(II Sent., dist. XXIV, q. 2, a. 2; De Verit q. 15, a 2).
O nono discute-se assim. ― Parece que a razão superior e a inferior são potências diversas.
1. ― Pois, Agostinho diz, que a imagem da Trindade está na parte superior da razão, não porém na inferior. Ora, as partes da alma são as potências mesmas dela. Logo, duas potências são a razão superior e a inferior.
2. Demais. ― Nada nasce de si mesmo. Ora, a razão inferior nasce da superior e por esta é regulada e dirigida. Logo, a razão superior é potência diferente da inferior.
3. Demais. ― O Filósofo diz que o princípio intelectivo da alma, pelo qual ela conhece o necessário, é princípio diferente e parte diversa do princípio opinativo e do raciocinativo, pelos quais conhece os contingentes. E isto o prova dizendo, que a causas genericamente diferentes ordenam-se partes da alma genericamente diferentes. Ora, o contingente e o necessário, assim como o corruptível e o incorruptível, são genericamente diferentes. Sendo, pois, o necessário idêntico ao eterno e o temporal, ao contingente, resulta que o princípio intelectivo, do Filósofo, é idêntico à parte superior da razão, que, segundo Agostinho, considera e delibera sobre as coisas eternas; e o raciocinativo ou opinativo do Filósofo, é idêntico à razão inferior, que, segundo Agostinho, busca a disposição das coisas temporais. Logo, são potências diferentes da alma a razão superior e a inferior.
4. Demais. ― Damasceno diz: pela imaginação se faz a opinião; em seguida a mente, separando a opinião verdadeira da falsa julga de verdade e, por isso, mente provém de medir. E, por fim, o intelecto é relativo ao que já foi julgado e determinado verdadeiramente. Assim, pois, o opinativo ou razão inferior difere da mente e do intelecto, que se pode compreender como a razão superior.
Mas, em contrário, Agostinho diz, que a razão superior só se distingue da inferior pela sua função. Logo, não são duas potências.
Solução. ― A razão superior e a inferior, como Agostinho as entende, de nenhum modo podem ser duas potências da alma. Pois, diz que a razão superior é a que considera ou delibera nas coisas eternas; considera, examinando-as em si mesma; delibera, tirando delas as regras das ações. Porém, denomina razão inferior a que se ocupa com as coisas temporais. Ora, as coisas temporais e as eternas se comparam com o nosso conhecimento, como sendo umas o meio de se conhecerem as outras. Pois, por via da invenção, chegamos ao conhecimento das coisas eternas, pelas temporais, conforme àquilo da Escritura (Rm 1, 20): Porque as coisas invisíveis de Deus, compreendendo-se pelas coisas feitas, tornaram-se visíveis. Ao passo que, por via do juízo, julgamos das coisas temporais pelas eternas, já conhecidas, e dispomos as temporais pelas noções das eternas.
Mas pode suceder que o meio e aquilo a que, pelo meio, chegamos, pertençam a hábitos diversos. Assim, os primeiros princípios indemonstráveis pertencem ao hábito do intelecto; porém, as conclusões desses deduzidas, ao hábito da ciência. E, por isso, dos princípios da geometria é que se devem tirar as conclusões, noutra ciência, p. ex., na perspectiva. Mas a potência da razão, que atinge o termo médio e o último, é a mesma. Pois, o ato da razão é um como movimento, que passa daquele para este; e também é o móvel que, passando pelo meio, chega ao fim. Por onde, a razão superior e a inferior são uma só e mesma potência; distinguindo-se, porém, pela função dos atos e pelos diversos hábitos; assim, à razão superior se atribui a sapiência e, à inferior, a ciência.
Donde a resposta à primeira objeção. ― Pode-se chamar parte ao que resulta de uma partição, de qualquer espécie que esta seja. Assim, a razão superior e a inferior chamam-se partes, não por serem potências diversas, mas como provenientes da divisão da razão pelas suas diversas funções.
Resposta à segunda. ― A razão inferior é considerada como deduzida da superior e como por esta regulada, enquanto os princípios, de que usa aquela, são deduzidos dos princípios desta e por eles regulados.
Resposta à terceira. ― O princípio do conhecimento intelectivo, de que o Filósofo fala, não se identifica com a razão superior. Pois, verdades conhecidas como necessárias também se encontram na ordem temporal, na qual se funda a ciência natural e a matemática. Porém, o opinativo e o raciocinativo têm objeto ainda menor que o da razão inferior, pois só se referem aos contingentes. Mas isso não quer dizer que seja absolutamente, uma a potência pela qual o intelecto conhece o necessário e, outra, pela qual conhece o contingente; porque conhece um e outro pela mesma noção do objeto, a saber, a noção de ente e de verdade. Por onde, os necessários, que têm o ser perfeito na verdade, conhece-os perfeitamente, atingindo-lhes a qüididade, pela qual demonstra os acidentes próprios dos mesmos. Porém, conhece os contingentes imperfeitamente, por terem o ser imperfeito, bem como a verdade. Ora, o perfeito e o imperfeito em ato não diversificam a potência; mas diversificam os atos, quanto ao modo de agir e, por conseqüência, os princípios dos atos e os hábitos. E, por isso, o Filósofo introduziu duas sub-partes da alma, a capaz do conhecimento científico e a raciocinativa, não por serem duas potências, mas por se distinguirem pela aptidão diversa a receberem os diversos hábitos cuja diversidade é o que ele quer indagar no passo citado. Pois, os contingentes e os necessários, embora diferentes pelos gêneros próprios, convêm todavia, pela noção comum de ente, visada pelo intelecto, e em relação à qual eles se comportam diferentemente, como o perfeito e o imperfeito.
Resposta à quarta. ― Essa distinção de Damasceno é segundo a diversidade dos atos e não a das potências. Assim, opinião significa o ato do intelecto que abraça uma parte da contradição com temor da outra. Ao passo que julgar ou medir ― donde provém o vocábulo mente ― é o ato do intelecto pelo qual ele aplica princípios certos ao exame do que lhe é proposto. Enfim, inteligir é aderir, aprovativamente, ao que foi julgado.