo, em retórica chamam-se artigos a certas coaptações de partes. Assim, diz Túlio: chama-se artigo à distinção das palavras, umas das outras, por intervalos, que cortam a oração, do modo requinte - pela acrimónia, pela voz, pelo semblante, encheste de espanto os adversários.

Por isso se diz que as verdades da fé cristã se distinguem em artigos, por se dividirem em determinadas partes com certa coaptação, umas às outras. Ora, são objeto da fé as realidades, divinas invisíveis como já dissemos. Portanto, sempre que se trate do invisível, por uma razão especial, isso constitui um artigo especial; quando porém, forem muitas as realidades desconhecidas, mas fundadas na mesma razão, não haverá distinção de artigos. Assim, há uma dificuldade em entender que Deus sofreu; outra, em que, depois de morto, ressurgiu; logo, o artigo da ressurreição deve ser distinto do da paixão. Mas, que sofresse, morresse e fosse sepultado, tudo encerra a mesma dificuldade, de modo que, aceitando-se um desses fatos, não é difícil aceitar os outros; portanto, todas essas verdades constituem um mesmo artigo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­– Certas verdades da fé são por si mesma objeto da credibilidade; outras, porém, em dependência de terceiras : assim como também as demais ciências propõem determinadas verdades como buscadas por si mesmas e outras, como manifestativas de terceiras. Ora, versa a fé, principalmente, sobre as realidades que esperamos ver na pátria, conforme a Escritura. A fé é a substância das causas que se devem esperar. Portanto, pertence por si mesmo à fé tudo o que nos ordena diretamente à vida eterna, como, a existência das três Pessoas de Deus Omnipotente, o mistério da encarnação de Cristo e verdades semelhantes. E, por elas se distinguem os artigos da fé. Outras verdades, porém, a Sagrada Escritura nos propõe à crença, não como principalmente visadas, mas para a manifestação das supra-referidas. Assim, que Abraão teve dois filhos, que um morto ressuscitou ao contato dos ossos de Eliseu, e fatos semelhantes, narrados pela Sagrada Escritura, afim de manifestarem a majestade divina ou a encarnação de Cristo. E, em relação a ela, não há necessidade de se fazer distinção de artigos.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A razão formal do objeto da fé pode ser considerada em dupla acepção. - Primeiro, em relação àquilo mesmo em que se acredita. E então, a razão formal de todas as verdades da fé é a mesma, a saber, a verdade primeira. E por aí, não há distinção de artigos. - Noutra acepção, a razão formal das verdades da fé pode ser considerada em relação a nós. E então, essa razão formal da credibilidade está em ter esta por objeto a inevidência. E por aí há distinção entre os artigos da fé, como se viu.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A definição citada do artigo se funda mais na etimologia do nome, enquanto de derivação latina, do que na sua verdadeira significação, enquanto derivada do grego. Por isso, não é tal definição de grande peso. - Pode-se, contudo dizer que, sendo a crença voluntária, ninguém é coarctado a crer por necessidade de coação; somos coarctados, contudo, pela necessidade do fim, pois, como diz o Apóstolo, é necessário que o que se chega a Deus creia, e sem fé é impossível agradar a Deus.

Artigo 5 - Se as verdades da fé podem ser objeto de ciência.

O quinto discute-se assim. – Parece que as verdades da fé podem ser objeto de ciência:

1. – Pois, o que não sabemos ignoramos, por opor-se a ignorância à ciência. Ora, as verdades da fé não são ignoradas, pois ignorá-las é próprio da infidelidade, conforme aquilo da Escritura: Fiz por ignorância na incredulidade. Logo, as verdades da fé podem ser objeto de ciência.

2. Demais. – A ciência se adquire por meio de razões. Ora, os autores sagrados apoiam em razões as verdades da fé. Logo, tais verdades podem ser objeto de ciência.

3. Demais. – O que se prova demonstrativamente constitui ciência, pois a demonstração é um silogismo que gera a ciência. Ora, certas verdades de fé, como a existência, a unidade de Deus e outras semelhantes, as provam demonstrativamente os filósofos. Logo, tais verdades podem ser objeto de ciência.

4. Demais. – A fé, sendo termo médio entre a opinião e a ciência, a opinião dista mais da ciência que a fé. Ora, a opinião e a ciência podem, de certo modo, incidir sob o mesmo objeto, como diz Aristóteles. Logo, o mesmo também se dá com a fé e a ciência.

Mas, em contrário, diz Gregório que as causas visíveis são objeto, não da fé, mas de conhecimento. Logo, as verdades da fé não são objeto de conhecimento. Ora, o que sabemos é objeto de conhecimento. Logo, o objeto de ciência não pode sê-lo da fé.

SOLUÇÃO. – Toda ciência é adquirida por meio de certos princípios evidentes e, por consequência, intuitivos. Logo e necessariamente, tudo o que é sabido há de ser, de algum modo, intuitivo. Ora, não é possível um mesmo sujeito ter intuição e crença, relativamente a um mesmo objeto como já se disse. Por onde, impossível também é ter ciência e crença em relação a esse mesmo objeto. - Por dar-se porém, que o visto ou sabido por um seja crido por outro. Assim, as verdades sobre a Trindade, em que cremos, esperamos haver de vê-las, conforme a Escritura. Nós agora vemos a Deus como por um espelho, em enigmas; mas então face a face. Ora, essa visão já os anjos a têm. Portanto, o que cremos eles veem. E assim, semelhantemente, pode dar-se que o visto ou sabido por um homem, mesmo no estado da vida presente, seja crido por outro, que tal não conhece demonstrativamente. Contudo o comumente proposto a todos os homens para ser crido é, comumente, não sabido. Ora, essas verdades são em absoluto, as da fé. Logo, fé e ciência não tem o mesmo objeto.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Os infiéis ignoram as verdades da fé, pelas não ver ou conhecer em si mesmas, nem lhes apreender a credibilidade. Ora, deste modo é que os fiéis têm conhecimento delas; não quase demonstrativamente, mas enquanto veem, pelo lume da fé, que devem ser cridas, como já se disse.

RESPOSTA À SEGUNDA. – As razões aduzidas pelos Santos Padres para provar as verdades da fé não são demonstrativas; mas, certas persuasões manifestativas da não impossibilidade do que a fé propõe. Ou procedem dos princípios da fé, isto é, das autoridades da Sagrada Escritura, como diz Dionísio. Pois, com tais princípios chegam os fiéis a uma certa prova, assim como a certas outras chegam outros, partindo dos princípios evidentes. Por isso, a teologia também é uma ciência, como se disse no princípio desta obra.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O que se pode provar demonstrativamente inclui-se entre as verdades que se devem crer, não, por terem todos nelas fé absoluta, mas, por ser tal preexigido pelas verdades da fé. E, no mínimo, isso deve ser pressuposto pela fé ao menos por quem não pode de tal ter a demonstração.

RESPOSTA À QUARTA. – Como diz o Filósofo, no lugar aduzido, homens diversos podem ter ciência e opinião de um objeto absolutamente o mesmo, como agora o afirmamos sobre a ciência e a fé. Mas um determinado homem pode, certo, ter fé e ciência de um objeto relativamente o mesmo, por exemplo, de um mesmo sujeito, mas, não sob igual aspecto. Pois, de um mesmo objeto pode alguém saber uma coisa e opinar outra. E de modo semelhante, podemos saber, demonstrativamente, que Deus existe e crer que é trino. Mas, de um mesmo objeto e sob o mesmo aspecto, não pode um mesmo homem, simultaneamente, ter ciência e opinião, nem ciência e fé. Por diferentes razões, porém. Pois, a ciência não pode, absolutamente falando, e em relação ao mesmo objeto, ser simultânea com a opinião. Porque, a ciência consiste, essencialmente, em admitirmos a impossibilidade de ser de outro modo aquilo que sabemos; ao contrário, é da essência da opinião admitirmos a possibilidade de ser de outro modo aquilo que opinamos. Por seu lado, do que sabemos pela fé admitimos a impossibilidade de ser de outro modo, por causa da certeza da fé; mas, um mesmo objeto não pode, simultaneamente, e sob o mesmo aspecto, ser sabido e crido, porque o sabido é visto e o crido é não visto, como se disse.

Artigo 4 - Se é o objeto da fé algo de visível.

O quarto discute-se assim. – Parece que é o objeto da fé algo de visível.

1. – Pois, o Senhor disse a Tomé: Tu crestes, porque me viste: Logo, a visão e a fé tem o mesmo objeto.

2. Demais. – O Apóstolo diz: Nós agora vemos como por um espelho, em enigmas; e refere-se ao conhecimento pela fé. Logo, vemos aquilo mesmo em que cremos.

3. Demais. – É a fé um certo lume espiritual. Ora, qualquer luz nos faz ver. Logo, tem a fé por objeto as coisas visíveis.

4. Demais. – Todo sentido se chama visão, como diz Agostinho. Ora, a fé diz respeito ao que é ouvido, conforme aquilo da Escritura. A fé é pelo ouvido. Logo, a fé refere-se às coisas visíveis.

Mas, em contrário, diz a Escritura: é a fé um argumento das causas que não aparecem.

SOLUÇÃO. – A fé implica o assentimento do intelecto aquilo em que cremos. Ora, a inteligência pode assentir a alguma coisa, de dois modos. - De um modo, quando movido pelo objeto mesmo, ou conhecido, em si, como é claro no caso dos primeiros princípios, objeto do intelecto; ou mediatamente, como é claro no caso das conclusões, objeto da ciência. – De outro modo, o assentimento da inteligência não se funda em ser ela suficientemente movida pelo seu objeto próprio, mas por uma certa eleição, inclinada voluntariamente mais para um lado do que para outro. E então, se isso se der com dúvida e temor não vá a outra parte ser verdadeira, haverá opinião. Se porém, houver certeza, sem qualquer temor, existirá a fé. Ora, vistas são as coisas que, por si mesmas, movem o nosso intelecto, ou os sentidos, ao conhecimento delas. Por onde, é manifesto que nem a fé nem a opinião podem ter por objeto o visível, seja este sensível ou intelectual.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­– Tomé viu uma causa e acreditou em outra: viu um homem e, confessou crer em Deus, quando disse - meu Senhor e meu Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. – As verdades da fé podem ser consideradas à dupla luz. - Primeiro em especial. E, não podem então ser simultaneamente vistas e cridas, como já se disse. - De outro modo, em geral, isto é, sob uma noção geral de credibilidade. E nesse caso, são vistas pelo crente. Pois, não acreditaria nelas, se não visse que devem ser acreditadas, quer pela evidência dos sinais, quer por meio semelhante.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O lume da fé faz-nos ver a credibilidade das verdades em que acreditamos. Pois, assim como peles outros hábitos virtuosos vemos o que nos convém, de conformidade com eles, assim também pelo hábito da fé, a nossa mente se inclina a assentir ao que convém à fé reta e não, a outras coisas.

RESPOSTA À QUARTA. – O ouvido se refere às palavras significativas das verdades da fé; e não, às verdades mesmas constitutivas do objeto da fé. E assim, não é necessário sejam elas vistas.

Artigo 3 - Se é a fé susceptível de falsidade.

O terceiro discute-se assim. – Parece que a fé susceptível de falsidade.

1 – Pois, a fé entra na mesma divisão com a esperança e a caridade. Ora, a esperança é susceptível de falsidade; assim, muitos que esperam alcançar a vida eterna, não há alcançarão. O mesmo se dá com a caridade; pois, muitos são amados como bons sem contudo o serem. Logo, é a fé susceptível de falsidade.

2. Demais. – Abraão acreditou em Cristo, que havia de nascer, conforme aquilo da Escritura: Vosso pai Abraão desejou ansiosamente ver o meu dia. Ora, depois do tempo de Abraão, Deus poderia não ter-se encarnado, pois, só por sua vontade assumiu a carne. Portanto, teria sido falso o que Abraão acreditou de Cristo. Logo, é a fé susceptível de falsidade.

3. Demais. – Era fé dos antigos, que Cristo havia de nascer; e muitos conservaram essa fé até a pregação do Evangelho. Ora, uma vez nascido, e antes de começar a pregar, era falso que Cristo havia de nascer. Logo, é a fé susceptível de falsidade.

4. Demais. – Um dos artigos de fé consiste em crermos que o sacramento do altar contém o verdadeiro corpo de Cristo. Ora, pode acontecer, quando não haja a conveniente consagração, que não exista verdadeiramente esse corpo, mas só o pão. Logo, é a fé susceptível de falsidade.

Mas, em contrário. - Nenhuma virtude aperfeiçoadora do intelecto tem por objeto o falso, enquanto é este um mal do intelecto, como está claro no Filósofo. Ora, é a fé uma virtude, que aperfeiçoa o intelecto, conforme a seguir se demonstrará. Logo, não é susceptível de falsidade.

SOLUÇÃO. – Todo objeto de uma potência, de um hábito ou mesmo de um ato, só o é mediante a sua razão formal. Assim, a cor não pode ser vista senão pela luz; e uma conclusão não pode ser conhecida senão mediante a demonstração. Ora, como já se disse, é a razão formal do objeto da fé a verdade primeira. Logo, ela nada pode alcançar senão enquanto dependente da verdade primeira, que não é susceptível de nenhuma falsidade, assim como o ser não inclui o não ser nem o bem, o mal. Donde se conclui que a fé não é susceptível de nenhuma falsidade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Sendo a verdade o bem do intelecto e não, da potência apetitiva, todas as virtudes, que aperfeiçoam o intelecto, excluem totalmente a falsidade; pois, é da essência da virtude só referir-se ao bem. Ao contrário, as virtudes, que aperfeiçoam a parte apetitiva, não excluem totalmente o falso; assim, podemos agir segundo a justiça ou a temperança, tendo falsa opinião do objeto do nosso ato. Por onde, como a fé aperfeiçoa o intelecto, e a esperança e a caridade, a parte apetitiva, não é o mesmo o caso entre elas. - E, contudo, nem a esperança é susceptível de falsidade. Pois, ninguém espera conseguir a vida eterna por suas próprias forças, o que seria presunção, mas, com o auxílio da graça, perseverando na qual, alcançará infalivelmente essa vida. - Semelhantemente, à caridade pertence amar a Deus, onde quer que esteja Ele. Por isso, não importa, para a caridade, que Deus esteja ou não em quem é amado por causa dele.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A não encarnação de Deus, em si mesma considerada, era possível, mesmo depois do tempo de Abraão. Mas, enquanto objeto da presciência divina, ela tem uma certa e infalível necessidade, como se demonstrou na Primeira Parte E, deste modo, é objeto da fé. Portanto, como tal, não é susceptível de falsidade.

RESPOSTA À TERCEIRA. – À fé do crente pertenceria crer, depois da natividade de Cristo, que ele havia de nascer um dia. Mas a delimitação do tempo, em que se enganava, não procederia da fé, mas da conjectura humana. Pois é possível, por conjectura humana, o fiel cair em alguma falsidade. Mas é impossível, em virtude da fé, afirmar qualquer falsidade.

RESPOSTA À QUARTA. – A fé do crente não se refere a estas ou àquelas espécies de pão; mas a que o verdadeiro corpo de Cristo está sob as espécies do pão sensível, quando convenientemente consagrado. Por onde, sendo inconvenientemente consagrado, nem por isso conterá a fé qualquer falsidade.

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