Category: Santo Tomás de Aquino
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que os esponsais não podem ser dirimidos, quando uma das partes entra em religião.
1. Pois quem prometeu uma soma de dinheiro a alguém não pode de novo se obrigar a dá-la a outrem. Ora, quem contrai esponsais prometeu o seu corpo a uma mulher. Logo, não pode depois oferecer-se a Deus em religião.
2. Do mesmo modo. ─ Não podem os esponsais ser dirimidos, segundo parece, quando um dos contraentes se transfere para uma região longínqua. Porque, na dúvida devemos seguir sempre o partido mais seguro. Ora, mais seguro seria esperar a volta do ausente. Logo, há obrigação de o esperar.
3. Do mesmo modo. ─ Nem se dirimem os esponsais por motivo de doença sobreveniente depois de contraídos. Porque por doença ninguém deve ser punido. Ora, o varão, se enfermar, sofre uma pena ficando privado do direito que tenha sobre aquela com que já havia contraído esponsais. Logo, as doenças do corpo não dirimem os esponsais.
4. Do mesmo modo. ─ Nem pela afinidade superveniente; por exemplo, se o esposo teve concúbito ilícito com uma irmã da esposa. Porque então a esposa seria punida pelo pecado do esposo. O que não é admissível.
5. Do mesmo modo. ─ Os esposos também não podem se desobrigar mutuamente. Pois, seria o cúmulo da leviandade contrair esponsais para depois os romper. Nem a Igreja pode permitir tais abusos. Logo, etc.
6. Do mesmo modo. ─ Nem a fornicação de um dos esposos é razão para se romperem os esponsais. Pois, os esponsais não dão ainda direito a um dos esposos sobre o corpo do outro. Donde, nenhum peca contra o outro cometendo fornicação. Razão pois não é essa para se dirimirem os esponsais.
7. Do mesmo modo. ─ Nem parece que se dirimem por contrato que o esposo fizer com outra por palavras de presente. Pois, uma segunda venda não anula a anterior. Logo, nem um segundo contrato pode derrogar o anterior.
8. Do mesmo modo. ─ Nem por falta de idade podem dirimir-se. Pois, o inexistente não pode ser dissolvido. Ora, antes da idade própria nenhuns esponsais existem, Logo, não podem ser dirimidos.
SOLUÇÃO. ─ Em todos os casos referidos os esponsais se dirimem, mas de modos diversos. Assim, nos dois primeiros ─ quando um entra em religião, e quando um contrata com outro por palavras de presente, os esponsais se dirimem de pleno direito. Nos outros casos porém podem dirimir-se segundo o juízo da Igreja.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Essa promessa sendo puramente espiritual, se dissolve pela morte espiritual.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Essa dúvida fica resolvida desde que uma das partes não comparece no tempo determinado, para realizar o matrimônio. Por onde, a parte que não teve culpa de não se realizar o matrimônio, pode licitamente e sem nenhum pecado casar com outro. Se porém teve culpa da não realização do casamento, deve fazer penitência pelo pecado de quebra da promessa ou do juramento, se houve juramento; e poderá contrair casamento com outra pessoa, se quiser, conforme juízo da Igreja.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Pode acontecer que, antes de contraído o matrimônio, um dos que contraíram esponsais tenha incorrido em doença grave; por exemplo, a epilepsia ou a paralisia, e caído em estado de extrema fraqueza; tenha sofrido uma deformidade, como a amputação do nariz, a privação da vista ou coisa semelhante. Ou ainda uma doença contra o bem da prole, como a lepra que de ordinário contamina os filhos. Em tais casos os esponsais podem ser dirimidos a fim de não ser um esposo objeto de repugnância ao outro e não produzir más consequências o casamento contraído em tais condições. Nem se segue daí que haja punição por causa de uma doença, que apenas causa um dano não injusto. E nisso não há nenhum inconveniente.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Se o esposo teve relação ilícita com irmã da esposa, ou ao contrário, os esponsais devem ser dirimidos. E para o provar basta o rumor público, pois é necessário evitar escândalo. Porquanto, uma causa, que deve produzir os seus efeitos no futuro, fica impedida de os produzir não só por um obstáculo presente, mas também por obstáculos futuros. Por onde, assim como a afinidade, se já houvesse idade para o contrato esponsalício, impediria esse contrato; assim também, intervindo antes do matrimônio, que é um dos efeitos dos esponsais, fica o primeiro contrato impedido de produzir o seu efeito. Nem por isso prejudica a uma das partes, ao contrário, a favorece, porque fica liberada pela outra que, cometendo a fornicação, torna-se odiosa a Deus.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Certos não admitem esse caso. Mas em contrário é uma decretal, que dispõe expressamente: Por semelhança, diz, com aqueles que depois de ser terem constituído em sociedade, prometendo-se fidelidade recíproca, vieram rompê-la, pode-se também pacientemente tolerar, que rompam os seus esponsais os que os contraíram. E para fundamentar este juízo, dizem que a Igreja o suporta, preferindo não recatar um ponto de direito, para evitar maior mal. Mas esta razão não condiz com o exemplo aduzido pelas decretais. É por isso melhor concluir que nem sempre é leviandade não cumprir o que foi prometido; pois, são incertas as nossas providências, como diz a Escritura.
RESPOTA À SEXTA. ─ Embora os que contraíram esposais ainda não tenham conferido reciprocamente poder sobre seus corpos, contudo, já o fato de terem faltado ao prometido, um ou outro, faz suspeitar que não serão fiéis no futuro. Por isso um toma precauções contra o outro, dirimindo os esponsais.
RESPOSTA À SÉTIMA. ─ A objeção colheria se ambos os contratos tivessem o mesmo fundamento. Ora, o segundo contrato, o de casamento, tem mais força que o primeiro. Por isso o anula.
RESPOSTA À OITAVA. ─ No caso, embora não houvesse verdadeiramente esponsais, houve contudo uma certa modalidade deles. Por isso, para não parecer que o aprovaram, uma vez chegados à idade legítima devem os esposos, para dar bom exemplo, pedir ao juiz eclesiástico a ruptura dos esponsais.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que a idade de sete anos não foi acertadamente determinada para se poderem contrair esponsais.
1. Pois, contratos que se podem fazer por meio de terceiros não exigem idade de discernimento nos interessados. Ora, os esponsais podem fazer-se por meio dos pais, sem que eles saibam quem os contratam. Logo, podem fazer-se, tanto antes como depois dos sete anos.
2 . Demais. ─ Assim como o contrato de esponsais requer um certo uso da razão, assim também esse uso é necessário para que se possa consentir no pecado. Ora, como o narra Gregório, uma criança de cinco anos foi morta pelo diabo por causa de um pecado de blasfêmia. Logo, também antes dos sete anos podem-se contratar esponsais.
3. Demais. ─ Os esponsais se ordenam para o matrimônio. Ora, a idade própria para contrair matrimônio não é a mesma para o homem e para a mulher. Logo, também não se deve marcar a idade ele sete anos, para se poderem contrair esponsais, para ambos os sexos.
4. Demais. ─ Podem contrair esponsais os que podem se inclinar a núpcias futuras. Ora, essa inclinação frequentemente se manifesta em crianças antes dos sete anos. Logo, antes dessa idade podem contrair esponsais.
5. Demais. ─ Consideram-se como existentes os esponsais entre os que os contraíram antes dos sete anos; e depois, o tornam o contrair por palavras de presente, mas antes da idade de puberdade. Mas essa validade não resulta do segundo contrato, porque então tinham a intenção de contrair, não esponsais, mas o matrimônio. Logo, também tinham essa intenção quando primeiro os contraíram. Portanto, podem contrair esponsais antes dos sete anos.
6. Demais. ─ Quando uma ação é realizada por vários agentes, a falha de um é suprida por outro; por exemplo, quando vários puxam um navio. Ora, o ato dos esponsais é um ato comum entre vários contratantes. Logo, sendo um púbere, pode contrair esponsais com uma menina que ainda não tem sete anos; e assim, a idade que falta a esta é suprida pelo outro.
7. Demais. ─ Considera-se como válido o matrimônio contraído por palavras de presente, entre os que ainda não estão na idade de puberdade, embora estejam próximos dela. Logo, e pela mesma razão, se o fizerem antes dos sete anos, mas próximo deles, e tendo em vista um casamento futuro, consideram-se como realmente existentes entre eles os esponsais.
SOLUÇÃO. ─ A idade de sete anos é o tempo determinado por direito, e bastante racionavelmente, para se poderem contrair esponsais. Pois, sendo os esponsais umas promessas para o futuro, como dissemos, necessariamente, podem fazê-lo só aqueles que de certa maneira podem prometer. E isto não é possível senão aos que de algum modo podem prever o futuro, o que implica o uso da razão. Ora, no uso da razão há três graus, segundo o Filósofo. No primeiro, a criança não pode compreender nem por si nem ajudada por outro. No segundo, pode o homem compreender por ajuda de outro, mas ainda não é capaz de por si mesmo o fazer. No terceiro, pode compreender por meio de outrem e por si mesmo refletir. E como a razão humana se desenvolve gradualmente, na medida em que se aquietam os movimentos as variações dos humores, por isso, a primeira fase da vida da razão do homem é antes da idade de sete anos, idade em que não tem capacidade para fazer nenhum contrato e, por consequência, nem esponsais. Na segunda fase já ele vai chegando, ao fim do primeiro setênio e é nessa idade que as crianças são mandadas à escola. A terceira fase é aquela a que o homem chega ao termo do segundo setênio, quando já pode assumir obrigações pessoais e quando a razão natural mais depressa se desenvolve. Mas se se trata de obras externas o homem não chega a raciocinar bem senão ao cabo do terceiro setênio. Por isso, antes do primeiro setênio não é apto a fazer nenhum contrato. Mas, ao cabo do primeiro setênio já começa a ser apto a se comprometer para o futuro, em matéria a que sobretudo a razão natural inclina. Como porém ainda não lhe é firme a vontade, não pode obrigar-se a vínculo perpétuo. Por isso, nessa idade pode contrair esponsais. Mas no fim do segundo setênio já pode assumir as obrigações pessoais, de entrar em religião ou contrair matrimônio. E no fim do terceiro setênio pode assumir também outras obrigações. Por isso as leis lhe dão o poder de dispor dos seus bens depois dos vinte e cinco anos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Se o contrato de esponsais for feito por terceiro antes de os contraentes chegarem à idade de pubedade, ambos podem reclamar, ou um só. Fica então tudo nulo, a ponto que nenhuma afinidade daí resultará. Por isso os esponsais contraídos por interpostas pessoas valem só se os contraentes, chegados a idade própria, não reclamarem. Se não o fizerem então, são considerados como tendo consentido no que por outros foi feito.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Certos dizem que essa criança a que se refere Gregório não se condenou nem pecou mortalmente, sendo essa visão só para contristar o pai, que nesse filho pecou pelo não corrigir. Mas isso vai expressamente contra a intenção de Gregório que diz: O pai da criança descuidando da alma de seu filhinho, criou para o fogo do inferno um pecador não pequeno. ─ Por onde, devemos concluir que para haver pecado mortal basta o consentimento para a prática imediata de um ato. Mas o consentimento nos esponsais visa o futuro. Ora, é preciso maior discernimento da razão para prever o futuro, do que para consentir num ato presente. Por onde, pode pecar mortalmente quem ainda não pode obrigar-se para o futuro.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Para se contrair matrimônio é não só necessário um certo desenvolvimento da razão, mas também do corpo, de modo que este seja apto à geração. Ora, a mulher aos doze anos já é apta para a geração, e o homem ao fim do segundo setênio, como ensina o Filósofo. Mas chegam simultâneamente à idade de discernimento racional, condição exigida para poderem contrair esponsais. Por isso a mesma idade é determinada para ambos os poderem contrair, não sendo porém a mesma para poderem contrair matrimônio.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Essa inclinação das crianças antes dos sete anos, não procede do perfeito uso da razão, pois ainda não são nessa idade capazes de plena instrução; mas tal inclinação procede antes do movimento da natureza que de qualquer reflexão. Por isso não basta ela para se poderem contrair esponsais.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Embora no caso referido não contraiu o matrimônio pelo segundo contrato, mostram contudo por si que ratificam a promessa anterior. Por isso o primeiro contrato fica reforçado pelo segundo.
RESPOSTA À SEXTA. - Os que puxam um barco agem como se fossem uma só causa; por isso o que falta a um pode ser suprido por outro. Ao contrário, os que contraem esponsais agem como pessoas distintas, pois não podem eles existir senão entre dois. Por isso é necessário sejam ambos capazes de contratar. E assim, a incapacidade de um impede os esponsais, nem pode ser suprida por outro.
RESPOSTA À SÉTIMA. ─ O mesmo se dá com os esponsais: se os contraentes já se aproximam dos sete anos o contrato de esponsais é válido. Pois, segundo o Filósofo, faltar pouco é quase como não faltar nada. Quanto a essa proximidade, certos a determinam como sendo o tempo de seis meses Mas é melhor determiná-la pela condição dos contraentes, pois certos tem um desenvolvimento mais precoce da razão que outros.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que não se definem bem os esponsais, dizendo que são a promessa de núpcias futuras, como se conclui das palavras do Papa Nicolau I.
1. Pois, como diz Isidoro, não é esposo quem promete mas quem afiança (spondet) e dá fiadores (sponsores). Ora, esposo vem de esponsais. Logo, é definir mal dizer promessa.
2. Demais. ─ Quem faz uma promessa deve ser obrigado a cumpri-la. Ora, os que contraíram esponsais não os obriga a Igreja a contrair matrimônio. Logo, os esponsais não são promessa.
3. Demais. ─ Muitas vezes os esponsais não constituem só uma promessa, mas se lhe acrescenta um juramento e se dão arras. Logo, parece que não deviam ser definidos apenas como promessa.
4. Demais. ─ O casamento deve ser livre e sem condições. Ora, os esponsais às vezes se fazem condicionalmente, mesmo com a condição de receber uma soma de dinheiro. Logo, não é acertado falar em promessa de núpcias.
5. Demais. ─ Fazer promessa de coisas futuras é digno de censuras, diz o Apóstolo Tiago. Ora, os sacramentos nada devem ter de censurável. Logo, não deve ser feita promessa de futuras núpcias.
6. Demais. ─ Ninguém se chama esposo senão por causa dos esponsais. Ora, pode chamar-se esposo também quem celebra o seu casamento, segundo o Mestre das Sentenças. Logo, os esponsais nem sempre são a promessa das núpcias futuras.
SOLUÇÃO ─ Consentir na união conjugal, por compromisso a se realizar no futuro, não constitui sacramento, mas só promessa dele. E essa promessa se chama esponsais, do verbo latino spondeo. Assim, diz Isidoro: anteriormente ao uso de se tornar público o casamento, davam cauções e fiadores os que queriam casar-se, comprometendo dessa maneira mutuamente a contrair matrimônio. Ora, esse compromisso se faz de dois modos: absoluta e condicionalmente. Absolutamente, de quatro modos. Primeiro, com uma simples promessa, como quando se diz: Eu te receberei como esposa minha, e vice-versa. Segundo, dando-se arras esponsalicias, como dinheiro ou coisas semelhantes. Terceiro, por meio do juramento. Se porém a referida promessa é feita condicionalmente, devemos distinguir ou a condição é honesta, como quando se diz: Eu te receberei se aprouver a meus pais; e então, vigorando a condição vigora a promessa, e não vigorando aquela também não pode vigorar a última. Ou é desonesta, e de dois modos o pode ser. Ou é contrária aos bens do casamento, como se disser: Eu te receberei se me deres um veneno para que fique estéril. ─ e então os esponsais não se contraem. Ou não é contrária aos bens do matrimônio, como se disser: Eu te receberei se consentires nos meus furtos, e então a promessa subsiste, mas não deve ser cumprida a condição.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Os próprios esponsais e a dação de fiadores é confirmação da promessa. Por isso se chamam esponsais a essa promessa, indicando assim o que há nela de mais perfeito.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Por força dessa promessa fica um obrigado a contrair matrimônio com o outro; e peca mortalmente quem não a cumprir, salvo se intervier um legítimo impedimento. Por isso, a Igreja obriga ao cumprimento da promessa, impondo penitência em caso contrário, pelo pecado cometido. Não há porém nenhuma coação no foro contencioso, porque os matrimônios coactos costumam dar maus resultados. ─ Salvo se intervier o juramento. Porque então, na opinião de certos, quem prometeu deve ser coagido a cumprir a promessa. Embora isso não pareça a outros, pela razão sobredita, sobretudo se se teme um uxoricídio.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Esses acréscimos à promessa não servem senão de confirmá-la. Por isso não diferem dela.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Essa condição acrescentada não elimina do matrimônio a liberdade. Pois, sendo desonesta, deve ser rejeitada. Se honesta, ou é em si mesma um bem, como quando se diz ─ Eu te receberei, se aprouver a meus pais, e essa condição não tira a liberdade aos esponsais e, antes, aumenta-lhes a honestidade. Ou representa um interesse, como quando se diz ─ Contrairei matrimônio contigo se me deres cem; e então essa condição não se entende como venda do consentimento ao matrimônio, mas como promessa de dote; por onde, não priva o casamento de ser livre. Às vezes porém acrescenta-se uma condição a modo de pena. E então, como o matrimônio deve ser livre, essa condição não tem valor; nem se pode exigir o cumprimento dessa pena, de quem não quiser realizá-lo.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Tiago não tem a intenção de proibir a ninguém fazer qualquer promessa, a ser cumprida no futuro; mas de a fazermos como se estivéssemos certos de viver sempre. Ensina por isso, que se deve acrescentar a condição ─ se Deus quiser, a qual embora não expressa por palavras deve sê-lo contudo de coração.
RESPOSTA À SEXTA. ─ No casamento podemos distinguir duas coisas: a união matrimonial em si mesma e o seu ato. A promessa verbal de consentir mais tarde na união matrimonial ou esponsais, deu origem ao nome de esposo. A segunda espécie de promessa torna esposo mesmo quem contratou casamento por palavras presentemente ditas; pois, por isso mesmo promete o ato do matrimônio. Contudo, os atos da primeira espécie é que produzem os esponsais propriamente ditos, que são uns sacramentais do matrimônio, como o exorcismo, do batismo.
O quarto discute-se assim. ─ Parece que a conjunção carnal é da integridade do matrimônio.
1. Pois, quando foi instituído o matrimônio, foi dito: Serão dois numa só carne. Ora, isto não é possível senão pela conjunção carnal. Logo, é esta a integridade do matrimônio.
2. Demais. ─ O pertinente à significação do sacramento é para a validade do sacramento, como se disse. Ora, a conjunção carnal pertence à significação do matrimônio, como diz o Mestre das Sentenças. Logo, é da integridade do sacramento.
3. Demais. ─ Este sacramento se ordena à conservação da espécie. Ora, a conservação da espécie não é possível sem a conjunção carnal. Logo, é da integridade do matrimônio.
4. Demais. ─ O matrimônio, enquanto sacramento, é um remédio contra a concupiscência, do qual diz o Apóstolo: Melhor é casar-se que abrasar-se, Ora, esse remédio não tem aplicação aos que não praticam a conjunção carnal. Logo, o mesmo que antes.
Mas, em contrário. ─ No paraíso houve matrimônio. Ora, não havia então conjunção carnal. Logo, a conjunção carnal não é da integridade do matrimônio.
2. Demais. ─ O sacramento, como o seu próprio nome o indica, implica a santificação. Ora, sem a conjunção carnal o matrimônio é mais santo, como diz a letra do Mestre. Logo, a conjunção carnal não é da integridade do matrimônio.
SOLUÇÃO. ─ Há duas espécies de integridade: uma constitui a perfeição primeira, consistente na existência mesma do ser; outra relativa à perfeição segunda que é a ação. Ora, a conjunção carnal é um ato; e usamos do matrimônio, que a legitima. Por isso essa conjunção pertencerá a integridade da segunda espécie e não à da primeira.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Adão falava da integridade do matrimônio quando às duas perfeições; pois, conhecemos uma coisa pela sua ação.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A significação da realidade contida é de necessidade para o sacramento. Ora, essa realidade não a exprime a conjunção carnal, mas antes, é a realidade não contida que a significa, como dissemos.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Nenhum agente chega ao seu fim senão pelos seus próprios atos. Por onde, o fato de o fim do matrimônio não poder ser alcançado sem a conjunção carnal, mostra que esta pertence à segunda espécie de integridade e não à primeira.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Antes de haver a conjunção carnal, o matrimônio já é um remédio, por causa da graça que confere, mas ainda não o é atualmente. Se-lo-à pela segunda espécie de integridade.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que o matrimônio não confere a graça.
1. Pois, segundo Hugo, os sacramentos, pela santificação, produzem a graça invisível. Ora, o matrimônio não implica essencialmente nenhuma santificação. Logo, não confere nenhuma graça.
2. Demais. ─ Todo sacramento que confere graça confere-a pela sua matéria e nela sua forma. Ora, os atos que constituem a matéria deste sacramento não são a causa da graça; pois, seria a heresia de Pelágio considerar os nossos atos como a causa da graça. Nem tão pouco são a causa da graça as palavras que exprimem o consentimento, pois, delas não resulta nenhuma santificação. Logo, o matrimônio de nenhum modo confere a graça.
3. Demais. ─ A graça destinada a curar a enfermidade do pecado, é necessária a todos os que dessa enfermidade padecem. Se, pois, o matrimônio conferisse a graça contra a enfermidade da concupiscência todos os homens deveriam contrair matrimônio. E seria então muito estulta a abstenção dele.
4. Demais. ─ Uma enfermidade não pode ter como remédio aquilo mesmo que a intensifica. Ora, o matrimônio torna mais intensa a concupiscência; pois, como diz o Filósofo, é insaciável o apetite da concupiscência e aumenta quando a satisfazemos. Logo, parece que o matrimônio não é remédio contra a concupiscência.
Mas, em contrário. a definição e o definido devem converter-se entre si. Ora, na definição do sacramento entra a causalidade da graça. Logo, sendo o matrimônio um sacramento será causa da graça.
2. Demais. ─ Agostinho diz, que o matrimônio é um remédio para doentes. Ora, não é remédio senão enquanto tem uma certa evidência. Logo, tem alguma eficácia para reprimir a concupiscência. Ora, a concupiscência não pode ser reprimida senão pela graça. Portanto, ele a confere.
SOLUÇÃO ─ Nesta matéria há tríplice opinião.
Certos (como o Mestre das Sentenças), disseram que o matrimônio de nenhum modo é causa da graça, mas apenas sinal dela. ─ Mas isto não é sustentável. Porque então nenhuma vantagem teria sobre os sacramentos da Lei Velha, não havendo portanto nenhuma razão para ser computado entre os sacramentos da Lei Nova. Pois, buscar remédio na satisfação da concupiscência, para não cairmos se ficássemos sujeitos a uma lei demasiado rigorosa, isso já o ato conjugal por si mesmo o realizava na vigência da Lei Velha.
Por isso outros (S. Alberto) ensinavam, que o matrimônio confere uma graça destinada a afastar do mal pois fica assim excusado um ato, que sem o matrimônio seria pecado. ─ Mas dizer isso não é o bastante, porque esse efeito também a lei antiga o produzia.
Por isso dizem, que o matrimônio afasta de mal, coibindo a concupiscência, para que esta não ultrapasse o bem do matrimônio; mas essa graça nenhum auxílio dá para usar bem do casamento. ─ Tal porém não pode ser. Pois, a mesma graça, que impede o pecado, inclina para o bem, assim como o mesmo calor, que expulsa o frio, aquece.
Por isso outros (S. Boaventura) ensinam que o matrimônio quando contraído com fé em Cristo, confere a graça que nos ajuda a proceder conforme a exigências do casamento. E isto é mais provável. Pois, sempre que Deus dá uma faculdade, dá também os auxílios de que precisamos para podermos usar bem dela. E assim o demonstraram todas ao potências da alma, a que correspondem certos órgãos do corpo, pelos quais podem exercer os seus atos. Por onde, como o matrimônio dá ao casado, por instituição divina, a faculdade de usar de sua mulher para a procriação dos filhos, confere também a graça de o poder fazer convenientemente, como também dissemos quando tratamos da ordem. E assim, essa graça dada é a última realidade contida neste sacramento.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Assim como a água do batismo tem a virtude, por causa do contacto que teve com a carne de Cristo, de tocar o corpo e purificar o coração, assim também o matrimônio produz o seu efeito por causa da paixão de Cristo, símbolo da união conjugal. Mas não que isso produzisse por ter a sua causa principal em qualquer santificação do sacerdote.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Assim como a água do batismo, juntamente com a forma das palavras, não coopera imediatamente para ser conferida a graça, mas para a impressão do caráter; assim também os atos externos e as palavras que exprimem o consentimento produzem diretamente um liame, que é o sacramento do matrimônio. E esse liame, por força da instituição divina, produz uma disposição para receber a graça.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A objeção seria procedente se não se pudesse aplicar um remédio mais eficaz contra a enfermidade da concupiscência. Ora, as obras espirituais e a mortificação da carne constituem um remédio mais eficaz, aplicado pelos que não usam do matrimônio.
RESPOSTA À QUARTA. ─ De dois modos podemos combater, a concupiscência. ─ Um consiste em lhe resistir, reprimindo-a na sua raiz mesma. E para isso serve o matrimônio, pela graça que confere. ─ Segundo, regulando o ato carnal. E isso de dois modos. Primeiro, fazendo com que o ato para o qual a concupiscência inclina não seja exteriormente desonesto; e isso se opera pelos bens do matrimônio, que legitimam a concupiscência da carne. Segundo, impedindo a turpitude do ato; e isso resulta da natureza mesma deste, pois, satisfazendo-se a concupiscência no ato conjugal, não nos incita ela a seções más. Por onde diz o Apóstolo, que melhor é casar-se do que abrasar-se. Pois embora os atos solicitados pela concupiscência sejam de natureza a excitá-la cada vez mais, contudo a reprimem, enquanto subordinados à razão; pois, atos semelhantes deixam disposições e hábitos semelhantes.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que o matrimônio não devia ser instituído antes do pecado.
1. Pois, o que é de direito natural não precisa ser instituído. Ora tal é o matrimônio, como do sobredito resulta. Logo, não precisava ser instituído.
2. Demais. ─ Os sacramentos são uns remédios contra a doença do pecado. Ora, um remédio não se prepara senão para curar uma doença. Logo, não devia ser instituído antes do pecado.
3. Demais. ─ Para um mesmo fim basta uma só instituição. Ora, o matrimônio foi instituído também depois do pecado, como diz a letra do Mestre. Logo, não foi instituído antes do pecado.
4. Demais. ─ A instituição de um sacramento pode ser feita por Deus. Ora, antes do pecado, as palavras referentes ao matrimônio não foram determinadamente proferidas por Deus, mas por Adão. Quanto às palavras pronunciadas por Deus ─ Crescei e multiplicai-vos, também se aplicam aos brutos, para os quais não há matrimônio, Logo, o matrimônio não foi instituído antes do pecado.
5. Demais. ─ O matrimônio é um sacramento da Lei Nova. Ora, os sacramentos da Lei Nova tiveram o seu início na instituição de Cristo. Logo, não devia o matrimônio ser instituído antes do pecado.
Mas, em contrário, o Evangelho: Não tendes lido que quem criou o homem desde o princípio fê-los macho e fêmea?
2. Demais. ─ O matrimônio foi instituído para a procriação dos filhos. Ora, já antes do pecado era necessário ao homem essa procriação. Logo, o matrimônio devia ser instituído antes do pecado.
SOLUÇÃO. ─ A natureza inclina para o matrimônio tendo em vista um bem, que varia segundo os diversos estados em que vivem, os homens. Por isso, e necessariamente, esse bem foi instituído diversamente conforme os diversos estados humanos. Por isso, o matrimônio, enquanto ordenado à procriação de filhos, necessária mesmo antes de existir o pecado, foi instituído antes do pecado. Mas enquanto remédio contra as lesões causadas pecado, foi instituído depois do pecado, no tempo da lei da natureza, Quanto porém à determinação de pessoas, a instituição teve lugar na lei de Moisés. Mas, enquanto representa o mistério da união entre Cristo e a Igreja, foi instituído, na Lei Nova, sendo assim sacramento dessa lei. Quanto enfim às outras vantagens resultantes do matrimônio, como a amizade e o obséquio recíproco que os cônjuges mutuamente se prestam, haure a sua instituição na lei civil. ─ Mas como um sacramento deve por essência ser um sinal e um remédio, o matrimônio é um sacramento em razão das instituições intermediárias de que foi objeto. Pela sua primeira instituição, porém foi estabelecido como uma função natural; e quanto à última, desempenha o papel de um ofício social.
D0NDE A RESPOSTA À PRIMEIRA ORAÇÃO. ─ O que é em geral de direito natural precisa ser instituído nas minúcias da sua aplicação, que correspondem diversamente aos diversos estados humanos. Assim é de direito natural que os crimes sejam punidos mas só o direito positivo determina a pena merecida por uma determinada culpa.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O matrimônio não é só um remédio contra o pecado, mas sobretudo uma função da natureza. Por isso, como tal e não como remédio, é que foi instituído antes do pecado.
RESPOSTA À TERCEIRA. - Sendo necessário regulamentar o casamento de maneiras diversas, não há inconveniente em que tenha tido várias instituições. E assim essas instituições diversas não coincidem na identidade de objeto.
RESPOSTA À QUARTA. ─ O matrimônio foi instituído por Deus antes do pecado, quando formou o corpo da mulher de uma costela de Adão, dando-lhe a este como companheira e dizendo-lhes: Crescei e multiplicai-vos, O que, embora também o tivesse dito aos animais, não deviam eles contudo ser realizados por eles do mesmo modo por que o foram pelos homens. Quanto a Adão, foi por inspiração divina que pronunciou essas palavras, para que compreendesse que a instituição do matrimônio foi feita por Deus.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Enquanto sacramento da Lei Nova, o matrimônio não foi instituído antes de Cristo, como do sobredito se colhe.
O primeiro discute-se assim. ─ Parece que o matrimônio não é sacramento.
1. Pois, todo sacramento da Lei Nova tem uma forma que é da essência dele. Ora, a bênção dada pelo sacerdote nas núpcias não é da essência do matrimônio. Logo, não é sacramento.
2. Demais. ─ O sacramento, segundo Hugo, é um elemento material. Ora, o matrimônio não tem por matéria nenhum elemento material. Logo, não é sacramento.
3. Demais. ─ Os sacramentos tiram da paixão de Cristo a sua eficácia. Ora, pelo matrimônio não nos conformamos com a paixão de Cristo, que foi uma pena; pois o matrimônio é acompanhado de prazer. Logo, não é sacramento.
4. Demais. ─ Todo sacramento da Lei Nova realiza o que figura. Ora, o matrimônio não opera a conjunção entre Cristo e a Igreja, que significa. Logo, o matrimônio não é sacramento.
5. Demais. ─ Nos outros sacramentos há a realidade e o sacramento. Ora, tal não pode dar-se com o matrimônio, que não imprime caráter; do contrário não seria reiterado. Logo, não é sacramento.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Este sacramento é grande. Logo, etc.
2. Demais. ─ Um sacramento é sinal de uma coisa sagrada. Ora, tal é o matrimônio. Logo, etc.
SOLUÇÃO ─ O sacramento tem por fim ministrar um remédio de santificação contra o pecado, remédio que se apresenta sob sinais sensíveis. Ora, como tal se dá com o matrimônio, é contado entre os sacramentos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ As palavras com que se exprime o consentimento matrimonial são as formas deste sacramento; mas não a bênção sacerdotal, que é um sacramental.
RESPOSTA À SEGUNDA ─ O sacramento do matrimônio se consuma pelo ato de quem o recebe, assim como a penitência. Por onde, como a penitência não tem outra matéria senão os dotes mesmos que caem sob o domínio dos sentidos e que tem lugar de elemento material, assim também se dá com o matrimônio.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Embora pelo matrimônio não nos conformemos com a paixão de Cristo como pena, conformamo-nos porém com ela pela caridade com que Cristo sofreu pela Igreja que se lhe ia unir como esposa.
RESPOSTA À QUARTA. ─ A união entre Cristo e a Igreja não é a realidade contida neste sacramento, mas a realidade significada mas não contida; e essa realidade nenhum sacramento a produz. Mas tem outra realidade contida e significada que produz, como dissemos. ─ O Mestre porém se refere à realidade não contida, por pensar que o matrimônio não é causa de uma realidade que possa conter.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Também o sacramento do matrimônio encerra esses três elementos. Porque o que constitui só o sacramento são os atos externos aparentes; a realidade e sacramento é o laço resultante de tais atos, que prendem o homem à mulher; a realidade última contida é o efeito deste sacramento; e a não contida é a realidade, que designa o Mestre.
O quarto discute-se assim. - Parece que o ato matrimonial não é meritório.
1. Pois, Crisóstomo diz: O Matrimônio, embora não seja causa de pena para quem dele usa, contudo não dá lugar a nenhuma recompensa. Ora, o mérito supõe a recompensa, Logo, o ato matrimonial não é meritório.
2. Demais. ─ Não é louvável deixar de praticar o que é meritório. Ora a virgindade pela qual não abraçamos o matrimônio, é louvável. Logo, o ato matrimonial não é meritório.
3. Demais.-- Quem usa de uma indulgência que é feita usa do benefício recebido. Ora, ninguém merece pelo só fato de prestar a outrem um benefício. Logo, o ato matrimonial não é meritório.
4. Demais. ─ O mérito, como a virtude, supõe uma dificuldade. Ora, o ato matrimonial não implica nenhuma dificuldade, mas antes, é acompanhado de prazer. Logo, não é meritório.
5. Demais. ─ O que não se pode fazer sem pecado venial nunca é meritório; pois, não podemos ao mesmo tempo merecer e desmerecer. Ora, no ato matrimonial há sempre pecado venial, porque já o primeiro movimento que eleva seu prazer, é pecado venial. Logo, o referido ato não pode ser meritório.
Mas, em contrário. ─ Todo ato praticado para cumprir um preceito é meritório, quando feito com caridade, Ora, tal é o ato matrimonial, conforme o dito do Apóstolo: o marido pague à sua mulher o que lhe deve. Logo, etc.
2. Demais ─ Todo ato de virtude é meritório. Ora, o referido ato é de justiça, pois o Apóstolo diz: Pagamento do débito. Logo, é meritório.
SOLUÇÃO. ─ Como nenhum ato vindo da vontade deliberada é indiferente, como dissemos no livro 2, o ato matrimonial é sempre pecado, ou meritório em quem tem a graça. Por onde, se o que induz ao ato matrimonial é a virtude ─ da justiça, para pagar o débito; ou da religião, para procriar filhos, que sirvam ao culto de Deus é meritório. Mas praticar esse ato só por prazer, apesar de ser no regime do matrimônio e de não se desejar outra mulher senão a legítima, seria pecado venial. Se porém se propusesse praticá-la com qualquer mulher, mesmo fora do matrimônio, seria pecado mortal. Pois a natureza não pode mover senão do ordenado pela razão, sendo nesse caso o ato virtuoso; ou do não-ordenado por ela, e então o movimento será para um ato libidinoso.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A raiz do mérito, quanto ao prêmio substancial, é a caridade mesmo. Mas, quanto ao prêmio acidental a razão do mérito esta na dificuldade do ato. Ora, não neste último sentido, mas no primeiro, é que o ato do matrimônio é meritório.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Podemos merecer tanto por bens menores que por maiores. Por onde, quando deixamos de praticar um bem menor, para fazermos o maior, merecemos louvor, por termos deixado de praticar o ato menos meritório.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A indulgência às vezes recai sobre os males menores. Assim, permite-se o ato do matrimônio quando a, ele conduz a concupiscência, contanto que fique nos limites do matrimônio, sendo então pecado venial. Mas cumprir o ato matrimonial por virtude é meritório; e neste caso não se trata propriamente de indulgência, salvo se se entender por indulgência a permissão de praticar uma ação menos boa, o que seria antes uma concessão. Nem há inconveniente em que mereça quem usa dessa concessão; porque o bom uso dos benefícios de Deus é meritório.
RESPOSTA À QUARTA. ─ A dificuldade dos trabalhos é necessária para ganharmos o mérito do prêmio acidental. Mas, o mérito do prêmio essencial exige antes a dificuldade consistente em manter na ordem o meio que conduz ao fim. Tal o que se dá com o mérito do ato matrimonial.
RESPOSTA À QUINTA ─ O primeiro movimento, enquanto chamado pecado venial, é o do apetite para algum prazer desordenado, O que não se dá com o ato matrimonial. Logo, a objeção não colhe.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que o ato matrimonial sempre é pecado.
1. Pois, diz o Apóstolo: Os que têm mulheres sejam como se as não tivessem. Ora. os que não tem mulheres não praticam o ato matrimonial. Logo nem os que as tem pecam praticando esse ato.
2. Demais. ─ Diz a Escritura: as nossas iniquidades são as que fizeram uma separação entre vós e o vosso Deus. Ora, o ato matrimonial separa o homem de Deus; por isso a Lei ordenava ao povo que devia ver a Deus, que não se chegassem as suas mulheres. E Jerônimo afirma que no ato matrimonial o Espírito Santo não toca o coração dos profetas. Logo é pecaminoso.
3. Demais. ─ O que é em si mesmo mau de nenhum modo pode dar lugar a urna prática virtuosa. Ora, o ato matrimonial e inseparável da concupiscência que é sempre má. Logo, sempre é pecado.
4. Demais. ─ Só o pecado é que precisa de escusas. Ora, o ato matrimonial precisa ser escusado pelos bens do matrimônio. Logo, é pecado.
5. Demais. ─ Coisas especificamente e semelhantes são objeto de um mesmo juízo. Ora, o concúbito matrimonial é da mesma espécie que o ato do adultério, porque produz o mesmo efeito ─ a espécie humana. Logo, sendo o ato do adultério pecado, o do matrimônio também o é.
6. Demais. ─ O excesso nas paixões destrói a virtude. Ora, sempre há no ato matrimonial excesso de prazer, a ponto de absorver a razão, principal bem do homem. Por isso o Filósofo diz que é impossível o homem ter qualquer compreensão durante tal prazer. Logo, o ato matrimonial sempre é pecado.
Mas, em contrário, ─ O Apóstolo diz: A donzela não peca, se casar. E ainda: Quero pois que as que são moças se casem, criem filhos. Ora, a procriação de filhos não é possível sem a conjunção carnal. Logo, o ato matrimonial não é pecado; do contrário o Apóstolo não o quereria.
2. Demais. ─ Nenhum pecado pode ser objeto de preceito. Ora, o ato matrimonial é objeto de preceito como diz o Apóstolo: O marido pague à sua mulher o que lhe deve. Logo, não é pecado.
SOLUÇÃO ─ Suposto que a natureza corpórea foi instituída por um Deus bom, é impossível afirmar que o concernente à conservação dessa natureza e aquilo a que a natureza inclina sejam males, universalmente falando. Por isso, sendo a procriação de filhos uma inclinação natural, pela qual se conserva a natureza da espécie, é impossível considerar como universalmente ilícito o ato da procriação de filhos, de modo que não possa realizar a mediedade da virtude. Salvo se admitirmos a insânia dos que dizem, que as coisas corruptíveis foram criadas por um Deus mau. Donde talvez deriva a opinião a que alude o Mestre, a qual é por isso uma péssima heresia.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Com essas palavras o Apóstolos não quis proibir o ato matrimonial; nem a posse de bens materiais, quando disse: Os que usam deste mundo sejam como se dele não usassem; mas o que pretendeu, em ambos os casos, foi proibir o prazer. O que resulta das suas próprias expressões. Assim, não disse ─ não usem, ou, não tenham; mas ─ como se não usassem, ou, como se não a tivessem.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Nós nos unimos com Deus pelo hábito da graça e pelo ato da contemplação e do amor. Por onde, tudo o que impede a primeira união é sempre pecado. Mas nem sempre o é o que impede a segunda; pois qualquer ocupação lícita com as coisas inferiores dissipa a alma e a torna incapaz de se unir atualmente com Deus. O que sobretudo se dá com a conjunção carnal que trava a mente por causa da intensidade do prazer. Por isso, os que se deram à contemplação das coisas divinas ou ao trato dos sacramentos se lhes impôs que quando a isso se entreguem, se abstenham das suas mulheres. E é também essa a razão por que Escritura diz, que o Espírito Santo, quanto ao ato da revelação dos seus segredos não tocava a mente dos profetas no uso do matrimônio.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Esse mal da concupiscência do qual é inseparável o ato matrimonial não é o mal da culpa, mas o da pena, procedente do pecado original, e que consiste em as potências inferiores e os membros do corpo não obedecerem à razão. Por isso a objeção não colhe.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Dizemos em sentido próprio que é escusado o que tem alguma semelhança de mal, sem contudo o ser, ou não o ser tanto quanto parece. E então há lugar para uma escusa total ou somente parcial. Ora, o ato matrimonial tendo por causa da corrupção da concupiscência, a semelhança de um ato desordenado, é por isso escusado pelos bens do matrimônio, de todo mal, de modo a não ser pecado.
RESPOSTA À QUINTA ─ Embora os atos referidos tenham a mesma espécie natural diferem contudo de espécie moral, que faz variar a circunstância de ser a conjugação com a mulher própria ou alheia. Assim também o homicídio por violência ou por justiça diversifica a espécie moral, embora sejam atos da mesma espécie natural. E contudo um é lícito e o outro ilícito.
RESPOSTA À SEXTA ─ O excesso da paixão, que corrompe a virtude, não só impede ato da razão, mas ainda subverte a ordem racional. O que não produz a intensidade do prazer no ato matrimonial, porque embora durante ele haja desordem no homem, é contudo preordenado pela razão.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que o matrimônio ainda é de preceito.
1. Pois, um preceito obriga enquanto não revogado. Ora, o matrimônio quando foi instituído era de preceito, como diz a letra do Mestre; e em nenhum lugar lemos que esse preceito foi revogado; pelo contrário, foi confirmado, segundo lemos no Evangelho: O que Deus uniu o homem não separe. Logo, o matrimônio ainda é de preceito.
2. Demais. ─ Os preceitos de direito natural obrigam em todo tempo. Ora, o matrimônio é de direito natural, como se disse. Logo, etc.
3. Demais. ─ O bem da espécie é melhor que o do indivíduo: pois, o bem comum é mais divino que o particular, como diz Aristóteles. Ora, o preceito dado ao primeiro homem de conservar, pela alimentação, a sua própria existência, ainda vigora. Logo, e com maior razão o preceito sobre o matrimônio, que concerne à conservação da espécie.
4. Demais. ─ Enquanto subsiste a razão de uma obrigação esta permanece a mesma. Ora: os homens estavam antigamente obrigados ao matrimônio, a fim de não cessar a multiplicação do gênero humano. Portanto como isto se daria se todos se abstivessem do matrimônio, parece que este continua a ser de preceito.
Mas, em contrário, o Apóstolo: O que não casa a sua filha donzela faz melhor, isto é, que quem na casa. Logo. já não é de preceito o contrato de matrimônio.
2. Demais - Ninguém que transgrida um preceito, merece um prêmio. Ora, às virgens é devido o prêmio de uma auréola especial. Logo o matrimônio não é de preceito.
SOLUÇÃO. ─ A natureza nos inclina para duas espécies de bens. ─ Uns necessários à perfeição individual. E tal inclinação obriga a cada um, porque as perfeições naturais são comuns a todos. ─ Outra inclinação natural é ao necessário ao bem comum E como esses bens são variados e contrariam um aos outros, tal inclinação não nos obriga como preceito; do contrário cada um estaria obrigado a ser agricultor, construtor e a ofícios semelhantes necessários à comunidade humana. A
inclinação da natureza fica porém satisfeita, quando esses diversos ofícios são exercidos por diversos. ─ Ora, a perfeição da sociedade humana necessariamente requer que haja quem viva uma vida contemplativa ao que o matrimônio opõe um grande obstáculo. Por isso a inclinação da natureza ao matrimônio não obriga sob forma de preceito, mesmo segundo os Filósofos. Assim, Teofrasto prova que o sábio não deve casar.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Esse preceito não foi revogado. Nem obriga a cada um em particular pela razão já aduzida; salvo quando o pouco número dos homens exigia que cada um contribuísse para a procriação.
RESPOSTA À SEGUNDA E À TERCEIRA ─ A resposta se deduz do que foi dito.
RESPOSTA À QUARTA. ─ A natureza humana em geral inclina a funções e atos diversos, como já se disse. Mas como se manifesta diversamente nos diversos indivíduos, enquanto individuada por um ou por outro, inclina a um sobretudo para uma função, e outro para outra. E desta diversidade, em cooperação com a providência divina, moderadora de todas as coisas, resulta que um escolhe um ofício, como a agricultura, e outro, outro. Donde também resulta que uns escolhem a vida matrimonial e outros a contemplativa. E disso não advém nenhum perigo.