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Art. 1 ─ Se certos bens são necessários para justificar o matrimônio.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que não são necessários certos bens para justificar o matrimônio.

1. Pois, assim como a conservação do indivíduo resultante da função nutritiva é um fim visado pela natureza, assim a da espécie, resultante do matrimônio. E muito mais o é esta, quanto mais elevado é o bem da espécie sobre o individual. Ora, a função nutritiva não precisa ser justificada pelos seus bons efeitos. Logo, nem a do matrimônio.

2. Demais. ─ Segundo o Filósofo, a amizade entre marido e mulher é natural e abrange o bem honesto, o útil e o deleitável. Ora, o em si mesmo honesto não precisa de nenhuma justificação. Logo, nem o matrimônio tem necessidade de ser justificado por nenhum bom feito.

3. Demais. ─ O matrimônio foi instituído como remédio e como função natural. Ora, como função natural não precisa de ser justificado; do contrário também precisava de ser já no paraíso ─ o que é falso, pois então, era honroso o matrimônio e o leito sem mácula, como diz Agostinho. Do mesmo modo, nem como remédio, como não o precisam os demais sacramentos, instituídos como remédios do pecado. Logo, nem o matrimônio precisa de tais justificativas.

4. Demais. ─ Tudo o que podemos honestamente fazer se inspira em alguma virtude. Se, pois, o matrimônio pode ser virtuoso, de nenhuma outra justificação precisa senão a das virtudes da alma. E assim não precisa ser justificado por nenhum bem, serão os que justificam os atos virtuosos.

Mas, em contrário, onde há indulgência há necessidade de uma justificativa. Ora, o matrimônio é justificado por uma indulgência para: com a fraqueza humana, como o diz o Apóstolo. Logo precisa ser justificado por algum bem.

2. Demais. ─ O concúbito matrimonial e o impuro pertencem à mesma espécie natural. Ora, o concúbito impuro é de si mesmo desonesto. Logo, para o matrimônio não ser desonesto, são necessários certos motivos, que o justifiquem e o classifiquem numa categoria moral.

SOLUÇÃO. ─ Nenhum homem prudente deve consentir num mal senão compensado por um bem igualou melhor. Por onde, a escolha de uma alternativa, que implica um mal necessita a justificativa de um bem anexo que, por compensação, a torne bem ordenada e honesta, Ora, a conjunção sexual entre o homem e a mulher implica um certo mal ─ quer seja este a veemência do prazer, que absorve a razão a ponto de tornar de fato impossível o ato intelectual, como diz o Filósofo; quer também por causa da tribulação da carne, de que fala o Apóstolo, e que hão de sofrer os casados pela solicitude com os bens temporais. Por onde, a escolha dessa união não pode ser justificada senão tendo a compensação de certas vantagens que a tornem virtuosa. E tais são os bons efeitos que o justificam e o tornam legítimo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O prazer, no ato de comer, não é veemente a ponto de, como no prazer sexual, absorver a razão. Quer por ser instinto sexual, por onde se transmite o pecado original, degenerado e corrupto, ao passo que a função nutritiva, pela qual ele não se transmite, é corrupta, mas não degenerada. Quer também por que cada qual sente com mais intensidade em si as suas necessidades individuais que as da espécie. Por isso para provocar à comida, e obviar à necessidade individual, basta sentir o desejo de alimentar-se. Mas, para provocar o ato, cujo resultado é a conservação da espécie, a providência divina lhe acrescentou um prazer, capaz de mover até os brutos, que não cometeram o pecado original. Logo, o símile não colhe.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Esses bens justificadores do matrimônio resultam da natureza mesma dele. Por isso o casamento não precisa de ser justificado por eles como por motivos externos, mas como sendo a causa da justificação mesma que lhe é natural.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O matrimônio, pelo fato mesmo de ser uma função natural ou um remédio contra o pecado, é por natureza um bem útil e honesto; mas essas duas qualidades lhe convém em virtude dos bens que lhe são inerentes e o tornam uma função natural e um remédio da concupiscência.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Um ato virtuoso tem a sua justificativa tanto na virtude, que é o seu princípio elícito, como nas circunstâncias, seus princípios formais. Ora, os bens do matrimônio estão para ele como as circunstâncias para os atos virtuosos; donde resulta que o ato conjugal pode ser virtuoso.

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