(II Sent., dist. XXX, q. 1, a. 3, ad 2; De Malo, q. 4, a. 2 ad 4).
O primeiro discute-se assim. — Parece que o pecado original não é um hábito.
1. — Pois, o pecado original é a carência da justiça original, como diz Anselmo; e, portanto, é uma privação. Ora, esta se opõe ao hábito. Logo, o pecado original não é um hábito.
2. Demais. — O pecado atual, implica, essencialmente mais que o original, a culpa, por ser por essência mais voluntário. Ora, o hábito do pecado atual não implica essencialmente a culpa; pois, do contrário, quem estivesse dormindo pecaria culposamente. Logo, nenhum hábito original implica a essência da culpa.
3. Demais. — O ato mau sempre precede o mau hábito, porque nenhum hábito mal é infuso, mas adquirido. Ora, o pecado original não é precedido por nenhum ato. Logo, não é hábito.
Mas, em contrário, diz Agostinho: por causa do pecado original as crianças são capazes de concupiscência, embora não a exerçam em ato. Ora, a capacidade supõe um hábito. Logo, o pecado original é hábito.
Solução. — Como já dissemos, há duas espécies de hábito. — Uma inclina a potência a agir; neste sentido a ciência e a virtude se chamam hábitos, mas, não é hábito o pecado original. — Outra é a disposição de uma natureza, composta de muitos elementos, e que a leva a comportar-se bem ou mal, em determinado caso; e sobretudo quando essa disposição tiver quase se transformado em a natureza, como se dá com a doença e a saúde. E deste modo o pecado original é um hábito. Pois é uma disposição desordenadaproveniente da desaparição daquela harmonia em que consistia a essência da justiça original. Assim também a doença corpórea é uma disposição desordenada do corpo, que perturba o equilíbrio em que consiste a essência da saúde. Por isso se chama ao pecado original langor da natureza.
Donde a resposta à primeira objeção. — A doença corpórea tem algo da privação, enquanto perturba o equilíbrio da saúde; e algo de positivo, que é a disposição desordenada dos humores. Assim também o pecado original implica a privação da justiça original, seguida da disposição desordenada das partes da alma. Por onde, não é privação pura, mas um certo hábito corrupto.
Resposta à segunda. — O pecado atual é uma certa desordem do ato. O original, porém, sendo pecado da natureza, é uma disposição desordenada desta em si mesma; e implica a essência da culpa, enquanto derivada do primeiro pai, como já dissemos. Ora, essa disposição desordenada da natureza implica a essência do hábito, o que não se dá com a desordenada disposição do ato. E, por isso, o pecado original pode ser um hábito, não, porém, o atual.
Resposta à terceira. — A objeção se funda no hábito que inclina a potência para o ato; ora tal hábito não é o pecado original. Pois, não é diretamente que deste resultem certas inclinações para atos desordenados. Mas, indiretamente, pela remoção do obstáculo, i. é, da justiça original, que os impede. Assim também da doença corpórea resulta indiretamente uma inclinação para movimentos corpóreos desordenados. Nem devemos dizer que o pecado original seja um hábito infuso, ou adquirido pelo ato (salvo, se for do primeiro pai e não, de uma pessoa qualquer), senão que é inato por uma origem viciosa.