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Art. 2 ─ Se o Mestre das Sentenças determinou com acerto os bens do casamento: a fidelidade, os filhos e o Sacramento.

O segundo discute-se assim. ─ Parece que o Mestre das Sentenças não determinou com acerto os bens do casamento; a fidelidade, os filhos e o sacramento.

1. Pois, os homens não casam só com o fim de ter filhos e criá-los, mas como um consórcio de toda a vida, partilhando-lhe os trabalhos como diz Aristóteles. Logo, assim como coloca os filhos entre os bens do matrimônio, também devia neles incluir a partilha dos trabalhos.
 
2. Demais. ─ A união entre Cristo e a Igreja, de que o casamento é o símbolo, se perfaz na caridade. Logo, entre os bens do matrimônio devia incluir, antes, a caridade que a fidelidade.

3. Demais. ─ O matrimônio, assim como proíbe a qualquer dos cônjuges ter relações carnais com outra pessoa, assim também exige que um pague ao outro o seu débito. Ora, o primeiro dever é imposto pela fidelidade, no dizer do Mestre. Logo, por causa do pagamento do débito, a justiça devia ser enumerada entre os bens do matrimônio.

4. Demais. ─ O matrimônio, sendo símbolo da união entre Cristo e a sua Igreja, há de ser indissolúvel e ter portanto unidade, de modo que seja a união entre um homem e uma mulher. Ora, o sacramento, computado entre os três bens do casamento, concerne a indissolubilidade. Logo, devia acrescentar um outro bem, concorrente à unidade.
 
Mas, em contrário. ─ A enumeração do Mestre parece excessiva. Porque uma só virtude basta a tornar virtuosa uma só ação. Ora, a fidelidade é uma só virtude. Logo, não devia acrescentar os dois outros bens para justificar o matrimônio.

2. Demais. ─ O útil e o honesto não tem a mesma razão de ser, pois se dividem um do outro por contrariedade. Ora, o matrimônio é útil por causa dos filhos que gera. Logo, os filhos não devem ser contados entre os bens justificativos do matrimônio.

3. Demais. ─ Nada deve ser considerado como propriedade ou condição de si mesmo. Ora, os referidos bens são aduzidos como umas condições do matrimônio. Logo, sendo o matrimônio um sacramento, não deve o sacramento ser computado entre os bens do matrimônio.

SOLUÇÃO. ─ O matrimônio é tanto uma função da natureza como um sacramento da Igreja. Ora, como função da natureza, se ordena para dois fins, como qualquer outro ato de virtude. Desses, um é exigido do agente, a saber, a intenção posta no fim devido. E então se consideram os filhos como um dos bens do matrimônio. ─ Outro é o fim a que deve o ato subordinar-se, que deve ser unicamente bom por se exercer sobre a sua matéria própria. E tal é a fidelidade que adstringe o marido a ter relação com sua mulher e não com outra. Mas além disso o casamento ainda tem outra bondade como sacramento. E tal o significa a denominação mesma de sacramento.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Por filhos se entende não só a procriação, mas também a educação deles, para a qual, como para o fim, se ordenam todos os trabalhos partilhados por marido e mulher, enquanto unidos pelo matrimônio. Pois, os pais naturalmente entesouram para os filhos, na expressão do Apóstolo. E assim, os filhos são como o fim principal, que inclui o secundário.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A fidelidade não é tomada aqui como a virtude teologal da fé, mas como parte da justiça, enquanto significa a realização das coisas ditas, para se ficar fiel às promessas. O casamento sendo, pois, um contrato, é uma promessa de um determinado homem a se unir com uma determinada mulher.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Assim como, pela promessa de casamento, cada um se obriga a não ter relações com pessoa estranha, assim também a pagar mutuamente o débito. E esta obrigação é até mais essencial, por ser a consequência do poder que os esposos mutuamente se conferem um sobre o outro. Por isso esses dois compromissos se incluem na fidelidade. O texto das Sentenças porém menciona apenas o compromisso menos manifesto.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Pela palavra sacramento não devemos entender só a indissolubilidade, mas também todas as consequências resultantes de significar o casamento a união de Cristo com a sua Igreja. ─ Ou devemos responder, que a unidade a que a objeção se refere, concerne à fidelidade, como a indivisão ao sacramento.

RESPOSTA À QUINTA. ─ A fidelidade não é tomada aqui por nenhuma virtude particular, mas por uma condição da virtude, donde tira ela a sua denominação, considerada como parte da justiça.

RESPOSTA À SEXTA. ─ Assim como o uso moderado de um bem útil assume a natureza de honesto, não por ser útil, mas pela razão que torna o uso reto, assim também a destinação de uma coisa para um bem útil pode torná-la boa e virtuosa, em virtude da razão que lhe dá um destino conveniente. E assim o matrimônio desde que se ordena à procriação de filhos, é um bem ao mesmo passo útil e honesto, enquanto devidamente ordenado.
 
RESPOSTA À SETIMA. ─ Como ensina o Mestre, sacramento aqui não significa o matrimônio mesmo, mas a sua indissolubilidade, sinal da mesma realidade que o casamento. ─ Ou devemos responder, que embora o matrimônio seja um sacramento, uma coisa é ser ele o que é, e outra, ser sacramento; pois não foi instituído só para ser o sinal de uma coisa sagrada, mas também para ser uma função da natureza. Por onde, a qualidade de sacramento é uma condição acrescida ao matrimônio em si mesmo considerado, donde também tira a sua legitimidade. Por isso a sua sacramentalidade para assim dizermos, se enumera entre os bens que o legitimam. Eis porque pelo terceiro bem do matrimônio ─ o de ser um sacramento ─ não só se entende a indissolubilidade, mas ainda tudo o que lhe concerne a significação.

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