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Art. 1 ─ Se ter várias mulheres é contra a lei da natureza.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que ter várias mulheres não é contra a lei da natureza.

1. Pois, o costume não prejudica à lei natural. Ora, ter várias mulheres não constituía pecado, quando o costume o permitia; como diz Agostinho. Logo ter várias mulheres não é contra a lei da natureza.

2. Demais. ─ Quem vai contra a lei da natureza contraria um preceito; pois, assim como a lei escrita tem os seus preceitos, assim também a lei da natureza. Ora, Agostinho diz, que ter várias mulheres não ia contra nenhum preceito, porque não era proibido por nenhuma lei. Logo, ter várias mulheres não é contra a lei da natureza.

3. Demais. ─ O matrimônio foi sobretudo ordenado para a geração de filhos. Ora, um homem pode fecundar várias mulheres e ter delas filhos. Logo, não é contra a lei da natureza ter várias mulheres.

1. Demais. ─ Direito natural é o que a natureza ensina a todos os animais, como se diz no princípio do Digesto. Ora, a natureza não ensina a todos os animais, que a um macho cabe uma só fêmea; pois, em muitas espécies animais um macho tem várias fêmeas. Logo, não é contra a lei da natureza ter várias mulheres.

5. Demais. ─ Segundo o Filósofo, na geração dos filhos o varão está para a mulher como o agente para o paciente o artífice para a matéria. Ora, não é contra a ordem da natureza um agente obrar sobre vários pacientes ou um artífice trabalhar sobre diversas matérias. Logo, também não é contra a lei da natureza um homem ter várias mulheres.

Mas, em contrário, é sobretudo de direito natural o que foi infundido no homem, na instituição da natureza humana. Ora, que um homem deve ter uma só mulher, foi-lhe infundido na própria instituição da natureza humana, segundo aquilo da Escritura: serão dois numa só carne. Logo, é isso da lei da natureza.

2. Demais. ─ É contra a lei da natureza homem obrigar-se ao impossível e a dar a um que já foi dado a outro. Ora, o homem que casou com uma mulher deu poder sobre o seu corpo, obrigando-se a cumprir o dever conjugal quando ela o pedir. Logo, é contra a lei da natureza dar a outra também esse mesmo poder, não lhe sendo assim possível cumprir o dever conjugal para com ambas, se o pedissem.

3. Demais. ─ A lei da natureza ordena que não façamos aos outros o que não queremos que nos façam. Ora, nenhum marido quereria que sua mulher tivesse outro esposo. Logo, procederia contra a lei da natureza tomando uma segunda mulher.

4. Demais. ─ Tudo o que contraria o nosso desejo natural é contra a lei da natureza. Ora, como vemos em toda parte é natural o marido ter ciúmes da mulher e a esta, de aquele. Logo, sendo o ciúme um amor, que não admite participação no ser amado, parece contra a lei da natureza terem várias mulheres um só marido.

SOLUÇÃO. ─ Todos os seres naturais dependem de certos princípios, que não somente lhes tornam possíveis as atividades, mas também as conduzem aos seus devidos fins. Quer essas atividades resultem da natureza genérica, quer da natureza específica do ser. Assim, é natural ao magnete elevar-se, pela sua natureza genérica; e atrair, pela natureza específica. Ora, assim como dos seres de natureza necessariamente ativa, os seus princípios de atividade são as suas formas, donde resulta a adaptação ao fim, dessas atividades, assim dos seres dotados de conhecimento os princípios de agirem são o conhecimento e o apetite. Por onde, há de a potência cognitiva ter uma concepção natural, e a apetitiva uma natural inclinação, mediante as quais tanto a operação genérica como a específica se adaptam ao fim devido. Mas como o homem, dentre os outros animais, tem a noção do fim e conhece a proporcionalidade entre, a sua atividade e esse fim, por isso a concepção que a natureza lhe infundiu e que o dirige nas suas operações se chama convenientemente lei natural ou direito natural. E isso mesmo se denomina, nos outros animais, estimativa natural; pois os brutos são antes, por força da natureza, impelidos a realizar as suas operações próprias, do que agentes dirigidos por arbítrio próprio.

Por onde, a lei natural outra causa não é senão um conceito naturalmente infuso no homem, pelo qual é levado a praticar convenientemente os atos, que lhe são próprios. Quer esses atos os pratique ele em virtude da sua natureza genérica; como  o de gerar, comer e semelhantes; quer em virtude da sua natureza específica, como raciocinar e outros. E assim, tudo o que lhe torna as ações inadaptadas ao fim que, num caso determinado, a natureza tem em vista, diz-se que vai contra a lei da natureza.

Ora, um ato pode não se adaptar ao fim principal ou ao secundário; e de um e outro modo, de duas maneiras é isso possível. Primeiro, por um obstáculo absolutamente impediente da conservação do fim: assim, comer demasiado ou muito pouco impede a saúde do corpo, fim principal da alimentação; a boa disposição para comércio da vida, fim secundário da alimentação. Segundo, por um obstáculo que torna difícil ou menos conveniente a consecução do fim principal ou do secundário; assim, comer desordenadamente, em tempo impróprio. Portanto, uma ação contrária ao fim, a ponto de excluir absolutamente o fim principal, é diretamente proibida pelos preceitos primários da lei natural, que desempenham, na ordem da ação o mesmo papel que as concepções gerais do espírito, na ordem especulativa. Se porém de qualquer modo for contrária do fim secundário, ou se também o for ao fim principal, tornando difícil ou menos conveniente a consecução dele, será proibida, não pelos preceitos primários da lei natural, mas pelos secundários, derivados dos primários como, na ordem especulativa, as conclusões tiram a sua certeza dos princípios evidentes.

Ora, a fim principal do matrimônio é a geração e a criação dos filhos; e a esse fim tende o homem pela sua natureza genérica, sendo por isso comum também aos outros animais, como diz Aristóteles. Daí o dizer-se que um bem do matrimônio são os filhos. Seu fim secundário porém, e  próprio do homem, é a comunicação das atividades necessárias à vida, no dizer do Filósofo. Por isso, devem-se a fé mútua ─ ainda um dos bens do matrimônio. Tem além disso um fim ulterior, quando contratado entre cristãos, que é simbolizar a união entre Cristo e a Igreja. E então, um terceiro bem do matrimônio é ser sacramento. Assim, ao primeiro fim tende o matrimônio, enquanto é o homem um animal; ao segundo, enquanto homem; ao terceiro, como cristão.

Por onde, a pluralidade de mulheres, nem exclui totalmente, nem de certo modo impede o fim primário do matrimônio; pois, um homem basta a fecundar várias mulheres e a criar os filhos delas nascidos. Mas o fim secundário, embora não no exclua totalmente contudo grandemente o impede, porque não pode haver paz numa família em que um homem está unido a várias mulheres. Pois, além de não poder um só homem satisfazer aos desejos de várias mulheres, a participação de vários no desempenho de uma mesma função causa as disputas; e como os oleiros vivem em rixas contínuas, assim também as mulheres de um mesmo homem. ─ Quanto ao terceiro fim, totalmente o exclui, porque assim como Cristo é um só, assim também uma só é a Igreja.

Por onde é claro, pelo que acabamos de dizer, que a pluralidade de mulheres e de certo modo contra a lei da natureza, e de certo modo não o é.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ O costume não contraria à lei da natureza nos seus preceitos primários que são umas como idéias gerais do espírito, na ordem especulativa. Mas as que são como umas conclusões desses princípios primários, o costume lhes dá maior vigor, como diz Túlio, mas também pode-lhos diminuir. E tal é o preceito da lei da natureza, sobre a unicidade da esposa.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Como diz Túlio, o temor das leis e a religião consagraram as regras fundadas em a natureza e aprovadas pelo costume. Por onde é claro, que aquilo que a lei natural dita, como conclusões dos princípios primários da lei natural, não tem força obrigatória a modo de preceito absoluto, senão depois de sancionado pela lei divina e pela humana. E tal é o dito de Agostinho, que não procediam contra os preceitos da lei, por que por nenhuma lei era proibido.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Resulta do que foi dito.

RESPOSTA À QUARTA. ─ A expressão direito natural e susceptível de vários sentidos. ─ Num primeiro sentido, o direito natural tira a denominação do seu princípio, pois foi infundido pela natureza. E assim o define Túlio: O direito natural não é gerado pela opinião mas infundido por uma certa virtude inata. ─ Na ordem dos seres naturais, porém certos movimentos se chamam naturais, não por provirem de um princípio intrínseco, mas de um princípio movente superior. Assim, os movimentos dos elementos causados pela impressão dos corpos celestes se chamam naturais, como o explica o Comentador. Por isso, as prescrições do direito divino se consideram como de direito natural, por procederem da impressão e infusão de um princípio superior, Deus, Talo sentido de lsidoro quando afirma: Direito natural é o contido na lei e no Evangelho, ─ Num terceiro sentido, o direito natural é assim chamado, não só em virtude do seu princípio, mas da sua matéria, que são os seres naturais. Ora, a natureza se divide, por contrariedade, da razão, que faz o homem ser homem. Por isso, no sentido estritíssimo do direito natural, os preceitos só aos homens aplicáveis, sendo ditames da razão natural não se consideram como pertencentes a esse direito; senão só aqueles que a razão natural dita e se aplicam em comum aos homens e aos outros animais. E nesse sentido se definiu: O direito natural é o que a natureza ensinou a todos os animais. ─ Ora, a pluralidade de mulheres, embora não contrarie o direito natural, no seu terceiro sentido, vai-lhe porém contra o segundo, por ser proibido por direito divino. E também contra o direito natural, na primeira recepção, como do sobredito se colhe; pois, a natureza a dita a cada animal, ao modo que lhe convém à espécie. Por isso também entre certos animais, nos quais a criação dos filhos exige a solicitude, tanto do macho como da fêmea há a união de um macho com uma só fêmea, como se dá com os pombos e outros.

Mas, como as objeções em contrário pretendem mostrar que a pluralidade de mulheres é contrária dos princípios primeiros da lei da natureza, por isso devemos lhes a elas responder.

RESPOSTA À QUINTA. ─ A natureza humana foi instituída sem nenhum defeito. Por isso lhe foi infuso não só aquilo sem o que o fim principal do matrimônio não podia ser conseguido, mas também aquilo sem o que não podia sê-lo, senão com dificuldade, o fim secundário dele. E para tal bastava ao homem, quando foi criado, ter uma só mulher.

RESPOSTA À SEXTA. ─ O marido não confere, pelo matrimônio, poder absoluto à mulher sobre o seu corpo, mas só quanto ao ato matrimonial. Ora, por ter casado não está o marido obrigado do cumprimento do dever conjugal em qualquer tempo que a mulher lh'o peça se se considera o fim principal para que foi o matrimônio instituído, que é a geração de filhos; pois para um basta ser a mulher fecunda. Atendendo-se por ela ao fim secundário do matrimônio que é ser remédio à concupiscência, então fica o marido obrigado ao ato conjugal, sempre que a mulher lh'o pedir. Por onde é claro, que quem casou com várias mulheres não se obriga ao impossível, considerado o fim primário do casamento. Portanto, a  pluralidade, de mulheres não colide com os preceitos primeiros da lei natural.

RESPOSTA À SETIMA. ─ No preceito da lei natural ─ não faças aos outros o que não queres que te façam ─ deve subentender-se ─ conservada a mesma proporção. Pois não é por um prelado não querer admitir a oposição do súbito, que não deve também se lhe opor a ele. Por onde, não será por força do princípio citado, que assim como o marido não admite que sua mulher tenha outro, assim também não poderá ele tomar mais uma mulher. Pois, um só homem pode ter várias mulheres, sem colidir com os preceitos primários da lei da natureza, como dissemos; contra esses princípios primeiros, porém, é uma mesma mulher ter vários maridos porque então, de certo modo, fica totalmente escluído e, de certo outro, impedido o bem da prole, fim principal do matrimônio. E por bem da prole se entende não só a geração mas também a criação dos filhos. Ora, quanto à geração, embora não fique totalmente excluída, porque pode a mulher, depois de uma primeira concepção, conceber de novo, como ensina Aristóteles, contudo fica esse bem grandemente tolhido porque será difícil não resultar algum mal a ambas essas fecundações ou a uma delas. Quanto à criação porém, fica totalmente impedida, pois de ter uma só mulher vários maridos procede a incerteza do prole relativamente ao pai, cujos cuidados são necessários a essa criação. Por isso, nenhuma lei ou costume permitiu uma só mulher ter vários maridos, como permitiu o contrário.

RESPOSTA À OITAVA. ─ A inclinação natural da potência apetitiva depende da concepção natural da faculdade cognitiva. E não sendo contra nenhum conceito natural ter um homem várias mulheres, como o é ter uma mulher vários maridos, por isso à mulher não repugna tanto outras uniões do marido, como ao marido outras da mulher. Por isso, tanto entre os homens como entre os animais mais ciúmes tem o macho da fêmea, que ao inverso.

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