Category: Santo Tomás de Aquino
O undécimo discute-se assim. ─ Parece que em tal causa não se deve, como nas outras, proceder à audição de testemunhas.
1. Pois, nas outras causas são trazidos a testificar os que estão acima de toda suspeita. Ora, aqui não se admitem estranhos, embora acima de toda suspeita. Logo, etc.
2 . Demais. ─ As testemunhas suspeitas de ódio ou amor particular não se lhes aceita o testemunho. Ora, os parentes, sobretudo, podem ser suspeitos de amor por uma parte e de ódio por outra. Logo, não se lhes devem ouvir os testemunhos.
3. Demais. ─ O matrimônio goza do favor do direito mais que as outras causas, que recaem sobre coisas puramente corpóreas. Ora, nessas ninguém pode ser ao mesmo tempo testemunha e acusador. Logo, nem no matrimônio. Logo, não parece bem que nessa causa se proceda por audição de testemunhas.
Mas, em contrário. ─ Chamam-se testemunhas num processo a fim de poder o juiz formar o seu juízo sobre o objeto dele. Ora, o juiz dever formar seu juízo, nesta causa, do mesmo modo por que forma em todas as outras; pois, não deve dar sentença precipitada em matéria ainda não esclarecida. Logo, deve-se proceder nesta causa, como nas outras, por audição de testemunhas.
SOLUÇÃO. ─ Nesta causa, como nas outras, é preciso tornar patente a verdade pela audição de testemunhas. Contudo, esta como dizem os juristas, é susceptível de muitas regras particulares. Assim, pode uma, mesma pessoa ser acusador e testemunha; não há necessidade de jurar que não se dirá nenhuma calúnia, por ser um processo espiritual; os parentes podem ser admitidos a testificar; não se observa com exatidão o processo judiciário, pois, feita a denúncia, o réu contumaz pode ser excomungado, embora a lide não tenha ainda sido contestada; é aceito o testemunho por ouvir dizer; e depois de publicados os nomes das testemunhas outras ainda podem ser convocadas. E tudo isto é feito por se impedir o pecado, fácil de ser cometido num contrato de casamento.
O décimo discute-se assim. ─ Parece que para dirimir o casamento contraído entre afins e consangüíneos, não deve-se proceder por via de acusação.
1. Pois, a acusação é precedida pela inscrição que obriga a sofrer a pena de talião ao acusador, se não conseguir provar a acusação. Ora, isto não é necessário fazer-se, quando se trata de dirimir um casamento.
2. Demais. ─ Nas causas matrimoniais só se ouvem os parentes, como diz o Mestre. Ora, nas acusações se ouvem também os estranhos. Logo, numa causa de ruptura do casamento não se deve proceder por via de acusação.
3. Demais. ─ Se numa causa matrimonial se devesse proceder por via de acusação, então isso se deveria fazer sobretudo quando menos difícil fosse a ruptura. Ora, tal se dá enquanto os esponsais estão simplesmente contraídos. Ora, não é nesse momento que o matrimônio é impugnado. Logo, não se deverá mais tarde proceder por via de acusação.
4. Demais. ─ Ninguém fica proibido de fazer uma acusação pelo fato de não havê-la feito imediatamente. Ora, tal se dá no casamento; pois, quem se calou quando se contraía o matrimônio, não pode depois acusá-lo de se ter tornado suspeito. Logo, etc.
Mas, em contrário. ─ Tudo o que é ilícito pode ser atacado. Ora, o matrimônio entre afins e consangüíneos é ilícito. Logo, pode ser objeto de uma acusação.
SOLUÇÃO ─ A acusação foi instituída, para não ser tratado como inocente quem tem culpa. Ora, assim como por ignorância de fato pode vir a ser reputado inocente quem é culpado, assim, por ignorância de uma circunstância também podemos considerar lícito um fato ilícito. Logo, como um homem pode ser acusado, também o pode um fato. E assim o matrimônio é acusado quando, por ignorância de impedimento, considera-se legítimo o ilegítimo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A obrigação de sofrer a pena de talião tem lugar quando se acusa uma pessoa por um crime cometido; porque então se trata de punir o criminoso. Mas quando se acusa um fato, então não se trata de impor uma pena ao seu autor, mas de impedir o ilícito. Por isso quem acusa um matrimônio a nenhuma pena se obriga; mas tal acusação pode ser feita tanto verbalmente como por escrito, de modo que fique expressa a pessoa que acusa o matrimônio e o impedimento por causa do qual é ele acusado.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os estranhos não podem saber de um parentesco, senão mediante os consangüíneos, dos quais é mais provável que saibam. E assim de calarem-se esses nasce a suspeita que o estranho procede por malevolência, salvo se quiser recorrer, na sua prova, aos consangüíneos. Por isso sua acusação é rejeitada, quando os parentes se calam, eles mediante quem a prova não pode ser feita. Os parentes porém, por mais parentes que sejam, não tem a sua acusação rejeitada, quando impugnam um matrimônio, fundados num impedimento perpétuo, que o impede de ser contraído e o dirimem quando já contraído. Mas quando se acusa um casamento, alegando como razão, que não foi contraído, então devem ser afastados os parentes, como suspeitos; salvo se uma das partes está em situação mais inferior em dignidade e riquezas, e dos quais se pode pensar com probabilidade que preferiram antes que o matrimônio subsistisse.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Quando o matrimônio ainda não foi contraído, mas só os esponsais, não pode ser acusado; pois, não se acusa o que não existe. Mas pode ser denunciado o impedimento, a fim de não ser ele contraído.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Quem primeiro se calou, ora é admitido a acusar mais tarde o matrimônio, se quiser fazê-lo, ora não. O que resulta de uma decretal, que determina: Aparecendo um acusador, depois de contraído o matrimônio, que não veio a público quando o casamento tinha os seus bandos publicados na Igreja, segundo o costume, podemos com razão perguntar se a sua voz acusadora deve ser ouvida. A isso respondemos que, se no tempo da referida publicação quem impunha o matrimônio estava fora da diocese, ou não pode essa publicação chegar ao seu conhecimento, por estar nesse momento gravemente doente, ou por não estar no uso das suas faculdades, ou por não estar em condições de compreender tais coisas por causa da sua idade pouco avançada ou em virtude de outro obstáculo, deve-se lhe então ouvir a acusação. Do contrário deve ser, sem nenhuma dúvida, repelido como suspeito; salvo se afirmar sob juramento, que soube mais tarde do impedimento, que denuncia, e que não procede por malícia.
O nono discute-se assim. ─ Parece que nem sempre deve ser rompido o casamento contraído entre afins ou consangüíneos.
1. Pois, não separe o homem o que Deus ajuntou. Ora, como devemos pensar que Deus faz o que faz a Igreja, que bem pode unir esses tais, sem o saber, parece que se depois vier a sabê-lo, não deve o casamento ser roto.
2. Demais. ─ Mais privilegiado é o vínculo do matrimônio que o do domínio. Ora, pela prescrição de longo tempo, adquirimos o domínio daquilo de que não éramos dono. Logo, um tempo diuturno ratifica o matrimônio, mesmo se antes não estava ratificado.
3. Demais. ─ Devemos julgar do mesmo modo coisas semelhantes. Ora; se o matrimônio devesse ser dirimido por causa de parentesco, então no caso de dois irmãos terem casado com duas irmãs, se um deve separar-se da mulher por motivo de parentesco, também o deverá o outro, pela mesma razão. Ora, tal não se dá. Logo, o matrimônio não deve ser roto, por afinidade ou consangüinidade.
Mas, em contrário. ─ A consangüinidade e a afinidade impedem contrair matrimônio e dirimem o matrimônio contraído. Logo, provada a afinidade ou a consangüinidade, devem ser separados os esposos, mesmo depois de casados.
SOLUÇÃO. ─ Todo comércio carnal, fora do matrimônio lícito é pecado mortal, e a Igreja de todos os modos procura impedi-lo. Por isso lhe compete separar aqueles que não podiam ter contraído verdadeiro casamento, sobretudo se consangüíneos e afins, que sem incesto não podem praticar a conjunção carnal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A Igreja, embora, fundada no dom e na autoridade de Deus, contudo, enquanto sociedade de homens, pode sofrer na sua atividade da deficiência humana, sem que se possa por isso acusar a Deus. Por isso, a união celebrada à face da Igreja, mas ignorando-lhe ela o impedimento, não se torna inseparável por autoridade divina; pois, foi ela induzida em erro humano, contra a autoridade divina; o que escusa de pecado, enquanto esse erro subsiste, por ser de fato. Por onde, quando o impedimento chegar ao conhecimento da Igreja, essa união deve ser rôta.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Obras que não podem ser feitas sem pecado nenhuma prescrição é capaz ele as justificar. Porque, como diz Inocêncio III, a diuturnidade temporal, longe de diminuir o pecado, o aumenta. Nem aproveitam em nada, no caso, as prerrogativas do matrimônio, que não pode subsistir entre pessoas inábeis para contraí-lo.
REPOSTA À TERCEIRA. ─ Atos praticados entre umas ou mais pessoas não podem prejudicar a terceiros, no foro contencioso. Por isso, quando de dois irmãos o matrimônio de um não é válido, que casou com uma, de duas irmãs por causa de parentesco; nem por isso a Igreja anula o matrimônio do outro, que não foi acusado. Mas no foro da consciência, também não há de necessariamente e sempre ser, por isso, o outro irmão obrigado a repudiar sua mulher. Porque frequentemente tais acusações procedem da malevolência e são provadas por testemunhas falsas. Esse homem não fica portanto obrigado a formar a sua consciência, pelo que se passou com o casamento de seu irmão. Mas aqui é preciso distinguir. Pois, ou conhece de modo certo o impedimento ao matrimônio, ou o suspeita, ou o ignora. No primeiro caso não deve exigir nem cumprir o dever conjugal, no segundo, deve cumprir, mas não exigir, no terceiro, tanto pode cumprir como exigir.
O oitavo discute-se assim. ─ Parece que os graus de afinidade não tem a mesma extensão que os de consangüinidade.
1. Pois, o vínculo da afinidade é mais forte que o da consangüinidade; porque a afinidade é causada pela consangüinidade, mas dela difere segundo a sua espécie, como o efeito de uma causa equívoca. Ora, quanto mais forte é um vínculo tanto mais diuturna é a sua duração. Logo, o vínculo da afinidade não se estende até o mesmo número de graus a que se a consangüinidade estende.
2. Demais, ─ O direito humano deve imitar o divino. Ora, segundo o direito divino, certos graus de consangüinidade impediam o matrimônio, e contudo esses mesmos graus na afinidade não o impediam. Tal o caso do homem que, podendo casar com a mulher de seu irmão, não podia, porém fazê-lo com a sua própria irmã. Logo, também agora não deveriam constituir proibições iguais a afinidade e a consangüinidade.
Mas, em contrário. ─ O fato mesmo de uma mulher ser casada com um meu parente a torna minha afim. Logo, qualquer grau de parentesco existente entre mim e o seu marido também a torna minha afim. E assim, os graus de afinidade devem contar-se no mesmo número que os de consangüinidade.
SOLUÇÃO. ─ Desde que os graus de afinidade se fundam no da consangüinidade, resulta necessariamente serem tantos os daquela quantos os desta. Contudo, sendo a afinidade um vínculo menos forte que o da consangüinidade, mais fácil tanto outrora como atualmente, é dispensar nos graus remotos da afinidade que nos mesmos, da consangüinidade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O ser menos forte o vínculo da afinidade, que o da consangüinidade é causa das variedades do gênero do parentesco, mas não dos graus. Logo, a objeção feita não vem a propósito.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Um irmão não podia casar com a viúva de seu irmão, senão no caso de este morrer sem filhos, a fim de se lhe não extinguir a posteridade. Isso era então necessário, quando pela geração carnal se multiplicava o culto da religião, o que já se não dá agora. Por onde é claro não a desposava, como em seu próprio nome, mas quase por suprir a falta do irmão.
O sétimo discute-se assim. ─ Parece que em si mesma também a afinidade tem graus.
1. Pois, todo parentesco comporta, em si mesmo, certos graus. Ora, a afinidade é um parentesco. Logo, tem em si mesma graus, independente dos graus do parentesco que a geram.
2. Demais. ─ O mestre diz, que os filhos do segundo casamento não podem unir-se com os parentes afins do primeiro marido. Ora, isto não se daria se os filhos de pais, por afinidade, também não se tornassem afins entre si. Logo, a afinidade, em si mesma, tem graus.
Mas, em contrário. ─ A afinidade é causada pela consangüinidade. Logo, todos os graus de afinidade são causados pelos graus de consangüinidade. Portanto, não tem em si mesma graus.
SOLUÇÃO. ─ Uma coisa não é susceptível de divisão essencial, senão em razão do que lhe convém genericamente; assim, o animal se divide em racional e irracional e não em branco e preto. Ora, a geração carnal é essencial à consangüinidade, porque por ela imediatamente se contrai o vínculo do parentesco; ao passo que a afinidade não respeita à geração senão mediante a consangüinidade, que é a sua causa. Por onde, como os graus de parentesco dependem do número das gerações, a distinção dos graus, essencial e imediatamente depende da consangüinidade; e, mediante esta, da afinidade. Portanto, a regra geral para se determinar o grau de afinidade é a seguinte: tantos graus de consangüinidade me separam do marido, quantos me separam da sua mulher.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Os graus de parentescos não podem ser contados senão tomando em consideração as linhas ascendente e descendente, a que não se refere a afinidade senão mediante a consangüinidade. Logo, a afinidade não tem em si mesma graus, senão tomados em conjunto com os de consangüinidade.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O filho, por segundo matrimônio, com uma mulher minha afim, era considerada meu afim, pelo direito antigo, não essencialmente falando, senão só por acidente. Por isso, não podia casar com os parentes do primeiro marido, mais por uma razão de honestidade pública do que por afinidade. Por isso, também essa proibição deixou atualmente de existir.
O sexto discute-se assim. ─ Parece que a afinidade não impede o matrimônio.
1. Pois, só impede o matrimônio o que lhe é contrário. Ora, a afinidade sendo efeito do matrimônio, não o contraria, Logo, não o impede.
2. Demais. ─ Pelo matrimônio a mulher se torna uma como coisa do marido. Ora, os parentes do marido defunto lhe sucedem nos bens. Logo, podem também receber como sucessão a viúva. E contudo mantém afinidade com ela como se demonstrou. Logo, a afinidade não impede o matrimônio.
Mas, em contrário, a Escritura: Não descubrirás a fealdade da mulher de teu pai. Ora, essa esposa é somente afim. Logo, a afinidade impede o matrimônio.
SOLUÇÃO. ─ A afinidade precedente ao matrimônio impede-o de ser contraído e diminui o já contraído, pela mesma razão por que o faz o parentesco. Pois, a necessidade leva os consangüíneos a habitarem juntos assim como os afins. E como há um certo vinculo de amizade entre os consangüíneos: assim também entre os afins. Mas, a afinidade sobreveniente ao casamento, não pode dirimi-lo, como dissemos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A afinidade não se opõe ao matrimônio que a causa; mas sim ao que se contraísse com um afim, porque impediria a multiplicação da amizade e a repressão da concupiscência, fins visados pelo matrimônio.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os bens possuídos por um homem não fazem um só corpo com ele, no sentido em que se diz que sua mulher forma com ele uma mesma carne. Por onde, assim como a consangüinidade impede a união carnal com o marido, impedi-lo-á também com a sua mulher.
O quinto discute-se assim. ─ Parece que a afinidade também pode ser causa da afinidade.
1. Pois, Júlio Papa dispõe: Ninguém possa desposar a viúva de um dos parentes a quem sobreviver. E no capítulo seguinte: As mulheres de dois primos não podem desposar, uma após outra, o mesmo homem. Ora, isto não se dá senão por causa da afinidade contraída pela união com uma pessoa afim. Logo, a afinidade é causa da afinidade.
2. Demais. ─ O parentesco resulta das relações carnais como da geração carnal; pois do mesmo modo se contam os graus da afinidade como os da consangüinidade. Ora, a consangüinidade é causa da afinidade. Logo, também a afinidade.
3. Demais. ─ Duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si. Ora, a esposa está ligada pelo mesmo parentesco com todos os consangüíneos do seu marido. Logo, também todos os consangüíneos do marido estão ligados do mesmo modo com todos os que tem atinência com a mulher por afinidade. Portanto, é a afinidade causa da afinidade.
Mas, em contrário. ─ Se a afinidade causa a afinidade, então quem tivesse tido relação com duas mulheres não poderia casar com nenhuma delas; porque, nesse caso, uma se tornaria afim de outra. Ora, isto é falso. Logo, a afinidade não gera a afinidade.
2. Demais. ─ Se a afinidade nascesse da, afinidade, quem casasse com uma viúva ficaria afim de todos os parentes do seu primeiro marido, com os quais a mulher tem afinidade. Ora, tal não pode se dar, porque então do primeiro marido defunto é que o segundo seria sobretudo afim. Logo, etc.
3. Demais. ─ A consangüinidade é vínculo mais forte que a afinidade. Ora, os consangüíneos da esposa não se tornam afins dos consangüíneos da mulher. Logo, e com maior razão, os afins da mulher não se tornam afins deles. Donde a mesma conclusão anterior.
SOLUÇÃO. ─ De dois modos pode uma coisa proceder de outra. Ou ao modo pelo qual uma procede de outra por semelhança específica, como no caso de um homem que gera outro. Ou o modo de procedência não específica; e este modo de proceder sempre é para uma espécie inferior, como no caso de todos os agentes equívocos. Ora, o primeiro modo de processão, por mais que se reitere, a espécie permanece a mesma sempre. Assim, se de um homem é gerado outro por ato da virtude geratriz, desse mesmo também outro poderá ser gerado, e assim por diante. Mas, do segundo modo, assim como já de início dá lugar a uma nova espécie, por mais reiterado que seja fará sempre uma espécie nova; assim, se o movimento de um ponto produz a linha e não o ponto, porque o movimento deste é o produto daquela, também do movimento lineal da linha não procede a linha, mas a superfície, e da superfície o corpo; e ulteriormente, por esse modo de processão, nada mais pode resultar.
Ora, encontramos na geração do parentesco dois modos pelos quais pode produzir-se o laço do parentesco. Um pela geração carnal; e esse sempre produz a mesma espécie de parentesco. Outro pela conjunção matrimonial; e este logo de início produz outra espécie; assim, a esposa de um parente por consangüinidade não se torna consanguínea, mas afim. Por isso, mesmo que se reitere esse modo de proceder, não haverá afinidade, mas outro gênero de parentesco. E assim, a pessoa unida pelo matrimônio com um parente afim se torna afim deste, mas contrai um outro gênero de afinidade chamado de segundo grau. Do mesmo modo, quem se unir por matrimônio com um afim de segundo grau não lhe será afim em segundo grau, mas em terceiro. Tal o que ensina o verso citado:
A casada muda de gênero, mas a gerada, de grau.
E antigamente esses dois gêneros constituíam impedimentos, mais pela justiça da honestidade pública do que pela afinidade. Pois, diferem da verdadeira afinidade, como aquele parentesco contraído pelos esponsais. Mas, atualmente cessou essa proibição. E só constitui proibição o primeiro gênero de afinidade, que é realmente afinidade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O consangüíneo da esposa torna-se afim do marido, pelo primeiro gênero de afinidade e a mulher desse consangüíneo, pelo segundo. Por onde, morto o parente afim, a viúva não poderá ser desposada pelo marido da sua parente por afinidade por causa do segundo gênero de afinidade. Semelhantemente, quem casar com uma viúva, o consangüíneo do primeiro marido, afim da mulher pelo primeiro gênero de afinidade, torna-se afim do segundo marido pelo segundo gênero de afinidade; e a esposa desse consangüíneo , afim da mulher deste pelo segundo gênero de afinidade, torna-se afim do segundo marido pelo terceiro gênero de afinidade. Mas, como o terceiro gênero de afinidade dava lugar a uma proibição, mais por uma razão de honestidade pública do que por causa da afinidade, por isso o canon determina: Uma razão de honestidade pública proíbe às esposas de dois primos se casarem em seguida, uma após outra, com o mesmo homem. Mas, essa proibição já não vigora.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora a conjunção carnal seja causa de união, contudo essa união é de gênero diferente da produzida pela geração.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A esposa contrai com os parentes do marido um parentesco do mesmo grau, mas não do mesmo gênero.
Mas como as objeções opostas parecem concluir, que a afinidade não causa nenhum vínculo, devemos lhes responder, a fim de que não se julgue irracional a antiga proibição da Igreja.
RESPOSTA À QUARTA. ─ A mulher não se torna afim, pelo primeiro gênero de afinidade, do homem com que se uniu sexualmente, como do sobredito se colhe. Por consequência não se toma afim, pelo segundo gênero de afinidade, de outra mulher com quem esse mesmo homem tivesse tido relações. Se, pois, tal homem casar com uma dessas mulheres, a outra não se torna afim dessa, pelo terceiro gênero de afinidade. Eis porque o direito antigo não proibia um mesmo homem casar sucessivamente com duas mulheres com as quais tivesse tido relação carnal.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Assim como o marido não é afim da sua esposa pelo primeiro gênero de afinidade, assim também o é do segundo marido da mesma mulher, pelo segundo gênero de afinidade. Por isso a objeção não colhe.
RESPOSTA À SEXTA. ─ Não pode uma pessoa se unir comigo por meio de outra, senão enquanto unida com esta. Por onde, mediante a mulher, que me é afim, nenhuma pessoa contrai parentesco comigo senão a que for aparentada com essa mulher. E isso não pode ser senão pela geração carnal, dela proveniente, ou pela união matrimonial com ela. E de ambos esses modos, mediante essa mulher, contraia eu parentesco com ela, conforme o direito antigo; pois, o filho dela nascido, ainda que de outro homem, torna-se meu afim no mesmo gênero. Mas, em outro grau, como resulta da regra dada em primeiro lugar. Além disso, o seu segundo marido torna-se meu afim, pelo segundo gênero de afinidade. Mas, os outros parentes dessa mulher nenhuma união tem com o seu marido: ela porém, contrai união com eles, como com o pai e a mãe, dos quais procede; ou com os irmãos, com quem tem o mesmo princípio de vida. Por onde, o irmão de uma afim minha, ou o pai, não se torna meu afim em nenhum grau.
O quarto discute-se assim. ─ Parece que dos esponsais nenhuma afinidade pode resultar.
1. Pois, a afinidade é um vínculo perpétuo. Ora, os esponsais podem ser votos. Logo, não podem ser causa da afinidade.
2. Demais. ─ Quem violentou uma mulher, mas não conseguiu consumar o ato, não contrai com ela nenhuma afinidade. Mais próximo contudo está da conjunção carnal, que quem contraiu esponsais. Logo, os esponsais não causam a afinidade.
3. Demais. ─ Outra coisa não são os esponsais senão a promessa de núpcias futuras. Ora, pode-se fazer uma promessa de núpcias futuras sem dela resultar nenhuma afinidade; assim, se for feita antes do sete anos; ou se o for por quem prometer casamento futuro a uma mulher e tenha um perpétuo impedimento, que exclui a potência física; ou se a promessa foi feita entre pessoas, cujo casamento é ilícito em virtude de um voto; ou de outro modo qualquer. Logo, os esponsais não podem ser causa de afinidade.
Mas, em contrário, Alexandre Papa proibiu à mulher casar com o irmão do seu ex-noivo. O que não faria se os esponsais nenhuma afinidade tivessem produzido. Logo, etc.
SOLUÇÃO ─ Assim como os esponsais não constituem um verdadeiro casamento, mas são apenas urna preparação para êle, assim, os esponsais não geram a afinidade, como o matrimônio, mas uma semelhança de afinidade chamada justiça da honestidade pública. E esta impede o matrimônio, como a afinidade e a consangüinidade, e nos mesmos graus. E assim se define: A justiça da honestidade pública é uma proximidade proveniente dos esponsais, que, por causa da sua honestidade, tira a sua força da instituição da Igreja. Por onde é clara a significação do nome e a causa desse impedimento: essa proximidade foi instituída pela Igreja em virtude da honestidade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Os esponsais causam o gênero de afinidade chamado justiça da honestidade pública, não por si mesmos, mas em razão do fim a que se ordenam. Por isso, assim como o vínculo do matrimônio é perpétuo, assim o referido modo de afinidade.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O marido e a mulher, na conjunção carnal, tornam-se uma só carne, pela mistura seminal. E assim, por mais que um homem violente uma mulher e a brutalize, se não houver consumação do ato sexual, nenhuma afinidade resultará daí. Ora, o matrimônio causa a afinidade, não só em virtude da conjunção carnal, mas ainda por causa da sociedade conjugal, a qual também torna o matrimônio natural. Por isso, também a afinidade resulta do contrato mesmo do matrimônio, por palavras de presente antes da cópula carnal. Semelhantemente, os esponsais, pelos quais se pacta a sociedade conjugal, dão lugar à contração de um símile da afinidade, a saber, a justiça da honestidade pública.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Todos os impedimentos, que anulam os esponsais, não permitem nascer nenhuma afinidade do fato de se ter pactado o casamento. Por onde, quem contrair esponsais, apesar da sua falta de idade, de ter feito voto solene de continência, ou de algum semelhante impedimento, não dá lugar a qualquer afinidade, por serem nulos os esponsais.
Se porém, um menor impotente por natureza ou por malefício e portanto vítima de um impedimento perpétuo contrair, antes da puberdade e depois dos sete anos, esponsais com uma adulta, desse contrato nasce um impedimento da justiça da honestidade pública. Contudo, o impedimento não podia ainda produzir o seu efeito, porque em tal idade os menores, imponentes ou não; são igualmente incapazes do ato matrimonial.
O terceiro discute-se assim. ─ Parece que o concúbito ilícito não causa a afinidade.
1. Pois, a afinidade é uma coisa honesta. Ora, coisas honestas não podem ter causas desonestas. Logo, a afinidade não pode ser causada por um concúbito desonesto.
2. Demais. ─ Onde há consangüinidade não pode também haver afinidade; porque a afinidade é a proximidade entre pessoas, proveniente da união carnal, sem haver nenhum parentesco. Ora, se o concúbito ilícito causasse a afinidade, poderíamos contraí-la com os nossos parentes ou conosco mesmo; assim, no caso de quem tivesse relação incestuosa com uma parenta. Logo, a afinidade não pode resultar de um concúbito ilícito.
3. O concúbito ilícito pode ser natural ou contra a natureza. Ora, um concúbito ilícito contra a natureza não gera a afinidade, como dispõe o direito. Logo, nem o concúbito ilícito segundo a natureza.
Mas, em contrário, o que se ajunta com a prostituta faz-se um mesmo corpo com ela, na expressão do Apóstolo. Ora, esta era uma causa de o matrimônio gerar a afinidade. Logo, pela mesma razão, o concúbito ilícito.
2. Demais. ─ A conjunção carnal é causa da afinidade, como resulta da seguinte definição: A afinidade é a proximidade entre pessoas proveniente da união carnal, sem haver nenhum parentesco. Ora, conjunção carnal também há no concúbito ilícito. Logo, o concúbito ilícito causa a afinidade.
SOLUÇÃO. ─ Segundo o Filósofo, a união entre o homem e a mulher é chamada natural, principalmente por causa da procriação dos filhos e, secundariamente por causa dos encargos comuns dos esposos. Ora, a procriação resulta do casamento em razão da conjunção carnal; e os encargos comuns, enquanto ele é uma associação fundada em vista de uma vida em comum. Quanto ao primeiro efeito, resulta de qualquer conjunção carnal onde há mixtão seminal, porque de tal conjunção podem nascer filhos, embora daí não provenha o segundo resultado. Por onde, como o matrimônio causa a afinidade, enquanto conjunção carnal, também o concúbito fornicário, pois é também uma união carnal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ No concúbito fornicário há algo de natural, comum à fornicação e ao matrimônio; e por aí causa a afinidade. Implica porém, uma desordem, que o diferencia do matrimônio; e por aí não causa a afinidade. Por isso a afinidade sempre permanece honesta, embora a sua causa seja de certo modo desonesta.
RESPOSTA À SEGUNDA ─ Duas relações opostas podem fundar-se no mesmo sujeito em razão de causas diferentes. Por isso, entre duas pessoas determinadas pode haver afinidade e consangüinidade, não só em virtude de um concúbito ilícito, mas também de um lícito. Assim, quando um meu consangüíneo por parte de pai casou com uma consangüínea por parte de mãe. Eis porque as palavras da definição da afinidade ─ sem haver nenhum parentesco ─ devem ser entendidas como significando ─ como tal. Nem daí se segue, que quem cometer um incesto com uma consangüínea venha a ser afim de si mesmo; porque tanto a afinidade como a consangüinidade implicam, como a semelhança, diversidade.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ No concúbito contra a natureza não há mistura seminal, que possa ser causa da geração. Por isso, tal concúbito não gera a afinidade.
O segundo discute-se assim. ─ Parece que a afinidade não subsiste, depois da morte do marido, entre os consangüíneos do marido e da mulher.
1. Pois, desaparecida a causa, desaparece o efeito. Ora, a causa da afinidade foi o matrimônio, que desaparece com a morte do marido; porque, então, a mulher fica solta da lei do marido, na expressão do Apóstolo. Logo, também não subsiste a referida afinidade.
2. Demais. ─ A consangüinidade causa a afinidade. Ora, a consangüinidade entre o marido e os seus parentes desaparece com a morte dele. Logo, também desaparece a afinidade entre elas e eles.
Mas, em contrário. ─ A afinidade é causada pela consangüinidade. Ora, a consangüinidade é um vínculo perpétuo, enquanto vivem as pessoas. Logo, também a afinidade. Portanto, a afinidade não desaparece com a dissolução do casamento pela morte de um dos esposos.
SOLUÇÃO. ─ Uma relação pode desaparecer de dois modos: pela disposição do sujeito ou pela eliminação da causa. Assim, a semelhança deixa de existir quando um dos semelhantes desaparece, ou quando desaparece a qualidade que era a causa da semelhança. Ora, certas relações tem como causa uma ação, uma paixão ou um movimento, como diz Aristóteles. E dessas umas são causadas pelo movimento atual de um ser; assim, a relação existente entre o motor e o movido. Outras nascem da aptidão dos seres ao movimento; tal a relação entre um motor e o imóvel, entre, um senhor e o seu escravo. Outras, ainda, nascem de um movimento já realizado; assim, a relação entre o pai e o filho, unidos, não por existir ainda a geração, mas por ter-se realizado antes. Ora, a aptidão para o movimento desaparece, como desaparece o fenômeno mesmo do movimento; ao passo que o ato de um ser se ter movido subsiste sempre, porque o já feito não deixa nunca de o ser. Por isso, a paternidade e a filiação não desaparecem nunca pela eliminação da causa, mas só pela disposição do sujeito, como sendo o outro extremo. E o mesmo devemos dizer da afinidade, causada não pela união atual dos cônjuges, mas do fato da sua união passada. Por onde, não desaparece enquanto existirem as pessoas que contraíram a afinidade, embora venha a morrer a pessoa por causa da qual ela foi contraída.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A união conjugal causa a afinidade não só por unir atualmente os esposos, mas também pelos ter já unido no passado.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A consangüinidade não é a causa próxima da afinidade; mas, a união com o consangüíneo, não só a atual, mas também a passada. Por isso, a objeção não colhe.