Category: Santo Tomás de Aquino
Em seguida devemos tratar das causas exteriores do pecado. E primeiro por parte de Deus. Segundo, por parte do diabo. Terceiro, por parte do homem.
Sobre a primeira questão, discutem-se quatro artigos:
(II Sent., dist. XLIII, a. 4; De Malo, q. 3, a. 13; VII Ethic., lect. VIII).
O quarto discute-se assim. — Parece que quem peca por malícia intencional não peca mais gravemente que quem peca por paixão.
1. — Pois, a ignorância excusa do pecado, total ou parcialmente. Ora, a ignorância de quem peca por malícia intencional é maior que a de quem peca por paixão. Pois, quem peca por malícia intencional assim procede por ignorância do princípio, que é a maior de todas, como diz o Filósofo. Pois aprecia mal o fim, princípio das obras. Logo, é mais excusável de pecado quem peca por malícia intencional que quem peca por paixão.
2. Demais. — Quanto maior for o impulso com que pecamos tanto menor será o pecado, como o demonstra quem a ele se entrega por maior ímpeto de paixão. Ora, quem peca por malícia intencional é levado pelo hábito, cujo impulso é mais forte que o da paixão. Logo, quem peca por hábito peca menos que quem peca por paixão.
3. Demais. — Pecar por malícia intencional é pecar elegendo o mal. Ora, quem peca por paixão também elege o mal. Logo, não peca menos que quem peca por malícia intencional.
Mas, em contrário, o pecado cometido de propósito por isso mesmo, merece pena mais grave, conforme aquilo da Escritura (Jó 34): Feriu-os como ímpios à vista de todos, os que como de propósito se afastaram dele. Ora, a pena só aumenta pela gravidade da culpa. Logo, o pecado se agrava quando proposital e por malícia intencional.
Solução. — O pecado por malícia intencional é mais grave que o passional, por tríplice razão. — Primeiro porque, residindo o pecado principalmente na vontade, quanto mais o ato deste lhe for próprio a ela, tanto mais grave é ele, em igualdade de circunstâncias. Ora, quando pecamos por malícia intencional, o ato pecaminoso é mais próprio à vontade, que por si mesma o busca, que quando pecamos por paixão, pois neste caso a vontade é levada a pecar por um princípio extrínseco. Por onde, o pecado, pelo fato mesmo de ser procedente da malícia, agrava-se, e tanto mais quanto mais veemente for a malícia. E pelo que procede da paixão, tanto mais diminui, quanto mais veemente ela for.
Segundo porque a paixão inclinante a pecar se desvanece rapidamente, e então logo tornamos ao bom propósito, arrependendo-nos do pecado. Ao contrário, o hábito inclinante ao pecado por malícia é uma qualidade permanente; e portanto, quem peca por malícia peca mais diuturnamente. E por isso o Filósofo compara o intemperante, que peca por malícia, ao enfermo que sofre continuamente; e o incontinente, que peca por paixão, ao que sofre intermitentemente.
Terceiro porque quem peca por malícia intencional está mal disposto quanto ao fim mesmo, que é o princípio na ordem da ação. E assim, a sua deficiência é mais perigosa que a de quem peca por paixão, cujo propósito tende para um bom fim, embora tal propósito fique momentaneamente travado pela paixão. Ora, sempre a deficiência do princípio é péssima. Por onde é manifesto, que o pecado por malícia é mais grave que o passional.
Donde a resposta à primeira objeção. — A ignorância da eleição, onde a objeção se funda, nem excusa do pecado nem o diminui, como já se disse. Portanto, nem a tal ignorância maior torna menor o pecado.
Resposta à segunda. — O impulso proveniente da paixão vem de uma como deficiência exterior, relativa à vontade; ao passo que, pelo hábito, a vontade se inclina quase por um princípio interior. Portanto, não há semelhança de razões.
Resposta à terceira. — Uma coisa é pecarmos elegendo e outra, por eleição. Porque, nessa tal pessoa, não é a eleição o princípio primeiro do pecado, mas é levado pela paixão a eleger o que não elegeria se desta estivesse isento. Mas, quem peca por malícia intencional elege o mal em si mesmo, do modo já dito. E portanto a sua eleição é o princípio do pecado, sendo por isso considerado como pecando por eleição.
(II Sent., dist. XLIII, a. 2; In Matth., cap. XII).
O terceiro discute-se assim. — Parece que quem peca por malícia intencional peca por hábito.
1. — Pois, diz o Filósofo, que nem todos podem praticar atos injustos, ao modo do injusto, i. é, por eleição; mas, só o que tem o hábito para tal. Ora, pecar por malícia intencional é fazê-lo, com eleição do mal, conforme já se disse. Logo, só quem tem o hábito pode pecar por malícia intencional.
2. Demais. — Orígenes diz que ninguém se anula ou falha subitamente, mas só paulatinamente e aos poucos há-de resvalar. Ora, o máximo deslize é pecar por malícia intencional. Logo, não é repentinamente e desde o princípio, mas por um diuturno costume, capaz de gerar o hábito, que chegamos a pecar por essa malícia.
3. Demais. — Sempre que pecamos por malícia intencional, necessariamente a vontade por si mesma se inclinará ao mal que elegeu. Ora, pela natureza mesma da potência, o homem não se inclina para o mal, mas ao contrário, para o bem. Logo, se escolhe o mal fá-lo necessariamente por alguma coisa sobreveniente, a saber, a paixão ou o hábito. Ora, quem peca por paixão não peca por malícia intencional, mas por fraqueza, como já se disse. Logo, quem peca por malícia intencional há-de, sempre e necessariamente, pecar por hábito.
Mas, em contrário. — O hábito bom está para a eleição do bem, como o mau, para a do mal. Ora, podemos sem termos o hábito da virtude, escolher o que é virtuosamente bom. Logo, também podemos eleger o mal, sem termos um hábito vicioso; e isso é pecar por malícia intencional.
Solução. — A vontade se comporta, de um modo, em relação ao bem e, de outro, ao mal. Pois, pela natureza da sua potência, inclina-se para o bem racional como para o objeto próprio; e por isso todo pecado é considerado contrário à razão. Portanto e necessariamente, só por alguma causa estranha a eleição da vontade se inclina para o mal. E, isso às vezes se dá por deficiência da razão, como quando pecamos por ignorância; outras, por impulso do apetite sensitivo, como quando pecamos por paixão. E em nenhum destes casos pecamos por malícia intencional, mas só quando a vontade se move propriamente para o mal. O que de dois modos pode se dar. — Primeiro, por alguma disposição corrupta, inclinante para o mal, de modo a, em vista dessa disposição, algum mal nos ser conveniente e semelhante, para o qual, em razão da semelhança, a vontade tende como se fosse bem. Pois, cada ser tende, em si mesmo, ao que lhe é conveniente. E essa disposição corrupta é ou um hábito adquirido pelo costume, que se converteu em natureza; ou algum hábito corpóreo doentio, como quando temos certas inclinações naturais para certos pecados, por causa da corrupção da nossa natureza.
De outro modo, a vontade pode tender, por si mesma, para o mal, pela remoção de um obstáculo proibitivo. Assim, se nos abstivermos de pecar, não propriamente por nos desagradar o pecado, mas pela esperança da vida eterna, ou pelo temor da Geena, uma vez perdida a esperança, pelo desespero, ou o temor, pela presunção, resultará o pecarmos por malícia intencional e quase sem freios.
Por onde claro fica, que o pecado, cometido por malícia intencional, sempre pressupõe no homem alguma desordem, que contudo nem sempre é habitual. Portanto, quem peca por malícia intencional nem por isso peca por hábito, necessariamente.
Donde a resposta à primeira objeção. — Proceder como o injusto é, não somente praticar atos injustos por malícia intencional, mas ainda com prazer, e sem grave oposição da razão. Ora, isso o faz só quem assim age habitualmente.
Resposta à segunda. — Não é repentinamente que resvalamos, pecando por malícia intencional; mas isso pressupõe uma causa que nem sempre é um hábito, como já se disse.
Resposta à terceira. — O que inclina a vontade para o mal nem sempre é um hábito ou paixão, mas podem ser certas outras coisas, como já se disse.
Resposta à quarta. — A eleição do bem e a do mal não têm o mesmo fundamento. Pois, ao passo que o mal nunca existe sem o bem natural, o bem pode existir sem o mal da culpa perfeita.
(II Sent., dist. XLIII, a. 2).
O segundo discute-se assim. — Parece que nem todos os que pecam por hábito pecam por malícia intencional.
1. — Pois, o pecado por malícia é considerado gravíssimo. Ora, às vezes cometem um pecado leve, por hábito, como quando dizemos alguma palavra ociosa. Logo, nem todo pecado por hábito é de malícia intencional.
2. — Demais. — Os atos praticados por hábito são semelhantes aos que geram os hábitos, como diz Aristóteles. Ora, os atos precedentes ao hábito vicioso não procedem de malícia intencional. Logo, também os pecados provenientes do hábito não procedem dessa malícia.
3. Demais. — Nós nos regozijamos com o que praticamos com malícia intencional, conforme diz a Escritura (Pr 2): Os que se alegram depois de terem feito o mal, e triunfam de prazer nas piores coisas. E isto por nos ser agradável conseguir o que intencionamos e nos é, de certo modo, habitualmente conatural. Ora, os que pecam por hábito se doem do pecado cometido; pois, os maus, i. é, os de hábito vicioso, enchem-se de arrependimento, como diz Aristóteles. Logo, os pecados habituais não são de malícia intencional.
Mas em contrário. — Chama-se pecado de malícia intencional o proveniente da eleição do mal. Ora, cada qual elege segundo o hábito próprio o inclina, como diz Aristóteles, a respeito do hábito virtuoso. Logo, o pecado habitual procede de malícia intencional.
Solução. — Não é a mesma coisa pecar, tendo um hábito, e pecar por hábito. Pois, como o hábito depende da vontade do sujeito, este não é arrastado a agir levado por ele. Sendo por isso o hábito definido como aquilo de que usamos quando queremos. E, portanto, como é possível praticarmos um ato virtuoso, embora tenhamos um hábito vicioso, que não trava totalmente a razão, mas lhe deixa um certo discernimento íntegro, permitindo ao pecador praticar alguma obra boa; assim também é possível, embora com um hábito vicioso, obrarmos às vezes, não levados por ele, mas pela paixão em revolta, ou mesmo pela ignorância. Mas, levados pelo hábito vicioso, sempre e necessariamente pecamos por malícia intencional. Pois, quem tem um hábito ama, em si mesmo, o que lhe convém, de acordo com esse hábito, que se lhe torna de certo modo conatural, por se o costume e o hábito converterem em a natureza. Ora, o que nos convém, por um hábito vicioso, exclui o bem espiritual. Donde resulta o elegermos o mal espiritual, para alcançarmos o bem conveniente, de acordo com o hábito. E isto é pecar com malícia intencional. Por onde é manifesto, que quem peca por hábito peca com malícia intencional.
Donde a resposta à primeira objeção. — Os pecados veniais não excluem o bem espiritual, que é a graça de Deus ou a caridade; por isso consideram-se maus, não absoluta, mas relativamente. E por isso também os hábitos deles não podem ser considerados maus absoluta, mas só, relativamente.
Resposta à segunda. — Os atos procedentes dos hábitos são semelhantes especificamente aos atos de que se os hábitos geram. Deles diferem, porém, como o perfeito, do imperfeito. E tal é a diferença entre o pecado cometido com malícia intencional e o praticado por paixão.
Resposta à terceira. — Quem peca por hábito sempre se compraz no seu ato, desde que obedece a um hábito. Mas como pode obedecer não a ele, mas, meditando noutro ato, à razão, ainda não de todo obnubilada, é possível não se deixando levar pelo hábito, doer-se do ato cometido orientado por este. No mais das vezes, porém, os que assim procedem se arrependem do pecado, não por este, em si mesmo, lhes desagradar, mas por algum mal que, por causa do pecado, sofrem.
(II Sent., dist. XLIII, a. 1; De Malo, q. 2, a. 8, ad 4; 1. 3, a. 12; a. 14, ad 7, 8).
O primeiro discute-se assim. — Parece que ninguém peca de propósito ou por malícia intencional.
1. — Pois, a ignorância se opõe ao propósito ou à malícia intencional. Ora, todo mal é ignorante, segundo o Filósofo; e a Escritura (Pr 14): Os que obram mal erram. Logo, ninguém peca por malícia intencional.
2. Demais. — Dionísio diz que ninguém obra mal intencionalmente. Ora, pecar por malícia é praticar o mal intencionalmente; pois, o contrário à nossa intenção é acidental e não pode classificar um ato. Logo, ninguém peca por malícia.
3. Demais. — A malícia em si mesma é pecado. Se pois fosse causa de pecado, seguir-se-ia que um pecado é causa de outro, ao infinito, o que é inadmissível. Logo, ninguém peca por malícia.
Mas em contrário: Os que como de propósito se apartaram de Deus, e não quiseram compreender todos os seus caminhos. Ora, apartar-se de Deus é pecar. Logo, certos pecam de propósito ou por malícia intencional.
Solução — O homem, como qualquer outro ser, deseja naturalmente o bem. E só pela corrupção ou desordem em algum de seus princípios pode o seu apetite inclinar-se para o mal; e assim também pode haver pecado nos atos dos seres naturais. Ora, os princípios dos atos humanos são o intelecto e o apetite, tanto o racional, chamado vontade, como o sensitivo. Por onde, pode haver pecado nesses atos, por deficiência do intelecto, como quando pecamos por ignorância; ou por deficiência do apetite sensitivo, como quando pecamos por paixão; ou ainda por deficiência da vontade, sendo esta desordenada.
E a vontade é desordenada quando mais ama o que é menos bom. Ora, é proceder conseqüentemente preferirmos sofrer detrimento no bem menos amado; assim, quando preferimos sofrer a amputação de um membro, mesmo cientemente, para conservarmos a vida, que amamos mais. E deste modo se uma vontade desordenada ama algum bem temporal — p. ex., as riquezas ou o prazer — mais do que a ordem da razão ou da lei divina ou a caridade de Deus ou um bem semelhante, segue-se que prefere sofrer detrimento em algum desses bens espirituais, para alcançar um bem temporal. Pois, o mal não é outra coisa que a privação de algum bem. E assim, pelo que acabamos de dizer, podemos cientemente querer um mal espiritual, que é, o mal absoluto, e nos priva do bem espiritual, para alcançarmos um bem temporal. E portanto, pecamos intencionalmente ou de propósito, cientemente escolhendo o mal.
Donde a resposta à primeira objeção. — A ignorância às vezes exclui a ciência, pela qual simplesmente sabemos que praticamos o mal, sendo por isso ela a causa do pecado. Outras vezes, porém, exclui a ciência pela qual conhecemos atualmente tal ato como mau; assim, quando pecamos por paixão. Outras vezes, ainda, exclui a ciência pela qual sabemos não devermos praticar um determinado mal para conseguirmos um bem, embora saibamos absolutamente ser isso um mal. E assim dizemos que ignora quem peca intencionalmente.
Resposta à segunda. — O mal não pode ser buscado intencionalmente por ninguém; pode sê-lo contudo para evitar outro mal ou conseguir outro bem, como dissemos. E em tal caso, preferiríamos alcançar um bem, buscado intencionalmente, em si mesmo, sem sofrermos detrimento em outro. Assim, o lascivo quereria fruir o prazer, sem ofender a Deus; mas, propostos esses dois bens, prefere, pecando, incorrer na ofensa de Deus, a privar-se do prazer.
Resposta à terceira. — A malícia, pela qual dizemos que alguém peca pode ser tomada como a malícia habitual, pela qual o hábito mau é, segundo o Filósofo, denominado malícia, assim como o bom é chamado virtude. E a esta luz, dizemos que peca por malícia quem peca pela inclinação do hábito. — Mas também pode ser considerada como a malícia atual. Quer seja denominada malícia a eleição do mal; dizendo-se, nesse caso, que peca por malícia quem peca por tal eleição. Quer seja chamada malícia alguma culpa precedente, da qual resulta outra subseqüente; assim quando alguém se rebela contra o bem de um irmão, por inveja. E então não há identidade entre causa e efeito, mas um ato interior é causa de um ato exterior, e um pecado, causa de outro. Não assim, contudo, ao infinito, pois havemos de chegar a um primeiro pecado, não causado por outro anterior, como do sobredito se colhe.
Em seguida devemos tratar da causa do pecado, por parte da vontade, chamada malícia.
E sobre esta questão, discutem-se quatro artigos:
(De Malo., q. 3, a. 10)
O oitavo discute-se assim. ― Parece que o pecado provocado pela paixão não pode ser mortal.
1. Pois, o pecado venial separa-se do mortal, por contrariedade. Ora, o pecado por fraqueza é venial, por trazer em si a causa da vênia. Ora, sendo o pecado provocado pela paixão proveniente da fraqueza, resulta o não poder ser mortal.
2. Demais. ― A causa é mais forte que o efeito. Ora, a paixão não pode ser pecado mortal, por não poder este residir na sensualidade, como já se demonstrou (q. 74, a. 4). Logo, o pecado provocado pela paixão não pode ser mortal.
3. Demais ― A paixão desvia a razão, como do sobredito se colhe (a. 1, 2). Ora, a razão pode voltar-se para Deus ou dele afastar-se, e nisso consiste a essência do pecado mortal. Logo, o pecado provocado pela paixão pode ser mortal.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Rm 7, 5): as paixões dos pecados obravam em nossos membros para darem fruto à morte. Ora, frutificar para a morte é próprio do pecado mortal. Logo, o pecado provocado pela paixão pode ser mortal.
SOLUÇÃO. ― O pecado mortal consiste, como dissemos (q. 72, a. 5), no afastamento de Deus, fim último; e esse afastamento provém da razão deliberativa, à qual também é próprio ordenar para o fim. Por onde, só nos movimentos súbitos pode suceder que a inclinação da alma para um fim contrário ao fim último, não seja pecado mortal, por não ter podido intervir a razão deliberativa. Ora, não é subitamente que passamos da paixão ao ato pecaminoso, ou ao consentimento deliberado. Logo, a razão deliberativa pode intervir; pois, pode excluir ou, pelo menos, impedir a paixão, como já se disse (a. 7). Portanto, se não intervier, o pecado é mortal; daí o vermos muitos homicídios e adultérios serem cometidos por paixão.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― De três modos pode um pecado considerar-se venial. ― Primeiro quando tem uma causa de vênia, que o diminui. Assim, chama-se venial o pecado por fraqueza ou ignorância. ― Segundo, por um evento; assim, todo pecado pela penitência torna-se venial, i. é, consegue-se a vênia. ― Terceiro, genericamente, como a palavra ociosa. E, só nesta acepção, venial se opõe ao mortal. Ora, a objeção se funda no primeiro sentido.
RESPOSTA À SEGUNDA OBJEÇÃO. ― A paixão é causa do pecado, quanto à conservação. Mas o torna mortal a aversão consecutiva acidentalmente à conversão, como já se disse (a. 6, ad 1). Logo, a objeção não colhe.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― Nem sempre o ato da razão fica totalmente impedido pela paixão; e por isso resta-lhe sempre o livre arbítrio, para poder apartar-se de Deus ou voltar-se para ele. Se porém ficasse totalmente travado o uso da razão, já não haveria pecado, nem mortal nem venial.
(Infra a 8, ad 3 ; De Malo, q. 3, a. 10 ; V Ethic., lect. XIII).
O sétimo discute-se assim. ― Parece que a paixão excusa totalmente o pecado.
1. ― Pois, tudo o que causa o involuntário excusa totalmente do pecado. Ora, a concupiscência da carne, que é uma paixão, causa o involuntário, conforme aquilo da Escritura (Gl 5, 17): a carne deseja contra o espírito, para que não façais todas as coisas que quereis. Logo, a paixão excusa totalmente do pecado.
2. Demais. ― A paixão causa uma ignorância particular, como já se disse (a. 2). Ora, a ignorância particular excusa totalmente do pecado, como já se estabeleceu (q. 19, a. 6). Logo, a paixão também excusa totalmente dele.
3. Demais. ― A enfermidade da alma é mais grave que a do corpo. Ora, esta excusa totalmente do pecado, como bem o mostram os loucos. Logo, com maior razão, a paixão, que é uma enfermidade do corpo.
Mas, em contrário, o Apóstolo (Rm 7, 5), as denomina paixões dos pecados, só pelos causar; o que não faria se excusassem totalmente deles. Logo, as paixões não excusam totalmente do pecado.
SOLUÇÃO. ― Um ato genericamente mau só é isento totalmente de pecado se foi totalmente involuntário. Por onde, a paixão, que tornar totalmente involuntário o ato a ela consecutivo, excusa totalmente do pecado; do contrário, não.
Sobre isto duas coisas se devem ponderar. ― A primeira, que um ato é voluntário em si mesmo, quando a vontade para ele é levada diretamente; ou na sua causa, quando a vontade visa a esta e não, o efeito, como o demonstra quem voluntariamente se embriaga, ao qual se imputa como voluntário o que pratica no estado de embriaguez. ― Em segundo lugar devemos ponderar, que um ato pode ser considerado voluntário direta ou indiretamente. Diretamente, quando a vontade é para ele levada; indiretamente, quando, podendo impedi-lo, não o fez.
Mas aqui devemos distinguir. Assim, a paixão é às vezes tão forte de modo a privar totalmente do uso da razão, como bem o mostram os enlouquecidos por amor ou ira. E então, se essa paixão era a princípio voluntária, o ato é imputado como pecado; pois, é voluntário na sua causa, como já o dissemos a respeito da embriaguez. Se porém a causa não for voluntária, mas natural, como quando, p. ex., alguém, por doença ou causa semelhante, se deixa dominar de uma paixão tal, que priva totalmente do uso da razão, o ato se torna absolutamente involuntário e, por conseqüência, excusa totalmente do pecado. Outras vezes porém a paixão não é tão forte que de todo impeça o uso da razão. E nesse caso esta pode excluir a paixão, distraindo-se com outros pensamentos; ou impedir que ela consiga o seu efeito, porque os membros não se ativam senão com o consentimento da razão, como já se disse (q 17, a. 9). Por onde, tal paixão não excusa totalmente do pecado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― O dito ― para que não façais todas as coisas que quereis ― não deve ser referido ao que praticamos exteriormente, mas ao movimento interior da concupiscência. Pois, preferíamos não desejar nunca o mal, como é também interpretado aquilo do Apóstolo (Rm 7, 19): faço o mal que não quero. Ou também pode ser referido à vontade precedente à paixão; como bem mostram os incontinentes, quando, arrastados pela concupiscência, agem contra o seu propósito.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― A ignorância particular excusa totalmente quando é a ignorância da circunstância, que não podemos conhecer, apesar de empregarmos a diligência devida. Mas a paixão causa a ignorância do direito, em um caso particular, por impedir a aplicação da ciência comum a um ato particular; e essa paixão pode a razão repeli-la, como já se disse.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― A enfermidade do corpo é voluntário. Símile haveria se fosse voluntária, como já dissemos a respeito da embriaguez, enfermidade corpórea.
(Supra, q. 24, a. 3 ; q. 73, ad 6 ; De Verit., q. 26, a. 7, ad I ; De Malo, q. 3, a 2 ; V Ethic., lect. XIII).
O sexto discute-se assim. ― Parece que o pecado não fica atenuado pela paixão.
1. ― Pois, o aumento da causa aumenta o efeito; assim, o cálido dissolve, o mais cálido mais dissolve. Ora, a paixão é causa do pecado, como já se estabeleceu (a. 5). Logo, quanto mais intensa a paixão, tanto maior o pecado. Portanto, ela não o diminui, mas, o aumenta.
2. Demais. ― A paixão boa está para o mérito, assim como está a má para o pecado. Ora, aquela aumenta o mérito; pois, tanto mais merecemos quanto maior for a misericórdia com que socorremos os pobres. Logo, também a má paixão antes agrava que atenua o pecado.
3. Demais. ― Quanto mais intensa for a vontade de cometermos o pecado, tanto mais grave será este considerado. Ora, a paixão, impulsora da vontade, fá-la cometer mais veementemente o ato pecaminoso. Logo, a paixão agrava o pecado.
Mas, em contrário. ― A paixão mesma da concupiscência é a chamada tentação da carne. Ora, quanto maior for a paixão que nos subjuga, tanto menos pecaremos, como claramente o diz Agostinho. Logo, a paixão diminui o pecado.
SOLUÇÃO. ― O pecado consiste essencialmente num ato do livre arbítrio, a faculdade da vontade e da razão. Ora, a paixão é um movimento do apetite sensitivo, e pode ser antecedente e conseqüente ao livre arbítrio. Antecedente, quando a paixão do apetite sensitivo arrasta ou inclina a razão ou a vontade, como já dissemos (a. 1, 2; q. 9, a. 2; q. 10, a. 3). Conseqüente, quando o movimento das faculdades superiores, pela sua veemência, redundam nas inferiores. Pois, a vontade não pode mover-se intensamente para nada, sem provocar alguma paixão no apetite sensitivo.
Se portanto considerarmos a paixão precedente ao ato do pecado, por força ela o diminuirá. Pois, um ato é pecaminoso na medida em que é voluntário e dependente de nós. Ora, diz-se que alguma coisa depende de nós, pela razão e pela vontade. Por onde, quanto mais a razão e a vontade agem livremente, e não pelo impulso da paixão, tanto mais a obra é voluntária e nossa. E deste modo a paixão, diminuindo o voluntário, diminui o pecado. ― Por seu lado, a paixão conseqüente não o diminui, mas ao contrário, o aumenta; ou antes, é sinal da gravidade do mesmo, por demonstrar a intensidade da vontade em querer o ato pecaminoso. E assim e verdadeiramente quanto maior for a libidinosidade ou a concupiscência com que pecarmos, tanto mais gravemente pecaremos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― A paixão é causa do pecado no atinente à conversão. Pois, a gravidade do mesmo depende sobretudo da aversão, que, por sua vez, resulta acidentalmente da conversão, i. é, contra a intenção do pecador. Ora, não são as causas acidentais correlatamente aumentadas que aumentam os efeitos, mas só as essenciais.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― A paixão boa, conseqüente ao juízo da razão, aumenta o mérito. Se porém o proceder, de modo a sermos levados a obrar bem, mais pela paixão que por um juízo racional, então a paixão diminui a bondade do ato e o louvor que lhe é devido.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― Embora o movimento da vontade seja mais intenso quando provocado pela paixão, não é contudo tão próprio da vontade como quando, dirigido só pela razão, conduz ao pecado.
(II Sent., dist. XLII, q. 2, a. 1).
O quinto discute-se assim. ― Parece que se consideram inconvenientemente como causas dos pecados a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida.
1. ― Pois, segundo o Apóstolo (1 Tm 6, 10), a raiz de todos os males é a avareza. Ora, a soberba da vida não está contida na avareza. Logo, não deve ser posta entre as causas dos pecados.
2. Demais. ― A concupiscência da carne se excita principalmente pela visão dos olhos, segundo aquilo da Escritura (Dn 13, 56): a formosura te seduziu. Logo, a concupiscência dos olhos não se divide, por contrariedade, da concupiscência da carne.
3. Demais. A concupiscência é um apetite deleitável, como já se disse (q. 30, a. 1). Ora, a deleitação pode afetar não só a vista, mas também os outros sentidos. Logo, também se deveria admitir uma deleitação do ouvidos e dos demais sentidos.
4. Demais. ― Assim como somos induzidos do pecado pela concupiscência desordenada do bem, assim, pela aversão desordenada ao mal, conforme já se disse (a. 4, ad 3). Ora, na enumeração supra nada há de condizente com essa aversão ao mal. Logo, enumeram-se insuficientemente as causas dos pecados.
Mas, em contrário, diz a Escritura (1 Jo 2, 16): Porque tudo o que há no mundo é concupiscência da carne, e concupiscência dos olhos, e soberba da vida. Ora, por causa do pecado vem o nos referirmos às coisas do mundo; e por isso, no mesmo livro (5, 19) está que todo o mundo está posto no maligno. Logo, as causas dos pecados são as três supra-enumeradas.
SOLUÇÃO. ― Como já dissemos (a. 4), o amor desordenado de si é a causa de todo pecado. Ora, nesse amor está incluído o apetite desordenado do bem, pois cada qual deseja o bem a quem ama. Por onde manifestamente, tal apetite é a causa de todo pecado. Mas o bem é de duplo modo o objeto do apetite sensível, onde residem as paixões da alma, causas do pecado. É-o absolutamente, enquanto objeto do concupiscível; ou, de outro modo, quando, difícil de atingir, é o objeto do irascível, conforme dissemos (q. 23, a. 1).
Ora, dupla é a concupiscência, segundo já se estabeleceu (q. 30, a. 3). Uma natural, incidente sobre o necessário ao sustento do corpo, quer quanto à conservação do indivíduo, como a comida, a bebida e coisas semelhantes; quer quanto à conservação da espécie, como o é o caso da função reprodutora. E ao apetite desordenado de tais coisas se chama concupiscência da carne. ― A outra é a concupiscência animal incidente sobre coisas que, pelo sentido da carne, não produzem sustento nem deleitação, mas são deleitáveis pela apreensão imaginativa, ou de modo semelhante. Assim, o dinheiro, o ornato das vestes e coisas semelhantes. Esta concupiscência animal se chama concupiscência dos olhos. E por ela se entende a concupiscência da visão mesma, que se opera pelos olhos, e se traduz pela curiosidade, segundo a exposição de Agostinho. Ou, a concupiscência das coisas propostas exteriormente aos olhos, e que se traduz pela cobiça, segundo a exposição de outros. ― Por outro lado, o desejo do bem difícil diz respeito à soberba da vida; pois, a soberba é o apetite desordenado da excelência, como a seguir se dirá (q. 84, a. 2; IIa IIae, q. 162, a. 1).
Por onde, é claro, a essas três concupiscências podem reduzir-se todas as paixões, causas do pecado. Pois, às duas primeiras se reduzem todas as paixões do concupiscível; e à terceira, todas as do irascível, não susceptível de dupla divisão, porque todas as paixões do irascível correspondem à concupiscência animal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Enquanto a cobiça implica universalmente o apetite de qualquer bem, a soberba da vida também está nela compreendida. E como a cobiça, sendo então um vício especial e denominando-se avareza, é a raiz de todos os vícios, a seguir se dirá (q. 82, a. I).
RESPOSTA À SEGUNDA. ― Pela concupiscência dos olhos não se entende aqui a concupiscência de todas as coisas que por eles podem ser vistas, senão só a daquelas onde não buscamos o deleite carnal, depende do tato, mas só a dos olhos, i. é, de qualquer virtude apreensiva.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― O sentido da vista é o mais excelente de todos e o que maior extensão abrange, como diz Aristóteles. E por isso o seu nome se aplica a todos os outros sentidos e também a todas as apreensões interiores, no dizer de Agostinho.
RESPOSTA À QUARTA. ― A fuga do mal é causada pelo desejo do bem, como dissemos (q. 24, a. 2). E por isso se referem às paixões que inclinam para o bem, como causas das inclinantes desordenadamente à fuga do mal.