Category: Santo Tomás de Aquino
O segundo discute-se assim. ─ Parece que o Mestre das Sentenças não determinou com acerto os bens do casamento; a fidelidade, os filhos e o sacramento.
1. Pois, os homens não casam só com o fim de ter filhos e criá-los, mas como um consórcio de toda a vida, partilhando-lhe os trabalhos como diz Aristóteles. Logo, assim como coloca os filhos entre os bens do matrimônio, também devia neles incluir a partilha dos trabalhos.
2. Demais. ─ A união entre Cristo e a Igreja, de que o casamento é o símbolo, se perfaz na caridade. Logo, entre os bens do matrimônio devia incluir, antes, a caridade que a fidelidade.
3. Demais. ─ O matrimônio, assim como proíbe a qualquer dos cônjuges ter relações carnais com outra pessoa, assim também exige que um pague ao outro o seu débito. Ora, o primeiro dever é imposto pela fidelidade, no dizer do Mestre. Logo, por causa do pagamento do débito, a justiça devia ser enumerada entre os bens do matrimônio.
4. Demais. ─ O matrimônio, sendo símbolo da união entre Cristo e a sua Igreja, há de ser indissolúvel e ter portanto unidade, de modo que seja a união entre um homem e uma mulher. Ora, o sacramento, computado entre os três bens do casamento, concerne a indissolubilidade. Logo, devia acrescentar um outro bem, concorrente à unidade.
Mas, em contrário. ─ A enumeração do Mestre parece excessiva. Porque uma só virtude basta a tornar virtuosa uma só ação. Ora, a fidelidade é uma só virtude. Logo, não devia acrescentar os dois outros bens para justificar o matrimônio.
2. Demais. ─ O útil e o honesto não tem a mesma razão de ser, pois se dividem um do outro por contrariedade. Ora, o matrimônio é útil por causa dos filhos que gera. Logo, os filhos não devem ser contados entre os bens justificativos do matrimônio.
3. Demais. ─ Nada deve ser considerado como propriedade ou condição de si mesmo. Ora, os referidos bens são aduzidos como umas condições do matrimônio. Logo, sendo o matrimônio um sacramento, não deve o sacramento ser computado entre os bens do matrimônio.
SOLUÇÃO. ─ O matrimônio é tanto uma função da natureza como um sacramento da Igreja. Ora, como função da natureza, se ordena para dois fins, como qualquer outro ato de virtude. Desses, um é exigido do agente, a saber, a intenção posta no fim devido. E então se consideram os filhos como um dos bens do matrimônio. ─ Outro é o fim a que deve o ato subordinar-se, que deve ser unicamente bom por se exercer sobre a sua matéria própria. E tal é a fidelidade que adstringe o marido a ter relação com sua mulher e não com outra. Mas além disso o casamento ainda tem outra bondade como sacramento. E tal o significa a denominação mesma de sacramento.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Por filhos se entende não só a procriação, mas também a educação deles, para a qual, como para o fim, se ordenam todos os trabalhos partilhados por marido e mulher, enquanto unidos pelo matrimônio. Pois, os pais naturalmente entesouram para os filhos, na expressão do Apóstolo. E assim, os filhos são como o fim principal, que inclui o secundário.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A fidelidade não é tomada aqui como a virtude teologal da fé, mas como parte da justiça, enquanto significa a realização das coisas ditas, para se ficar fiel às promessas. O casamento sendo, pois, um contrato, é uma promessa de um determinado homem a se unir com uma determinada mulher.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Assim como, pela promessa de casamento, cada um se obriga a não ter relações com pessoa estranha, assim também a pagar mutuamente o débito. E esta obrigação é até mais essencial, por ser a consequência do poder que os esposos mutuamente se conferem um sobre o outro. Por isso esses dois compromissos se incluem na fidelidade. O texto das Sentenças porém menciona apenas o compromisso menos manifesto.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Pela palavra sacramento não devemos entender só a indissolubilidade, mas também todas as consequências resultantes de significar o casamento a união de Cristo com a sua Igreja. ─ Ou devemos responder, que a unidade a que a objeção se refere, concerne à fidelidade, como a indivisão ao sacramento.
RESPOSTA À QUINTA. ─ A fidelidade não é tomada aqui por nenhuma virtude particular, mas por uma condição da virtude, donde tira ela a sua denominação, considerada como parte da justiça.
RESPOSTA À SEXTA. ─ Assim como o uso moderado de um bem útil assume a natureza de honesto, não por ser útil, mas pela razão que torna o uso reto, assim também a destinação de uma coisa para um bem útil pode torná-la boa e virtuosa, em virtude da razão que lhe dá um destino conveniente. E assim o matrimônio desde que se ordena à procriação de filhos, é um bem ao mesmo passo útil e honesto, enquanto devidamente ordenado.
RESPOSTA À SETIMA. ─ Como ensina o Mestre, sacramento aqui não significa o matrimônio mesmo, mas a sua indissolubilidade, sinal da mesma realidade que o casamento. ─ Ou devemos responder, que embora o matrimônio seja um sacramento, uma coisa é ser ele o que é, e outra, ser sacramento; pois não foi instituído só para ser o sinal de uma coisa sagrada, mas também para ser uma função da natureza. Por onde, a qualidade de sacramento é uma condição acrescida ao matrimônio em si mesmo considerado, donde também tira a sua legitimidade. Por isso a sua sacramentalidade para assim dizermos, se enumera entre os bens que o legitimam. Eis porque pelo terceiro bem do matrimônio ─ o de ser um sacramento ─ não só se entende a indissolubilidade, mas ainda tudo o que lhe concerne a significação.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que não são necessários certos bens para justificar o matrimônio.
1. Pois, assim como a conservação do indivíduo resultante da função nutritiva é um fim visado pela natureza, assim a da espécie, resultante do matrimônio. E muito mais o é esta, quanto mais elevado é o bem da espécie sobre o individual. Ora, a função nutritiva não precisa ser justificada pelos seus bons efeitos. Logo, nem a do matrimônio.
2. Demais. ─ Segundo o Filósofo, a amizade entre marido e mulher é natural e abrange o bem honesto, o útil e o deleitável. Ora, o em si mesmo honesto não precisa de nenhuma justificação. Logo, nem o matrimônio tem necessidade de ser justificado por nenhum bom feito.
3. Demais. ─ O matrimônio foi instituído como remédio e como função natural. Ora, como função natural não precisa de ser justificado; do contrário também precisava de ser já no paraíso ─ o que é falso, pois então, era honroso o matrimônio e o leito sem mácula, como diz Agostinho. Do mesmo modo, nem como remédio, como não o precisam os demais sacramentos, instituídos como remédios do pecado. Logo, nem o matrimônio precisa de tais justificativas.
4. Demais. ─ Tudo o que podemos honestamente fazer se inspira em alguma virtude. Se, pois, o matrimônio pode ser virtuoso, de nenhuma outra justificação precisa senão a das virtudes da alma. E assim não precisa ser justificado por nenhum bem, serão os que justificam os atos virtuosos.
Mas, em contrário, onde há indulgência há necessidade de uma justificativa. Ora, o matrimônio é justificado por uma indulgência para: com a fraqueza humana, como o diz o Apóstolo. Logo precisa ser justificado por algum bem.
2. Demais. ─ O concúbito matrimonial e o impuro pertencem à mesma espécie natural. Ora, o concúbito impuro é de si mesmo desonesto. Logo, para o matrimônio não ser desonesto, são necessários certos motivos, que o justifiquem e o classifiquem numa categoria moral.
SOLUÇÃO. ─ Nenhum homem prudente deve consentir num mal senão compensado por um bem igualou melhor. Por onde, a escolha de uma alternativa, que implica um mal necessita a justificativa de um bem anexo que, por compensação, a torne bem ordenada e honesta, Ora, a conjunção sexual entre o homem e a mulher implica um certo mal ─ quer seja este a veemência do prazer, que absorve a razão a ponto de tornar de fato impossível o ato intelectual, como diz o Filósofo; quer também por causa da tribulação da carne, de que fala o Apóstolo, e que hão de sofrer os casados pela solicitude com os bens temporais. Por onde, a escolha dessa união não pode ser justificada senão tendo a compensação de certas vantagens que a tornem virtuosa. E tais são os bons efeitos que o justificam e o tornam legítimo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O prazer, no ato de comer, não é veemente a ponto de, como no prazer sexual, absorver a razão. Quer por ser instinto sexual, por onde se transmite o pecado original, degenerado e corrupto, ao passo que a função nutritiva, pela qual ele não se transmite, é corrupta, mas não degenerada. Quer também por que cada qual sente com mais intensidade em si as suas necessidades individuais que as da espécie. Por isso para provocar à comida, e obviar à necessidade individual, basta sentir o desejo de alimentar-se. Mas, para provocar o ato, cujo resultado é a conservação da espécie, a providência divina lhe acrescentou um prazer, capaz de mover até os brutos, que não cometeram o pecado original. Logo, o símile não colhe.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Esses bens justificadores do matrimônio resultam da natureza mesma dele. Por isso o casamento não precisa de ser justificado por eles como por motivos externos, mas como sendo a causa da justificação mesma que lhe é natural.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O matrimônio, pelo fato mesmo de ser uma função natural ou um remédio contra o pecado, é por natureza um bem útil e honesto; mas essas duas qualidades lhe convém em virtude dos bens que lhe são inerentes e o tornam uma função natural e um remédio da concupiscência.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Um ato virtuoso tem a sua justificativa tanto na virtude, que é o seu princípio elícito, como nas circunstâncias, seus princípios formais. Ora, os bens do matrimônio estão para ele como as circunstâncias para os atos virtuosos; donde resulta que o ato conjugal pode ser virtuoso.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que não pode haver matrimônio quando alguém consente em casar com uma mulher por causa desonesta.
1. Pois, cada coisa tem a sua razão de ser. Ora, o matrimônio é um sacramento. Logo, não pode ser feito com a intenção de outro fim senão de aquele pelo qual foi instituído por Deus, a saber, a procriação da prole.
2. Demais. ─ A união matrimonial vem de Deus, como está claro no Evangelho. O que Deus uniu o homem não separe. Ora, uma união feita com fim desonesto não vem de Deus. Logo, não é matrimônio.
3 . Demais. ─ Os outros sacramentos não são válidos se não se observar o ato da Igreja. Ora, no sacramento do matrimônio a intenção da Igreja não é nenhum fim desonesto. Logo, o matrimônio contraído por uma causa desonesta não será verdadeiro casamento.
4. Demais. ─ Segundo Boécio, o que tende para um bom fim também é bom. Ora, o matrimônio é sempre um bem. Logo, não será matrimônio quando contraído em vista de um mau fim.
5. Demais. ─ O matrimônio significa a união entre Cristo e a Igreja. Ora, não pode haver aí nenhuma desonestidade. Logo, nem o matrimônio pode ser contraído por uma causa desonesta.
Mas, em contrário, quem batiza com a intenção de ganhar dinheiro verdadeiramente batiza. Logo, quem contrai matrimônio com uma mulher com essa mesma intenção, contrai um verdadeiro matrimônio.
2. Demais. ─ Isso mesmo o provam os exemplos e as autoridades citadas pelo Mestre.
SOLUÇÃO. ─ A causa final do matrimônio pode ser apreciada a dupla luz: essencial e acidentalmente. Essencialmente, a causa do matrimônio é aquela para qual ele é ordenado; e essa ─ procriar a prole e evitar a fornicação ─ é sempre boa. Quanto à causa acidental, pode ser a que os nubentes tinham em vista quando o contraíram. Ora, o que buscam no matrimônio não pode ser senão o que dele resulta; e além disso, não é a causa a modificada pelos efeitos, mas ao inverso. Por onde, bondade ou a malícia do matrimônio não resultarão do fim acidental, que os cônjuges se propuseram, mas estes é que serão bons ou maus, por terem feito desse fim o fim essencial do casamento. E como as causas acidentais são infinitas, por isso pode haver infinitas causas acidentais no matrimônio, umas honestas e outras desonestas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O princípio alegado é verdadeiro quando se trata de uma causa essencial e principal. Mas o que tem um fim essencial e principal pode ter vários fins secundários essenciais e infinitos acidentais.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A união conjugal pode ser entendida pela relação mesma resultante do matrimônio, a qual é sempre boa e procedente de Deus, seja qual for a sua causa. ─ Ou pelo ato dos que se casam; e então pode ser má e não procedente de Deus, absolutamente falando, nem repugna que um efeito provenha de Deus embora tenha uma causa má, como no caso de filhos adulterinos; pois tal efeito não provém da sua causa como sendo má, mas por ser parcialmente boa, enquanto dependente de Deus; embora dele não proceda, absolutamente falando.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A intenção da Igreja, de ministrar o sacramento, é necessária à validade de qualquer deles, de modo que não havendo intenção, não haverá sacramento. Mas a intenção da Igreja, quando tem em vista a vantagem resultante do sacramento, se refere à exata administração dele e não à sua validade. Por isso, não observadas as formalidades externas, nem por isso deixa ele de ser válido. Mas quem se omitir peca; assim quem, ao administrar o batismo, não tivesse em intenção a purificação da alma, que a Igreja tem em vista. Do mesmo modo, quem tem a intenção de contrair o matrimônio, embora não o ordene ao fim que a Igreja tem em vista, nem por isso deixa de realmente contrai-lo.
RESPOSTA À QUARTA. ─ O mal intencionado, não é o fim do matrimônio, mas dos contraentes.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Essa união mesma é sinal da união entre Cristo e a Igreja e não obra dos que se unem. Por isso a objeção não colhe.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que o consentimento gerador do matrimônio é o consentimento na conjunção carnal.
1. Pois, diz Jerônimo: Aos que fizeram voto de virgindade não somente é condenável casar, mas ainda o querer fazê-lo. Ora, não o seria se não fosse contrário à virgindade, à qual o casamento não se opõe senão por causa da conjunção carnal. Logo, o consentimento da vontade, no casamento, não o é senão à conjunção carnal.
2. Demais. ─ Tudo o lícito, no matrimônio, entre marido e mulher, pode sê-lo também entre irmão e irmã, menos a conjunção carnal. Ora, não podem irmão e irmã licitamente consentir no matrimônio. Logo, o consentimento matrimonial é o consentimento na conjunção carnal.
3. Demais. ─ Se a mulher der ao varão o consentimento assim ─ consinto em casar contigo, com, a condição de não teres relação comigo, não consentiria no matrimônio, porque encontraria a substância mesma desse consentimento matrimonial. Ora, tal não se daria se este não tivesse como objeto a conjunção carnal.
4. Demais. ─ Em todas as coisas a ação inicial corresponde à final. Ora, o matrimônio se consuma pela conjunção carnal. Logo, como se iniciou pelo consentimento, parece que este tem por objeto conjunção carnal.
Mas, em contrário. ─ Ninguém, que consinta na conjunção carnal, é virgem de alma e corpo. Ora, S. João Evangelista, depois de ter consentido no casamento, foi virgem de alma e de corpo. Logo, não consentiu na conjunção carnal.
2. Demais. ─ O efeito corresponde à causa. Ora, o consentimento é a causa do matrimônio. Não sendo, pois, a conjunção carnal da essência do matrimônio, resulta, que nem o consentimento, que o causa, tem por objeto a conjunção carnal.
SOLUÇÃO ─ O consentimento gerador do matrimônio é o que tem por objeto, porque o efeito próprio da vontade e a coisa mesma querida. Por onde, assim está a conjunção carnal para o matrimônio, como o consentimento, que o gera, para essa mesma conjunção. Ora, o matrimônio, como se disse, não é essencialmente a conjunção carnal em si mesma, mas uma associação do homem e da mulher tendo em vista a união carnal, além do mais que por via de consequência lhes resulta, por onde lhes é dado um direito mútuo ao exercício do ato conjugal. Essa associação se chama união conjugal. Por onde é claro que bem pensavam os que disseram que consentir no matrimônio é consentir na conjunção carnal implicitamente, mas não explicitamente. O que só se pode entender como significando, que o eleito implicitamente contido na causa; porque a faculdade da conjunção sexual, em que se consentiu, é a causa da conjunção carnal, como faculdade de usar do que é nosso é a causa do uso.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O consentimento no matrimônio, depois do voto de virgindade, é condenável porque esse consentimento da faculdade de praticar um ato ilícito. Assim também pecaria quem desse a outrem o poder de tomar um depósito confiado, e não somente se lhes entregasse o depósito. Quanto ao consentimento da Santíssima Virgem diremos a seguir.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Entre irmão e irmã não pode haver o direito à conjunção carnal, nem esta se pode licitamente realizar. Por onde, a objeção não colhe.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Essa condição explícita não só ao ato do casamento é oposta, mas também à possibilidade de se realizar a conjunção carnal. E portanto contrária ao casamento.
RESPOSTA À QUARTA. ─ O matrimônio inicial corresponde ao consumado, como o hábito ou a potência ao ato, que é a operação.
Quanto às objeções em contrário, elas mostram que não há consentimento explícito na conjunção carnal. E isso é verdade.
O sexto discute-se assim. ─ Parece que uma ordem paterna pode obrigar ao contrato matrimonial.
1. Pois, diz o Apóstolo: Filhos, obedecei em tudo a vossos pais. Logo, também estão obrigados a obedecer neste ponto.
2. Demais. ─ Como lemos na Escritura, Isaac ordenou a Jacó que não tomasse mulher entre as filhas de Canaan. Ora, não o teria feito, se por direito não tivesse podido mandá-la. Logo, nesta matéria os filhos estão obrigados a obedecer aos pais.
3. Demais. ─ Ninguém pode prometer, sobretudo sob juramento, em nome de quem não pode compelir a cumprir o que foi jurado. Ora, os pais se comprometem, em nome dos filhos, a um casamento futuro, e mesmo o confirmam com juramento. Logo, podem obrigá-las a cumprir o que ordenaram.
4. Demais. ─ O Papa, Pai espiritual, pode compelir por preceito, ao matrimônio espiritual, isto é, a aceitação do episcopado. Logo, também um pai carnal pode compelir ao matrimônio carnal.
Mas, em contrário. ─ Mesmo que o pai ordene o matrimônio, o filho poderá, sem pecado, entrar em religião. Logo, nesse ponto não está obrigado a lhe obedecer.
2. Demais. - Se estivesse obrigado a obedecer, os esponsais contraídos pelos pais sem o consentimento dos filhos seriam válidos. Ora, isso é contra o direito. Logo, etc.
SOLUÇÃO. ─ Sendo o matrimônio uma como servidão perpétua, o pai não pode, sob preceito, coagir o filho livre a contrai-lo. Mas pode induzi-lo com causa racionável. E então, assim, está o filho para essa causa, como para o preceito paterno. Isto é, se essa causa não for cogente por motivo de necessidade ou honestidade, também desse mesmo modo é que o preceito paterno obrigará; do contrário não.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ As palavras do Apóstolo não se aplicam nos casos em que o filho é tão livre com o pai. Ora, tal é o matrimônio pelo qual também o filho se torna pai.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Jacó devia por outras razões fazer o que lhe Isaac mandou ─ quer por causa da malícia dessas mulheres; quer por causa da disparição próxima da raça de Canaan, da terra prometida à descendência dos Patriarcas. Por isso Isaac podia mandar.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Os pais não juram senão subentendida a condição ─ se lhes agradar. Devem então tratar, com boa fé, de induzi-los ao casamento.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Certos pretendem que o Papa não pode mandar ninguém aceitar o episcopado, porque o consentimento deve ser livre. ─ Mas se assim fosse, desapareceria a ordem eclesiástica. Pois, se ninguém pudesse ser obrigado a tomar o governo da Igreja, esta não poderia subsistir, porque os mais idôneos para tal se recusariam fazê-lo, sem ser forçados. Por isso devemos responder, que não há símile nos dois casos. Porque o matrimônio espiritual não implica nenhuma servidão corporal. Pois, o casamento espiritual é uma como função necessária à república, conforme aquilo do Apóstolo: Os homens devem nos considerar, etc.
O quinto discute-se assim. ─ Parece que o consentimento condicionado não gera o matrimônio.
1. Pois, o que afirmamos sob condição não o afirmamos de maneira absoluta. Ora, o consentimento no matrimônio deve ser expresso por palavras de sentido absoluto. Logo, um consentimento condicional não gera o matrimônio.
2. Demais. ─ O matrimônio deve ser certo. Ora, uma afirmação condicional é duvidosa. Logo, tal consentimento não gera o matrimônio.
Mas, em contrário. ─ Os outros contratos podem fazer-se sob condição e subsistem enquanto a condição está de pé. Logo, sendo o matrimônio um contrato, parece que o consentimento nele pode ser condicional.
SOLUÇÃO. ─ A condição acrescentada ou se refere ao presente ou ao futuro. ─ Se ao presente e não sendo contrária ao matrimônio, quer honesta quer desonesta, o casamento é válido se a condição subsiste, e não é válido no caso contrário. Mas se a condição for contrária aos fins do matrimônio não poderá tê-lo como efeito. ─ Quanto à condição para o futuro, ou é necessário, como p.ex. ─ se o sol nascer amanhã; e então será válido o matrimônio porque esses futuros já são presentes nas suas causas. Ou o futuro será contingente, como se der dinheiro, se os pais consentirem; e então devemos julgar esse consentimento, como o pelo qual se consente num casamento futuro, e que portanto não gera o matrimônio.
Donde se deduzem claras as respostas às objeções.
O quarto discute-se assim. ─ Parece que o consentimento coacto, ao menos para a parte que coagiu, causa o matrimônio.
1. Pois o matrimônio é sinal da união espiritual. Ora, a união espiritual, fundada na caridade, pode tê-la mesmo quem não tem a caridade. Logo, também o matrimônio pode ser contraído mesmo com quem não o quer.
2. Demais. ─ A coagida, mas que depois consentiu, contraiu verdadeiro matrimônio. Ora, esse consentimento não liga quem a obrigou a consentir. Logo, estava já ela casada em virtude do consentimento anterior.
Mas, em contrário. ─ O matrimônio é uma relação de igualdade, Ora, tal relação deve existir do mesmo modo em ambos. Portanto, se houver impedimento da parte de um, não haverá casamento da parte do outro.
SOLUÇÃO ─ O matrimônio é uma relação de igualdade. Ora, não pode a relação abranger um dos extremos sem abranger também ao outro. Logo, o que impede o casamento de um impede também o de outro, pois não é possível um marido sem esposa, ou uma esposa sem marido, como o é uma mãe sem filho. Por isso se costuma dizer, que o matrimônio não claudica.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora possamos amar quem não nos ama, contudo união não pode haver sem amor mútuo. Por isso diz o Filósofo, que a amizade, implicando a união, exige a retribuição.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O casamento de uma pessoa, forçada, a princípio, a consentir e que depois livremente consentiu, não é válido senão se a outra parte continua a consentir livremente. Mas se esta não o fizesse não existirá o casamento.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que o consentimento coacto não anula o matrimônio.
1. Pois, assim como no matrimônio deve haver o consentimento, assim no batismo a intenção de recebê-lo. Ora, quem, coagido pelo temor, recebeu o batismo batizado está. Logo, quem, coagido pelo temor, deu o seu consentimento, contraiu o matrimônio.
2. Demais. ─ O violento misto tem, segundo o Filósofo, mais de voluntário que de involuntário. Ora, o consentimento não pode ser coacto senão pelo violento misto. Logo, não exclui totalmente o voluntário. E portanto deixa existente o matrimônio.
3. Demais. ─ A quem consentiu num matrimônio coacto deve-se aconselhar que nele permaneça; porque fazer uma promessa e não a cumprir é uma aparência de mal, da qual o Apóstolo diz que nos devemos guardar. Ora, tal não se daria se o consentimento coacto tornasse o matrimônio absolutamente nulo. Logo ,etc.
Mas, em contrário, determina uma decretal: Como o temor e a violência não deixam lugar ao consentimento, quando intervêm, devemos evitar, nos contratos que o exigem de ambas as partes, tudo o que pode produzi-los. Ora, o matrimônio exige o consentimento de ambas as partes. Logo etc.
2. Demais. ─ O matrimônio significa a união de Cristo com a Igreja, fundada na liberdade do amor. Logo, não pode fazer-se pelo consentimento coacto.
SOLUÇÃO. ─ O vínculo do matrimônio é perpétuo. Por onde, tudo o que repugna à perpetuidade anula o matrimônio. Ora, o temor, capaz de influenciar um varão constante, destrói a perpetuidade do contrato, porque dá lugar ao pedido da restituição por inteiro. Por onde, o temor capaz de coagir o varão constante é o que anula o matrimônio, e não outro. Ora, o varão constante é julgado virtuoso, que é a medida de todas as obras humanas, como diz o Filósofo. Certos porém opinam, que havendo o consentimento, ainda coacto, o matrimônio é válido no foro da consciência perante Deus; mas não perante a Igreja, que presume ter o temor eliminado o consentimento interno ─ mas esta opinião é insustentável. Porque a Igreja não deve presumir em ninguém o pecado, antes de provado. Ora, quem disse que consentia e não consentiu pecou. Por isso, a Igreja lhe presume o consentimento, mas o considera como extorquido e portanto insuficiente para produzir o matrimônio.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A intenção não é a causa eficiente do sacramento no batismo, mas só a causa eficiente da ação do agente. Ao contrário, o consentimento é a causa eficiente do matrimônio. Logo, o símile não colhe.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Não é qualquer voluntário, mas só o voluntário completo, que causa o matrimônio, porque este deve ser perpétuo. Logo, fica impedido pelo violento misto.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Nas circunstâncias supostas, nem sempre se deve dar ao casado o conselho de assim permanecer, mas só quando se teme que a ruptura possa causar um perigo. Aliás, romper um tal casamento não seria pecado, porque nenhuma aparência de mal é deixarmos de cumprir uma promessa involuntariamente feita.
O segundo discute-se assim ─ Parece que o varão constante não é susceptível do temor causado pela coação.
1. Pois, é próprio do varão constante não temer diante do perigo. Ora, sendo o medo o temor da alma perante um perigo iminente, parece que não pode o constante sofrer a coação do medo.
2. Demais. ─ De todas as coisas a terribilíssima é a morte, segundo o Filósofo; é como o mais perfeito objeto de terror. Ora, o varão constante não teme a morte, pois, afronta-lhe o perigo. Logo, o homem forte não é susceptível de temor.
3 . Demais. ─ De todos os perigos o mais temido pelos bons é o da infâmia. Ora, o temor da infâmia não se considera como capaz de influenciar um varão constante, pois, como diz a lei, o temor da infâmia não está mencionado no edito intitulado ─ Dos atos causados pelo temor. Logo, nenhum outro temor pode a tingir o varão constante.
4. Demais. ─ O temor, leva a pecar quem lhe sofre a coação, pois. fá-lo prometer o que não tem a intenção de cumprir e, assim, fá-lo mentir. Ora, não é próprio de um varão constante ter um pecado, por mínimo que seja, levado do temor. Logo não é susceptível de nenhum temor.
Mas em contrário. ─ Abraão e Isaac foram varões constantes. Ora, deixaram-se levar do medo, pois, por causa dele, fizeram passar por esposas as irmãs. Logo, o varão constante pode também ser vítima do temor.
2. Demais. ─ Onde há um violento misto há algum temor coativo. Ora, a ação de uma violência pode sofrer um homem, por forte que seja; assim, se estiver no mar, lançará fora as mercadorias para escapar ao naufrágio. Logo, o temor pode também sofrê-lo o varão constante.
SOLUÇÃO. ─ Sofrer alguém o temor é sofrer a coação que ele causa. Ora, sofre a coação causada pelo temor quem faz o que sem ele não faria, com o fim de o evitar. Ora, por aí o varão constante se distingue do inconstante de dois modos. - Primeiro, quanto à qualidade do perigo que teme. Pois, o varão constante obedece à razão reta, que o ensina, num caso dado, o que deve omitir e o que deve fazer. Porque devemos sempre escolher o menor mal ou o maior bem. Por isso, temor do mal maior obriga o varão constante a suportar o menor; não o coage porém ao mal maior para evitar o menor. Ao passo que o temor força o homem fraco a um mal maior para evitar o menor; assim, ao pecado, por medo da pena corpórea. O pertinaz, ao contrário, não pode ser coagido mesmo a suportar o mal menor ou a fazê-lo, para evitar o maior. Por onde, o varão constante é um meio termo entre o inconstante e o pertinaz. Em segundo lugar o varão constante difere do inconstante pelo modo com que avalia o perigo iminente. Assim, o constante não se deixa influenciar senão por um perigo que considera grave e provável; ao passo que o inconstante se deixa dominar por um perigo leve, segundo aquilo da escritura: O ímpio foge sem que ninguém o persiga.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O varão constante, como o diz o Filósofo também do forte, é intrépido, não que seja de todo inaccessível ao temor, mas por não temer senão o que deve temer e quando o deve.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O pecado é o máximo dos males. Por isso nada há que possa obrigar o varão constante a praticá-lo, ao contrário, deve antes morrer que cometê-lo como também o Filósofo o ensina. Mas dos danos corporais, uns são menores que outros. Dentre eles são os principais os que atingem a pessoa, como a morte, os açoites, a desonra infamante e a escravidão. Por isso levam o varão constante a suportar outros danos corporais; estão eles contidos no versículo:
Desonra ou situação, açoite e morte.
Nem importa que atinjam a pessoa própria, ou a da esposa, ou a dos filhos ou de pessoas tais.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora a desonra seja o maior dano que possamos sofrer, é contudo fácil evitá-la. Por isso, os janistas não consideram o temor da desonra como capaz de influir num varão constante.
RESPOSTA À QUARTA. ─ O varão constante não é forçado a mentir, por temor, pois no momento mesmo quer cumprir a promessa. Mas decide a pedir depois a restituição, ou pelo menos, a denunciar ao juiz, se prometeu não haver de a pedir. Não pode porém prometer que não fará a denúncia, pois encontraria o bem da justiça, e nada pode coagi-lo a agir contra ela.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que nenhum consentimento pode ser coacto.
1. Pois, o livre arbítrio não é susceptível de coação em nenhum dos seus aspectos, como se disse. Ora, o consentimento é ato do livre arbítrio. Logo, não pode ser coacto.
2. Demais. ─ O violento, é o mesmo que coacto. Mas o coacto é, segundo o Filósofo, o ato cujo principio é exterior ao paciente, mas que em nada contribui para ele. Ora, o princípio de todo consentimento é íntimo. Logo, nenhum consentimento pode ser coacto.
3. Demais. ─ Todo pecado se consuma pelo consentimento. Ora, o que é causa do pecado não pode ser efeito da coação; pois, segundo Agostinho, ninguém peca praticando o que não pode evitar. Logo, definição que os juristas dão da violência ─ uma força imperiosa que não pode ser contrastada ─ conclui-se que o consentimento não pode ser coacto nem violento.
4. Demais. ─ A escravidão opõe-se à liberdade. Ora, coagir é próprio do senhor, como o diz uma definição de Túlio, de acordo com a qual a violência é uma força impetuosa, que sujeita um ser a laços estranhos. Logo, o livre arbítrio não é susceptível de violência. E portanto nem o consentimento que é o seu ato.
Mas, em contrário, o que não pode existir não pode impedir nada. Ora, a coação impede o consentimento no matrimônio, como diz o Mestre. Logo, o consentimento não pode ser coacto.
2. Demais. ─ O matrimônio reveste a forma de um contrato. Ora, nos contratos a vontade pode ser coacta; por isso o legislador concede a restituição por inteiro, não tendo como ratificado o feito por violência ou medo. Logo, no matrimônio o consentimento pode ser coacto.
SOLUÇÃO. ─ A coação ou violência pode ser de duas espécies. Uma produz a absoluta necessidade. E esse violento é o considerado absoluto pelo Filósofo; assim, quando forçamos alguém andar. ─ Outra gera a necessidade condicionada. E a esse violento o Filósofo chama misto; assim, quando se arrojam mercadorias ao mar a fim de não naufragar. E nesta espécie de violência, embora o ato não seja voluntário, contudo, consideradas as circunstâncias é voluntário hic et nunc. Ora, como todo ato é particular, por isso é voluntário absolutamente falando, mas involuntário de certo modo. Por onde, esta espécie de violência ou de coação pode atingir o consentimento, que é um ato de vontade; mas não a primeira espécie. E como ela se opera temor de um perigo iminente, por isso, esta violência é o mesmo que o medo, que de certo modo coage a vontade. Ao passo que a primeira espécie pode atingir também os atos corpóreos.
E como o legislador considera não só os atos íntimos, mas sobretudo os externos, por isso entende por violência e coação em sentido absoluto; e assim a violência se distingue do medo. Ora, agora tratamos do consentimento interior, não susceptível de coação ou de violência, enquanto distinta do medo. Por onde, no caso vertente, o mesmo é a coação que o medo. Mas o medo, segundo os jurisperitos é a perturbação do espírito causada por um perigo atual ou futuro.
Donde se deduzem as respostas às objeções. Pois, as primeiras se fundam na violência pura, e as outras, na mista.