Category: Santo Tomás de Aquino
O segundo discute-se assim. ─ Parece que nenhum malefício pode impedir o matrimônio.
1. Pois, tais malefícios são obra do demônio. Ora, os demônios não tem o direito de impedir o ato do matrimônio, como também não podem impedir os demais atos corporais. Do contrário, perturbariam todo o mundo, impedindo de comer, de andar e de atos semelhantes. Logo, os malefícios não podem impedir o casamento.
2. Demais. ─ A obra de Deus é mais forte que a do diabo. Ora, o malefício é obra do diabo. Logo, não pode impedir o matrimônio, que é obra de Deus.
3. Demais. ─ Só um impedimento perpétuo pode dirimir um matrimônio já contraído. Ora, um malefício não pode ser impedimento perpétuo, porque o demônio, não tendo poder senão sobre os pecadores, uma vez delido o pecado, desaparece o malefício; ou pode ainda desaparecer por força de outro malefício, ou pelos exorcismos da Igreja, ordenadas a reprimir o poder dos demônios. Logo, um malefício não pode impedir o matrimônio.
4. Demais. ─ A cópula carnal não pode ser impedida senão por impedida a potência geratriz, que é o princípio dela. Ora, um mesmo homem é capaz de exercer o ato da geração quase igualmente com todas as mulheres. Logo, um malefício não pode ser impedimento em relação a uma, senão sendo também em relação a todas.
Mas, em contrário, uma decretal: As sortes do malefício impedem o casamento. E ainda: Se não puderem sarar, poderão ser separados.
2. Demais. ─ O poder dos demônios é maior que o dos homens, segundo aquilo da Escritura: Não há poder sobre a terra que se lhe compare. Ora, por obra humana pode um tornar-se incapaz da cópula carnal ─ assim, por uma bebida, pela castração ─ ficando pois, impedido o matrimônio. Logo, e com maior razão, esse resultado pode ser alcançado pelo poder do demônio.
SOLUÇÃO. ─ Certos disseram que o malefício só existe no mundo pela opinião dos homens, que atribuíam aos malefícios os efeitos naturais, cujas causas são ocultas. ─ Mas, isto encontra a autoridade dos Santos, que ensinam terem os demônios poder sobre os corpos e sobre a imaginação dos homens, quando lhes permite Deus. E assim, por meio deles os mágicos podem operar certos prodígios.
Ora, esta opinião tem a sua raiz na infidelidade ou na incredulidade. Pois, os que a professam não crêem na existência dos demônios, a qual atribuem só à opinião vulgar. Assim, os terrores que os homens a si mesmo se criam ao demônio os atribuem. E como também uma veemente imaginação faz aparecerem aos sentidos figuras, tais como as que imaginamos, cremos então ver demônios. ─ Mas, este sentir a verdadeira fé o repudia, fundados na qual, cremos que certos anjos foram precipitados do céu, e na existência dos demônios, que pela subtilidade da sua natureza, podem fazer muitas coisas que nós não podemos. E aqueles que os induzem a produzir tais efeitos se chamam mágicos.
Por isso, opinaram outros, que um malefício pode causar impedimento à cópula carnal, mas não de natureza perpétua; o que pois, não dirime o matrimônio já contraído. E afirmam estar revogado o direito que assim o determinava. ─ Mas, isto encontra a experiência e o direito novo que concorda com o antigo.
Por isso é mister distinguir. Pois, a impotência física causada pelo malefício ou é perpétua, e então anula o casamento; ou não o é, e não o anula então. E é para experimentá-lo que a Igreja prefixou o período de um triênio, do mesmo modo por que o fez com a impotência, como dissemos.
Há porém, a diferença seguinte entre o malefício e a impotência. O impotente ou frio o é tanto em relação a uma mulher como a qualquer outra; por isso, se lhe foi anulado o matrimônio, não lhe é dada licença de casar com outra. Ao passo que o malefício pode tornar o homem impotente em relação a uma, mas não em relação a outra; por isso, quando por juízo da Igreja o casamento é anulado, a ambas as partes é dada licença de buscar outro cônjuge.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A corrupção do pecado original, que tornou o homem escravo do diabo, se nos transmitiu a nós pelo ato da potência geradora. Por isso Deus permite ao diabo um poder sobre esse ato, mais do que sobre os outros. Assim como o poder malfazejo deles se revela sobretudo nas serpentes que nos outros animais, porque foi por meio de uma serpente que o diabo tentou a mulher, como refere a Escritura.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Uma obra de Deus pode ficar impedida por outra, do diabo, por permissão divina; o que não significa seja o diabo mais forte que Deus, a ponto de poder violentamente destruir as obras divinas.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Um malefício é perpétuo quando nenhum remédio humano se lhe pode dar, embora Deus lh'o pudesse dar reprimindo o demônio, ou o demônio deixando de continuá-lo, Por outro lado, como bem o sabem os mágicos, nem sempre é possível destruir o efeito de um malefício por outro malefício. Contudo, mesmo que se pudesse achar remédio em outro malefício, nem por isso deixaria o malefício de ser perpétuo, porque de nenhum modo devemos invocar o auxílio do demônio, mediante outro malefício. ─ Semelhantemente, quem, pelo pecado cometido, veio a cair sob o poder permitido a um demônio, não fica necessariamente livre desse poder, uma vez delido o pecado; pois, pode a pena subsistir, mesmo depois de desaparecida a culpa. ─ Semelhantemente, os exorcismos da Igreja não valem sempre para afastar os demônios e livrar dos vexames que causam ao corpo, por assim o dispor o juízo divino. Mas sempre valem contra os ataques dos demônios para que foram instituídos.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Um malefício pode umas vezes causar impedimento à conjunção carnal com todas as mulheres, outras, só com uma. Porque o diabo é uma causa voluntária e não um agente que produza o seu efeito por um impulso fatal da natureza. Além disso, o impedimento do malefício pode provir da impressão do demônio na imaginação de um homem, de modo que este não sinta nenhum movimento da concupiscência para com uma determinada mulher, mas sim para com outra.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a impotência não impede de se contrair matrimônio.
1. Pois, a conjunção carnal não é da essência do matrimônio; assim, é mais perfeito quando ambos os cônjuges fazem voto de continência. Ora, a impotência não impede senão a conjunção carnal. Logo, não é impedimento dirimente do matrimônio já contraído.
2. Demais. ─ Assim como a impotência impede a conjunção carnal, assim, também a demasiada paixão, que é exsecante. Ora, a paixão não é considerada impedimento ao matrimônio. Logo, nem a impotência deve sê-lo.
3. Demais. ─ Todos os velhos são impotentes. Ora, os velhos podem contrair matrimônio. Logo, a impotência não impede o matrimônio.
4. Demais. ─ A mulher que contrai matrimônio com um homem que sabe ser impotente, contrai com ele matrimônio válido. Logo, a impotência, em si mesma, não impede o matrimônio.
5. Demais. ─ Pode um, excitado pelo ardor da concupiscência, ser capaz de conjunção carnal com uma mulher deflorada, não porém com uma virgem; pois, a chama da concupiscência logo se apaga, em razão da sua debilidade, de modo que pode não tornar capaz da conjunção com uma virgem. Semelhantemente, pode um ser inflamado de paixão por uma mulher bela, que mais provoca a concupiscência, e contudo ser impotente em relação a uma prostituta. Donde, se conclui que a impotência, embora impida a cópula com uma, não impede contudo, absolutamente falando.
6. Demais. ─ A mulher é em geral mais fria que o homem Ora, as mulheres não são impedidas de casar. Logo, nem os impotentes.
Mas, em contrário, determina o direito: Assim como a criança, incapaz do dever conjugal, não é apta para o casamento, assim também os impotentes são considerados ineptos a contrair matrimônio. Ora, entram nesta classe os impotentes de toda espécie. Logo, etc.
2. Demais. ─ Ninguém pode obrigar-se ao impossível. Ora, pelo matrimônio, o homem se obriga à cópula carnal, pois para tal dá à sua mulher poder sobre o seu corpo. Logo, o impotente, incapaz da cópula carnal, não pode contrair matrimônio.
SOLUÇÃO. ─ O matrimônio é um contrato pelo qual um dos cônjuges se obriga a cumprir para com o outro o dever conjugal. Por onde, assim como os outros contratos não obrigam legalmente quando uma das partes se compromete ao que não pode dar ou fazer, assim não há contrato legal de matrimônio, quando feito por quem não pode cumprir o dever da conjunção carnal. E esse impedimento se chama impotência física, de sua denominação geral. A qual pode provir de uma causa intrínseca e natural, ou de uma causa intrínseca e acidental, como no caso do malefício, segundo depois diremos. Se por causa natural, de dois modos pode sê-lo. Ou é temporal, podendo então desaparecer pela aplicação de um remédio ou pelo desenvolvimento da idade. Ou é perpétua. E então dissolve o matrimônio de modo que o marido, contra quem a mulher alegue esse impedimento, fica perpetuamente sem esperança de poder casar; a mulher, porém, poderá casar com quem quiser, no Senhor.
Mas, para se saber se o impedimento é perpétuo ou não, a Igreja estabeleceu um determinado tempo, o de um triênio, em que é possível experimentá-lo. Assim, depois de passado um triênio, durante o qual ambas as partes, apesar de procurarem praticar o dever conjugal, não conseguiram consumar o matrimônio, fica ele dissolvido por juízo da Igreja. Contudo, neste ponto às vezes a Igreja erra, porque a perpetuidade da impotência pode não ficar provada suficientemente durante esse lapso de tempo. Por isso, a Igreja, se vir que se enganou, pelo fato de ter o marido, contra quem se articulava esse impedimento, realizado a cópula carnal com outra ou com a sua mulher própria, revalida o matrimônio precedente e dirime o segundo, embora tivesse este sido celebrado com a sua anuência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora, o ato da cópula carnal não seja da essência do matrimônio, contudo a capacidade para praticar o é; pois o matrimônio dá a cada um dos, cônjuges poder sobre o corpo do outro, em respeito à cópula carnal.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A demasiada paixão será dificilmente um impedimento perpétuo. Seria porém, julgado tal se verificasse, que por um triênio impediu a cópula carnal. Contudo, é a impotência, de ordinário e mais frequentemente, um impedimento, não somente permitindo a mixtão das matérias seminais, mas também privando do vigor dos membros, que torna possível a união dos corpos. Por isso, no caso vertente, é antes a impotência, que o ardor da concupiscência, que se considera como impedimento, pois, todos os defeitos naturais se reduzem à impotência.
RESPOSTA À TERCEIRA ─ Os velhos, embora não tenham o ardor bastante para engendrar, tem-no contudo suficiente para a conjunção carnal. Por isso, se lhes permite o matrimônio como remédio à concupiscência, embora já não o possam tornar eficiente como função da natureza.
RESPOSTA À QUARTA. ─ É regra universal para todo contrato, que quem não pode pagar uma determinada coisa, não é idôneo para fazer o contrato pelo qual se obriga ao referido pagamento. Ora, de dois modos pode ser inidôneo. ─ Primeiro, por incapaz, de direito, de fazer o pagamento. E então, essa incapacidade de todos os modos torna o contrato nulo, quer o outro paciente saiba dela, quer não. ─ Noutro sentido, a incapacidade resulta de não poder, de fato fazer o pagamento. Então, se o outro paciente o sabia, e contudo fez o contrato, mostrou por aí que buscava com esse contrato outro fim; e portanto é ele válido. Mas, se não o sabia, nulo é o contrato.
Por onde, a impotência, que torna o homem incapaz, de fato do dever conjugal; e a condição de escravo, que o torna incapaz de o cumprir livremente, impedem o matrimônio. quando o outro cônjuge ignora essa incapacidade de cumprir tal dever. Quanto ao impedimento jurídico de cumprir o dever conjugal, como a consangüinidade, anula o casamento contraído, quer o outro conjugue o saiba, quer não, Por isso, o Mestre declara que a impotência e a escravidão tornam as pessoas não absolutamente incapazes de se casar.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Não pode ser um impedimento natural perpétuo o que torna um homem impotente em relação a uma mulher e não, a outra. Dado porém que não possa realizar a cópula carnal com uma virgem, mas o possa com uma deflorada, então pode-se apelar para uma intervenção cirúrgica e tornar assim possível o ato conjugal. Nem iria isso contra a natureza, pois se trata de uma enfermidade a curar e não do prazer. Quanto à repugnância por uma determinada mulher, não é uma causa natural de impotência, mas causa acidental extrínseca. Por isso, devemos julgar dela como do malefício, de que mais adiante trataremos.
RESPOSTA À SEXTA. ─ O homem é ativo na geração, e a mulher passiva, Por isso, maior ardência deve ter o homem, que a mulher, na obra da geração. Por onde, a impotência, que torna o homem incapaz de gerar, pode não tornar incapaz a mulher. Mas, a mulher pode sofrer um impedimento de outra causa, a saber, o estreitamento vaginal, Então, devemos julgar desse impedimento como da impotência masculina.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que o parentesco legal não se contrai senão entre o pai adotante e o filho adotado.
1. Pois, parece que esse parentesco devia sobretudo ligar o pai adotante e a mãe natural do adotado, como se dá com o parentesco espiritual. Ora, entre esses não há nenhum parentesco. Logo, nem entre outras pessoas, além do adotante e do adotado.
2. Demais. ─ O parentesco impediente do matrimônio é um impedimento perpétuo. Ora, entre o filho adotado e a filha natural do adotante não há nenhum impedimento perpétuo; pois, dissolvida a adoção pela morte do adotante ou pela emancipação do adotado, podem eles contrair casamento. Logo, não tinha o filho com ela nenhum parentesco impediente do matrimônio.
3. Demais. ─ O parentesco espiritual não passa a nenhuma pessoa incapaz de apresentar outra a receber um sacramento ou de o receber ela própria: por isso não se transmite a um não-batizado. Ora, a mulher não pode adotar, como do sobredito se colhe. Logo, o parentesco legal não se transmite do marido para a mulher.
4. Demais. ─ O parentesco espiritual é mais forte que o legal. Ora, o espiritual não atinge o neto. Logo, nem o legal.
Mas, em contrário. ─ Mais concorda o parentesco legal com a conjunção carnal ou a geração da carne, que o espiritual. Ora, o parentesco espiritual se transmite a terceira pessoa. Logo, também o legal.
2. Demais. ─ Esta mesma conclusão é apoiada pelas autoridades citadas pelo Mestre.
SOLUÇÃO. ─ Há três espécies de parentesco legal. A primeira, a existente entre os descendentes, e é contraída entre o pai adotante e o filho adotado e o filho do filho adotivo e o neto e assim por diante. A segunda, entre o filho adotivo e o filho carnal. A terceira, a modo de afinidade, entre o pai adotante e a mulher do filho adotivo; ou ao contrário, entre o filho adotado e a esposa do pai adotante. Ora, a primeira espécie e a terceira impedem perpetuamente o matrimônio. A segunda, porém, não; salvo enquanto o adotado permanece dependente do adotante; por onde, morto o pai, ou emancipado o filho, pode contrair matrimônio com a filha natural do adotante.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Pela geração espiritual não sai o filho do poder do pai, ao contrário do que se dá pela adoção. E assim um filho espiritual permanece filho do pai natural e simultaneamente, filho espiritual do seu padrinho. O que não se dá com o filho adotivo. Por isso, não contrai nenhum parentesco o filho adotado com o pai adotante, nem com a mãe e com o pai naturais, como se dava com o parentesco espiritual.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O parentesco legal impede o matrimônio por causa da coabitação. Por isso, desaparecida a necessidade desta, nenhum mal há na disparição desse impedimento; por exemplo, quando o adotado não esta mais dependente do pai adotivo. Mas, o pai adotante e a sua mulher conservam sempre uma certa autoridade sobre o filho adotado e sua esposa. Por isso, subsiste um vínculo entre eles.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Também a mulher, por concessão do príncipe, pode adotar; por isso, também sobre ela pode recair o parentesco legal. Além disso, a causa, por que o parentesco legal não possa ter como sujeito um não-batizado, não vem de não poder ele apresentar uma pessoa a um sacramento; mas de não poder receber nenhuma realidade espiritual.
RESPOSTA A QUARTA. ─ Pelo parentesco espiritual o filho não fica em dependência da direção e dos cuidados do pai espiritual, ao contrário do que se dá com o parentesco legal. Pois, tudo o dependente do filho adotado há de passar para o poder do pai adotante. Por onde, adotado um pai, adotados lhe ficarão filhos e netos sob o seu poder.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que pela adoção não se contrai nenhum vínculo impediente do matrimônio.
1. Pois a cura das almas é mais nobre que a do corpo. Ora, o fato de estar alguém sujeito espiritualmente aos cuidados de outrem não gera nenhum vínculo de parentesco entre ambos; do contrário todos os habitantes de uma paróquia seriam parentes do cura, e não poderiam casar com o filho do mesmo. Logo, nem pode produzir esse efeito a adoção, que sujeita o adotado à direção do adotante.
2. Demais. ─ O fato de fazer um beneficio a outro não estabelece entre eles nenhum parentesco. Ora, a adoção outra coisa não é mais que a colação de um benefício. Logo, a adoção não gera nenhum vínculo de parentesco.
3. Demais. ─ O pai natural provê ao filho sobretudo em três coisas, como diz o Filósofo: dá-lhe a vida, a nutrição e a educação. Ora, a sucessão hereditária é posterior a elas. Mas, o fato de alguém dar a outrem nutrição e educação não faz contrair com ele nenhum vínculo de parentesco. Do contrário as amas, os pedagogos e os mestres seriam parentes daqueles de quem cuidam; o que é falso. Logo, nem pela adoção, pela qual um sucede na herança de outro, se contrai qualquer parentesco.
4. Demais. ─ Os sacramentos da Igreja não estão sujeitos às leis humanas. Ora, o matrimônio é um sacramento da Igreja. Logo, como a adoção foi introduzida pela lei humana, parece que não pode impedir o matrimônio qualquer vínculo contraído pela adoção.
Mas, em contrário. ─ O parentesco impede o matrimônio. Ora, a adoção dá origem a um determinado parentesco, o legal, como resulta da sua definição; pois, é um certo parentesco proveniente da adoção. Logo, a adoção causa um vínculo impediente do matrimônio.
2. Demais. ─ O mesmo se conclui das autoridades citadas pelo Mestre.
SOLUÇÃO. ─ A lei divina excluiu do matrimônio sobretudo aquelas pessoas, que a necessidade leva a viverem sob o mesmo teto. A fim de que, como diz Rabhi Moisés, se pudessem praticar a conjunção carnal, não se abrisse fácil caminho à concupiscência, para reprimir a qual é ordenado o matrimônio. E o filho adotado vivendo na casa do pai adotante como o filho natural, por isso, as leis humanas proibiram a tais filhos contraírem matrimônio. Tal proibição foi aprovada pela Igreja. Donde vem, que o parentesco legal impede o matrimônio. Donde se deduz a resposta às três primeiras objeções, porque todos os casos visados não implicam nenhuma convivência capaz de fomentar a concupiscência. Por isso não causam nenhum parentesco impediente ao matrimônio.
RESPOSTA À QUARTA. ─ A proibição da lei humana não bastaria para impedir o matrimônio, se não interviesse a autoridade da Igreja, que também o proíbe.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece má a seguinte definição da adoção: A adoção é o ato de assumir legitimamente um estranho como filho, ou neto, e assim por diante.
1. Pois, o filho deve estar sujeito ao pai. Ora, às vezes o adaptado não fica sob o poder do pai adotante. Logo, nem sempre pela adoção se assume um, como filho.
2. Demais. ─ Os pais devem entesourar para os filhos, no dizer do Apóstolo. Ora, não é sempre preciso que o pai adotante entesoure para o adotado; pois, às vezes este não sucede nos bens daquele. Logo, a adoção não consiste em tomar alguém como filho.
3. Demais. ─ A adoção, pela qual um estranho é assumido como filho, é assimilada à geração natural, que engendra naturalmente o filho Logo, a quem cabe a geração natural do filho, também cabe a adoção. Ora, isto é falso, porque quem não é livre, o menor de vinte e cinco anos, e a mulher não podem adotar, apesar de poderem engendrar filhos. Logo, não se pode definir com propriedade a adoção como o fato de assumir alguém como filho.
4. Demais. ─ O fato de assumir um estranho como filho parece necessário, para suprir a falta de filhos naturais. Ora, quem não pode gerar, como o mutilado e o impotente, é que sobretudo padece a falta de filhos naturais. Logo, esse é que sobretudo poderia tomar alguém como filho. Ora, tal não lhe é permitido. Logo, adotar não é assumir ninguém como filho.
5. Demais. ─ No parentesco espiritual, pelo qual assumimos um estranho como filho, a quem não engendramos carnalmente, pode indeferentemente um de idade tornar-se pai de um menor, e ao inverso; porque um moço pode batizar a um velho e inversamente. Se, portanto, pela adoção tomamos a um estranho como filho, sem geração carnal, do mesmo modo poderia indiferentemente um mais velho adotar o mais moço; ou o mais moço o mais velho. O que não é verdade. Donde, se conclui o mesmo que antes.
6. Demais. ─ O adotado não difere em nenhum grau do adotante. Logo, todo adotado o é como filho. E assim, não é exato falar-se em adoção como neto.
7. Demais. ─ A adoção procede do amor; por isso, se diz que Deus, levado da caridade nos adotou como filhos. Ora, devemos ter maior caridade para com os parentes que para com os estranhos. Logo, não devemos adotar nenhum estranho, mas um parente.
SOLUÇÃO. - A arte imita a natureza e supre a falta da natureza quando ela falha. Ora, assim como podemos engendrar filhos, pela geração natural assim também pelo direito positivo, que é a arte do bom e do equitativo, podemos assumir alguém como filho, por semelhança com o filho natural, para suprir a falta dos filhos perdidos, razão precípua pela qual foi introduzida a adoção. Mas como o ato de assumir implica um ponto de origem, pois, quem assume não é o assumido, necessariamente quem é assumido como filho há de ser uma pessoa estranha. Por onde, assim como a geração natural tem um termo final, a forma, que é o fim da geração; e um termo de origem ─ a forma contrária, assim também a geração legal tem um termo vital ─ o filho ou o neto; e um ponto de origem ─ a pessoa estranha. Por onde, é claro que a referida definição compreende o gênero da adoção. que é chamada ─ o ato de assumir legitimamente; o ponto de origem, porque se diz ─ um estranho; e o termo final, quando diz ─ como filho ou neto.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A filiação adotiva é uma imitação de filiação natural. Donde duas espécies de adoção. Uma, que imita perfeitamente a filiação natural. Essa se chama adrogação e faz passar o adotado para o poder do adotante. Assim, o adotado sucede ex intestato ao pai adotante, nem pode o pai privá-la, sem culpa dele, da quarta parte da herança. E então não pode ser adotado senão uma pessoa livre, isto é., sem pai, ou, se o tiver, que for emancipada. Essa adoção não tem lugar senão por autoridade do príncipe. ─ Outra espécie de adoção é a que imita imperfeitamente a filiação natural; é chamada simplesmente adoção, pela qual o adotado não cai sob o poder do adotante. Por isso, é antes uma disposição para a adoção perfeita, do que a adoção perfeita mesmo. E essa adoção pode recair mesmo sobre quem não é livre; e sem a autoridade do príncipe, bastando a do magistrado. Então o adotado não sucede nos bens do adotante; nem está obrigado este a lhe deixar nenhum de seus bens por testamento, se não querendo.
Donde se deduz clara a resposta à segunda objeção.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A geração natural se ordena à reprodução da espécie; por isso todos podem gerar naturalmente, que possuem completas as qualidades da espécie. Ora, a adoção se ordena à sucessão hereditária; por isso dela são capazes apenas os que tem o poder de dispor da sua herança. Portanto, quem não dispõe de si, ou quem é menor de vinte e cinco anos, ou a mulher, não pode adotar ninguém, senão por concessão especial do príncipe.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Por aquele que tem impedimento perpétuo de gerar não pode a herança passar para descendentes. Por isso, seus bens devem reverter aos que lhe devem suceder por direito de parentesco. Por onde, não pode adotar, por isso mesmo que não pode gerar naturalmente. Além disso, maior dor sofremos com a perda de filhos, que por filhos nunca tivemos. Por onde, quem está impedido de gerar, não precisa da consolação por não ter filhos, como precisam os que os tiveram e perderam; ou ainda, que os podiam ter e não o tem por algum obstáculo acidental.
RESPOSTA À QUINTA. - O parentesco espiritual se contrai pelo sacramento, pelo qual os fiéis renascem em Cristo, em quem não difere o homem da mulher, nem o escravo do livre, nem o moço do velho. Por isso, pode indiferentemente tornar-se um pai espiritual do outro. Ao passo que, a adoção tem por escopo a sucessão na herança e uma certa sujeição do adotado ao adotante. Ora, não convém que um mais velho dependa do mais moço, na administração dos bens da família. Por isso, o mais moço não pode adotar o mais velho; mas é necessário, segundo as leis, que o adotado seja mais moço que o adotante, de modo que lhe pudesse ser filho natural.
RESPOSTA À SEXTA. ─ Assim como se podem perder os filhos, assim também os netos. Por onde, como a adoção foi introduzida para consolar da perda dos filhos, tanto pode um ser subrogado em lugar do filho, como do neto e assim por diante.
RESPOSTA À SÉTIMA. ─ O parente deve suceder conforme o direito do parentesco. Por isso, tal direito não cabe a quem recebe a sucessão em virtude da adoção. E o parente adotado, a quem não couber a sucessão hereditária; não é adotado como parente, se não como estranho, relativamente à herança do adotante.
O quinto discute-se assim. ─ Parece que o parentesco espiritual não se transmite aos filhos carnais do pai espiritual.
1. Pois, o parentesco espiritual não é susceptível de graus. Ora, graus haveria se transmitisse de pai a filho, porque a pessoa gerada muda de grau, como se disse. Logo, não se transmite aos filhos carnais do pai espiritual.
2. Demais. ─ Pai e filho, irmão e irmão, no mesmo grau estão de parentesco. Se, pois, o parentesco espiritual passa de pai a filho, pela mesma razão passará de um irmão para outro. O que é falso.
Mas, em contrário, o Mestre o prova pela autoridade citada.
SOLUÇÃO. ─ O filho é algo do pai, mas não ao inverso, como diz Aristóteles. Por isso, o parentesco espiritual passa do pai para o filho carnal, mas não ao inverso.
Por onde é claro serem três as espécies de parentesco espiritual. Uma chamada paternidade espiritual, entre o pai espiritual e o filho espiritual. Outra chamada compaternidade, entre o pai espiritual e o carnal de uma mesma pessoa. A terceira chamada fraternidade espiritual, entre o filho espiritual e os filhos carnais do mesmo pai. E qualquer deles impede o matrimônio de ser contraído e o anula se já o foi.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A pessoa nascida de outra, por geração carnal, dista de um grau a mais da que é parente no mesmo gênero de parentesco; mas está no mesmo grau com a que lhe é parente de gênero diverso. Assim, um filho é parente no mesmo grau que de seu pai, da esposa deste, mas o parentesco é de outro gênero. Ora, o parentesco espiritual é de gênero diverso do carnal. Por isso, um filho espiritual não é parente do filho natural de seu pai espiritual, no mesmo grau em que o filho natural é do pai, por meio do qual o primeiro participa do parentesco espiritual. E isso prova, que o parentesco espiritual não tem necessariamente graus.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Um irmão não é parte de seu irmão, como o filho o é do pai; ao passo que a esposa é algo do marido, com quem forma um só corpo. Por isso, o parentesco espiritual não passa de irmão para irmão, quer tenha êle nascido antes ou depois da fraternidade espiritual.
O quarto discute-se assim. ─ Parece que o parentesco espiritual não se transmite do marido para a mulher.
1. Pois, a união espiritual e a corporal são diferentes e de gêneros diversos. Logo, por meio da conjunção carnal entre marido e mulher, não se transmite o parentesco espiritual.
2. Demais. ─ O padrinho e a madrinha muito mais contribuem para a geração espiritual, que é a causa do parentesco espiritual, que o marido ao fazer o papel de padrinho, e a sua mulher. Ora, o padrinho e a madrinha não contraem entre si nenhum parentesco espiritual. Logo, nem pelo fato de ser o marido padrinho de uma pessoa contrai com esta a madrinha qualquer parentesco espiritual.
3. Demais. ─ Pode se dar, que o marido seja batizado e não a mulher; assim quando aquele, de infiel que era, se converteu sem a mulher ter-se convertido, Ora, um não-batizado não é susceptível de parentesco espiritual. Logo, não se transmite este de marido para mulher.
4. Demais. ─ O marido e a esposa podem simultaneamente receber uma pessoa, ao sair da fonte batismal. Se, portanto, o parentesco espiritual se transmitisse de marido à mulher, resultaria que, os cônjuges seriam duas vezes pai espiritual ou mãe espiritual da mesma pessoa. O que não pode ser.
Mas, em contrário. ─ Os laços espirituais se comunicam mais facilmente que os corporais. Ora, a consangüinidade do marido se transmite à mulher pela afinidade. Logo, e com maior razão, o parentesco espiritual.
SOLUÇÃO. ─ De dois modos pode uma pessoa tornar-se compadre da outra. ─ Primeiro, pelo ato desta, a qual lhe batizou o filho ou o levou ao batismo. E neste caso o parentesco espiritual não se transmite de marido para mulher, salvo se a criança for filho desta; porque então, do mesmo modo que o marido, a mulher contrai diretamente o parentesco espiritual. ─ De outro modo, por ato próprio, como quando recebe da fonte sagrada o filho de outrem. E nesse caso o parentesco espiritual passa para a mulher, se o marido já teve com ela conjunção carnal; não porém, se o matrimônio ainda não se consumou, porque então ainda não se tornaram uma só carne. Mas, quando o parentesco se comunica é por uma espécie de afinidade; e portanto, pela mesma razão, passa para a mulher, com quem o homem teve conjunção carnal, embora não seja esposa. Donde o ditado: a mulher, que levou meu filho à fonte batismal ou aquela cujo filho foi levado por minha mulher, essa é minha comadre e não pode tornar-se minha esposa; mas a mulher que levou à fonte o filho da minha mulher, não porém meu, essa poderia vir a ser minha esposa depois de viúvo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ De serem de gêneros diversos, a união corporal e a espiritual, podemos concluir que uma não é a outra; não porém que não possa uma ser a causa da outra. Pois, coisas de gêneros diversos, pode uma ser às vezes causada outra, essencial ou acidentalmente.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O pai espiritual e a mãe espiritual de uma mesma pessoa, não ficam unidas pela geração espiritual, senão só acidentalmente; pois, para tal, só um dos dois bastaria. Não contraem, portanto, nenhum parentesco espiritual que os impedisse de casar um com o outro. Donde, o ditado: Dos dois compadres um era sempre pai espiritual; o outro, carnal; e tal regra não falha. Ora, pelo matrimônio marido e mulher se tornam uma só carne, essencialmente falando. Logo, não há símile.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A esposa, não sendo batizada, não contrairá nenhum parentesco espiritual, por não ser capaz de tal; e não porque não possa, pelo matrimônio, transmitir-se o parentesco espiritual, do marido para a mulher.
RESPOSTA À QUARTA. ─ O fato de o pai e a mãe espirituais não contraírem nenhum parentesco espiritual entre si não impede o marido e a mulher de receberem juntos um batizado da fonte sagrada. Nem há inconveniente em a esposa, por causas diversas, tornar-se mãe espiritual de uma mesma pessoa; assim como também pode vir a ser afim e consanguínea de uma mesma pessoa por parentesco carnal.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que não se contrai nenhum parentesco espiritual entre o batizado e quem o recebe ao sair da fonte batismal.
1. Pois, a geração só é causa de parentesco por parte de quem engendrou carnalmente o filho, e não por parte de quem o recebeu no momento de nascer. Logo, também nenhum parentesco espiritual se contrai entre quem recebe o batizado, ao sair da fonte batismal, e o batizado, que é recebido.
2. Demais. ─ Quem recebe o batizado ao sair da fonte batismal, Dionísio lhe chama anadoco, e a ele lhe compete instruir a criança. Ora, a instrução não é causa suficiente de parentesco espiritual, como se disse. Logo, nenhum parentesco é contraído pelo batizado e quem o recebe da fonte batismal.
3. Demais. ─ Pode se dar que o batizando seja tirado da fonte batismal antes de ser batizado. Ora, daí não provém nenhum parentesco espiritual, por não ser capaz de nenhum laço espiritual quem não é batizado. Logo, receber alguém da fonte batismal não basta para se contrair parentesco espiritual.
Mas, em contrário, a definição do parentesco espiritual supra citada e as autoridades citadas pelo Mestre.
SOLUÇÃO. ─ Assim como, pela geração carnal, nascemos de uma mãe e de um pai, assim pela geração espiritual renascemos filho de Deus, como pai, e da Igreja, como mãe. Ora, assim como aquele que administra o sacramento representa a pessoa de Deus, de quem é instrumento e ministro, assim quem recebe o batizado ao sair da fonte sagrada, ou assiste o confirmando, representa a pessoa da Igreja. Por onde, de ambas essas formas se contrai o parentesco espiritual.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Não somente o pai, que gerou carnalmente o filho, fica-lhe ligado por um parentesco carnal, mas também a mãe, que subministra a matéria da geração, em cujo ventre foi o filho gerado. E assim, também o anadoco, que em nome de toda a Igreja oferece e recebe o batizando, e assiste o confirmando, contrai com eles um parentesco espiritual.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O parentesco espiritual é contraído não em virtude da instrução devida, mas da geração espiritual, para a qual coopera.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Um não batizado não pode receber ninguém, da fonte sagrada, por não ser membro da Igreja e não poder por isso representá-la ao exercício dessa função. Pode contudo batizar, por ser uma criatura de Deus, e poder portanto representá-lo, como o representa quem batiza. Mas nem por isso pode contrair nenhum parentesco espiritual, porque está privado da vida espiritual, que anima o homem logo depois do batismo.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que só pelo batismo se contrai o parentesco espiritual.
1. Pois, assim está o parentesco carnal para a geração carnal, como o espiritual para a espiritual. Ora, só o batismo é considerado geração espiritual. Logo, só pelo batismo se contrai o parentesco espiritual, assim como pela só geração carnal se contrai o parentesco carnal.
2. Demais. ─ Assim a confirmação como a ordem imprimem caráter. Ora, o recebimento de ordem não gera nenhum parentesco espiritual. Logo, nem o da confirmação, E portanto, só o batismo dá lugar a esse parentesco.
3. Demais. ─ Os sacramentos, tem maior dignidade que os sacramentais. Ora, certos sacramentos como a extrema unção, não geram nenhum parentesco espiritual. Logo, e muito menos, a instrução catequética como querem alguns.
4. Demais. - Entre os sacramentais do batismo muitas outras coisas se contam além do catecismo. Logo, o catecismo não gera, mais do que os outros sacramentais, o parentesco espiritual.
5. Demais. ─ A oração não é menos eficaz para nos fazer progredir no bem do que a instrução ou a catequese. Ora, pela oração não contraímos nenhum parentesco espiritual. Logo, nem pelo catecismo.
6. Demais. ─ A instrução dada aos batizados, pela pregação, não vale menos que a dada aos não batizados. Ora, a pregação não gera nenhum parentesco espiritual. Logo, nem o catecismo.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Eu vos gerei em Jesus Cristo pelo Evangelho. Ora, a geração espiritual gera o parentesco espiritual. Logo, a pregação do Evangelho e a instrução geram o parentesco espiritual, e não só o batismo.
2. Demais. ─ Assim como o batismo dele o pecado original, assim a penitência, o atual. Logo assim como o batismo causa um parentesco espiritual, assim também a penitência.
3. Demais. ─ Pai é nome designativo de parentesco. Ora, a penitência, a doutrina, a cura pastoral e coisas semelhantes fazem com que seja um, pai espiritual do outro. Logo, muitas outras coisas, além do batismo e da confirmação, geram o parentesco espiritual.
SOLUÇÃO. ─ Nesta matéria há tríplice opinião. Certos dizem que a regeneração espiritual, efeito da graça septiforme do Espírito Santo, é também produzida por sete cerimônias, começando pela absorção do sal bento, e acabando pela confirmação feita pelo bispo; e cada uma dessas sete cerimônias gera, dizem, o parentesco espiritual. ─ Mas, essa opinião não é racional. Porque, o parentesco carnal não se contrai senão pelo ato completo da geração. Por isso, também a afinidade não se contrai senão pela mixtão seminal, donde pode resultar a geração carnal. Ora, a geração espiritual não se contrai senão por algum sacramento. Por onde, não é possível contrair-se o parentesco espiritual senão mediante algum sacramento. Por isso, outros opinam que o parentesco espiritual se contrai mediante três sacramentos: o catecismo, o batismo e a confirmação. ─ Mas estes parece ignorarem o sentido das palavras. Pois, o catecismo não é um sacramento, mas um sacramental. Donde o sentirem outros que só dois sacramentos geram o parentesco espiritual: a confirmação e o batismo. E esta é a opinião mais comum. ─ Contudo, a respeito do catecismo, certos deles dizem que é um fraco impedimento, por impedir de se contrair o matrimônio mas não dirimir o matrimônio já contraído.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A natividade carnal abrange duas fases. - A primeira, no ventre materno, onde vive o ser concebido, de tal modo débil, que não pode viver fora, sem perigo. ─ E a essa natividade se assimila a regeneração pelo batismo, depois da qual o regenerado ainda deve ser protegido no seio da Igreja. ─ A segunda natividade começa quando o recém-nascido sai do ventre materno, por já se lhe haverem aumentado as forças a ponto de poder sem perigo viver no exterior, vencendo os perigos que poderiam aniquilá-lo. E a essa é comparável a confirmação, fortificado pela qual o homem confirmado expõe-se a confessar em público o nome de Cristo. ─ Por isso e bem, esses dois sacramentos são causa do parentesco espiritual.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O sacramento da ordem não causa nenhuma regeneração, mas só um aumento de poder; por isso, a mulher não a pode receber. E assim, não pode daí, resultar nenhum impedimento ao matrimônio. Razão pela qual esse parentesco não é levado em consideração.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A obra da catequese equivale a uma profissão de batismo futuro; assim como os esponsais são uma promessa de casamento futuro. Por onde, assim como os esponsais produzem um certo modo de parentesco, assim também o catecismo, ao menos para impedir o matrimônio de ser contraído, como certos dizem. O que não se dá com os outros sacramentos.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Essa profissão de fé não se faz nos outros sacramentais do batismo, como se faz na catequese. Logo, não há semelhança de razão.
O mesmo devemos responder à quinta objeção, no tocante à oração, e à sexta, sobre a pregação.
RESPOSTA À SÉTIMA. ─ O Apóstolo ensinava aos Coríntios o modo de catequese, E assim, de certa maneira, essa pregação mantinha estreita relação com o sacramento da geração espiritual.
RESPOSTA À OITAVA. ─ Pelo sacramento da penitência não se contrai; propriamente falando, parentesco espiritual. Por isso, o filho de um sacerdote pode casar com aquela que esse sacerdote ouviu em confissão; do contrário não acharia em toda a paróquia mulher com quem pudesse casar. Nem obsta que pela penitência fique apagado o pecado atual, pois isso não se dá a modo de geração, mas de cura. Contudo pela penitência a mulher confitente e o sacerdote contraem uma certa aliança semelhante ao parentesco espiritual, de modo que ele pecará, tendo relação carnal com ela, tanto como se o fizesse com a filha espiritual. E isto é assim, por haver uma grande familiaridade entre o sacerdote e a confitente. ─ Razão pela qual foi feita a proibição referida, para afastar a ocasião de pecado.
RESPOSTA À NONA. ─ O pai espiritual é chamado por semelhança com o carnal. Ora, o pai carnal, como diz o Filósofo, três coisas dá ao filho: a vida, a nutrição e a instrução. Por isso se chama a um, pai espiritual de alguém, em razão dessas três funções. Todavia, pelo só fato de ser pai espiritual não tem parentesco espiritual senão na medida em que se assemelha ao pai carnal, quanto à geração, que dá o ser. E assim também se pode considerar esta uma resposta à oitava objeção, precedente.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que o parentesco espiritual não impede o matrimônio.
1. Pois, só impede o matrimônio o que contraria um de seus bens. Ora, o parentesco espiritual não contraria nenhum bem do matrimônio. Logo, não no impede.
2. Demais. ─ Um impedimento perpétuo ao matrimônio não pode coexistir com este. Ora, o parentesco espiritual pode coexistir com o matrimônio, como diz a Letra do Mestre. Tal o caso de quem batiza o próprio filho, urgindo a necessidade; embora fique então ligado à esposa por parentesco espiritual, o matrimônio nem por isso se dissolve. Logo, o parentesco espiritual não impede o matrimônio.
3. Demais. ─ A união espiritual não se transmite à carne. Ora, o matrimônio é uma união carnal. Logo, sendo o parentesco espiritual uma união espiritual, não pode causar impedimento ao matrimônio.
4. Demais. - Os contrários não podem produzir o mesmo efeito. Ora, o parentesco espiritual parece contrário à disparidade de cultos; pois, o parentesco espiritual é um laço resultante da administração do sacramento, ou da participação intencional do mesmo; ao passo que a disparidade de culto consiste na carência do sacramento, como se disse antes. Logo, como a disparidade de culto impede o matrimônio, parece que o parentesco espiritual não produz esse efeito.
Mas, em contrário. ─ Quanto mais sagrado for um vínculo espiritual é mais sagrado que o corporal. Logo, como o vínculo do parentesco corporal impede o matrimônio, parece que o parentesco espiritual há de ter o mesmo resultado.
2. Demais. ─ No matrimônio a união das almas é mais principal que a dos corpos, pois, a precede. Logo, o parentesco espiritual pode impedir o matrimônio, muito mais que o parentesco carnal.
SOLUÇÃO ─ Como pela geração carnal recebemos a vida natural, assim pelos sacramentos recebemos a vida espiritual da graça. Por onde, assim como o vínculo contraído pela geração carnal é natural, por ser efeito da natureza, assim também o vínculo contraído pela recepção dos sacramentos é nos de certo modo natural, como membros que somos da Igreja. Portanto, assim como o parentesco carnal impede o matrimônio, assim também o espiritual, por determinação da Igreja.
Contudo devemos distinguir, em matéria de parentesco espiritual. Pois, é precedente ou consequente ao matrimônio. Precedente, impede-o de ser contraído e o dirime se já o foi: mas se é consequente, não rompe o vínculo matrimonial. Devemos porém distinguir; quanto ao ato conjugal. Quando o parentesco espiritual nasceu da urgência da necessidade, como no caso de o pai batizar o filho em artigo de morte, o ato matrimonial não fica impedido para nenhum dos cônjuges. Quando porém não foi a urgência da necessidade a causa do parentesco espiritual e os esposos ignoravam esse efeito, então o resultado é o mesmo que no caso antecedente, com a condição que quem é responsável tenha procedido com toda a atenção necessária.
Quando enfim o parentesco espiritual não teve como causa a necessidade, mas nasceu de um ato plenamente deliberado, então o seu autor perde o direito de pedir o cumprimento do dever conjugal, devendo contudo cumpri-lo quando pedido pelo outro cônjuge, pois não deve este ficar prejudicado pelo ato culposo alheio.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora o parentesco espiritual não impida nenhum dos bens principais do matrimônio, impede contudo a multiplicação da amizade, que é um dos seus bens secundários. Pois, o parentesco espiritual é por si mesmo uma razão suficiente de amizade. Mas deve o matrimônio ser uma fonte de relações familiares e amigáveis com outrem.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O matrimônio é um vínculo perpétuo. Portanto nenhum impedimento sobreveniente pode dirimí-lo. Por isso acontece às vezes coexistir o matrimônio com o seu impedimento. Mas isso não se dá se o impedimento era precedente.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A união matrimonial não é só corporal, mas também espiritual. Por isso, o parentesco espiritual causa-lhe impedimento, sem que deva por isso transformar-se em parentesco carnal.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Nenhum inconveniente há em dois contrários se oporem a um terceiro; assim, o grande e o pequeno igualmente se opõem ao igual. Ora, assim, a disparidade de culto e o parentesco espiritual se opõem ao matrimônio; porque o primeiro põe entre os esposos uma distância maior, e o segundo um maior parentesco, que o permitido pelo matrimônio. Por isso de ambos os lados fica impedido o casamento.