Category: Santo Tomás de Aquino
(De Verit., q. 26, a . 4).
O primeiro discute-se assim. ― Parece que as paixões do apetite irascível são as mesmas do concupiscível.
1. ― Pois, como diz o Filósofo, as paixões da alma são as de que resultam a alegria e a tristeza. Ora, esta e aquela pertencem ao concupiscível. Logo, as paixões do irascível não são diferentes das do concupiscível.
2. Demais. ― Comentando o passo da Escritura (Mt 12, 33) ― O reino dos céus é semelhante ao fermento, etc. ― diz a Glosa de Jerônimo: Na razão tenhamos a prudência; no irascível, o ódio aos vícios; no concupiscível, o desejo das virtudes. Ora, o ódio pertence ao concupiscível, assim como o amor, que lhe é contrário, conforme diz Aristóteles. Logo, são as mesmas as paixões do concupiscível e do irascível.
Em seguida devemos tratar da diferença das paixões entre si.
E sobre esta questão quatro artigos se discutem:
(I, q. 20, a . 1, ad 1; III Sent., dist. XV, q. 2, a . 1, qª 2; IV dist. XLIX, q. 3, a . 1, qª 2, ad 1; De Verit., q. 26, a . 3; II Ethic., lect. V).
O terceiro discute-se assim. ― Parece que a paixão não reside mais no apetite sensitivo que no intelectivo.
1. ― Pois, diz Dionísio, que Hieroteu, ensinado por uma diviníssima inspiração, não só aprendeu as coisas divinas, como teve a paixão delas. Ora, a paixão do divino não pode pertencer ao apetite sensitivo, cujo objeto é o bem sensível. Logo, a paixão reside no apetite intelectivo tanto como no sensitivo.
(III Sent., dist. XV, q. 2, a . 1 qª 2;De Verit., q. 26, a . 3; De Dir. Nom., cap. II, lect. IV; II Ethic., lect. V).
O segundo discute-se assim. ― Parece que a paixão reside mais na parte apreensiva que na apetitiva.
1. ― Pois, o que é primeiro, em qualquer gênero ocupa nesse gênero o primeiro lugar e é a causa do mais, como diz Aristóteles. Ora, a paixão existe na parte apreensiva antes de existir na apetitiva, pois esta não a sente sem que ela afete precedentemente aquela. Logo, a paixão reside mais na parte apreensiva que na apetitiva.
2. Demais. ― O que tem maior atividade tem menor passividade, pois a ação se opõe à paixão. Ora, a parte apetitiva é mais ativa que a apreensiva. Logo, nesta sobretudo reside a paixão.
(III Sent., dist. XV. Q. 2, a . 1, qª 2; De Verit., q. 26, a . 1, 2).
O primeiro discute-se assim. ― Parece que a alma não tem paixões.
1. ― Pois, sofrer é próprio da matéria. Ora, a alma não é composta de matéria e forma, como estabelecemos na primeira parte. Logo, a alma não tem paixões.
2. Demais. ― A paixão é um movimento, como diz Aristóteles. Ora, a alma não é movida, como ainda Aristóteles o prova. Logo, nela não há paixões.
Em seguida devemos tratar das paixões da alma. Primeiro, em geral. Segundo, em especial. Em geral, quatro questões devemos estudar, relativamente a elas. Primeiro, do sujeito delas. Segundo, da diferença entre elas. Terceiro, da comparação mútua entre as mesmas. Quarto, da sua malícia e bondade.
Sobre a primeira questão três artigos se discutem:
(Infra, q. 114, a . 1).
O quarto discute-se assim. ― Parece que o ato do homem, bom ou mau, não é meritório nem demeritório perante Deus.
1. ― Pois, como já se disse, o mérito e o demérito implicam relação com a recompensa de um benefício ou de um dano feito a outrem. Ora, o bom ou mau ato do homem não pode ser proveitoso nem nocivo a Deus, conforme aquilo da Escritura (Jô 25, 6-7): Se pecares, em que danarás tu a Deus? De mais disso, se obrares com justiça, que lhe darás? Logo, o ato do homem, bom ou mau, não é meritório nem demeritório perante Deus.
O terceiro discute-se assim. ― Parece que o ato humano, pela sua bondade ou malícia, não é meritório nem demeritório.
1. ― Pois, mérito e demérito se definem relativamente à retribuição, que só tem razão de ser no referente a outrem. Ora, nem todos os atos humanos implicam tal referência, pois certos não dizem respeito senão ao próprio indivíduo. Logo, nem todo ato humano bom ou mau é meritório ou demeritório.
2. Demais. ― Ninguém merece pena ou prêmio por dispor do seu como quiser; assim, quem o destrói não é punido, como sê-lo-ia se destruísse o alheio. Ora, o homem é senhor dos seus atos. Logo, deles dispondo, bem ou mal, não merece pena nem prêmio.
O segundo discute-se assim. ― Parece que o ato humano, por ser bom ou mau, não é digno de louvor ou de culpa.
1. ― Pois, há pecado mesmo nos fenômenos da natureza, como diz Aristóteles. Ora, não se lhes atribui nem o louvor nem a culpa, como se vê ainda em Aristóteles. Logo, por ser mau ou pecado, um ato humano não é culposo; e por conseqüência nem é digno de louvor por ser bom.
2. Demais. ― O pecado existe nos atos morais assim como nos da arte; pois, como diz Aristóteles, peca o gramático que não escreve bem e o médico que não dá o remédio conveniente. Entretanto, não é inculpado o artista por ter feito mal alguma coisa, porque tem a faculdade de fazer tanto uma obra boa como outra, má. Logo, também o ato moral, por ser mau, não é digno de culpa.
O primeiro discute-se assim. ― Parece que o ato humano, por ser bom ou mau, não implica a noção de retitude ou de pecado.
1. ― Pois, os monstros são pecados da natureza, como diz Aristóteles. Ora, eles não são atos, mas seres gerados contra a ordem da natureza. Ora, as produções da arte e da razão imitam as coisas da natureza, conforme no mesmo passo se diz. Logo, um ato, por ser desordenado e mau, não implica a noção de pecado.
2. Demais. ― Como diz Aristóteles, de pecado é susceptível tanto a natureza como a arte, quando não chegam ao fim visado. Ora, a bondade e a malícia de um ato humano consistem sobretudo no fim intencional e na sua prossecução. Logo, a malícia de um ato não implica a noção de pecado.