Category: Santo Tomás de Aquino
O segundo discute-se assim. – Parece que os demônios não tem fé.
1 – Pois, como diz Agostinho, a fé consiste na vontade dos crentes, Ora, boa é a vontade pela qual queremos crer em Deus. Não havendo porém nos demônios nenhuma vontade deliberadamente boa, como já se disse, resulta que neles não há fé.
2. Demais. –É a fé um dom da graça divina, segundo a Escritura. Pela graça é que sois salvos, mediante a fé, porque é um dom de Deus. Ora, os demônios perderam os dons gratuitos, pelo pecado, como diz a Glosa àquilo da Escritura: Eles põem os olhos nuns deuses estrangeiros e gostam do bagaço das uvas. Logo, a fé não subsistiu nos demônios, depois do pecado.
3. Demais. –A infidelidade é considerada o mais grave dos pecados, como claramente o diz Agostinho sobre aquilo da Escritura: Se eu não viera e não lhes tivera falado, não teriam eles pecado ; mas agora não tem desculpa no seu pecado. Ora, certos homens cometem o pecado de infidelidade. Portanto, se os demônios tivessem fé, certos homens cometeriam um pecado mais grave que o deles, o que é inadmissível. Logo, os demônios não tem fé.
Mas, em contrário, a Escritura: Os demônios creem e estremecem.
SOLUÇÃO. –Como já dissemos, o intelecto de quem crê assente no objeto em que crê, não por que o veja, em si mesmo, ou pela resolução aos primeiros princípios intuitivos, mas por império da vontade. Ora, de dois modos pode a vontade mover o intelecto a assentir. Primeiro, pela ordenação dela para o bem, e então crer é ato louvável. De outro modo, por ficar o intelecto convencido, de maneira a julgar que deve crer naquilo que foi dito, embora não esteja convencido da evidência disso. Tal o caso do profeta, que prenunciasse, em nome de Deus, um acontecimento futuro e mostrasse um sinal, ressuscitando um morto. Então esse sinal convenceria o intelecto, de quem o visse, que manifestamente conheceria a predição como vinda de Deus, que não mente, embora não fosse tal acontecimento do futuro evidente em si mesmo. Portanto, não ficaria desse modo, eliminada a fé, na sua essência. Por onde, devemos concluir, que dos fiéis é a fé louvável ao primeiro modo, pelo qual não existe nos demônios, em que só do segundo modo existe. Pois veem muitos indícios manifestos por onde percebem que a doutrina da Igreja vem de Deus, embora não vejam as verdades mesmas que a Igreja ensina, por exemplo, que Deus é trino e uno e outras.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A fé, nos demônios, é de certo modo, forçada pela evidência dos sinais. Por onde, o que creem não lhes redunda em mérito para a vontade.
RESPOSTA À SEGUNDA. –A fé que é dom da graça inclina o homem a crer, por algum desejo do bem, embora informe. Por onde, a fé, nos demônios, não é dom da graça, pois ao contrário, são forçados a crer pela perspicácia do intelecto natural.
RESPOSTA À TERCEIRA. –O que desagrada aos demônios é serem compelidos a crer nos sinais da fé, tão evidente são eles. Portanto, o que creem de nenhum modo lhes diminui a malícia.
O primeiro discute-se assim. –Parece que nem o anjo, nem o homem, na sua condição primitiva, tinham fé.
1. –Pois, como diz Hugo de S. Victor, não tendo o homem olhos contemplativos, não pode ver a Deus nem o que em Deus existe. Ora, o anjo, no estado da sua condição primitiva, antes da confirmação ou da queda, não tinha vista contemplativa, pois, via as coisas no verbo, como diz Agostinho. Semelhantemente, o primeiro homem, no estado de inocência, parece tinha os olhos abertos à contemplação, conforme Hugo de S. Victor, nas suas Sentenças. O homem, diz, no seu primitivo estado, conhecia o seu Criador, não por um conhecimento exterior alcançado só por ouvir dizer, mas antes, pelo que ministra a inspiração interior; não, ao modo por que, nesta vida, os crentes buscam pela fé, a Deus ausente, mas como, então, era visto, mais manifestamente, ela presença da contemplação. Logo, nem o homem nem o anjo tinham fé, no estado da condição primitiva.
2. Demais. –O conhecimento da fé é enigmático e obscuro, conforme a Escritura: Nós agora vemos como por um espelho, em enigmas. Ora, no estado da condição primitiva, nenhuma obscuridade havia no homem nem no anjo, porque a obscuridade é pena do pecado. Logo, a fé, no estado dessa condição, não podia existir nem no homem nem no anjo.
3. Demais. –O Apóstolo diz: a fé é pelo ouvido. Ora, como no estado primitivo da sua condição, nem o anjo nem o homem podiam ouvir nada de outrem, não havia lugar para a fé. Logo, neste estado, não tinha fé nem o homem nem o anjo.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo: é necessário que o que se chega a Deus creia que há Deus, e que é remunerador dos que o buscam. Ora, o anjo e o homem, na sua condição primitiva, achavam-se em estado de se chegar a Deus. Logo, não tinham fé.
SOLUÇÃO. –Certos dizem, que os anjos, antes da confirmação e da queda, e os homens, antes do pecado, não tinham fé por gozarem então da contemplação clara das coisas divinas. Mas é a fé argumento das causas, que não aparecem, segundo o Apóstolo; e cremos, pela fé, o que não vemos, no dizer de Agostinho. Por onde, exclui a fé, por essência, só aquela clareza que torna aparente ou visto o objeto sobre que principalmente recai. Ora, é o objeto principal da fé a verdade primeira, cuja visão, que sucede à fé, nos torna felizes. Portanto, não tendo o anjo, antes da confirmação, nem o homem, antes do pecado, a beatitude pela qual vissem a Deus por essência, é manifesto que não tinham conhecimento tão claro que excluísse a fé, na sua essência. Portanto, o não terem fé não podia ser senão por lhes ser completamente desconhecido o objeto da mesma. Porém se o homem e o anjo foram criados no estado de pura natureza, como certos dizem, talvez se pudesse admitir que não tinham fé, nem este, antes da confirmação, nem aquele, antes do pecado. Pois, é o conhecimento da fé superior ao natural que, não só o homem, mas também o anjo tem de Deus.
Ora, já estabelecemos, na Primeira Parte, que o homem e o anjo foram criados com o dom da graça. Portanto, é necessário admitir-se que, pela graça recebida e ainda não consumada, tinham uma certa incoação da felicidade esperada. Pois esta, começa na vontade pela esperança e pela caridade e no intelecto, pela fé como já dissemos. Logo, devemos concluir, que tanto o anjo, antes da confirmação, como o homem, antes do pecado, tinham fé.
É preciso entretanto notar-se, que o objeto da fé tem um elemento quase formal, que é a verdade primeira, superior a todo conhecimento natural da criatura; e outro, material, como aquilo a que assentimos, aderindo à verdade primeira. Quanto ao primeiro destes elementos, a fé existe comumente em todos os que tem conhecimento de Deus, mas ainda não alcançaram a felicidade futura, unindo-se à verdade primeira. Quanto porém às verdades propostas para serem materialmente cridas, certos acreditam o que outros sabem claramente, mesmo no estado da vida presente como já dissemos. E assim sendo, também podemos dizer que o anjo, antes da confirmação, e o homem, antes do pecado, tiveram conhecimento claro de certos aspectos dos mistérios divinos, que agora só podemos conhecer, crendo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Embora as palavras de Hugo de S. Victor sejam magistrais e tenham a força da autoridade, podemos, contudo dizer, que a contemplação incompatível com a necessidade da fé é a da pátria, onde será a verdade sobrenatural vista por essência. Ora, esta visão não tinha o anjo, antes da confirmação, nem o homem, antes do pecado. A contemplação deles, porém, era mais alta que a nossa; pois, aproximando-se, por ela, mais de Deus, podiam conhecer mais verdades, manifestamente, sobre os divinos efeitos e os mistérios, do que podemos nós. Portanto, não existia neles fé com que buscassem a Deus ausente, como nós buscamos; pois Deus lhes era presente pelo lume da sabedoria, mais que a nós, embora nem a eles fosse de tal modo presente como o é aos bem aventurados pelo lume da glória.
RESPOSTA À SEGUNDA. –No estado da condição primitiva do homem ou do anjo não havia a obscuridade da culpa nem ao da pena. Havia porém no intelecto humano ou angélico, uma certa obscuridade natural, pela qual toda criatura é treva comparada à imensidade da luz divina. Ora, tal obscuridade basta para existir, em essência, a fé.
RESPOSTA À TERCEIRA. –No estado da condição primitiva, o homem não ouvia a ninguém que exteriormente lhe falasse, senão a Deus inspirando interiormente. Assim também os profetas ouviam, conforme aquilo da Escritura. Ouvirei o que o Senhor Deus me falar.
Parece que não é mais certa a fé, que a ciência e as outras virtudes intelectuais.
1. –Pois, a dúvida se opõe à certeza; portanto, está mais certo quem pode duvidar menos, assim como é mais branco o que tem menos mistura de preto. Ora, o intelecto, a ciência e também a sapiência não tem dúvida a respeito dos seus objetos. O crente, porém, pode, às vezes, padecer um movimento de dúvida e duvidar das verdades da fé. Logo, não é mais certa a fé que as virtudes intelectuais.
2. Demais. –A visão é mais certa que a audição. Ora, a fé é pelo ouvido, como diz o Apóstolo mas o intelecto, a ciência e a sapiência implicam uma certa visão intelectual. Logo, mais certa é a ciência ou o intelecto, que a fé.
3. Demais. –Quanto mais perfeição há no que pertence ao intelecto, tanto maior certeza existe. Ora, o intelecto é mais perfeito que a fé, pois, por esta é que se chega aquele, conforme a Escritura. Se não crerdes não entendereis, segundo outra letra. E também Agostinho diz, que pela ciência e fortifica a fé. Logo, mais certa é a ciência ou o intelecto, que a fé.
Mas, em contrário, o Apóstolo diz: Quando ouvindo-nos, isto é, pela fé, recebestes de nós outros a palavra de Deus, vós a recebestes, não como palavra de homens, mas (segundo é verdade) como palavra de Deus, Ora, nada é mais certo que a palavra de Deus. Logo, a ciência não é mais certa que a fé, nem nenhuma outra virtude intelectual.
SOLUÇÃO. –Como já dissemos, duas das virtudes intelectuais, a prudência e a arte, versam sobre o contingente. Ora, a fé tem prioridade sobre elas, quanto à certeza, em razão da sua matéria, que são as verdades eternas, não susceptíveis de mudança. Quanto às três outras virtudes intelectuais - a sapiência, a ciência e o intelecto - elas versam sobre o necessário como já dissemos. Devemos, porém, saber, que a sapiência, a ciência e o intelecto tem dupla acepção: enquanto consideradas pelo Filósofo virtudes intelectuais; e enquanto dons do Espírito Santo. Ora, na primeira acepção, devemos admitir que a certeza pode ser considerada à dupla luz. Primeiro, na sua causa; assim, dizemos ser mais certo o que tem causa mais certa. E a esta luz é mais certa a fé, que as três virtudes referidas, porque se funda na verdade divina, ao passo que estas, na razão humana. À outra luz podemos considerar a certeza relativamente ao sujeito. E então dizemos que é mais certo o que o intelecto humano apreende mais plenamente. Ora, deste modo, são as verdades da fé superiores ao intelecto humano, e não, as que são do alcance das três sobretidas virtudes. Por onde, a esta luz, é a fé menos certa. Mas uma coisa é julgada, absolutamente, quando se lhe considera a causa; e acidentalmente, quando se leva em conta a disposição do sujeito.
Donde, absolutamente considerada, é mais certa a fé; ao passo que as outras virtudes são mais certas acidentalmente, isto é, em relação a nós. Semelhantemente, consideradas as três virtudes referidas, como dons da vida presente, estão para a fé como para o princípio que pressupõem. Por onde, ainda por este lado é mais certa a fé que elas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A dúvida em questão não se funda na fé, mas em nós, por não podermos alcançar plenamente as verdades da fé.
RESPOSTA À SEGUNDA. –Todas as condições iguais, a vista é mais certa que o ouvido; mas se aquele, de quem ouvimos, tem uma vista, que excede muito a capacidade da nossa, então o ouvido é mais certo que a vista, Assim, quem tiver pouca ciência se certificará mais, ouvindo um sábio, do que pelas verdades vistas pela razão própria. E com maior razão, o homem mais se certificará ouvindo a Deus, que não pode se enganar, apoiando-se no que vê com a sua razão própria, susceptível de engano.
RESPOSTA À TERCEIRA. –A perfeição do intelecto e da ciência excede o conhecimento da fé, por ter maior clareza, não porém por ter mais certa a adesão. Pois, toda a certeza do intelecto ou da ciência, enquanto dons, procede da certeza da fé, assim como a do conhecimento, das conclusões, da certeza dos princípios. Enquanto porém virtudes intelectuais, a ciência, a sapiência e o intelecto se apoiam na luz natural da razão, que não tem a certeza da palavra de Deus, em que se baseia a fé.
O sétimo discute-se assim. – Parece que não é a fé a primeira das virtudes.
1 – Pois, aquilo do Evangelho - A vós outros, amigos meus, vos digo - diz a Glosa: a fortaleza é o fundamento da fé. Ora, o fundamento é anterior aquilo que funda. Logo, não é a fé a primeira das virtudes.
2. Demais. – Aquilo da Escritura - Não queiras imitar - diz a Glosa, que a esperança serve de introdução à fé. – Ora, a esperança é uma virtude como a seguir se dirá. Logo, não é a fé a primeira das virtudes.
3. Demais. – Como já se disse, o intelecto do crente se inclina a assentir às verdades da fé, por obediência a Deus. Ora, também a obediência é uma virtude. Logo, não é a fé a primeira das virtudes.
4. Demais. – Não a fé informe é o fundamento, mas a informada, como diz a Glosa a um lugar da Escritura. Ora, é a fé informada pela caridade, como já se disse. Logo, pela caridade é que a fé vem a ser o fundamento. Portanto, é a caridade mais que a fé, fundamento; pois, o fundamento é a primeira parte do edifício. Por consequência, há de ter prioridade sobre a fé.
5. Demais. – Pela ordem dos atos se intelige a dos hábitos. Ora, no ato da fé, o ato da vontade, aperfeiçoado pela caridade, precede ao do intelecto, que a fé aperfeiçoa, como causa, que precede o efeito. Logo, a caridade precede à fé e, portanto, esta não é a primeira das virtudes.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo que é a fé a substância das causas que se devem esperar. Ora, a substância vem, por essência, em primeiro lugar. Logo, é a fé a primeira das virtudes.
SOLUÇÃO. –De dois modos pode uma coisa ser primeira que outra: por essência ou por acidente. Ora, por essência, é a fé a primeira das virtudes. Pois, sendo o fim o princípio das ações como já dissemos, hão de necessariamente as virtudes teologais, cujo objeto é o fim último, ter prioridade sobre as outras virtudes. Ora, em si mesmo, é necessário resida o fim último no intelecto, antes de estar na vontade; pois, a vontade não quer nada senão depois de apreendido pelo intelecto. Ora, está o último fim na vontade pela esperança e pela caridade, e no intelecto, pela fé. Por onde é necessariamente, é a fé a primeira de todas as virtudes, porque o conhecimento natural não pode alcançar a Deus, enquanto objeto da beatitude, para o qual tendem a esperança e a caridade.
Acidentalmente, porém, qualquer virtude pode ter prioridade sobre a fé; mas, uma causa acidental tem prioridade acidental. Ora, é próprio dessa causa remover o obstáculo, como está claro no Filósofo. E por aí, certas virtudes podem ser consideradas acidentalmente como anteriores à fé, por removerem os obstáculos à crença. Assim, a fortaleza remove o temor desordenado, que impede a fé; a humildade, por seu lado, a soberba, que leva o intelecto à recusa de submeter-se à verdade da fé. E o mesmo pode dizer-se de certas outras virtudes, embora não sejam verdadeiramente tais, senão pressuposta a fé, como se vê claramente em Agostinho.
Donde se deduz clara a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A esperança não pode levar, universalmente, a fé. Pois, não se pode ter esperança na eterna beatitude, se não é esta crida como possível, pois o impossível não constitui objeto da esperança, segundo do sobredito se colhe. Mas pela esperança pode alguém ser levado a perseverar na fé ou a ela aderir firmemente; e neste sentido se diz que a esperança conduz à fé.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A obediência é susceptível de dupla acepção. - Às vezes implica a inclinação da vontade a cumprir os mandamentos divinos. E então, não é uma virtude especial, mas se acha geralmente incluída em todas as virtudes, porque todos os atos virtuosos se compreendem nos preceitos da lei divina, como já se disse. E neste sentido a obediência é necessária à fé. - Noutro sentido, a obediência pode ser considerada como implicando uma certa inclinação o cumprir os mandamentos, enquanto tem a natureza de débito. E então a obediência é uma virtude especial e faz parte da justiça; pois, dá o devido ao superior, obedecendo-lhe. Segue-se então, neste sentido, à fé, que manifesta ao homem que Deus é um superior a quem devemos obedecer.
RESPOSTA À QUARTA. – A essência do fundamento não somente exige tenha prioridade, mas também que seja conexo às outras partes do edifício. Pois fundamento não seria se com ele não estivessem coesas as outras partes. Ora, a conexão espiritual do edifício se realiza pela caridade, conforme a Escritura: Sobre tudo isto, revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição. Logo, a fé não pode, sem a caridade, ser fundamento; mas isso não implica seja a caridade anterior à fé.
RESPOSTA À QUINTA – O ato de vontade é pré-exigido à fé; não porém o ato da vontade informado pela caridade. Pois tal ato pressupõe a fé; porque a vontade não pode tender para Deus com perfeito amor, se o intelecto não tiver fé reta relativamente a ele.
O sexto discute-se assim. – Parece que não é uma só a fé.
1. –Pois, assim como é a fé um dom de Deus, conforme diz o Apóstolo, assim também a sabedoria e a ciência são enumeradas entre os dons de Deus, consoante à Escritura. Ora, a sabedoria e a ciência diferem, por versar aquela sobre o eterno e esta, sobre o temporal, como está claro em Agostinho. Ora; versando a fé sobre o eterno e também sobre certas coisas temporais, resulta que a fé não é uma só, mas consta de partes.
2. Demais. –A confissão é um ato de fé, como já se disse. Ora, nem todos confessam uma mesma fé; assim, o que nós confessamos como realizado, os antigos padres confessavam como futuro, conforme está claro nas Escrituras: Eis que uma virgem conceberá. Logo, não é só uma a fé.
3. Demais. –É a fé comum a todos os fiéis de Cristo. Ora, um mesmo acidente não pode existir em diversos sujeitos. Logo, nem todos podem ter a mesma fé.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Um Senhor, uma fé.
SOLUÇÃO. – Considerada como hábito, a fé pode ser tomada em dupla acepção. Primeiro, em relação ao objeto, havendo então uma só fé. Pois, é o objeto formal da fé a verdade primeira, aderindo à qual cremos tudo o que a fé contém. Noutra acepção, relativamente ao sujeito; e então a fé se diversifica com a diversidade dos sujeitos. Ora, é manifesto, que a fé, como qualquer outro hábito, se especifica pela razão formal do objeto, mas se individua pelo sujeito. Portanto, considerada como hábito, pelo qual cremos, é especificamente una e numericamente, diferente, nos diversos sujeitos. - Considerada porém como aquilo em que cremos, embora diversas as suas verdades, acreditadas comumente por todos, contudo todas se reduzem a uma só.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O que a fé propõe de temporal não lhes pertence ao objeto, senão ordenadamente a algo de eterno, que é a verdade primeira, como já se disse. Logo, a mesma fé se refere ao temporal e ao eterno, ao contrário do que se dá com a sabedoria e a ciência, que consideram o temporal e o eterno conforme a essência própria de um e outro.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A diferença assinalada entre o pretérito e o futuro não provém de qualquer diversidade existente no objeto da fé, mas nas relações diversas dos crentes para com a mesma verdade crida como também já se estabeleceu.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A objeção colhe quanto à diversidade numérica da fé.
O quinto discute-se assim. – Parece que não é a fé uma virtude.
1 – Pois, a virtude, tornando bom quem a possui, como diz o Filósofo, ordena para o bem. Ora, a fé ordena para a verdade. Logo, não é virtude.
2. Demais. – Mais perfeita é a virtude infusa, que a adquirida. Ora, a fé, pela sua imperfeição, não é considerada virtude intelectual adquirida, segundo claramente o diz o Filósofo. Logo, com maior razão, não pode ser considerada virtude infusa.
3. Demais. – A fé informada e a informe são da mesma espécie, como já se disse. Ora, a informe não é virtude, por não ter conexão com as demais virtudes. Logo, também não o é a fé informada.
4. Demais. – A graça gratuita e o fruto distinguem-se das virtudes. Ora, a fé está enumerada entre as graças gratuita e também entre os frutos. Logo, não é a fé uma virtude.
Mas, em contrário, o homem se justifica pelas virtudes; pois, a justiça é a virtude total, como diz Aristóteles. Ora, o homem se justifica pela fé, no dizer da Escritura: Justificados pois pela fé, tenhamos paz, etc. Logo, é a fé uma virtude.
SOLUÇÃO. –Como do sobredito resulta, a virtude humana torna bom o ato humano. Por onde, todo hábito, que for sempre princípio de atos bons, pode considerar-se como virtude humana. Ora, tal hábito é a fé informada. Pois, sendo crer um ato do intelecto, que assente à verdade, por império da vontade, duas condições se requerem para esse ser perfeito. Uma, que o intelecto tenda infalivelmente para o seu bem, que é a verdade; outra, que infalivelmente se ordene ao fim último, por causa do qual a vontade assente à verdade. Ora, ambos esses elementos se encontram na fé informada. Pois, é da essência mesma da fé, que o intelecto seja sempre levado para a verdade, pois a fé não é susceptível de falsidades como já estabelecemos. Ora, pela caridade, que informa a fé, a alma tem uma vontade que se ordena infalivelmente para um fim bom. Logo, é virtude a fé informada.
A fé informe, porém não é virtude, porque, embora tenha o ato de fé informe a perfeição devida, por parte, do intelecto, não a tem contudo por parte da vontade. Assim como se a temperança existisse no concupiscíel, e não existisse no racional a prudência, não seria a temperança virtude como já dissemos. Porque o ato de temperança exige um ato de razão e outro do concupiscível, assim como o ato de fé exige o ato da vontade e o do intelecto.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A verdade, em si mesma, é o bem do intelecto, pois é a perfeição dele. Por onde, enquanto que pela fé, o intelecto é determinado para o verdadeiro, a fé se ordena para um certo bem. Mas ulteriormente, enquanto informada pela caridade, também se ordena para o bem, como objeto da vontade.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A fé de que fala o Filósofo se apoia na razão humana que não conclui necessariamente e é susceptível de falsidade. Por onde, essa fé não é virtude. Ao contrário, a fé de que tratamos, funda-se na verdade divina infalível e portanto, não é susceptível de falsidade. Portanto, tal fé pode ser virtude.
RESPOSTA À TERCEIRA. –A fé informada e a informe não diferem especificamente, como se pertencessem a espécies diversas. Diferem porém como, na mesma espécie, o perfeito, do imperfeito. Por onde, a fé informe, sendo imperfeita, não realiza perfeitamente a essência da virtude, pois, a virtude é uma certa perfeição, como diz o Filósofo.
RESPOSTA À QUARTA. – Certos ensinam, que a fé, enumerada entre as graças gratuitas, é a fé informe. – Mas não é esta opinião fundada, porque as graças gratuitas, no caso enumeradas, não são comuns a todos os membros da Igreja. Donde o dizer o Apóstolo: Há repartição de graças; e ainda: a um é dado isto, a outro, aquilo. Ora. a fé informe é comum a todos os membros da Igreja; porque o ser informe não lhe pertence à substância, enquanto dom gratuito. Por onde, devemos dizer que fé, no caso vertente, deve ser tomada por alguma excelência dela, por exemplo, pela constância, como diz a Glosa, ou pela linguagem da fé. Por outro lado, é a fé considerada como fruto, enquanto o seu ato produz certo deleite, em razão da certeza. Por isso, quando o Apóstolo numera os frutos, a Glosa explica que é a fé a certeza do invisível.
O quarto discute-se assim. – Parece que a fé informe não pode vir a ser informada e inversamente.
1. – Pois, como diz a Escritura quando vier o que é perfeito, abolido será o que é em parte. Ora, a fé informe é imperfeita em relação à informada. Logo, sobrevindo a esta, fica excluída a informe, por não terem um hábito numeradamente o mesmo.
2. Demais. – O morto não pode vir a ser vivo. Ora, a fé informe é morta, conforme aquilo da Escritura, A fé sem obras é morta. Logo, a fé informe não pode vir a ser informada.
3. Demais. – A graça de Deus sobreveniente não tem menos efeito, no fiel, que no infiel. Ora, sobrevindo ao infiel produz-lhe o hábito da fé. Logo, quando sobrevém ao fiel, que antes tinha o hábito da fé informe, também causa nele outro hábito de fé.
4. Demais. – Como diz Boéci os acidentes não podem alterar-se. Ora, é a fé um acidente. Logo, não pode a mesma fé ser, ora, informada e, ora, informe.
Mas, em contrário, àquilo da Escritura: A fé sem obras é morta - diz a Glosa - pelas quais revivesce. Logo, a fé, antes morta e informe torna-se informada e viva.
SOLUÇÃO. – Várias opiniões houve sobre este assunto. – Uns disseram que o hábito da fé informada é diferente do da informe; mas, sobrevindo a fé informada, desaparece a informe.
E, semelhantemente, ao homem que peca mortalmente, depois de ter a fé informada, sucede outro hábito, o da fé informe, infundido por Deus. Mas não é admissível, que a graça, sobreveniente exclua qualquer dom de Deus; nem, por outro lado, que qualquer dom de Deus seja infundido no homem pelo pecado mortal. - Por isso outros disseram, que a fé informada e a informe tem, certo, hábitos diversos; contudo, sobrevindo a fé informada, não fica eliminado o hábito da fé informe, mas continua coexistindo no mesmo sujeito, com o da fé informada. Mas, também é inadmissível, que o hábito da fé informe venha a ser vão, no que tem a fé informada. - E portanto, devemos dizer, de outro modo, que a fé informada e a informe tem o mesmo hábito. E a razão é que os hábitos se diversificam pelo que essencialmente lhes pertence. Ora, sendo a fé uma perfeição do intelecto, pertence-lhe a ela essencialmente o que pertence ao intelecto. O que porém pertence à vontade não pertence essencialmente à fé, de modo a poder diversificar o hábito desta. Ora, a distinção entre fé informada e informe funda-se no pertencente à vontade, isto é na caridade, e não no pertencente ao intelecto. Logo, a fé informada e a informe não pertencem a hábitos diversos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As palavras do Apóstolo devem aplicar-se ao caso de ser a imperfeição da essência do ser imperfeito. Pois então e necessariamente, a sobreveniência do perfeito exclui o imperfeito; assim, quando tivermos a visão clara ficará excluída a fé, que essencialmente se refere às coisas que não aparecem. Quando porém não é a imperfeição, da essência do ser imperfeito, então, o ser numericamente o mesmo, que era imperfeito, torna-se perfeito. Assim, a puerícia não é essencialmente o homem, e por isso o ser numericamente o mesmo, que era criança, se torna homem. Ora, a informidade não é da essência da fé, pois, existe acidentalmente, como dissemos. Por onde, é a própria fé informe que se torna informada.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O que constitui a vida do animal, isto é, a alma, forma essencial dele, pertence-lhe por isso, à essência. Por onde, o morto não pode tornar-se vivo, porque diferem entre si especificamente. Ao contrário, o que torna a fé informada ou viva não é da essência dela. Logo, não há símile, no caso aduzido.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A graça produz a fé, não somente quando esta começa, inicialmente, a existir no homem, mas também enquanto durar. Pois, como dissemos, Deus sempre opera a justificação do homem assim como o sol sempre opera a iluminação do ar. Por onde, a graça não obra menos, sobrevindo ao fiel, que ao infiel. Pois, em um e outro produz a fé: naquele, confirmando-a e aperfeiçoando-a; neste, causando-a inicialmente. - Ou pode-se dizer que por acidente, isto é, por causa da disposição do sujeito, é que a graça não causa a fé no crente. Assim como, ao contrário, o pecado mortal não priva da fé aquele que a perdeu por um pecado mortal precedente.
RESPOSTA À QUARTA. – A fé, em si mesma, não se muda, por tornar-se de informada, informe; mas se muda o sujeito dela, que é a alma. Pois esta às vezes tem a fé sem a caridade e outras, com a caridade.
O terceiro discute-se assim – Parece que a caridade não é a forma da fé.
1. – Pois, um ser se especifica pela sua forma. Logo, de coisas que se dividem por oposição, como espécies diversas de um mesmo gênero, uma não pode ser forma de outra. Ora, a fé se divide da caridade, por oposição como espécies diversas da virtude. Logo, a caridade não pode ser forma da fé.
2. Demais. – A forma e o ser ao que ela pertence constituem um mesmo sujeito, porque formam um mesmo ente; absolutamente falando. Ora, a fé reside no intelecto, ao passo que a caridade, na vontade, Logo, a caridade não é a forma da fé.
3. Demais. – A forma é o princípio do ser. Ora, o princípio da crença, no concernente à vontade, parece mais ser obediência que caridade, conforme aquilo do Apóstolo. Para que se obedeça à fé em todas as gentes. Logo, a obediência é mais que a caridade, forma da fé.
Mas, em contrário, todo ser obra pela sua forma. Ora, a fé obra pelo amor. Logo, o amor da caridade é a forma da fé.
SOLUÇÃO. – Como do sobredito se colhe, atos voluntários se especificam pelo fim, objeto da vontade. Ora, o princípio da especificação de um ser se comporta, nos seres naturais, ao modo de forma. Portanto, a forma de qualquer ato voluntário é, de certo modo, o fim a que ela se ordena. Seja porque se especifica por este: seja também porque o modo da ação há de, por força, corresponder proporcionalmente ao fim. Ora, é manifesto, pelo que já se disse, que o ato de fé se ordena ao objeto da vontade, que é o bem, como ao fim. E o bem, fim da fé, a saber, o bem divino, é o objeto próprio da caridade. Logo, a caridade é considerada forma da fé, enquanto que, por ela, o ato de fé, se aperfeiçoa e informa.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Chama-se a caridade forma da fé por lhe informar o ato. Pois nada impede seja um mesmo ato informado por diversos hábitos; e portanto, reduzir-se a diversas espécies, numa certa ordem, como dissemos, ao tratarmos em geral dos atos humanos.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A objeção colhe quanto à forma intrínseca. Assim, pois, a caridade não é a forma da fé, senão enquanto lhe informa o ato, como dissemos acima.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A obediência mesma, como a esperança e qualquer outra virtude, que possa preceder ao ato de fé é informada pela caridade, como a seguir ficará claro. Por onde, a caridade, em si mesma, é posta como forma da fé.
O segundo discute-se assim. – Parece que a fé não está no intelecto, como no seu sujeito.
1. – Pois, como diz Agostinho, a fé consiste na vontade dos crentes. Ora, a vontade é uma faculdade diferente do intelecto. Logo, a fé não está no intelecto como no seu sujeito.
2. Demais. – O assentimento da fé, com que cremos alguma verdade, provém da vontade obediente a Deus. Logo, todo o mérito da fé parece fundar-se na obediência. Ora, esta reside na vontade. Portanto, também a fé, que, por conseguinte, não está na inteligência.
3. Demais. – O intelecto ou é especulativo ou prático. Mas, a fé não reside no intelecto especulativo; pois, como não se pronuncia sobre nada a ser evitado ou de que devemos fugir como diz Aristóteles, não é princípio de operação. Ora, é a fé que obra por caridade, no dizer do Apóstolo, Sernelhantemente, não reside no intelecto prático, cujo objeto é a verdade contingente, factível ou agível; pois é o objeto da fé a verdade eterna, como do sobredito se colhe. Logo, a fé não esta no intelecto como no seu sujeito.
Mas, em contrário, a fé sucede a visão na pátria, conforme aquilo da Escritura. Nós agora vemos como por um espelho, em enigma; mas, então, face a face. Ora, a visão pertence ao intelecto. Logo, também a fé.
SOLUÇÃO. – Sendo a fé uma virtude, há de o seu ato necessariamente ser perfeito. Ora, a perfeição de um ato procedente de dois princípios ativos exige sejam esses dois princípios perfeitos. Assim, não pode cortar bem senão quem tem arte e uma serra bem disposta para cortar. Ora, a disposição para agir bem, nas potências da alma capazes de tender para termos opostos, é o hábito, como dissemos. Logo, é necessário que o ato procedente de duas potências tais seja perfeito, em virtude de um hábito preexistente em ambas as potências. Ora, como já dissemos crer é ato do intelecto, enquanto movido pela vontade a assentir. Mas esse ato procede da vontade e do intelecto, aos quais é natural aperfeiçoar-se pelo hábito, conforme já dissemos. Logo, é necessário haver algum hábito, tanto no intelecto como na vontade, se deve ser perfeito o ato de fé. Assim como também, para ser perfeito o ato concupiscível, é necessário haver o hábito da prudência na razão, e o da temperança, no concupiscível. Ora, crer é ato imediato do intelecto; pois, o objeto desse ato é a verdade que, propriamente, reside no intelecto. Portanto, é necessário resida no intelecto, como no seu sujeito, a fé, princípio próprio desse ato.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Agostinho considera a fé na acepção de ato de fé, que diz consistir na vontade dos crentes, enquanto que, pelo império da vontade, o intelecto assente às verdades da fé.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Não só é necessário seja a vontade pronta a obedecer, mas também há de estar o intelecto bem disposto a seguir o império da vontade. Assim como é necessário esteja o concupiscível bem disposto para obedecer ao império da razão. Portanto, não só é necessário o hábito da virtude na vontade que impera, mas também no intelecto que assente.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A fé reside no intelecto especulativo como no seu sujeito, conforme é manifesto pelo objeto da mesma. Mas, sendo a verdade primeira objeto da fé, o fim de todos os nossos desejos e de todas as nossas ações, segundo se vê claramente em Agostinho isso nos leva a agir por amor. Assim também o intelecto especulativo, por extensão, torna-se prático, como diz Aristóteles.
O primeiro discute-se assim. – Parece inexata a definição da fé que dá o Apóstolo, quando diz: É a fé a substância das coisas que se devem esperar, um argumento das causas que não aparecem.
1. – Pois, nenhuma qualidade é substância. Ora, a fé, sendo uma virtude teologal, como já se demonstrou, é uma qualidade. Logo, não é substância.
2. Demais. – Virtudes diversas têm objetos diversos. Ora, o que esperamos é objeto da esperança. Logo, não deve entrar na definição da fé, como seu objeto.
3. Demais. – A fé mais se aperfeiçoa pela caridade do que pela esperança, porque a caridade é a forma da fé, como a seguir se dirá. Logo, devia-se introduzir, na definição da fé, a coisa que devemos amar, de preferência à que devemos esperar.
4. Demais. – Uma mesma coisa não deve entrar em gêneros diversos. Ora, substância e argumento, são gêneros diversos sem subalternação. Logo, inconveniente é dizer que é a fé substância e argumento.
5. Demais. – Um argumento manifesta a verdade daquilo a que se aplica. Ora, chama-se aparente ao que é de verdade manifesta. Logo, há uma oposição implicada no dito – argumento das causas que não aparecem. Portanto, a fé está inconvenientemente definida.
Mas, em contrário, basta à autoridade do Apóstolo.
SOLUÇÃO. – Muitos dizem que as palavras citadas do Apóstolo não constituem definição da fé. Quem as considerar, porém retamente, verá que encerram tudo o que entra em tal definição, embora não estejam ordenadas em forma de definição. Assim também os filósofos aplicam os princípios dos silogismos, pondo de parte a forma silogística.
E para evidenciá-lo, devemos considerar que, sendo os hábitos conhecidos pelos atos e estes, pelos seus objetos, a fé, sendo hábito, deve ser definida pelo seu ato próprio posto em relação com o seu objeto próprio. Ora, é o ato da fé crer, que como já dissemos, é ato do intelecto determinado a um objeto, por império da vontade. Assim, pois, o ato de fé se ordena, de um lado, ao objeto da vontade, que é o bem e o fim, e, de outro, ao do intelecto, que é a verdade. E sendo a fé uma virtude teologal, como já dissemos, o seu objeto se identifica com o seu fim. Por onde, é necessário que o objeto e o fim da fé se correspondam proporcionalmente. Ora, como já foi dito, a verdade primeira enquanto inevidente e as verdades a que, por causa dela, aderimos constituem o objeto da fé. E deste modo, é necessário que a verdade primeira se comporte, em relação ao ato de fé, como fim, enquanto realiza a essência da realidade não vista. Ora, isto é essencialmente o que esperamos, conforme aquilo do Apóstolo. O que não vemos esperamos. Pois, ver a verdade é possui-la. Mas, ninguém espera o que já tem; pois que a esperança se refere ao que ainda não possuímos como já dissemos.
Assim, pois, a relação entre o ato de fé e o fim o qual é o objeto da vontade, está expressa pelas palavras: E a fé a substância das coisas que se devem esperar. Pois, de ordinário se chama substância à primeira incoação de uma coisa qualquer, e sobretudo, quando no princípio primeiro está contido, virtualmente, tudo quanto dele se segue. Por exemplo, se dissermos que os primeiros princípios indemonstráveis são a substância da ciência, por serem os primeiros elementos, que temos da ciência, esses princípios, que a contêm virtualmente toda. Ora, é deste modo que se diz - é a fé a substância das coisas esperadas, Pois onde a primeira incoação das coisas esperadas, em nós, depende do assentimento da fé, que contém virtualmente tudo o que esperamos. Pois, esperamos que havemos de ser felizes por vermos, com visão plena, a verdade a que aderimos pela fé como é claro pelo que já dissemos antes sobre a felicidade.
Por outro lado, a relação entre o ato de fé e o objeto do intelecto, enquanto objeto da fé, é designada pela expressão: argumento das coisas que não aparecem. E toma-se o argumento, pelo seu efeito. Pois, pelo argumento, a inteligência é levada a aderir a alguma verdade; por onde, à mesma adesão firme do intelecto à verdade da fé que não aparece, chama-se, no caso, argumento. Por isso, outra versão diz - convicção; pois, pela autoridade divina, o intelecto do crente é convencido a assentir ao que não vê.
Quem quiser, pois, reduzir as palavras referidas à forma de definição, poderá dizer: é a fé um hábito da mente, pela qual começa a vida eterna em nós, e que faz a inteligência assentir ao que não aparece. - Por onde, a fé distingue-se de tudo o mais que pertence ao intelecto. Assim, chamando-se - argumento - distingue-se da opinião, da suspeita e da dúvida, pelas quais não é firme a primeira adesão ela inteligência a nada. Quando se diz - Das coisas que não aparecem distingue-se a fé da ciência e do intelecto, que tornam as coisas aparentes. - E enfim, quando se diz - substância das coisas que se devem esperar - distingue-se a fé virtude, da fé comumente considerada, que não se ordena à beatitude esperada.
Quanto a quaisquer outras definições dadas da fé, elas são explicações da que dá o Apóstolo. Assim, Agostinho. É a fé uma virtude pela qual cremos o que não vemos, Damasceno é a fé um consentimento que não indaga. E outros: É a fé uma determinada certeza da alma; sobre objetos ausentes, superior a opinião e inferior a ciência. Ora, todas estas definições se identificam com o dito do Apóstolo: Argumento das coisas que não aparecem. Enfim, a definição de Dionísio - é a fé um fundamento permanente dos crentes, que os faz ter a verdade e, por eles, a manifesta - é a mesma que a referida: substância das coisas que se devem esperar.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – No texto em questão não se toma substância como gênero generalíssimo, dividido, por oposição, dos outros gêneros. Mas enquanto que, em qualquer gênero, se encontra uma certa semelhança de substância. Assim, ao primeiro, em qualquer gênero, que contém virtualmente, em si, as mais subdivisões dele, se chama substância delas.
RESPOSTÃ À SEGUNDA. – Pertencendo a fé ao intelecto, enquanto imperado pela vontade, há de necessariamente ordenar-se, como ao fim, aos objetos das virtudes por que se a vontade aperfeiçoa. Entre elas está a esperança, como a seguir se dirá. Por onde, na definição da fé inclui-se o objeto da esperança.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O amor pode recair tanto sobre o visível como sobre o invisível, sobre o presente como sobre o ausente. Por isso, o amável não se adapta à fé tão propriamente como o esperado, porque a esperança recai sempre sobre um objeto ausente e invisível.
RESPOSTA À QUARTA. – A substância e o argumento, enquanto incluídos na definição da fé, não implicam gêneros diversos dela, nem atos diversos. Mas relações diversas de um ato para objetos diversos, como do sobredito resulta.
RESPOSTA À QUINTA. – O argumento fundado nos princípios próprios de uma verdade fá-la aparente. Mas o fundado na autoridade divina não a torna tal. Ora, é um argumento dessa espécie que entra na definição da fé.