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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 4 — Se o pecado original se mani¬festa igualmente em todos.

(II Sent., dist. XXXII, q. 1, a. 3).
 
O quarto discute-se assim. — Parece que o pecado original não se manifesta igualmente em todos.
 
1. — Pois, o pecado original é a concupiscência desordenada, como já se disse. Ora, nem todos são igualmente inclinados à concupiscência. Logo, o pecado original não se manifesta igual­mente em todos.
 
2. Demais. — O pecado original é uma dis­posição desordenada da alma; assim como a doença o é do corpo. Ora, a doença é suscep­tível de mais e de menos. Logo, também o pe­cado original.
 
3. Demais. — Agostinho diz que a sensualidade transmite o pecado original à prole. Ora um desenvolve maior sensualidade que ou­tro, no ato da geração. Logo, o pecado original pode existir em um mais que em outro.
 
Mas, em contrário, o pecado original é o pecado da natureza, como já se disse. Ora, a natureza de todos é igual. Logo, também o pe­cado original.
 
Solução. — Dois elementos há no pecado original: a falta da justiça original e a relação dessa falta com o pecado do primeiro pai, do qual é derivada por uma origem viciosa. — Ora, quanto ao primeiro elemento, o pecado original não é susceptível de mais nem de menos. Por­que nos privou totalmente do dom da justiça original; ora, as privações que privam total­mente, como a morte e as trevas, não são susceptíveis de mais nem de menos, como já se disse. — Semelhantemente, nem quanto ao se­gundo. Pois, todas se relacionam igualmente com o primeiro princípio da origem viciosa, donde derivou essencialmente para o pecado original a culpa; ora, relações não são susceptíveis de mais nem de menos. — Por onde é manifesto, que o pecado original não se mani­festa em um mais que em outro.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Roto o vínculo da justiça original, que manti­nha na ordem, todas as potências da alma, cada uma delas obedece à sua tendência própria, e tanto mais veemente, quanto mais forte. Ora, sucede que certas potências da alma são mais fortes em um que em outro, por causa das diversas compleições do corpo. Portanto, o ser um mais inclinado que outro à concupiscência não provém do pecado original. Porque em todos foi igualmente roto o vínculo da justiça original, e igualmente em todos as partes inferiores da alma foram abandonadas a si próprias. Mas isso provém da diversa disposição das potências, como dissemos.
 
Resposta à segunda. — A doença do corpo não tem em todos causa igual, mesmo se for especificamente a mesma. Assim, na febre proveniente da bílis putrefata a putrefação pode ser maior ou menor e mais próxima ou mais remota do princípio vital. Ao passo que a causa do pecado original é igual em todos. Logo, a comparação não colhe.
 
Resposta à terceira. — A sensualidade transmitente do pecado original à prole não é a sensualidade atual. Pois, dado que o poder divino concedesse a alguém o não sentir nenhuma sensualidade desordenada no ato da geração, ainda assim transmitiria à prole o pecado original. Mas devemos considerar essa sensualidade como a habitual, que torna o apetite sensitivo insubmisso à razão, roto o vínculo da justiça original. Ora, tal sensualidade é a mesma em todos.

Art. 3 — Se o pecado original é a concupiscência.

(Sent., dist. XXX, q. 1, a. 3; Expos. Litt.: dist. XXXII, q. 2, a. 1, ad 3; dist. XXXII, q. 1, a. 1, ad 1, 3, 4; De Malo, q. 3, a. 7; q. 4, a. 2).
 
O terceiro discute-se assim. — Parece que o pecado original não é a concupiscência.
 
1. — Pois, todo pecado é contrário à natu­reza, como diz Damasceno. Ora, a concupiscência, sendo o ato próprio da potência con­cupiscível, potência natural, é conforme a na­tureza. Logo, não é o pecado original.
 
2. Demais. — O pecado original causou em nós as paixões dos pecados, como se vê no Apóstolo (Rm 7). Ora, há muitas outras paixões, além da concupiscência, como já se estabeleceu. Logo, o pecado original não é a concupiscência, antes que qualquer outra paixão.
 
3. Demais. — Pelo pecado original desor­denaram-se todas as partes da alma, como já se disse. Ora, a inteligência é a suprema dessas partes, como está claro no Filósofo. Logo, o pecado original é mais a ignorância que a concupiscência.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho: a con­cupiscência é o reato do pecado original.
 
Solução. — Cada ser se especifica pela sua forma. Ora, como já se disse, o pecado original se especifica pela sua causa. Logo e necessaria­mente, a causa do pecado original é a que lhe dá a formalidade. E como coisas opostas têm causas opostas, deve-se fundamentar a causa do pecado original pela da justiça original, que se lhe opõe. Ora, toda a ordem da justiça original estava na sujeição da vontade humana a Deus. Essa sujeição se dava, primária e principal­mente, pela vontade, à qual compete mover todas as outras partes para o fim, como já disse­mos. Por onde, o afastamento da vontade, de Deus, causou a desordem em todas as outras potências da alma. Portanto, a privação da jus­tiça original, pela qual a vontade estava sujeita a Deus, é o que há de formal no pecado original; enquanto que todas as outras desordens das po­tências da alma constituem como o elemento material desse pecado. Ora, a desordem dessas outras potências consiste, principalmente em buscarem desordenadamente os bens mutáveis; e essa desordem pode receber a denominação comum de concupiscência. E portanto, o peca­do original é, materialmente, concupiscência; formalmente, porém, consiste na falta da justiça original.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Sendo no homem a potência concupiscível na­turalmente regulada pela razão, a concupiscên­cia é-lhe natural a ele na medida em que se con­forma com a ordem da razão. E a que ultra­passa os limites da razão é contra a natureza do homem. Ora, tal é a concupiscência do pecado original.
 
Resposta à segunda. — Como já dissemos, as paixões do irascível se reduzem às do con­cupiscível como às principais; entre as quais a concupiscência move mais veementemente e é mais sentida, como já antes estabelecemos. E por isso, é-lhe atribuído o pecado original, como sendo a principal e de certo modo, inclusiva de todas as outras.
 
Resposta à terceira. — Assim como nos bons o intelecto e a razão têm a supremacia; assim nos maus e inversamente, desempenha o papel principal a parte inferior da alma, que obnubila a razão e a arrasta, como já se disse. E por isso o pecado original é considerado antes como concupiscência que como ignorância; em­bora também a ignorância esteja contida entre as deficiências materiais do pecado original.

Art. 2 — Se num mesmo homem há muitos pecados originais.

(II Sent., dist. XXXIII, q. 1, a. 3; Expos. Litt; De Malo, q. 4, a. 8 ad 1; In Psalm. XXXI, L; Ad Rom., cap. IV, lect. I; cap. V, lect. III).
 
O segundo discute-se assim. — Parece que num mesmo homem há muitos pecados originais.
 
1. — Pois, como diz a Escritura (Sl 50, 6) eu fui concebido em iniqüidade, e em pecados me concebeu minha mãe. Ora, o pecado em que o homem foi concebido é o original. Logo, num mesmo homem há muitos pecados originais.
 
2. Demais. — Um mesmo hábito não inclina para atos contrários, pois, inclina ao modo da natureza, que só visa um termo. Ora, o pecado original, ainda num mesmo homem, inclina para pecados diversos e contrários. Logo, o pecado original não constitui um só hábito, mas, vários.
 
3. Demais. — O pecado original contaminou todas as partes da alma. Ora, essas diversas partes são sujeitos diversos do pecado, como do sobredito resulta (q. 74). Ora, como um mesmo pecado não pode existir em sujeitos diversos, resulta que o pecado original não é um só, mas, muitos.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura (Jo 1, 29): Eis aqui o cordeiro de Deus, eis aqui o que tira o pecado do mundo; usando o singular, porque o pecado do mundo, que é o original, é um só, como expõe a Glosa a esse lugar.
 
Solução. — Em cada homem há um só pecado original, do que podemos dar dupla razão. — Uma se funda na causa do pecado original. Pois, como já dissemos, só o primeiro pecado do primeiro pai se lhe transmitiu aos descendentes. Por onde, em cada homem, o pecado original é um só, numericamente; e em todos os homens é um só, proporcionalmente, a saber, em relação ao primeiro princípio.
 
A outra razão pode fundar-se na essência mesma do pecado original. Pois, em toda disposição desordenada, a unidade específica é considerada relativamente à causa, e a unidade numérica, relativamente ao sujeito. E isso bem o mostra a doença corpórea, pois, há doenças especificamente diversas, procedentes de causas diversas, como, da superabundância do calor ou do frio, ou de alguma lesão do pulmão ou do fígado; mas, num mesmo homem não pode haver senão uma mesma doença específica, numericamente. Ora, a causa da disposição corrupta chamada pecado original é só uma, a saber, a privação da justiça original, pela qual deixou a alma de estar sujeita a Deus. E portanto, pecado original é especificamente um só, e num mesmo homem não de existir, mais de um em número. Em homens diversos porém, embora um só, específica e proporcionalmente, tem diversidade numérica.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A expressão plural — em pecados — é usada ao modo da divina Escritura, que freqüentemente emprega o número plural pelo singular, como: são mortos os que buscavam a alma do menino. No caso vertente esse uso se explica quer por preexistirem virtualmente, no pecado original, todos os pecados atuais, como num certo princípio, e sendo portanto virtualmente múltiplo; quer pelo pecado do primeiro pai, transmitido pela geração, incluir muitas deformidades, como a soberba, a desobediência, a gula e semelhantemente. Ou por serem muitas as partes da alma contaminadas pelo pecado original.
 
Resposta à segunda.  — Um mesmo hábito não pode inclinar, por si e diretamente, i. é, pela forma própria, a atos contrários; mas nada impede o faça indiretamente e acidentalmente, i. é, removendo o obstáculo, como quando, desaparecido o equilíbrio de um corpo misto, os seus elementos tendem para lugares contrários. E semelhantemente, desaparecido o equilíbrio da justiça original, as diversas potências da alma se dispersam para termos diversos.
 
Resposta à terceira. — O pecado original contaminou as diversas partes da alma, enquanto partes de um mesmo todo; assim também a justiça original mantinha na unidade todas essas partes. E portanto, há um só pecado original, assim como só pode haver uma febre, num mesmo homem, embora sejam diversas as partes do corpo contaminadas.

Art. 1 — Se o pecado original é um hábito.

(II Sent., dist. XXX, q. 1, a. 3, ad 2; De Malo, q. 4, a. 2 ad 4).
 
O primeiro discute-se assim.  — Parece que o pecado original não é um hábito.
 
1. — Pois, o pecado original é a carência da justiça original, como diz Anselmo; e, portanto, é uma privação. Ora, esta se opõe ao hábito. Logo, o pecado original não é um hábito.
 
2. Demais. — O pecado atual, implica, essencialmente mais que o original, a culpa, por ser por essência mais voluntário. Ora, o hábito do pecado atual não implica essencialmente a culpa; pois, do contrário, quem esti­vesse dormindo pecaria culposamente. Logo, nenhum hábito original implica a essência da culpa.
 
3. Demais. — O ato mau sempre precede o mau hábito, porque nenhum hábito mal é infuso, mas adquirido. Ora, o pecado original não é precedido por nenhum ato. Logo, não é hábito.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho: por causa do pecado original as crianças são capazes de concupiscência, embora não a exerçam em ato. Ora, a capacidade supõe um hábito. Logo, o pecado original é hábito.
 
Solução. — Como já dissemos, há duas espécies de hábito. — Uma inclina a potência a agir; neste sentido a ciência e a virtude se chamam hábitos, mas, não é hábito o pecado original. — Outra é a disposição de uma natu­reza, composta de muitos elementos, e que a leva a comportar-se bem ou mal, em determi­nado caso; e sobretudo quando essa disposição tiver quase se transformado em a natureza, como se dá com a doença e a saúde. E deste modo o pecado original é um hábito. Pois é uma dispo­sição desordenadaproveniente da desaparição daquela harmonia em que consistia a essência da justiça original. Assim também a doença corpórea é uma disposição desordenada do corpo, que perturba o equilíbrio em que consiste a essência da saúde. Por isso se chama ao pecado original langor da natureza.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A doença corpórea tem algo da privação, en­quanto perturba o equilíbrio da saúde; e algo de positivo, que é a disposição desordenada dos humores. Assim também o pecado original implica a privação da justiça original, seguida da disposição desordenada das partes da alma. Por onde, não é privação pura, mas um certo hábito corrupto.
 
Resposta à segunda. — O pecado atual é uma certa desordem do ato. O original, porém, sendo pecado da natureza, é uma dispo­sição desordenada desta em si mesma; e im­plica a essência da culpa, enquanto derivada do primeiro pai, como já dissemos. Ora, essa dis­posição desordenada da natureza implica a es­sência do hábito, o que não se dá com a desor­denada disposição do ato. E, por isso, o pecado original pode ser um hábito, não, porém, o atual.
 
Resposta à terceira. — A objeção se funda no hábito que inclina a potência para o ato; ora tal hábito não é o pecado original. Pois, não é diretamente que deste resultem certas inclinações para atos desordenados. Mas, indiretamente, pela remoção do obstáculo, i. é, da justiça original, que os impede. Assim também da doença corpórea resulta indiretamente uma inclinação para movimentos corpóreos desordenados. Nem devemos dizer que o pecado original seja um hábito infuso, ou adquirido pelo ato (salvo, se for do primeiro pai e não, de uma pessoa qualquer), senão que é inato por uma origem viciosa.

Questão 82: Do pecado original quanto à sua essência.

Em seguida devemos tratar da essência do pecado original. E nesta questão discutem-se quatro artigos:

Art. 5 — Adão não tendo pecado, se os filhos de Adão e Eva contrairiam o pecado original, se só ela tivesse pecado.

(II Sent., dist. XXXI, q. 1, a. 2, ad 4; IV, dist. 1, q. 2, a 2, qª 2, ad 1; De Malo, q. 4, a. 7, ad 4, 5; Ad Rom., cap. V, lect. III; 1 Cor., cap. XV, lect. III).
 
O quinto discute-se assim.  — Parece que os filhos de Adão e Eva contrairiam o pecado original, se só ela tivesse pecado.
 
1. — Pois, contraímos dos pais o pecado original por termos preexistido neles, conforme aquilo do Apóstolo: no qual todos pecaram. Ora, o homem preexiste tanto no pai como na mãe. Logo, contrairíamos o pecado original pelo pe­cado tanto desta como daquele.
 
2. Demais. — Se só Eva tivesse pecado, os filhos nasceriam passíveis e mortais. Pois, a mãe é a que dá a matéria da geração, como diz o Filósofo; ora, a morte e toda passibilidade decorrem necessariamente da matéria. Mas, a passibilidade e a morte inevitável são penas do pecado original. Logo, se só Eva tivesse pecado, os filhos contrairiam o pecado original.
 
3. Demais. — Damasceno diz, que o Espí­rito Santo preabitou na Virgem, de quem havia de nascer Cristo, sem pecado original, purificando-a. Ora, essa purificação não teria sido necessária se a mácula do pecado original não se contraísse pela mãe. E portanto, se só Eva tivesse pecado, os filhos contrairiam o pecado original.
 
Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Rm 5): por um homem entrou o pecado neste mundo. Ora, de­veria, mais acertadamente dizer que entrou por ambos, porque ambos pecaram; ou antes, pela mulher, que pecou primeiro, se por ela se trans­mitisse à prole o pecado original. Logo, não é pela mãe, mas pelo pai, que o pecado original se transmite à prole.
 
Solução. — A resposta a esta dúvida resulta do que já foi dito. Pois, como já estabelecemos, o pecado original se transmitiu pelo primeiro pai, por dele depender a geração dos filhos. E por isso dissemos que quem fosse só materialmente gerado da carne humana não contrairia o pecado original. Ora, é manifesto, segundo a doutrina dos filósofos, que o pai é o princípio ativo da geração, ao passo que a mãe ministra a matéria. Portanto não é pela mãe, mas pelo pai, que foi contraído o pecado ori­ginal. Ora, a esta luz, se não tivesse Adão pe­cado e Eva sim, os filhos não contrairiam o pecado original. E o inverso se daria se Adão tivesse pecado e não Eva.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — O filho preexiste no pai como no princípio ati­vo; mas na mãe, como no princípio material e passivo. Logo, não há semelhança de razões.
 
Resposta à segunda. — Certos ensinam que se só Eva tivesse pecado, os filhos seriam imunes de culpa, mas, sofreriam a morte ine­vitável e todas as demais passibilidades decor­rentes necessariamente da matéria ministrada pela mãe; não porém como significativas da pena, senão como deficiências naturais. Esta opinião porém não é admissível. Pois, a imor­talidade e a impassibilidade no estado primitivo não dependiam da condição da matéria, como já dissemos na Primeira Parte, mas da justiça original, pela qual o corpo estava sujeito à alma, enquanto esta o estivesse a Deus. Ora, a falta de justiça original é o pecado original. Se por­tanto, Adão não tendo pecado, o pecado ori­ginal não se transmitisse aos descendentes, só pelo pecado de Eva, é manifesto que nos filhos não haveria falta da justiça original. Logo não haveria neles qualquer passibilidade nem o ine­vitável da morte.
 
Resposta à terceira. — A purificação proveniente da santa Virgem era necessária, não para evitar a transmissão do pecado original, mas, para a Mãe de Deus resplandecer com máxima pureza. Pois, há nenhum receptáculo digno de Deus, senão o puro, conforme aquilo da Escritura (Sl 92): à tua casa convém santidade, Senhor.

Art. 4 — Se quem fosse milagrosamente formado de carne humana, contrairia o pecado original.

(II Sent., dist. XXXI, q. 1, a. 2, ad 3; dist. XXXIII, q. 1, a. 1, ad 5; III, dist. II, q. 1, a. 2, qª 2, ad 2; De Malo, q. 4, a. 7).
 
O quarto discute-se assim. — Parece que quem fosse milagrosamente formado de carne humana, contrairia o pecado original.
 
1. — Pois, como diz uma Glosa, na carne de Adão se lhe corrompeu toda a posteridade; por­que esta não nasceu dele primeiro, no lugar da vida, mas depois, no do exílio. Ora, quem fosse formado do modo supra dito, a esse a carne lhe seria gerada no lugar do exílio. Logo, contrairia o pecado original.
 
2. Demais. — A causa do pecado original foi à contaminação da alma pela carne. Ora, a nossa carne está totalmente contaminada. Logo, a alma contrairia a contaminação do pecado original, qualquer que fosse a parte da carne de que fôssemos formados.
 
3. Demais. — O pecado original procede do primeiro pai, por termos todos existido nele, pecador. Ora, todos os que fossem formados de carne humana haveriam de ter existido em Adão. Logo, contrairiam o pecado original.
 
Mas, em contrário, quem fosse formado mi­lagrosamente de carne humana não teria existido em Adão, quanto à origem seminal, que só causa a transmissão do pecado original, como diz Agos­tinho.
 
Solução. — Como já se disse, o pecado original se transmitiu do primeiro pai aos seus descendentes por serem estes promovidos à ge­ração por aquele, assim como os membros são levados pela alma à prática do pecado atual. Ora, o ato gerador não se dá senão pela vir­tude geratriz ativa. Por onde, só contraem o pecado original os descendentes de Adão, por uma virtude geratriz ativa, dele originalmente derivada. E isso é proceder dele por geração se­minal, pois a virtude seminal não é senão a virtude geratriz ativa. Ora, o formado da carne humana por virtude divina manifesta­mente não teria a sua virtude ativa derivada de Adão. E portanto, não contrairia o pecado original; assim como o ato da mão não se in­cluiria no pecado humano, se não fosse movida pela vontade do homem, mas por algum motor extrínseco.
 
Donde a resposta à primeira objeção.  — Adão não tomou o rumo do exílio senão depois do pecado. Por onde, não por causa do lugar do exílio, mas, por causa do pecado, é que se a culpa original transmitiu aos produzidos pela geração ativa de Adão.
 
Resposta à segunda.  — A carne não conta­mina a alma senão enquanto princípio gerador ativo, como já se disse.
 
Resposta à terceira.  — Quem fosse formado de carne humana teria preexistido em Adão pela substância corpórea, mas não pela vir­tude seminal, como já se disse. E logo, não con­trairia o pecado original.

Art. 3 — Se o pecado do primeiro pai se transmitiu, pela geração, a todos os homens.

(III, q. 27, a. 2; q. 31, a. 8; II Sent., dist. XXX, q. 1, a. 2; dist. XXXI, q. 1, a. 2; III, dist. 3, q. 3, a 4, qª 1; IV, dist. XLIII, a. 4, qª 1, ad 3; IV Cont. Gent., cap. sqq., LXXXIII; De Malo, q. 4, a. 6; Quodl., VI, q. 5, a. 1; In Psalm., L; Ad Rom., cap. V, lect. III).
 
O terceiro discute-se assim. — Parece que o pecado do primeiro pai não se transmitiu pela geração, a todos os homens.
 
1. — Pois, a morte é pena conseqüente ao pecado original. Ora, nem todos os gerados da raça de Adão hão de morrer. Assim, não hão de morrer nunca os vivos por ocasião do ad­vento do Senhor, conforme diz a Escritura (1 Ts 4): Nós que vivemos não preveniremos aqueles que dormirão, pelo advento do Senhor. Logo, esses não contraíram o pecado original.
 
2. Demais. — Ninguém dá o que não tem. Ora, quem é batizado não tem o pecado original. Logo, não o transmite à prole.
 
3. Demais. — O dom de Cristo é maior que o pecado de Adão, como diz o Apóstolo. Ora, esse dom não se transmite a todos os ho­mens. Logo, nem o pecado de Adão.
 
Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Rm 5): a morte passou a todos os homens por um homem, no qual todos pecaram.
 
Solução. — Segundo a fé católica, deve­mos admitir firmemente que, com a só exceção de Cristo, todos os homens, nascidos de Adão, contraíram deste o pecado original. Do contrário, nem todos precisariam da redenção de Cristo; o que é errôneo. E a razão disto pode fundar-se no que já foi dito: pelo pecado do primeiro pai se lhe transmitiu aos descen­dentes a culpa original, assim como pela von­tade da alma, imprimindo o movimento aos membros, transmite-se a estes o pecado atual. Ora, é manifesto que o pecado atual pode trans­mitir-se a todos os membros susceptíveis, por natureza, de serem movidos pela vontade. Por onde também a culpa original se transmite a todos os originados de Adão pelo movimento da geração.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — É opinião mais provável e conveniente, que to­dos os vivos por ocasião do advento do Senhor morrerão, mas depois de breve tempo ressur­girão, como mais adiante se dirá com maior de­senvolvimento. Se porém, for verdade, como outros dizem, que nunca hão de morrer, con­forme as várias opiniões expostas por Jerônimo, deve-se responder à objeção, dizendo que, nes­ses tais, embora não morram, há contudo o reato da morte, se bem os livre Deus da pena, ele senhor de perdoar também as penas dos pecados atuais.
 
Resposta à segunda. — O batismo livra do reato do pecado original, e faz a alma recu­perar a graça, no respeitante à alma. Perma­nece porém atualmente o pecado original, quan­to ao incentivo, consistente na desordem das partes inferiores da alma e também do corpo, pelo qual e não pela alma, o homem gera. E por isso os batizados transmitem o pecado ori­ginal. Pois os pais não geram enquanto reno­vados pelo batismo, mas enquanto conservam ainda resquícios do antigo pecado original.
 
Resposta à terceira. — Assim como o pecado de Adão se transmitiu a todos os dele gerados corporalmente, assim também a graça de Cristo se transmite a todos os gerados dele, espiritualmente, pela fé e pelo batismo. E não só para perdoar a culpa do primeiro pai, mas também os pecados atuais, e para nos introdu­zir na glória.

Art. 2 — Se também os outros pecados, quer do primeiro pai, quer dos pais imediatos, se transmitem aos descendentes.

(II Sent., dist. XXXIII, q. 1, a. 1; IV Cont. Gent., cap. LII; De Malo, q. 4, a. 8; Compend. Theol., cap. CXCVII; Ad Rom., capo V, lect. III).
 
O segundo discute-se assim. — Parece que também os outros pecados, quer do primeiro pai, quer dos pais imediatos, se transmitem aos descendentes.
 
1. — Pois, a pena nunca é devida senão à culpa. Ora, certos são punidos, segundo o juízo divino, pelo pecado dos pais imediatos, confor­me está na Escritura (Ex 20): eu sou o Deus forte e zeloso que vinga a iniqüidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração. E também pelo juízo humano, no crime de lesa majestade, os filhos são deserdados, por causa do pecado dos pais. Logo, também a culpa dos próximos progenitores transmite-se aos descendentes.
 
2. Demais. — É mais fácil transmitir a outro o que um ser tem por si mesmo, do que o recebido de outro. Assim, ao fogo é mais fácil aquecer, do que à água quente. Ora, o homem, pela geração, transmite à prole o pecado recebido de Adão. Logo, com maior razão, o pecado por ele próprio cometido.
 
3. Demais. — Contraímos do primeiro pai o pecado original, por existirmos nele como no princípio da natureza, pelo mesmo corrompida. Semelhantemente, também existimos nos nossos progenitores próximos, como em certos princípios da natureza, que, embora corrupta, pode ainda corromper-se mais pelo pecado, conforme aquilo da Escritura (Ap 22): aquele que está sujo, suje-se ainda. Logo, os filhos contraem os pecados tanto dos progenitores próximos, como do primeiro pai, pela geração.
 
Mas, em contrário. — O bem é, mais que o mal, difusivo de si. Ora, os méritos dos proge­nitores próximos não se transmitem aos descen­dentes. Logo, nem os pecados, com maior razão.
 
Solução. — Agostinho ventila esta ques­tão e a deixa sem resposta. Mas quem nela atentar, compreenderá ser impossível transmi­tir-se pela geração qualquer pecado, dos proge­nitores próximos, ou mesmo do primeiro pai exceto o primeiro. E a razão está em o ho­mem gerar outro homem semelhante a si espe­cifica e não, individualmente. Por isso, tudo o pertencente diretamente ao indivíduo, como os atos pessoais e o que lhes diz respeito, não passa de pais a filhos. Assim, o gramático não trans­mite ao filho a ciência gramatical, adquirida com estudo próprio. Ao contrário, aos filhos se transmite o pertencente à natureza específica, salvo se houver falha nessa natureza; assim, não falhando ela, o ser que tem olhos gera outro igualmente com eles. E se for a natureza forte, até certos acidentes individuais, pertinentes à sua disposição, transmitem-se aos filhos, tais como a rapidez do corpo, a bondade do engenho e semelhantes. De nenhum modo porém se trans­mite, como já se disse, o que é puramente pes­soal. Ora, assim como a nossa pessoa tem certos atributos próprios e certos outros pelo dom da graça, assim também a natureza pode, por si, ter uns, — causados pelos princípios próprios, — e outros, pelo dom da graça. E deste modo, a justiça original, como já dissemos na Primeira Parte, era um determinado dom da graça con­ferido por Deus a toda a natureza humana, na pessoa do primeiro pai; e este, pelo pecado original, a perdeu: por onde, assim como essa justiça original haveria de transmitir-se aos pós­teros, simultaneamente com a natureza, o mes­mo teria de se dar com a desordem oposta. Mas, os outros pecados atuais, quer do primeiro pai, quer dos outros, não corrompem a natureza no que ela tem de próprio, senão só no particular à pessoa, i.é, no concernente à inclinação para o ato. E por isso tais pecados não se transmitem.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Como diz Agostinho, os filhos não são castiga­dos nunca, em lugar dos pais, por uma pena espi­ritual, salvo se participarem da culpa, pela ori­gem ou pela imitação, porque todas as almas procedem imediatamente de Deus, como diz a Escritura (Ez 18). Mas em lugar dos pais, são às vezes punidos por uma pena corpórea, de acordo com o juízo divino ou humano, por serem algo deles, quanto ao corpo.
 
Resposta à segunda. — O que um ser tem de próprio e transmissível pode mais facilmente transmitir. Ora, transmissíveis não são os pecados atuais dos nossos progenitores pró­ximos, por serem sumamente pessoais, como já se disse.
 
Resposta à terceira. — O primeiro pecado corrompeu a natureza humana em si mesma; ao passo que os outros a corrompem por uma corrupção pessoal.

Art. 1 — Se o primeiro pecado do primeiro pai se lhe transmitiu aos descendentes pela geração.

(II Sent., dist. XXX, q. 1, a. 2; dist. XXXI, q. 1. a. 1; IV Cont. Gent., cap. L, LI, LII; De Malo, q. 4, a. 1; Compend. Theol., cap. CXCVI; Ad Rom., cap. V, lect. III).
 
O primeiro discute-se assim.  — Parece que o primeiro pecado do primeiro pai não se lhe transmitiu aos descendentes pela geração.
 
1. — Pois, diz a Escritura (Ez 18): o filho não carregará com a iniqüidade do pai. Ora, carregaria, se dele a recebesse. Logo, ninguém herda, pela geração, o pecado de nenhum dos pais.
 
2. Demais.  — O acidente não se transmite pela geração, sem a transmissão do sujeito, porque o acidente não passa de um sujeito para outro. Ora, a alma racional, sujeito da culpa, não se transmite pela geração, como já se demonstrou na primeira parte. Logo, também nenhuma outra culpa pode se transmitir por ela.
 
3. Demais.  — Tudo o que se transmite pela geração humana é causada pelo sêmen. Ora, o sêmen não pode causar o pecado, por lhe faltar a parte racional da alma, causa única deste. Logo, não podemos herdar nenhum pecado pela geração.
 
4. Demais.  — O que é de natureza mais perfeita age mais intensamente. Ora, a carne perfeita não pode macular a alma, que lhe está unida; do contrário esta, enquanto unida aquela, não poderia purificar-se da culpa original. Logo, com maior razão, não pode o sêmen macular a alma.
 
5. Demais.  — O Filósofo diz: ninguém critica os defeituosos de nascença, mas, os que o são por desídia e negligência. Ora, chamam-se defeituosos de nascença os que tem um defeito de origem. Logo, pela origem, nada é susceptível e críticas, nem é pecado.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura (Rm 5): por um homem entrou o pecado neste mundo. O que não se pode entender a modo de imitação, pois diz ainda a Escritura (Sb 2): por inveja do diabo entrou no mundo a morte. Logo, só pela geração do primeiro homem entrou o pecado no mundo.
 
Solução.  — A fé católica nos leva a admitir que o primeiro pecado do primeiro homem se lhe transmitiu pela geração, aos descendentes. E por isso as crianças recém-nascidas são conduzidas ao batismo, como para se lavarem da mácula da culpa. O contrário é heresia pelagiana, conforme Agostinho o mostra em muitos dos seus livros.
 
Diversas são porém as vias seguidas para se investigar como o pecado do primeiro pai pode se lhe transmitir aos descendentes. — Assim certos, considerando ser o sujeito do pecado a alma racional, concluíram que, transmitindo-se ela pelo sêmen, de uma alma maculada há de derivar outra maculada. — Outros, porém, repudiando esta opinião como errônea, esforçam-se por mostrar como a culpa da alma do pai se transmite à prole, mesmo se a alma não se transmite, porque à prole passam os defeitos corpóreos paternos. Assim, um leproso gera outro leproso, um gotoso, outro gotoso, por uma certa corrupção do sêmen, embora essa corrupção não seja denominada lepra ou gota. Ora, como o corpo é proporcionado à alma, e o defeito desta redunde naquele, e inversamente, assim também, dizem, o defeito culposo da alma deriva para a prole, com a transmissão do sêmen, embora este não seja atualmente sujeito da culpa.
 
Mas, todas estas explicações são insuficientes. Pois, concedamos que certos defeitos corpóreos se transmitam pela geração, dos pais para a prole. E que também certos defeitos da alma sejam conseqüência de uma indisposição do corpo, como quando de fátuos nascem fátuos. Apesar disto, porém, o defeito de nascença exclui a essência da culpa — a ser voluntária. Por onde, ainda admitindo que a alma racional se transmita, por isso mesmo que a mácula da alma do descendente não lhe depende da vontade, não existe a essência da culpa, que provoca a pena. Pois, como diz o Filósofo: ninguém acusará a um cego nato, mas antes, todos se compadecerão dele.
 
E, portanto, devemos proceder por outra via e dizer, que os homens nascidos de Adão podem considerar-se como um só homem, por terem a mesma natureza herdada do primeiro pai. Assim também, na ordem civil, todos os homens da mesma comunidade consideram-se como quase um só corpo, e toda a comunidade, como quase um homem. E também diz Porfírio: pela participação da espécie, muitos homens constituem um só homem. Por onde, os homens nascidos de Adão constituem como que muitos membros de um só corpo. Ora, o ato de um membro corpóreo, p. ex., da mão, é voluntário, não por vontade dela própria, mas por vontade da alma, motora primeira dos membros. Por isso o homicídio que a mão cometer não se lhe imputará como pecado, se a considerarmos em si mesma, separada do corpo; mas, se lhe imputa, enquanto parte do homem, movida pelo primeiro princípio motor deste. Assim pois, a desordem existente num determinado homem, gerado de Adão, não é voluntária, por vontade daquele, mas pela deste, que move, pela moção da geração, todos os que dele receberam a origem, assim como a vontade da alma move a agirem todos os membros do corpo. Por onde, o pecado assim originado do primeiro pai, para a sua descendência, chama-se original, do mesmo modo que derivado da alma para os membros do corpo, se chama atual. E assim como este, cometido por um membro, não é pecado desse membro, senão enquanto parte do homem, sendo por isso chamado pecado humano; assim também o pecado original não é pecado de uma determinada pessoa, senão na medida em que esta recebeu a natureza do primeiro pai, sendo por isso chamado pecado da natureza, conforme aquilo da Escritura (Ef 2): éramos por natureza filhos da ira.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Diz-se que o filho não carrega com o pecado do pai por não ser por causa deste, castigado, salvo se lhe participa da culpa. Ora, tal se dá na questão vertente: pela geração passa a culpa do pai para o filho, assim como, pela imitação, se transmite o pecado atual.
 
Resposta à segunda. — Embora a alma racional não se transmute, por não poder o sêmen causá-la, este predispõe contudo para ela. Por onde, pela virtude seminal, a natureza humana passa do pai para a prole e, simultaneamente com a natureza, a sua deficiência. Por isso, quem nasce é consorte do primeiro pai na culpa, por ter recebido dele a natureza, por via da geração.
 
Resposta à terceira. — Embora a culpa não exista atualmente no sêmen, nele existe contudo virtualmente a natureza humana, con­taminada por aquela.
 
Resposta à quarta. — O sêmen é o prin­cípio da geração, o ato próprio da natureza, a cuja propagação ele serve. Por isso a alma se macula, mais pelo sêmen, do que pela carne já perfeita e já particularizada numa certa pessoa.
 
Resposta à quinta. — O que é de nascença não é susceptível de acusação, se considerarmos, em si, quem assim nasceu. Considerado po­rém como referido a algum princípio, pode sê-lo. Assim, quem nasce sofre a ignomínia da raça, causada pela culpa de algum progenitor.

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