Category: Santo Tomás de Aquino
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a afinidade não pode resultar do casamento com um parente.
1. Pois, quem transmite a outrem uma qualidade a possui em grau eminente. Ora, a mulher casada não contrai parentesco com terceiro senão mediante o marido. Logo, como se torna afim do mando também não terá parentesco por afinidade com nenhum dos parentes dele.
2. Demais. ─ Quando dois seres são independentes um do outro, unir-se a um não implica necessariamente em unir-se ao outro. Ora, os parentes são independentes uns dos outros. Logo, o fato de uma mulher ter casado com um homem não implica necessariamente que venha a ser parenta por afinidade de todos os parentes dele.
3. Demais. - As relações entre pessoas nascem de sua união mútua. Ora, do fato de um homem ter-se casado não resulta nenhuma união entre os seus consangüíneos. Logo, não nasce entre eles nenhuma relação de afinidade.
Mas, em contrário. ─ Marido e mulher não constituem senão uma mesma carne. Se, pois, o marido fica unido a todos os seus parentes carnais, pela mesma razão também com eles ficará unida a mulher.
2. Demais. ─ As autoridades citadas pelo Mestre provam o mesmo.
SOLUÇÃO. ─ Toda amizade natural se funda numa comunicação natural. Ora, esta, segundo o Filósofo, pode proceder de dupla origem: da geração carnal ou da união contraída em vista da geração carnal. Por isso diz ele no mesmo lugar, que a amizade entre o homem e a mulher é natural. Por onde, assim como uma pessoa unida a outra em virtude da geração carnal é causa de um vínculo de amizade natural, assim também o será quando unida em vista dessa mesma geração. Há porém a diferença seguinte. A pessoa unida a outra, em virtude da geração carnal, como o filho do pai, participa da mesma origem e do sangue comum. Por isso, a consangüinidade é o vínculo do mesmo gênero que, ligando o pai, liga também o filho aos consangüíneos dele, embora em grau diferente, por causa da maior distância do tronco. A pessoa chegada, porém, pelos laços da carne não se prende ao mesmo tronco, senão por uma união extrínseca. Donde, um vínculo de gênero diverso chamado afinidade. E tal é o que diz o verso:
A casada muda de gênero, mas a gerada, de grau.
Porque uma pessoa gerada de outra contrai o mesmo parentesco, mas em outro grau; ao passo que a casada contrai um parentesco de gênero diverso.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora a causa seja superior ao efeito, daí não se conclui que ambos hão de ter o mesmo nome. Pois, o que está no efeito pode também estar na causa, mas não do mesmo modo, senão de modo mais elevado; e portanto, não convirá o mesmo nome à causa e ao efeito, nem pela mesma razão; tal o que se dá com todas as causas equívocas. Ora, neste sentido, a união do marido e da mulher é superior à da mulher com os parentes do marido. Por isso não deve chamar-se afinidade, mas, matrimônio, que é uma espécie de união, assim também o homem é idêntico a si mesmo, mas não é seu próprio parente.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os parentes são de certo modo independentes uns dos outros e unidos uns aos outros. E em virtude da união se dá, que uma pessoa unida a um fica de certa maneira unida com todos. Mas, por causa da independência e da distância, pode se dar que a ligada a um, de certo modo, esteja ligada a outro, de outro modo, quer por gênero diferente de união ou por um outro grau.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A relação pode originar-se do movimento dos dois extremos, como no caso da paternidade e da filiação. E essa relação está então realmente em cada um dos termos. Pode porém a relação nascer do movimento de um só dos extremos, e isto de dois modos. Primeiro, quando a relação se origina do movimento de um, sem o movimento de outro, quer precedente, quer concomitante. Tal a relação entre o Criador e a criatura, entre o sensível e o sentido, entre a ciência e o seu objeto. ─ De outro modo, quando a relação nasce do movimento de um extremo, sem o movimento simultâneo do outro, que porém já se moveu precedentemente. Assim, dois homens se tornam da mesma altura quando um cresce, sem que o outro cresça nem diminua; mas o primeiro chegou ao seu desenvolvimento atual por um determinado movimento ou mutação. Por isso tal relação se funda realmente em cada um dos extremos. Ora, o mesmo se dá com a consangüinidade e a afinidade. Pois, a relação de fraternidade, nascida entre um recém-nascido e um homem já de
idade provecta, é causada sem nenhuma mudança neste último, que já mudou anteriormente, isto é, desde quando nasceu; por isso a relação, de que é um dos termos, lhe resulta da mudança sofrida pelo outro termo. Semelhantemente, do fato de um homem descender, pela sua geração, do mesmo tronco de um homem casado, resulta a afinidade entre êle e a esposa desse homem, sem sofrer ela nenhuma mudança.
O quarto discute-se assim. ─ Parece que a Igreja não podia fixar no quarto grau os laços de parentesco impedientes do matrimônio.
1. Pois, diz o Evangelho: Não separe o homem o que Deus ajuntou. Ora, Deus ajuntou os casados, dentro do quarto grau de parentesco; pois, nenhuma lei divina lhes proíbe a união. Logo, também nenhuma lei positiva deve separá-los.
2. Demais. ─ O matrimônio é um sacramento, como o batismo. Ora, nenhuma lei da Igreja pode fazer com que não receba o caráter batismal, sendo dele capaz por direito divino, quem recebe o batismo. Logo, nenhuma lei da Igreja pode proibir o matrimônio entre os não proibidos de casar por direito divino.
3. O direito positivo não pode ampliar nem remover o que é de direito natural. Ora, a consangüinidade é um vínculo natural impeditivo do matrimônio. Logo, a Igreja não pode fazer nenhuma lei determinando quem pode ou não pode contrair matrimônio, assim como não pode fazer com que deixem de ser parentes os que realmente o são.
4. Demais. ─ Toda lei positiva deve ter uma causa racional; pois por essa causa racional, que tem, é que procede da lei natural. Ora, o número de graus, aceito como causa, é absolutamente irracional, por não terem nenhuma relação com o cansado. Assim, se o parentesco é causa de proibição até ao quarto grau é em virtude dos quatro elementos; até ao sexto, em virtude das seis idades do mundo; até ao sétimo, em virtude dos sete dias, que são o abreviado do tempo total. Logo, parece que essa proibição nenhum valor tem.
5. Demais. ─ Onde há a mesma causa deve haver o mesmo efeito. Ora, a causa por que a consangüinidade impede o matrimônio, é o bem de prole, a repressão da concupiscência e a multiplicação da amizade, como resulta do sobredito; e essas causas valem para todas as épocas. Logo, deveriam também, em todos, os graus de parentesco impedir o matrimônio. O que não é verdade, pois, atualmente, só até o quarto grau, ao passo que outrora até ao sétimo, o parentesco impedia o matrimônio.
6. Demais. ─ Uma mesma união não pode ser genericamente um sacramento e uma união ilegítima. Ora, tal se daria se a Igreja tivesse o poder de determinar um número diverso de graus impedi entes do matrimônio. Assim o casamento entre parentes em quinto grau, quando esse parentesco era impediente, foi ilegítimo; veio a ser porém legítimo se depois a Igreja revogou a sua proibição. O contrário também poderia dar-se ─ se a Igreja depois de ter permitido contrair casamento dentro de certos grau de parentesco, viesse a proibi-lo. Logo, parece que a Igreja nenhum poder tem nessa matéria.
7. Demais. ─ O direito humano deve imitar o divino. Ora, segundo o direito divino, contido na Lei Antiga, não corre igual proibição na linha ascendente e descendente dos graus. Assim, ao passo que a Lei Velha proibia o casamento com a tia, não o proibia como a sobrinha. Logo, também agora não deve haver nenhuma proibição entre sobrinhos e tios.
Mas, em contrário, o Senhor disse aos discípulos: Quem vos ouve me ouve. Logo, o preceito da Igreja tem a mesma vigência que o de Deus. Mas, a Igreja ora proibiu e ora permitiu o casamento dentro de certos graus, em que a lei antiga não proibia. Logo, esses graus impedem o matrimônio,
2. Demais. ─ Assim como outrora os casamentos entre gentios era regulado pelas leis civis, assim também os casamentos entre cristãos agora os regula a Igreja. Ora, antigamente a lei civil determinava os graus de parentesco impedientes ou não do matrimônio. Logo, também atualmente a Igreja pode determiná-los.
SOLUÇÃO. ─ O impedimento ao matrimônio resultante dos graus de parentesco, não atuou de mesmo modo no decurso dos tempos.
Assim, no princípio do gênero humano, só o pai e a mãe estavam proibidos de casar com a filha ou o filho; porque então era o gênero humano pouco numeroso e havia grande necessidade de o aumentar . Por isso não ficavam impedidas de casar senão as pessoas incapazes de realizar o fim principal do matrimônio, que é o bem da prole, como dissemos. Mas, depois, multiplicando-se o gênero humano, a lei de Moisés, que já começava a reprimir as paixões dá carne, impôs impedimento a um maior número de pessoas. Por isso, como diz Rabbi Moisés, ficavam proibidos de contrair matrimônio todos os membros de uma mesma família, habitando sob o mesmo teto. Porque seria grande incentivo à concupiscência o permitir-lhes-a conjunção carnal entre si. Mas a Lei Velha permitia o casamento entre os parentes em outros graus e até mesmo os ordenava, de certo modo. Assim, cada um devia casar com uma mulher da sua parentela, a fim de evitar confusão nas heranças, porque nesse tempo o culto divino se propagou pela sucessão hereditária.
Mais tarde porém, no regime da Lei Nova, que é a lei do Espírito e do amor, os impedimentos abrangeram mais graus de parentesco. Porque então o culto de Deus se propagava e multiplicava pela graça espiritual e não pela geração carnal. E os homens tiveram o dever de coibir os prazeres carnais, para vacar às coisas espirituais e difundir com maior amplitude a caridade.
Por isso, nos tempos primitivos, o impedimento se estendia até os graus mais afastados do parentesco, a fim de dar maior desenvolvimento à amizade pela mais ampla consangüinidade e afinidade. E, com razão, o impedimento ia até ao sétimo grau. Quer porque, além dele, facilmente podia perder-se a memória de uma origem comum; quer porque concordava esse contrito com a graça septiforme do Espírito Santo.
Mais tarde, porém, nestes últimos tempos, a Igreja restringiu a interdição até ao quarto grau, por ser inútil e perigoso proibir até graus mais remotos. Inútil, porque ninguém dava mostras de maior amizade para com os parentes, que para com os estranhos, devido ao resfriar-se da caridade nos corações de muitos. Perigoso porque, prevalecendo a concupiscência e a negligência, os homens já não respeitavam suficientemente um tão grande número de parentes. E assim, estender a proibição até graus mais remotos seria armar um laço para a condenação de muitos.
Por isso, suficiente e convenientemente a proibição ficou restrita ao quarto grau. Quer porque os homens, continuando a viver até a quarta geração, não perdem a lembrança do seu parentesco, sendo por isso que Deus ameaça punir os pecados, dos pais, nos filhos, até a terceira e a quarta geração. Quer porque, em qualquer geração, uma nova mistura de sangue, cuja identidade forma o parentesco, se faz com o sangue estranho, e quanto mais se mistura com o alheio tanto mais deixa de ser o que a princípio era. E como os elementos são quatro, e cada um deles mais facilmente se mistura, quanto mais sutil é, por isso, na primeira mixtão evanece a identidade do sangue, quanto ao primeiro elemento, que é subtilíssimo. Na segunda, quanto ao segundo; na terceira, quanto ao terceiro; e na quarta, quanto ao quarto. E assim, convenientemente, depois da quarta geração, pode reiterar-se a conjunção carnal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Assim como Deus não retifica uma união contrária aos seu preceitos, assim também não ratifica as uniões contrárias ao preceito da Igreja, que tem a mesma eficácia obrigatória que o preceito divino.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O matrimônio não é só um sacramento, mas também uma função social. Por isso depende mais do poder dos ministros da Igreja, que o batismo, que é unicamente sacramento. Pois, assim como os contratos e as funções humanas por leis humanas se determinam, assim os contratos e as funções espirituais, pela lei da Igreja.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora o vínculo de consangüinidade seja natural, natural contudo não é que ela impida a cópula carnal, senão dentro de um certo grau, como se disse. Por isso, a igreja não determina por lei que certas pessoas sejam ou não parentes, pois, se o são, assim o permanecem sempre no mesmo grau. Mas, determina a liceidade da conjunção carnal, conforme os tempos e os graus de parentesco.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Essas razões alegadas são antes indicadas a modo de adaptação ou de conveniência, que a modo de causa e de necessidade.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Com a diversidade dos tempos variam as causas de se proibir o casamento, conforme os graus de parentesco. Por isso, o que num tempo se permite com utilidade, noutro salutarmente se proíbe.
RESPOSTA À SEXTA. ─ Uma determinação legal não dispõe para o passado, mas para o futuro. Por isso, se atualmente não podem casar os parentes em quinto grau, que outrora podiam, nem por isso devem ser separados os parentes em quinto grau casados. Pois, nenhum impedimento sobreveniente ao matrimônio pode dirimi-lo. E assim, uma união matrimonial legítima não pode, por determinações da Igreja, tornar-se ilegítima. O mesmo se daria se fosse permitido o casamento em grau atualmente proibido: esse matrimônio não se tornaria legítimo, por disposição da Igreja, em virtude do contrato anterior; pois, poderiam os casados separar-se, se assim o quisessem. Mas poderiam de novo contrair matrimônio, o que constituiria nova união.
RESPOSTA À SÉTIMA. ─ Quando a Igreja proíbe o casamento por causa dos graus de parentesco, leva em conta sobretudo a razão do amor. Ora, tanta razão há de amor ao sobrinho, como ao tio; há até mais, porque mais chegado é o filho ao pai que ao filho o pai, como diz Aristóteles. Por isso a Igreja proibiu por igual o casamento entre sobrinhos e tios. ─ Mas a Lei Velha, nas suas proibições, atende sobretudo à convivência. Proíbe por isso o casamento dos que vivendo sobre o mesmo teto, mais facilmente poderiam dar largas à concupiscência. Ora, mais frequentemente convivia uma sobrinha com o tio, do que uma tia com o sobrinho. Por que uma filha quase se identifica com o pai, por ser uma como parte dele; ao passo que uma irmã não é assim chegada ao irmão, porque não é parte deste, mas com ele nascida do mesmo pai. Por isso não havia a mesma razão de proibir o casamento em relação à sobrinha, como em relação à tia.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que a consangüinidade não impede o matrimônio por direito natural.
1. Pois, nenhuma mulher pode ser mais chegada a um homem do que Eva o foi de Adão, da qual diz a Escritura: Eis aqui agora o osso dos meus ossos e a carne da minha carne. Ora, Eva estava unida em matrimônio com Adão. Logo, nenhuma consangüinidade impede, pela lei da natureza, o matrimônio.
2. Demais. ─ A lei natural é a mesma para todos. Ora, em as nações bárbaras, nenhuma pessoa pode contrair casamento com outra com quem seja aparentada. Logo, a consangüinidade não é um impedimento de direito natural.
3. Demais. ─ Como diz o Digesto, no princípio o direito natural é o que a natureza ensinou a todos os animais. Ora, não é de lei natural que o casamento seja interdito a uma pessoa, por causa das suas relações de parentesco.
4. Demais. ─ Tudo o que impede o matrimônio lhe contraria a algum bem. Ora, a consangüinidade não contraria a nenhum bem do matrimônio. Logo, não no impede.
5. Demais. ─ Quanto mais dois seres são próximos e semelhantes, tanto melhor e mais firme é a união entre eles. Ora, o matrimônio é uma união. Logo, sendo a consangüinidade um parentesco próximo, longe de impedir, favorece o matrimônio.
Mas, em contrário. ─ O que impede o bem da prole também por lei natural impede o matrimônio. Ora, a consangüinidade impede o bem da prole; pois, como se conclui das palavras de Gregório, sabemos por experiência que os filhos nascidos de tais uniões não podem desenvolver-se. Logo, a consangüinidade, pela lei da natureza, impede o matrimônio.
2. Demais, ─ Os bens da natureza humana, na sua condição primeira, são fundados na lei dessa natureza. Ora, desde as origens dessa natureza já era proibido aos filhos casarem com; os pais, conforme o diz a Escritura: Por isso deixará o homem a seu pai e a sua mãe! O que, não se podendo entender da convivência, há de entender-se da conjunção matrimonial. Logo, pela lei natural, a consangüinidade impede o matrimônio.
SOLUÇÃO. ─ No matrimônio dizemos ser contrário à lei natural o que frustra o fim para o qual ele foi instituído. Ora, o fim essencial e primário do matrimônio é o bem da prole. E esse fica impedido por qualquer consangüinidade, por exemplo, na união entre o pai e a filha ou entre o filho e a mãe. Mas não o exclui totalmente, pois uma filha pode conceber do pai e, de concerto com este, criar e educar o filho, e nisso consiste o bem da prole. Mas não convém que assim seja, porque é uma união desordenada a da filha com o pai, como esposa, a fim de ter filhos dele e com ele os criar, ela que em tudo lhe deve estar sujeita, como procedente dele que é. Por isso a lei natural proíbe ao pai e à mãe contraírem tal casamento. E mais ainda à mãe que ao pai, porque com a reverência devida ao pai mais diretamente colide o casamento do filho com a mãe que a do pai com a filha, porque a mulher deve de certo modo estar sujeita ao marido.
Quanto ao fim secundário do matrimônio, é a repressão da concupiscência. E esse ficaria frustado se qualquer pudesse casar com um parente. Pois, abriria largas as portas à concupiscência o não ser a conjunção carnal proibida entre as pessoas que convivem sob o mesmo teto. Por isso a lei divina não somente proibiu o casamento ao pai e à mãe, mas também a outras pessoas chegadas, que fazem parte da mesma família e que devem guardar entre si um respeito mútuo. E tal o determina a Lei Mosaica: Não descobrirás a fealdade (de tal ou tal outra), porque é fealdade tua.
Por outro lado, o fim acidental do matrimônio, é desenvolver a associação dos homens, numa só amizade mútua. Assim, o marido alimenta para com os parentes da sua mulher o mesmo afeto que para com os seus. E seria, pois, causar dano ao desenvolvimento dessa amizade o casar alguém com uma parenta próxima. Pois de um tal matrimônio não resultaria nenhuma nova amizade. Por isso, as leis humanas e as disposições da Igreja determinaram que pessoas aparentadas em certos graus não podem casar entre si. E assim, do sobredito resulta que o parentesco impede o casamento de certas pessoas, por direito natural; outras, por direito divino; e ainda outras, por direito positivo humano.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Eva embora nascida de Adão, não era contudo filha dele, porque dele não nasceu ao modo pelo qual naturalmente o homem gera um semelhante em espécie. Mas, por obra divina, que assim como fez a Eva da costela de Adão, poderia também ter feito um cavalo. Eis porque não houve entre Eva e Adão o mesmo parentesco que entre uma filha e seu pai. Nem Adão foi o princípio natural de Eva, como o pai o é do filho.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A promiscuidade carnal praticada por certos bárbaros não a justifica a lei natural, mas tem a sua explicação no jogo da concupiscência, que neles ofuscou essa lei.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Dizemos que a união entre o homem e a mulher é de direito natural porque a natureza assim o ensinou a todos os animais. Mas essa união ela o ensinou diversamente conforme a diversidade dos animais e as suas diferentes condições. Ora, a conjunção carnal com os pais se opõe ao respeito que lhes é devido. Pois, assim como a natureza infundiu nos pais a solicitude com que velam sobre os filhos, assim também nos filhos a reverência para com os pais. Em nenhum gênero de animais porém infundiu um desvelo perpétuo para com os filhos ou a reverência para com os pais, como o fez no homem. Nos outros animais tê-lo mais ou menos, na medida em que são mais ou menos necessários ─ os filhos aos pais ou os pais aos filhos. E isso explica que, em certas espécies animais, repugna ao filho ter relação carnal com a mãe, enquanto a reconhece como tal e lhe presta por isso um certo respeito, como o narra Filósofo, do camelo e do cavalo. E como tudo que haja de moral nos animais se reuniu e aperfeiçoou no homem, por isso tem ele uma repugnância natural a ter conjunção carnal não só com a mãe, mas também com a filha, o que ainda menos colide com a lei natural, como dissemos. Além disso, nos outros animais, a geração carnal não produz parentesco, como na espécie humana. Logo, não há semelhança de razões.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Do sobredito já resulta como a consangüinidade dos cônjuges contraria ao bem do matrimônio. Em falsas razões se funda pois a objeção.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Nenhum inconveniente há em duas uniões serem impedidas uma pela outra; assim como não há semelhança onde há identidade. Do mesmo modo, o vínculo da consangüinidade pode impedir a união matrimonial.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que a consangüinidade não se divide bem por graus e por linhas.
1. Pois, chama-se linha de consangüinidade uma série ordenada de pessoas unidas pelo sangue, descendentes de um mesmo tronco e abrangendo graus diversos. Ora, a consangüinidade outra coisa não é senão a série de tais pessoas. Logo, a linha da consangüinidade é o mesmo que a consangüinidade. Mas, nada se distingue de si mesmo. Logo, a consangüinidade não se divide bem por graus e por linhas.
2. Demais. ─ As divisões de um gênero comum não podem entrar na sua definição. Ora, o descendente entra na referida definição da consangüinidade. Logo, esta não pode dividir-se em linha dos ascendentes, dos descendentes e dos colaterais.
3. Demais. ─ A linha se define ─ o intervalo que separa dois pontos. Ora, dois pontos não constituem senão um grau. Logo, uma linha só tem um grau; e assim, pela mesma razão, parece que não se deve fazer a divisão da consangüinidade por linhas e graus.
4. Demais. ─ O grau assim se define: A relação entre pessoas afastadas pelo qual conhecemos a distância a que estão uma da outra. Ora, a consangüinidade sendo uma proximidade, a distância entre as pessoas é antes o oposto que uma parte dela. Logo; a consangüinidade não pode dividir-se em graus.
5. Demais ─ Se a consangüinidade é dividida em graus e por eles se conhece, necessariamente os pertencentes ao mesmo grau hão de ser por igual consangüíneos. Ora, isto é falso; pois, o irmão do bisavô e o bisneto de uma mesma pessoa são parentes no mesmo grau, mas não são igualmente consangüíneos. Logo, a consangüinidade não se divide bem, em graus.
6. Demais. ─ Em coisas bem ordenadas qualquer grau acrescentado a outro produz um novo grau, assim como uma unidade acrescentada a outra produz outra espécie de número. Ora, uma pessoa acrescentada a outra nem sempre dá lugar a outro grau de consangüinidade. Pois, no mesmo grau de consangüinidade estão o pai, e o avô que se lhe acrescenta. Logo, não se divide bem por graus a consangüinidade.
7. Demais. ─ Entre dois parentes próximos existe sempre a mesma consangüinidade, porque um extremo dista igualmente de outro e vice-versa. Ora, um grau de consangüinidade nem sempre é o mesmo de parte a parte; pois, pode um ser parente de terceiro grau e o outro, no quarto. Logo, a consangüinidade não pode ser bem conhecida pelos seus graus.
SOLUÇÃO. - A consangüinidade é um parentesco fundado numa comunicação natural, em virtude do ato da geração pelo qual se propaga a natureza. Ora, segundo Aristóteles, tríplice pode ser essa comunicação. Uma, fundada na relação entre o princípio e o principiado. E essa é a consangüinidade existente entre pai e filho. Por isso Aristóteles diz, que os pais amam os filhos como sendo partes deles próprios. ─ Outra é a fundada na relação entre o principiado e o princípio. E essa é a existente entre filho e pai. Por isso diz, que os filhos amam os pais como os princípios donde procedem. ─ A terceira se funda na relação existente entre os que procedem de um mesmo tronco; assim dizemos que os irmãos nascem dos mesmos pais, conforme no mesmo lugar o ensina o Filósofo. E como o ponto em movimento produz a linha; e o pai, transmitindo a vida, se põe como em movimento para o filho, por isso das três relações referidas, derivam três linhas de consangüinidade ─ a dos descendentes, fundada na primeira relação; a dos ascendentes, na segunda; e a linha colateral, na terceira. Como porém o movimento da propagação não acaba num só termo, mas vai além, daí resulta que, de um pai, procede outro, de um filho, outro filho e assim por diante. E dessas diversas progressões resultam os diversos graus de uma mesma linha. E como os graus de uma coisa constituem partes dela, não pode haver graus de proximidade onde não há proximidade. Por isso a identidade e a distância excessiva excluem os graus de consangüinidade; pois, ninguém é parente de si mesmo, como não é semelhante a si mesmo. Eis porque nenhuma pessoa, em si mesma considerada, pode constituir um grau; mas comparada com outra pessoa pode dar origem a ele.
Mas o critério para se contarem os graus das diversas linhas varia. Assim, o grau de consangüinidade, na linha dos ascendentes e dos descendentes, resulta do facto de ser uma pessoa gerada por outra, daquelas entre as quais se contam os graus. Por isso, segundo o cômputo canônico e legal, a pessoa que vem em primeiro lugar na série das gerações, quer em linha ascendente quer em descendente, dista de outra ─ por exemplo, de Pedro, no primeiro grau, como o pai, do filho; a que vem em segundo lugar dísta no segundo grau, como o avô, do neto, e assim por diante.
Na linha colateral o parentesco se funda, não no fato de uma pessoa descender de outra, mas no de descenderem de um tronco comum. Por isso deve o grau de consangüinidade, nesta linha, ser contado relativamente ao princípio comum donde deriva. Assim sendo, o cômputo canônico difere do cômputo do direito civil. Pois a deste se funda na descendência da raiz comum, por ambos os ramos, ao passo que o canônico só considera o ramo onde mais numeroso é o número dos graus. Assim, segundo o cômputo legal, o irmão e a irmã ou dois irmãos são parentes em segundo grau, porque uns e outros distam do tronco comum num grau. Semelhantemente, os filhos de dois irmãos distam entre si no quarto grau. Segundo o cômputo canônico porém, dois irmãos são parentes no primeiro grau; porque cada um deles dista do tronco comum só por um grau, mas o filho de um irmão dista do outro irmão no segundo grau, porque só em dois graus dista do tronco comum. Por onde, segundo o cômputo canônico, em tantos graus quantos alguém dista de um grau superior, nesses mesmos dista de qualquer dos descendentes desse mesmo antepassado, e nunca menos; pois, a causa de uma qualidade a possui a esta em sumo grau. Por onde, embora outros descendentes do princípio comum tenham laços com um descendente da mesma origem, mas de outra linha, não podem ser mais próximos deste do que o é o parente comum. Contudo uma pessoa pode estar mais afastada de outra, do que do parente comum, de onde ambas descendem, por distar mais deste a segunda pessoa, que a primeira. Pois que devem contar-se os graus de parentesco pela maior distância.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A objeção procede de um erro. Pois, a consangüinidade não é uma série de pessoas, mas uma seleção mútua entre várias pessoas, cuja série forma a linha de consangüinidade.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A descendência, tomada em sentido geral, se funda em qualquer linha de parentesco; porque toda geração carnal, donde procede o vínculo do parentesco, é uma espécie de descendência. Ora, a descendência da pessoa, de que se procura saber o grau de parentesco, forma a linha dos descendentes.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A palavra linha é susceptível de dois sentidos. Propriamente significa a dimensão, que é a primeira espécie de quantidade contínua. E assim, a linha reta só tem dois pontos em ato, que são os terminais; mas os tem infinitos em potência; e se determinarmos na linha um outro ponto atual, ela se divide em duas. - Outras vezes porém a palavra linha significa coisas dispostas em linha. E então a linha e a figura entram na categoria dos números, pois uma unidade acrescentada a outra forma um número. E assim, qualquer unidade acrescentada constitui um grau de uma determinada linha. Ora, o mesmo se dá com a linha da consangüinidade. Por isso é que uma linha contém vários graus.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Assim como não pode haver semelhança onde não há nenhuma diversidade, assim também proximidade não há onde nenhuma distância existe. Por isso não é qualquer distância que se opõe à consangüinidade, mas uma distância tal, que exclua a proximidade do parentesco.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Assim como uma brancura pode aumentar de dois modos ─ por maior intensidade qualitativa e pela maior extensão da superfície branca, assim também dizemos que um parentesco é maior ou menor ─ intensivamente, pela natureza mesma dele; e como que dimensivamente, e então a quantidade do parentesco se mede nelas pessoas unidas pelo mesmo laço da geração carnal. E neste segundo sentido é que se dividem os graus de parentesco. Donde resulta que de duas pessoas que estão no mesmo grau de consangüinidade, em relação a uma terceira, uma pode ser mais parente desta que outra, considerando-se o primeiro sentido da palavra consangüinidade. Assim, o pai e o irmão de uma pessoa são parentes dela no primeiro grau, porque de nenhum lado há nenhuma pessoa intermediária; mas, no sentido intensivo mais parente dela é o pai que o irmão, porque este não lhe é parente senão pela descendência do pai comum. Por onde, quanto mais próxima estiver uma pessoa do princípio comum donde resulta o parentesco, tanto mais parente é, embora não o seja no grau mais próximo. E assim sendo, o irmão do bisavô é parente mais chegado de uma pessoa que o seu bisneto, embora sejam dela parentes no mesmo grau.
RESPOSTA À SEXTA. ─ Embora o pai e o tio sejam parentes no mesmo grau, em relação ao tronco do parentesco, porque ambos distam de um grau, do avô; contudo, em relação àquele cujo parentesco se procura, não estão mais no mesmo grau. Pois, o pai está no primeiro grau, ao passo que o tio só pode ser parente em segundo grau, porque o avô, é parente nesse grau da pessoa em questão.
RESPOSTA À SÉTIMA. ─ Duas pessoas sempre distam uma da outra num mesmo número de graus, embora possam estar em distâncias desiguais do parente comum, como do sobredito se colhe.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece má a seguinte definição da consangüinidade dada por certos: A consangüinidade é o vínculo, que liga os descendentes de um mesmo tronco, por geração carnal.
1. Pois, todos os homens descendem de um tronco, que é Adão. Se, pois, a referida definição da consangüinidade fosse boa, todos os homens seriam consangüíneos uns dos outros. O que é falso.
2. Demais. ─ Vínculo não pode existir senão entre semelhantes, pois, o vínculo une. Ora, os descendentes de um tronco comum não tem maior semelhança entre si, que com os outros homens; pois,sendo da mesma espécie, que os demais homens, só numericamente diferem entre si. Logo, a consangüinidade não é um vínculo.
3. Demais. ─ A propagação carnal, segundo o Filósofo, provém do alimento supérfluo. Ora, esse supérfluo tem mais relações com as coisas ingeridas, em si mesmas, que com a pessoa que as ingeriu. Logo, assim como não há nenhum vínculo de consangüinidade entre o que nasce do sêmen e os alimentos ingeridos, assim também nenhum vínculo prende o filho e os pais que o geraram.
4. Demais. ─ Na Escritura Labão diz a Jacó: Tu és o osso dos meus ossos e a carne da minha carne, por causa do parentesco existente entre eles. Logo, esse parentesco deve ser chamado antes carnal que consangüíneo .
5. Demais. ─ A geração carnal é comum aos homens e aos animais. Ora, nenhum vínculo de consangüinidade liga os animais filhos carnais de uma mesma geração. Logo, o mesmo se dá com os homens.
SOLUÇÃO. ─ Segundo o Filósofo, toda amizade implica uma certa comunhão de vida. E como a amizade é uma ligação ou união, por, isso à comunhão da amizade se chama vínculo. Eis porque dessa vida em comum deriva o nome designativo dos que ela liga reciprocamente. Assim, chamam-se concidadãos os que vivem em comunhão política; e companheiros de armas os que participam da mesma vida militar. Do mesmo modo, consangüíneos se chamam os ligados por uma vida comum natural. Por isso a referida definição introduz o vínculo, como, por assim dizer, o gênero da consangüinidade; como sujeito, os descendentes de um mesmo tronco, porque entre eles é que esse vínculo existe; e a geração carnal, como princípio.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A virtude ativa não tem a mesma perfeição no instrumento segundo e no agente principal. E como todo motor movido é um instrumento, daí resulta que, em qualquer gênero, a virtude do primeiro motor, passando por muitos intermediários, acaba de esgotar-se e vem dar num ser, só móvel e não motor. A virtude porém do gerador, não só transmite os caracteres específicos, mas também os individuais, em razão dos quais o filho se assemelha ao pai, não somente pelos caracteres específicos, mas ainda, pelos acidentais. Contudo, essa virtude individual do pai não se manifesta no filho tão perfeitamente como no pai; em o neto ainda menos, e assim por diante, enfraquecendo-se cada vez mais. Razão por que essa virtude às vezes falha e acaba por esvair-se. E como a consangüinidade consiste em muitas pessoas procederem, por via de geração do mesmo poder ativo gerador, da vai aos poucos desaparecendo, corno diz Isidoro. Por onde, na definição da consangüinidade não se deve mencionar o antepassado mais afastado, mas o mais próximo, cuja virtude ativa ainda perdura nos que dele nasceram.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Já resulta do que dissemos, que os consangüíneos se assemelham, não somente pela natureza específica, mas também pelos traços individuais, que receberam de um mesmo indivíduo e se transmitiram a muitos. Eis a razão pela qual os filhos às vezes se assemelham, não somente ao pai, mas também ao avô, ou aos parentes remotos, como ensina Aristóteles.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A semelhança se funda, antes, na forma, que atualiza o ser, que na matéria, princípio da potencialidade. E isso bem se vê no carvão, mais semelhante ao fogo, do que à arvore donde foi cortada a lenha. Do mesmo modo, o alimento já convertido na substância do ser vivo, pela virtude nutritiva, mais se assemelha ao ser que dele se nutria, que à matéria que serviu de nutrição. Quanto à objeção, ela colheria, na opinião daqueles que diziam que a natureza de um ser provém totalmente da matéria, e que todas as formas são acidentes. O que é falso.
RESPOSTA À QUARTA. ─ O que proximamente se converte no sêmen é o sangue, como o prova Aristóteles. E por isso o vínculo fundado na geração carnal, mais propriamente se chama consangüinidade que parentesco carnal. E quando se usa da expressão, que um consangüíneo é a carne de outro, entende-se no sentido que o sangue, convertido em sêmen viril ou em mênstruo, é potencialmente carne e ossos.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Certos ensinam que a razão de ser a geração carnal o vínculo de consangüinidade, que liga só os homens, e não os animais é a seguinte: Todo o realmente pertencente à natureza, em todos os homens, já existia no primeiro homem ─ o que não se dá com os animais. Mas, se assim fosse, a consangüinidade, no matrimônio, nunca deixaria de existir. Ora, essa opinião já foi refutada no segundo livro. E por isso devemos pensar, que isso se dá porque os animais não se unem, para contrair uma amizade, e depois propagar a vida em vários seres, a partir de um antepassado próximo, como se dá com o homem.
O quarto discute-se assim. ─ Parece que, depois de se haver contraído matrimônio, não é possível receber uma ordem sagrada.
1. Pois, o mais forte prejudica o menos forte. Ora, mais forte é o vínculo espiritual que o corporal. Logo, quem, depois de unido pelos laços do matrimônio, receber a ordem, causará dano à esposa, que não poderá pedir o cumprimento da obrigação conjugal, porque a ordem é um vínculo espiritual e o matrimônio, corporal. Logo, parece que não pode receber ordem sacra quem já consumou o matrimônio.
2. Demais. ─ Consumado o matrimônio, não pode um cônjuge fazer voto de continência sem o consentimento do outro. Ora, uma ordem sacra é acompanhada do voto de continência. Logo, o marido, que receber uma ordem sacra sem o consentimento da mulher, obriga-la-á a observar continência contra a vontade; pois, não poderia casar com outro na vigência desse casamento.
3. Demais. ─ Mesmo temporariamente, não pode o marido vacar à oração, sem o consentimento da esposa, como diz o Apóstolo. Ora, entre os orientais, os constituídos em ordens sacras, estão obrigados à continência no tempo em que desempenharem as funções delas. Logo, nem eles podem ordenar-se sem o consentimento da mulher. E muito menos entre os latinos.
4. Demais. ─ Marido e mulher estão no mesmo pé de igualdade. Ora, um sacerdote grego morto a esposa, não pode convolar a segundas núpcias. Logo, nem a mulher, falecido o marido. Mas não pode ela ser privada do direito de casar, depois da morte do marido, por um ato praticado por ele quando ainda vivo. Logo, não pode o marido, depois de casado, receber as ordens sacras.
5. Demais. ─ O matrimônio tanto se opõe à ordem, como inversamente. Ora, a ordem precedente impede o matrimônio subsequente. Logo, ao inverso.
Mas, em contrário. ─ Os religiosos estão obrigados à continência, como os que receberam ordens sacras. Ora, quem contraiu matrimônio, e depois enviuvou ou obteve o consentimento da mulher, pode entrar em religião. Logo, também receber a ordem.
2. Demais. ─ Pode quem contraiu matrimônio tornar-se escravo de outro homem. Logo, também servo de Deus, pela recepção da ordem.
SOLUÇÃO. ─ O matrimônio não impede o casado de receber, uma ordem sacra. Pois, se o fizer, mesmo contra a vontade da esposa, nem por isso deixa a ordem recebida de lhe imprimir caráter. Se a receber, porém, com o consentimento dela ou depois de morta, tanto recebe a ordem, como o poder de lhe exercer as funções.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O vínculo da ordem solve o vínculo do matrimônio, em razão do dever conjugal que implica. Por isso à ordem lhe repugna ele, considerando-se quem a recebe; pois, não pode pedir o cumprimento desse dever nem a esposa está obrigada para com ele, a cumpri-lo. Mas não dissolve o vínculo matrimonial relativamente à mulher, pois, está obrigado a lhe cumprir a obrigação conjugal, se não puder induzi-Ia à continência.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O marido tendo recebido a ordem, com ciência e consentimento da mulher, fica esta obrigada a voto de perpétua continência. Não está porém obrigada a entrar em religião, se não temer perigo para a sua castidade, pelo fato de ter o marido emitido um voto solene. Mas diferentemente, se pronunciou um voto simples. Se porém o marido recebeu ordens contra sua vontade, não fica obrigada ao voto de continência, por que do ato do marido nenhum prejuízo lhe pode resultar.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Parece mais provável, embora certos pensem o contrário, que também entre os gregos não pode o marido receber ordens sem o consentimento da mulher. Pois, ao menos durante o tempo em que exerce o ministério, ficaria a mulher privada do seu direito ao dever conjugal, dano que juridicamente não está obrigada a sofrer, se não consentiu ou ignorava que o marido tivesse recebido ordens.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Como está dito, pelo fato mesmo de, entre os gregos, a mulher consentir que seu marido receba ordens, obriga-se perpetuamente a não casar com outro, Do contrário, a significação simbólica do matrimônio não se verificaria, e ela é capital no casamento de um sacerdote. Se porém se ordenar sem o consentimento da mulher, esta não fica adstrita à referida obrigação.
RESPOSTA À QUINTA. ─ O matrimônio tem como causa o nosso consentimento. Não porém a ordem, cuja causa sacramental é determinada por Deus. Por onde, o matrimônio pode ser impedido, na sua validade, pela ordem precedentemente recebida, mas a ordem não pode ficar impedida de verdadeiramente o ser, por causa de um matrimônio precedente. Porque a virtude dos sacramentos é imutável, e os atos humanos podem ficar impedidos.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que a ordem não impede o matrimônio.
1. Pois, nada fica impedido senão pelo seu contrário. Ora, a ordem não é contrária ao matrimônio, por serem ambos sacramentos. Logo, não no impede.
2. Demais. ─ A ordem é o mesmo para nós como para a Igreja Oriental. Ora, na Igreja Oriental não impede o matrimônio. Logo, etc.
3. Demais. ─ O matrimônio significa a união entre Cristo e a Igreja. Ora, esse significado devem sobretudo pô-lo em evidência os ministros de Cristo, isto é, os ordenados. Logo, a ordem não impede o matrimônio.
4. Demais. ─ Todas as ordens preparam para as funções espirituais. Ora, a ordem não pode impedir o matrimônio senão em razão da espiritualidade. Logo, se a ordem impede o matrimônio, qualquer delas o impedirá. O que é falso.
5. Demais. ─ Todos os ordenados podem receber benefícios eclesiásticos e gozar igualmente dos privilégios clericais. Se, pois, a ordem impede o matrimônio, porque os casados não podem receber um benefício eclesiástico nem gozar dos privilégios clericais, como dizem os juristas, então qualquer ordem deveria impedilo. O que é falso, como o demonstra a decretal de Alexandre III. E assim, nenhuma ordem, segundo parece, impede o matrimônio.
Mas, em contrário, uma decretal dispõe: Os que receberam o subdiaconato e outras ordens superiores, e dos quais se souber que tomaram mulher, sejam obrigados a deixá-las imediatamente. O que não se daria se o matrimônio estivesse verdadeiramente contraído.
2. Demais. ─ Ninguém, que tenha feito voto de continência, pode contrair matrimônio. Ora, certas ordens implicam o voto de continência, como diz o mestre. Logo, tais ordens impedem, o matrimônio.
SOLUÇÃO. ─ É da natureza mesma das ordens sagradas impedir o matrimônio, e razões de conveniência assim o exigem. Porque os constituídos nas ordens sacras tocam nos vasos sagrados e mostram os sacramentos. Donde a conveniência. Quanto a serem impedimento ao matrimônio, isso resulta da legislação da Igreja. De um modo porém, entre os latinos, e de outro, entre os gregos. Pois, entre os gregos, a ordem, por sua própria forma, impede o matrimônio de ser contraído. E entre os latinos, fica ele impedido, não só por forma mesma da ordem, mas ainda pelo voto de continência a ela anexo. Mesmo quem não emitiu esse voto verbalmente, entende-se tê-lo feito tàcitamente, desde que recebeu a ordem segundo o rito da Igreja Ocidental. Por onde, entre os gregos e os outros orientais, uma ordem sagrada impede o matrimônio de ser contraído, mas não impede o uso do casamento já contraído. Pois, podem usar do matrimônio anteriormente contraído, embora não possam contraí-lo depois de recebida a ordem. Na Igreja Ocidental porém impede o matrimônio e o uso dele, salvo se foi um marido quem a recebeu, ignorando-a a mulher ou opondo-se a tal. Porque daí não lhe pode advir a ela nenhum dano. ─ Quanto a saber como se distinguem as ordens sacras das que não o são, atualmente e na Igreja primitiva, já o dissemos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora uma ordem sagrada não contrarie o matrimônio, enquanto sacramento, repugna-lhe porém de certo modo em virtude da natureza do seu ato que impede as funções espirituais.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O argumento se funda num erro. Pois, a ordem impede o matrimônio de ser contraído, embora nem em toda parte seja acompanhado do voto.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Os constituídos nas ordens sacras significam a Cristo pelo exercício de funções mais nobres, como resulta do que dissemos no tratado da ordem, do que a dos unidos pelo matrimônio. Por isso a objeção não colhe.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Os constituídos em ordens menores não ficam proibidos, por forma mesma delas, de contrair matrimônio. Embora essas ordens os destinem a certas funções espirituais, não têm contudo poder imediato de tocar nos vasos sagrados, como o tem os constituídos em ordens sacras. Mas, segundo a legislação da Igreja Ocidental, o uso do matrimônio impede o exercício de uma ordem não sagrada. Isso para dar mais dignidade aos ofícios eclesiásticos. E como quem recebeu um beneficio eclesiástico é obrigado ao exercício da sua ordem e por isso mesmo goza dos privilégios clericais. por isso entre os latinos os clérigos casados ficam privados desses privilégios.
DONDE SE DEDUZ A RESPOSTA À ÚLTIMA OBJEÇÃO. ─
O segundo discute-se assim. ─ Parece que o voto solene não anula o matrimônio já contraído.
1 Pois, como diz uma decretal, perante Deus não obriga menos o voto simples que o solene. Ora, o matrimônio tem a sua validade e a sua nulidade dependente da aceitação divina. Logo, como o voto simples não dirime o matrimônio, também o voto solene não poderá dirimi-lo.
2. Demais. ─ O voto solene não acrescenta maior força ao voto simples que o juramento. Ora, o voto simples, mesmo acompanhado de juramento, não dirime o matrimônio já contraído. Logo, nem o voto solene.
3. Demais. ─ O voto solene nada tem que não possa ter o voto simples. Porque o voto simples poderia implicar escândalo, por ser, como o voto solene, público. Semelhantemente, a Igreja podia e devia estatuir que o voto simples dirime o matrimônio já contraído, e muitos pecados se evitariam. Logo, pela razão por que o voto simples não dirime o matrimônio, por essa mesma não no deve dirimir o voto solene.
Mas, em contrário, quem emite um voto solene contrai matrimônio espiritual com Deus, muito mais solene que o matrimônio material. Ora, o matrimônio material já contraído dirime o contratado depois. Logo, também o voto solene.
2. Demais ─ O mesmo também pode ser provado pelas muitas autoridades citadas pelo Mestre.
SOLUÇÃO. ─ Todos opinam que assim como o voto solene impede o matrimônio de ser contraído, assim dirime o já contraído.
Mas certos assinalam como causa o escândalo ─ Não há porém tal. Pois, também um simples voto pode às vezes causar escândalo, por ser de certo modo público. Além disso, a indissolubilidade do matrimônio é de direito divino, que não pode ser transgredido para evitar escândalo.
Por isso outros dizem que tal se dá por determinação da Igreja. ─ Mas essa opinião também é insuficiente. Porque de acordo com ela a Igreja poderia também determinar o contrário. O que não é verdadeiro.
Por onde, devemos opinar, com outros, que o voto solene por natureza dirime o matrimônio já contraído. Pois, por ele, o homem perde o poder sobre o seu corpo, pelo consagrar a Deus por continência perpétua, como do sobredito resulta. Portanto, não pode submetê-la ao poder de uma mulher, contraindo matrimônio. E como o matrimônio subsequente a esse voto é nulo, dizemos que o voto solene anula o matrimônio já contraído.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O voto simples é considerado como implicando a mesma obrigação, perante Deus, que o voto solene, enquanto se trata do que tem com Deus relações, como no caso da separação de Deus causada pelo pecado mortal. Pois, peca mortalmente tanto quem quebra o voto simples como quem quebra o voto solene, embora seja pecado mais grave quebrar o primeiro que o segundo. Mas esta comparação só vale para o gênero de reato, e não para o grau de gravidade dele. No matrimônio porém, que liga um esposo ao outro, os dois votos não produzem a mesma obrigação, mesmo genericamente falando. Pois, certas obrigações resultam do voto solene, que não resultam do simples.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O juramento, considerada a obrigação dele oriunda, liga mais que o voto. Ora, o voto solene impõe maior liame pelo modo por que obriga, porque consiste em darmos imediatamente o que prometemos ─ o que não sucede com o juramento. Logo, a objeção não colhe.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O voto solene implica a entrega imediata do corpo próprio, o que não implica o voto simples, como do sobredito resulta. Logo, a objeção tem um fundamento suficiente.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que pela obrigação de um voto simples deve ser anulado o matrimônio contraído.
1. Um vínculo mais forte anula o mais fraco. Ora, o vínculo do voto é mais forte que o do matrimônio, porque aquele é feito a Deus e este ao homem. Logo, o vínculo de voto anula o do matrimônio.
2. Demais. ─ O preceito de Deus não vale menos que o da Igreja. Ora, o da Igreja obriga, a ponto de anular o matrimônio contraído contra ele, Tal o caso dos que o contraem em grau de parentesco proibido pela Igreja. Logo, como guardar voto feito é preceito divino, resulta que será nulo o matrimônio de quem o contrair em oposição do voto emitido.
3. Demais. ─ No matrimônio pode ser praticada sem pecado a conjunção carnal. Ora, quem faz o voto simples de castidade não poderá nunca ter relações com a esposa, sem pecado. Logo, o voto simples dirime o matrimônio. Prova da proposição média: quem, depois de ter feito voto simples de continência, contrair matrimônio, peca mortalmente, porque, segundo Jerônimo, os que fizeram o voto de virgindade ficam impedidos, não só de casar, mas mesmo de querer fazê-lo; ora, o contrato do matrimônio não encontra o voto de continência senão por causa da conjunção carnal; logo, desde a primeira relação que tiver com a mulher, peca. E portanto, todas as outras vezes, porque o pecado primeiro cometido não pode escusar do seguinte.
4. Demais. ─ O homem e a mulher no matrimônio devem ser iguais, sobretudo no concernente à conjunção carnal. Ora, quem fez voto simples de continência não pode exigir o cumprimento do dever conjugal sem pecado. pois este é manifestamente contra o voto de continência, a qual se obrigou, por ele. Logo, também não poderá sem pecado cumprir esse dever.
Mas, em contrário, o Papa Clemente diz, que o voto simples impede contrair matrimônio, mas não anula o matrimônio já contraído.
SOLUÇÃO. ─ Uma coisa deixa de nos pertencer quando passa para o poder de outro. Mas a promessa de dar uma coisa não a transfere para o domínio daquele a quem foi prometido. Por onde, não é pelo fato de a termos prometido que ela deixa de nos pertencer. Ora, o voto simples não é senão uma simples promessa feita de consagrar a Deus a continência do nosso corpo. Por onde, depois dele feito, ainda continuamos senhor do nosso corpo. Portanto é possível dá-lo a outrem, por exemplo, à mulher, e nessa dação consiste o sacramento do matrimônio, que é indissolúvel. Por isso, o voto simples, embora impeça contrair matrimônio, porque peca quem o contrair, depois do voto simples de continência, contudo como o contrato é válido, não pode depois, por causa desse voto, ser anulado o matrimônio.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIHA OBJEÇÃO. ─ O voto é um vínculo mais forte que o matrimônio, relativamente a quem é feito e ao a que obriga. Pois, pelo matrimônio um homem se obriga a cumprir o dever conjugal para com uma mulher, ao passo que pelo voto se obriga para com Deus a guardar continência. Contudo, quanto ao modo de ligar, o matrimônio é um vínculo mais forte que o do voto simples. Pois, por aquele o marido se entrega imediatamente ao poder da mulher; o que não se dá com o voto simples, em que a entrega não é imediata, como se disse. Mas o voto simples obriga do mesmo modo por que o fazem os esponsais. Portanto os dirime a estes.
RESPOSTA À SEGUNDA. - O preceito que proíbe o casamento entre parentes não anula, enquanto preceito de Deus ou da Igreja, o matrimônio que vai ser contraído; mas faz com que sobre o corpo da mulher, parente em grau proibido, não pode ter poder outro cônjuge. ─ Ora, tal não resulta do preceito que proíbe o matrimônio, depois de um voto simples, como do sobredito resulta. Logo, a objeto não colhe, por tornar como causa o que não o é.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Quem contrai matrimônio por palavras de presente, depois de um voto simples, não pode sem pecado mortal ter relação com sua esposa; porque ainda lhe é possível, antes do casamento consumado, cumprir o voto de continência. Mas depois de consumado o matrimônio, já se lhe torna ilícito não cumprir o dever conjugal para com a mulher, quando o exija; contudo isso se dá por culpa sua. Por isso até aí não vai a obrigação do voto, como do sobredito se colhe. Deve contudo essa pessoa reparar pela penitência a transgressão do voto.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Quem contrair matrimônio está obrigado a cumprir o voto feito de continência, na medida em que não está impedido de o fazer. Por isso, morta a mulher, está totalmente obrigado à continência. E como pelo vínculo do matrimônio não está obrigado a pedir a satisfação do dever conjugal, por isso não no pode pedir sem pecado; embora possa: sem pecado cumprir esse dever, para com a mulher, quando lh'o ela pedir, desde que a isso se obrigou pela conjunção carnal precedente. E isso deve entender-se tanto no caso de a mulher o pedir expressamente, como interpretativamente, no caso de ter vergonha de lh'o exigir e o marido perceber-lhe a vontade. Então poderá sem pecado cumprir o dever conjugal, e sobretudo se teme que corra perigo a castidade da esposa, se não o fizer. Nem obsta o serem iguais quanto ao ato matrimonial, porque todos podemos renunciar ao nosso direito. ─ Certos porém dizem, que pode tanto pedir o cumprimento desse dever como retribuí-lo, a fim de não vir a tornar-se demasiado oneroso à esposa o estar sempre a exigir o cumprimento do débito. ─ mas quem atentar bem no caso verá que isso é pedir interpretativamente.
O quarto discute-se assim. ─ Parece que os filhos devem seguir a condição do pai.
1. Pois, um ser recebe a sua denominação do princípio mais nobre donde procede. Ora, o pai, na geração, é mais nobre que a mãe. Logo, etc.
2. Demais. ─ A existência de um ser mais depende da sua matéria que da forma. Ora, na geração o pai dá a forma e a mãe, a matéria, como diz Aristóteles. Logo, devem os filhos seguir, antes, as condição da mãe que a do pai.
3. Demais. ─ Um ser deve seguir principalmente aquilo a que mais se assemelha. Ora, o filho se assemelha mais ao pai que à mãe; assim como a filha, mais à mãe que ao pai. Logo, e pelo menos, deve o filho seguir antes a condição do pai que a da mãe.
4. Demais. ─ Na Sagrada Escritura não se contam as gerações pelas mulheres, mas pelos varões. Logo, os filhos devem seguir antes a condição paterna que a materna.
Mas, em contrário. ─ Quem semeia na terra alheia, os frutos pertencem ao dono da terra. Ora, o ventre da mulher, relativamente ao semem do marido, é como a terra em relação à semente. Logo, etc.
2. Demais. ─ Nos animais nascidos de espécies diversas, o parto obedece mais a natureza materna que à paterna. Assim, muitos animais, dos nascidos de égua e jumento, mais se assemelham às éguas, que os nascidos de jumenta e cavalo. Logo, o mesmo deve dar-se com os homens.
SOLUÇÃO. ─ Segundo as leis civis, o parto segue a condição do ventre. E racionalmente. Porque se o filho recebe do pai o complemento da forma, da mãe recebe a substância do corpo. Ora, a escravidão é uma condição a que está o corpo sujeito; pois, o escravo é um quase instrumento com que obra o senhor. Por isso, o filho, tanto em relação à liberdade como à escravidão, segue a condição materna. No concernente porém à dignidade, por proceder da forma do ser, segue a condição paterna; tal o que se dá com as honras, as funções civis, a herança e coisas semelhantes. Com o que concordam os cânones e a lei de Moisés.
Em certas terras porém, não regidas pelo direito civil, o parto segue a condição pior. Assim, sendo o pai escravo, embora livre a mãe, os filhos serão escravos. Não porém se, depois de feito o casamento, o pai se vendeu como escravo, sem o consentir a mulher; e do mesmo modo no caso contrário. Se ambos forem de condição servil e pertencentes a donos diversos, estes dividirão entre si os filhos, se forem vários; mas sendo único, um dos senhores pagará ao outro uma indenização e tomará o filho nascido como escravo seu. ─ Contudo, não é crível que um tal costume possa ser tão racional como o estabelecido pelo diuturno consenso de tantos sábios.
Por outro lado, é um princípio de ordem natural, que a coisa recebida está no recipiente ao modo deste, e não ao daquela. Por isso é racional que o semem recebido pela mulher depende da condição dela,
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora seja o pai um princípio mais digno que a mãe, contudo esta é quem dá a substância do corpo, donde depende a condição servil.
RESPOSTA À segunda-feira ─ No concernente à essência especifica, o filho mais se assemelha ao pai, que à mãe. Mas quanto às condições materiais deve assemelhar-se mais à mãe que ao pai. Porque um ser recebe a sua existência especifica da forma; mas da matéria, as condições materiais.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O filho se assemelha ao pai em razão da forma, que tem como complemento, como a tem o pai. Por isso a objeção não colhe no caso proposto.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Dependendo a honra do filho mais do pai que da mãe, por isso nas genealogias da Sagrada Escritura, e segundo o costume comum, os filhos recebem o nome do pai e não da mãe. Contudo. no concernente à escravidão, seguem antes a condição materna.