Category: Santo Tomás de Aquino
O terceiro discute-se assim. — Parece que não foram bem escolhidos aqueles a quem foi manifestada a natividade de Cristo.
1. — Pois, o Senhor ordenou aos discípulos: Não ireis caminho de gentios, i. é, para que fosse manifestado aos Judeus antes de o ser aos gentios. Logo, parece, com maioria de razão, que a natividade de Cristo não devia, desde o princípio, ser revelada aos gentios, que vieram do Oriente, como se lê no Evangelho.
2. Demais — A manifestação da verdade divina deve ser feita sobretudo aos amigos de Deus, segundo àquilo da Escritura: Não vos encaminheis aos mágicos, nem procureis saber causa alguma dos adivinhos. Logo, a natividade de Cristo não devia ser manifestada aos Magos.
3. Demais. — Cristo veio libertar todo o mundo do poder do diabo; donde o dizer a Escritura: Desde o nascente do sol até o poente é o meu nome grande entre as gentes. Logo, não só aos habitantes do Oriente devia manifestar-se a natividade de Cristo, mas a certos outros, no resto do mundo.
4. Demais — Todos os sacramentos da lei antiga foram a figura de Cristo, Ora, os sacramentos da lei antiga eram dispensados pelo ministério dos sacerdotes da lei. Logo, parece que a natividade de Cristo devia manifestar-se, antes, aos sacerdotes no templo, que aos pastores no campo.
5. Demais - Cristo nasceu da Virgem Mãe e em forma de criancinha, Logo, fora mais conveniente Cristo ter-se manifestado aos jovens e às virgens, que aos velhos e aos casados ou viúvos, como a Simeão e a Ana.
Mas, em contrário, o Evangelho: Eu sei os que tenho escolhido. Ora, a sabedoria de Deus faz bem tudo o que faz. Logo, foram bem escolhidos aqueles a quem se manifestou a natividade de Cristo.
SOLUÇÃO. — A salvação que Cristo vinha trazer era a da totalidade dos homens, sem diferenças, conforme àquilo do Apóstolo: Em Cristo não há diferença de homem e de mulher, de gentio e de judeu, de servo e de livre, como não há nenhuma outra diferença semelhante. E a fim de o anunciar, a natividade de Cristo foi manifestada aos homens de todas as condições. Pois, como diz Agostinho, os pastores eram Israelitas, os Magos gentios; aqueles estavam próximos, estes afastados; tanto uns como outros, porém, vieram apoiar-se na pedra angular. Mas ainda havia entre eles outra diversidade; pois, ao passo que os Magos eram sábios e poderosos, simples e humildes eram os pastores. E também manifestou-se aos justos, como Simeão e Ana, e aos pecadores, como os Magos. E enfim, aos homens e às mulheres como Ana. E isso tudo mostra que Cristo não privou da sua salvação nenhuma condição humana.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Essa manifestação da natividade de Cristo foi uma como prelibação da manifestação plena, que havia de realizar-se. E assim como na segunda manifestação, primeiro foi anunciada a graça de Cristo aos Judeus, pelo próprio Cristo e pelos seus Apóstolos, e depois aos gentios, assim também com Cristo vieram ter primeiro os pastores, as primícias dos Judeus, como habitando mais perto, e depois vieram de regiões remotas os Magos, que foram as primícias das gentes, na expressão de Agostinho.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Diz Agostinho: Assim como domina a ignorância na rusticidade dos pastores, assim a impiedade nos sacrilégios dos magos. A uns e outros, porém, deu abrigo aquela pedra angular, como quem veio escolher os ignorantes para confundir os sábios, e chamar, não os justos, mas o: pecadores; de modo que os nenhum grande se intumescesse de soberba e nenhum humilde desesperasse. — Mas certos dizem, que esses Magos não eram maléficos, senão astrólogos sábios, que recebem aquela denominação, entre os Persas e os Caldeus.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz Crisóstomo, do Oriente vieram os Magos, porque, donde nasce o dia, daí começasse a irradiar a fé, ela - a luz das almas. - Ou, porque todos os que vêm a Cristo, dele e por ele vêm, donde o dizer a Escritura: Eis aqui o homem, que tem por nome o Oriente. — Mas, diz a Escritura que os Magos vieram do Oriente, ou por terem partido dos últimos confins dele, segundo uns; ou de certas partes vizinhas da Judéia situadas porem ao Oriente da região dos Judeus. — É contudo crível, que também nas outras partes do mundo aparecessem uns indícios da natividade de Cristo; assim, em Roma, correu óleo, e na Espanha surgiram três sóis, aos poucos confundidos em um só.
RESPOSTA À QUARTA. — Como diz Crisóstomo, o Anjo que revelou a natividade, não foi a Jerusalém, não procurou Escribas nem Fariseus, cheios de corrupção e ralados de inveja. Ao contrário, os pastores eram retos e viviam no espírito dos Patriarcas e de Moisés. — E além disso esses pastores significavam os Doutores da Igreja, a quem Cristo revelou os seus mistérios, que permaneceram ocultos aos Judeus.
RESPOSTA À QUINTA. — Como diz Ambrósio, a geração do Senhor devia ser testemunhada não só pelos pastores, mas também pelos anciãos e pelos justos. E também por ser esse testemunho, mais digno de crédito, pela santidade de tais personagens.
O segundo discute-se assim. — Parece que a natividade de Cristo a ninguém devia manifestar-se.
1. — Pois, como se disse, convinha à salvação humana, que c primeiro advento de Cristo fosse oculto. Ora, Cristo veio salvar a todos segundo àquilo do Apóstolo: Que é o Salvador de todos os homens, Principalmente dos fiéis. Logo, a natividade de Cristo a ninguém devia manifestar-se.
2. Demais. — Antes da natividade de Cristo, foi revelado que haveria ela de realizar-se, à Santa Virgem e a José. Logo, uma vez Cristo nascido, não era necessário que a sua natividade fosse revelada a outros.
3. Demais. — Nenhum homem prudente manifesta o que pode ser causa de turbação e de detrimento a outrem. Ora, da manifestação da natividade de Cristo resultou uma turbação, conforme o refere o Evangelho: O rei Herodes ouvindo isto, isto é, a notícia da natividade de Cristo, se turbou e toda Jerusalém com ele. E também foi em detrimento de outros; pois, por esse motivo, Herodes mandou matar todos os meninos que havia em Belém e em todo o seu termo, que tivessem dois anos e dai para baixo. Logo, parece que não foi conveniente a natividade de Cristo manifestar-se a certos.
Mas, em contrário, a natividade de Cristo a ninguém aproveitaria se a todos tivesse sido oculta. Ora, a natividade de Cristo devia ser útil; do contrário teria vindo a este mundo em vão. Logo, parece que a natividade de Cristo devia manifestar-se a certos.
SOLUÇÃO. — Como diz o Apóstolo, as causas de Deus são ordenadas. Ora, a ordem da sabedoria divina exige que os dons de Deus e os arcanos dessa mesma sabedoria não os recebam todos igualmente, mas sim, uns, imediatamente e, mediante esses, outros. Por isso, diz a Escritura, referindo-se ao mistério da ressurreição: Deus quis que se manifestasse Cristo ressurrecto não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus havia ordenado antes. Por isso, o mesmo devia dar-se com a sua natividade, de modo que Cristo não se manifestasse a todos, mas só a certos, que transmitissem a outros o conhecimento dela.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Assim como seria em detrimento da salvação humana se a natividade de Deus tivesse sido conhecida de todos os homens, assim também o teria sido se ninguém a conhecesse. Pois, de ambos os modos ficaria prejudicada a fé: tanto por ser o seu objeto totalmente manifesto, como por não ser conhecido de ninguém, de quem os demais pudessem ouvi-la; porque a fé é pelo ouvido, na expressão do Apóstolo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Maria e José deviam ser instruídos sobre a natividade de Cristo, já antes de ele ter nascido, porque a eles lhes competia tributar-lhe a veneração devida, quando ainda no ventre materno, e servir-lhe quando houvesse de nascer. Mas teria sido suspeito o testemunho deles, sobre a magnificência de Cristo, por provir de pessoa da família. Por isso era necessário fosse manifesto aos estranhos o mistério, pois o testemunho desses não poderia ser suspeito.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Essa própria turbação, subsequente, manifestada pela natividade de Cristo, convinha-lhe à natividade. — Primeiro, porque manifestou a dignidade celeste de Cristo. Por isso diz Gregório: Nascido o rei do céu, turba-se o rei da terra; porque quando se manifesta a celsitude do celeste, abatem-se de todo as grandezas terrenas. — Segundo, porque figurava o poder judiciário de Cristo. Por isso diz Agostinho: Que será o tribunal do juiz, quando o berço de uma criança enchia de terror a soberba dos reis? — Terceiro, porque figurava a destruição do reino do diabo. Assim, diz Leão Papa: Não era tanto Herodes que se enchia de turbação, quanto o diabo, em Herodes. Pois, Herodes tinha a Cristo em conta de mortal, ao passo que o diabo lhe conhecia a divindade. E ambos esses reis temiam o sucessor: o diabo — o rei celeste; e Herodes — o terreno. Mas sem razão, porque Cristo não veio reinar na terra, como o diz Leão Papa, dirigindo-se a Herodes: Cristo não vem tomar o teu reinado; nem o Senhor do mundo se contenta com a mesquinhez do poder do teu cetro. — Quanto a ficarem turbados os Judeus em vez de, ao contrário, deverem alegrar-se, isso se compreende. Ou era porque, como diz Crisóstomo, sendo iníquos, não podiam regozijar-se com o advento de Cristo; ou porque queriam agradar a Herodes a quem temiam, pois, o povo é inclinado a agradar, mais do que o deve, ao tirano, cujas crueldades suporta. — Quanto aos inocentes degolados por Herodes, isso não lhes redundou em mal, mas ao contrário, em glória. Assim, diz Agostinho: Longe de nós pensar que Cristo, tendo vindo salvar os homens, nenhuma recompensa deu aos que foram imolados por ele; ele que, pendente da cruz, orava pelos seus crucificadores.
O quanto discute-se assim. — Parece que a Santa Virgem não deve ser considerada mãe de Deus.
1. — Pois, não devemos dizer, dos divinos mistérios, senão o que está na Escritura. Ora não lemos nunca na Escritura que seja a mãe ou a genitora de Deus, mas a mãe de Cristo ou a mãe do menino. Logo, não devemos dizer que a Santa Virgem é a Mãe de Deus.
2. Demais. — Cristo é Deus pela sua natureza divina. Ora, a natureza divina não recebeu da Virgem o início da sua existência: Logo a Santa Virgem não deve ser considerada Mãe de Deus.
3. Demais. — O nome de Deus é predicado em comum do Pai do Filho e do Espírito Santo. Se pois a Santa Virgem é Mãe de Deus resulta que é Mãe do Pai, do Filho e do Espírito Santo o que é inadmissível. Logo, a Santa Virgem não deve ser considerada Mãe de Deus.
Mas, em contrário, Cirilo diz: com a aprovação do sínodo Efesino: Quem não confessar, que Deus é verdadeiramente o Emanuel e que, por isso, a Santa Virgem é a Mãe de Deus, por ter gerado corporalmente o Verbo de Deus feito carne, seja anátema.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, todo nome significativo de uma natureza qualquer concreta, pode ser suposto por qualquer hipóstase dessa natureza. Ora, a união da Encarnação tendo se realizado na hipóstase, como dissemos, é manifesto que o nome de Deus pode ser suposto pela hipóstase, na qual se acham unidas a natureza divina e a humana. Logo, tudo o conveniente à natureza divina ou à humana. pode ser atribuído a essa pessoa, quer seja suposto por ela o nome significativo da natureza divina, quer o seja o significativo da natureza humana. Ora, a concepção e o nascimento se atribuem à pessoa e à hipóstase em razão da natureza na qual se operam essas duas transformações. Mas, como no princípio mesmo da concepção, a natureza humana foi assumida pela pessoa divina, como dissemos, resulta por consequência, que podemos verdadeiramente afirmar que Deus foi concebido e nascido da Virgem. Pois, dissemos que uma mulher é mãe de alguém, quando o concebeu e o gerou. Por onde e consequentemente, a Santa Virgem é verdadeiramente chamada Mãe de Deus. E só seria possível negar que a Santa Virgem foi a Mãe de Deus, se disséssemos, como o pretendia Fotino, que Cristo foi concebido e gerado. antes de ser Filho de Deus; ou que, segundo o sentir de Nestório, a humanidade não foi assumida na unidade da pessoa ou da hipóstase do Verbo de Deus. Ora, ambas essas opiniões são errôneas. Logo, é herético negar, que a Santa Virgem fosse a Mãe de Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Essa foi a objeção de Nestório, que se resolve dizendo o seguinte. Embora não achemos propriamente dito na Escritura, que a Santa Virgem fosse a Mãe de Deus, nela achamos porém expressamente, que Jesus Cristo é verdadeiro Deus; e que a Santa Virgem é a Mãe de Jesus Cristo. Ora, dessas palavras da Escritura se segue necessariamente, que é a Mãe de Deus. Assim, como diz o Apóstolo, dos Judeus nasceu Cristo, segundo a carne, que é Deus sobre todas as coisas, bendito por todos os séculos dos séculos. Ora, não nasceu dos Judeus senão mediante sua Mãe. Por onde, aquele que é sobre todas as coisas Deus bendito por todos os séculos, nasceu verdadeiramente da Santa Virgem, como sua mãe.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Essa foi a objeção de Nestório; mas Cirilo, numa certa Epístola contra Nestório resolve-a dizendo: Assim como a alma do homem nasce com o seu corpo próprio e contudo é considerada como formando uma unidade com ele; e quem ousasse afirmar que a gera triz da carne, não é contudo a da alma, iria muito longe na sua afirmação, assim descobrimos algo de semelhante na geração de Cristo. Pois, o Verbo de Deus nasceu da substância de Deus Padre; mas, como assumiu a carne, devemos confessar que, pelo seu corpo, nasceu de uma mulher. Logo, devemos concluir que a Santa Virgem deve ser considerada Mãe de Deus; não por ser mãe da divindade, mas que ser, da humanidade de uma pessoa, que em si unia a divindade e a humanidade.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O nome de Deus, embora comum às três Pessoas, contudo é suposto umas vezes pela só pessoa do Pai: e outras, só pela pessoa do Filho ou do Espírito Santo, como se estabeleceu. E assim, quando dizemos que a Santa Virgem é Mãe de Deus, o nome de Deus é suposto pela pessoa encarnada do Filho.
O terceiro discute-se assim. — Parece que pela natividade temporal de Cristo, a Santa Virgem não pode ser considerada sua mãe.
1. — Pois, como se disse, a Santa Virgem Maria não foi de nenhum modo princípio ativo na geração de Cristo, mas só ministrou a matéria. Ora, isso não basta para ser mãe; do contrário, poderíamos dizer que a madeira é mãe de um leito ou de um móvel. Logo, parece que a Santa Virgem não pode ser considerada mãe de Cristo.
2. Demais. — Cristo nasceu milagrosamente da Santa Virgem. Ora, uma geração milagrosa não basta para constituir a maternidade nem a filiação; assim, não dizemos que Eva foi filha de Adão. Logo, Cristo não deve ser considerado filho da Santa Virgem.
3. Demais. — A função da mãe é emitir o sêmen. Ora, como diz Damasceno, o corpo de Cristo não foi formado por via seminal, mas, constituído pelo Espírito Santo. Logo, parece que a santa Virgem não deve ser considerada mãe de Cristo.
Mas, em contrário, o Evangelho: A conceição de Cristo foi desta maneira: Estando já Maria, sua mãe, desposada com José, etc.
SOLUÇÃO. — A Santa Virgem foi verdadeira e naturalmente a mãe de Cristo. Pois, como dissemos, o corpo de Cristo não foi trazido do céu, como o pretendeu o herético Valentino; mas foi formado no ventre da virgem mãe do seu mais puro sangue. E isto basta para constituir a maternidade. como do sobredito resulta. Por onde, a Santa Virgem é verdadeiramente a mãe de Cristo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como dissemos, a paternidade ou a maternidade e a filiação não têm lugar em qualquer geração, mas só na geração dos seres vivos. Por onde, era seres inanimados, feitos de qualquer matéria, não há relação de maternidade e de filiação; mas só na geração dos vivos, chamada propriamente natividade,
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz Damasceno; a natividade temporal, pela qual Cristo nasceu, para a nossa salvação. é de certo modo, como a nossa, porque nasceu, como homem de uma mulher e dentro do tempo natural à concepção. Mas. de maneira superior à nossa, porque foi fora da lei da concepção, formado, não por via seminal. mas pelo Espirito Santo. no ventre da Santa Virgem. Assim, pois, pela sua matéria a natividade de Cristo foi natural; mas foi milagrosa pela obra do Espírito Santo. Por onde, verdadeira e naturalmente, a Santa Virgem foi a mãe de Cristo.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como dissemos, a emissão do sêmen feminino não é de necessidade para a concepção. E por isso, essa emissão não é necessária para constituir a maternidade.
O segundo discute-se assim. — Parece que a Cristo não deve ser atribuída nenhuma natividade temporal.
1. — Pois o nascimento é um como movimento de um ser não existente, antes de nascido. e que para existir tem necessidade do benefício do nascimento. Ora, Cristo existiu abeterno. Logo, não podia ter nascido no tempo.
2. Demais. — O em si mesmo perfeito não precisa de nascer. Ora a pessoa do Filho de Deus é abeterno perfeita. Logo, não precisa de nenhuma natividade temporal, assim, parece que não nasceu no tempo.
3. Demais. — A natividade é própria da pessoa. Ora, em Cristo só há uma pessoa. Logo, só teve uma natividade.
4. Demais. — Quem nasceu em duas natividades nasceu duas vezes. Ora, é falsa a proposição: Cristo nasceu duas vezes. Pois, a natividade. pela qual nasceu do Pai, não sofreu nenhuma interrupção, por ser eterna. E isso contudo é o que exprime a expressão - duas vezes: assim, dizemos que correu duas vezes quem interrompeu a primeira corrida. Logo, parece não deve ser atribuída a Cristo uma dupla natividade.
Mas, em contrário, diz Damasceno: Confessamos em Cristo duas natividades: uma eterna, do Pai; outra que se dará nos últimos tempos, por nosso amor.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, a natureza está para a natividade como o termo para o movimento ou a mudança. Ora, o movimento se diversifica pela diversidade dos seus termos, como está claro no Filósofo. Ora, Cristo tem uma dupla natureza: a que recebeu abeterno do Pai e a que recebeu temporalmente da mãe. Por onde e necessariamente, devem ser-lhe atribuídas duas natividades: a pela qual eternamente nasceu do Pai e a pela qual nasceu temporalmente da mãe.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A objeção formulada foi a de um certo Feliciano, herético, que Agostinho resolve do modo seguinte: Imaginemos, diz, como certos querem; que há no universo uma alma geral, que pela sua influência inefável vivifica todos os germens, de tal sorte que se não confunda com os seres gerados, mas de a vida aos que o vão ser. Então, quando chegar a formar, no ventre materno, uma certa matéria adaptada aos seus fins, ela se unirá pessoalmente com a sua obra que não constitui com ela uma mesma substância; e far-se-á um homem, de duas substâncias - a alma ativa e a matéria passiva. Ora, é assim que afirmamos o nascer a alma, do ventre; e não que, antes de nascer, absolutamente não existisse, no seu ser. E desse modo, antes, de um modo mais sublime, nasceu o Filho de Deus, enquanto homem, no sentido em que se ensina que a alma nasce com o corpo; não que ambos constituam uma só substância, mas, de ambos, resulta uma só pessoa. Mas nem por isso dizemos que começou inicialmente a existir o Filho de Deus, não vá alguém crer numa divindade temporal. Nem afirmamos que a carne do Filho de Deus existiu abeterno, para não levarmos a crer que não teve um corpo verdadeiramente humano, e lho atribuímos somente em imagem.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Essa objeção a formulou Nestório, mas Cirilo lhe deu uma solução dizendo o seguinte: Não afirmamos que necessariamente o Filho de Deus, em si mesmo, precisasse de uma segunda natividade, além da que tinha, do Pai; pois, seria de um fátuo e de um ignaro dizer, que o existente antes de todos os séculos e consempiterno com o Pai, precisou de começar, e ter uma segunda existência. Mas, dizemos que nasceu carnalmente, porque, por nosso amor e para a nossa salvação, unindo-se à sua subsistência. a natureza humana nasceu de uma mulher.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A natividade pertence à pessoa como ao sujeito; e à natureza, como ao termo. Ora, é possível um mesmo sujeito sofrer várias transmutações, que contudo hão de necessariamente variar com os seus termos. Mas isso não dizemos da natividade eterna, como se ela fosse uma transmutação ou um movimento; mas, segundo o nosso modo de falar e que lhe atribuímos mudança do movimento.
RESPOSTA À QUARTA. — Podemos dizer que Cristo nasceu duas vezes e teve duas natividades. Pois assim como dizemos que corre duas vezes quem corre em dois tempos diferentes, assim podemos dizer que nasceu duas vezes quem nasceu uma vez, na eternidade e, uma vez, no tempo. Porque a eternidade e o tempo diferem muito mais entre si que dois tempos, embora uma e outro designem a medida da duração.
O primeiro discute-se assim. — Parece que a natividade deve ser atribuída, antes, à natureza que à Pessoa.
1. — Pois, diz Agostinho (Fulgêncio): Uma natureza eterna e divina não poderia ser concebida e nascer da natureza humana, se não tivesse realmente assumido a natureza humana. Se, pois, à natureza divina convém o ser concebida e nascer, em razão da natureza humana, muito mais o convém a natureza humana.
2. Demais. — Segundo o Filósofo, o nome de natureza é derivado de nascer. Ora, as denominações se fundam na conveniência de semelhança. Logo, parece que a natividade deve ser atribuída antes à natureza que à Pessoa.
3. Demais. — Propriamente nasce o que começa a existir, pela natividade. Ora, pela sua natividade Cristo não começou a existir, na sua Pessoa; mas sim, na sua natureza humana. Logo, parece que a natividade pertence propriamente à natureza e não à Pessoa.
Mas, em contrário, Damasceno: A natividade é da hipóstase e não da natureza.
SOLUÇÃO. — A natividade pode ser atribuída a um ser de dois modos: como ao sujeito e como ao termo. - Como ao sujeito, é atribuída ao ser nascido. Ora, este propriamente é hipóstase e não natureza. Pois, nascer é um modo de ser gerado; porque, como um ser é gerado para existir, assim também para existir é que nasce. Ora, a existência é própria do ser subsistente; e por isso da forma não subsistente dizemos que existe só por ser o princípio da existência de algum ser. Ora, a pessoa ou hipóstase significa uma subsistência; ao passo que a natureza é a expressão da forma, que é princípio da subsistência. Por isso, a natividade é propriamente atribuída à pessoa ou à hipóstase, como ao sujeito que nasce, e não à natureza. — Mas, como ao termo a natividade é atribuída à natureza. Pois, o termo da geração e de qualquer natividade é a forma. Ora, a natureza é a expressão da forma. Por onde, como diz Aristóteles, a natividade é chamada via para a natureza; pois a tendência da natureza tem como seu termo a forma ou a natureza da espécie.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Por causa da identidade existente em Deus entre a natureza e a hipóstase, às vezes a natureza é tomada pela pessoa ou pela hipóstase. E, assim, Agostinho diz que a natureza divina foi concebida e nascida; porque a pessoa do Filho, pela sua natureza humana, foi concebida e nasceu.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Nenhum movimento ou mudança tira a sua denominação do sujeito movido: mas, do termo do movimento, que o especifica. Por isso a natividade não recebe a sua denominação da pessoa nascida. mas da natureza. que é o seu termo.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A natureza, propriamente falando, não começa a existir: mas, antes a pessoa é que o começa numa determinada natureza. Pois, como dissemos, a natureza exprime o princípio da existência de um ser; ao passo que a pessoa exprime um ser subsistente.
O quarto discute-se assim. — Parece que Cristo, no primeiro instante da sua concepção, não gozou plenamente da visão beatifica.
1. — Pois, o mérito precede o prêmio, assim como a culpa, a pena. Ora, Cristo no primeiro instante da sua concepção mereceu, como se disse. Mas, como a visão beatífica é a principal recompensa do mérito, parece que Cristo, no primeiro instante da sua concepção não gozou da visão beatífica.
2. Demais. — O Senhor diz: Importava que Cristo sofresse estas coisas e assim entrasse na sua glória. Ora, a glória é própria dos que gozam da visão beatifica. Logo, Cristo, no primeiro instante da sua concepção, quando ainda não tinha padecido nenhum sofrimento, não gozava da visão beatífica.
3. Demais. — O que não convém nem ao homem nem ao Anjo, parece próprio de Deus; e portanto não convém a Cristo enquanto homem. Ora, ser sempre bem-aventurado não convém ao homem nem ao anjo; pois, se tivessem sido criados bem-aventurados, não teriam depois pecado. Logo, Cristo, enquanto homem, não foi bem-aventurado desde o primeiro instante da sua concepção.
Mas, em contrário, a Escritura: Bem-aventurado o que elegeste e tomaste para o teu serviço; o que, segundo a Glosa, se refere à natureza humana de Cristo, assumida pelo Verbo no unidade da pessoa. Ora, no primeiro instante da sua concepção a natureza humana foi assumida pelo Verbo de Deus. Logo, no primeiro instante da sua concepção Cristo, enquanto homem, foi bem-aventurado; isto é, gozou da visão beatifica.
SOLUÇÃO. — Como do sobredito resulta, não era conveniente que Cristo, na sua concepção, recebesse a graça habitual somente, - sem lhe exercer os atos. Mas, recebeu a graça sem medida, como estabelecemos. Ora, a graça de um peregrino terrestre, distante da graça do bem-aventurado, tem uma medida menor que a deste. Por onde é manifesto, que Cristo, no primeiro instante da sua concepção, recebeu não somente tanta graça como a tem os que vem a Deus, mas ainda maior que a de todos eles. E como a sua graça era acompanhada do exercício dela, resulta por consequência, que gozou em ato da visão beatífica, vendo a Deus por essência mais claramente que as outras criaturas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como dissemos, Cristo não mereceu a glória da alma, pela qual gozava da visão beatífica; mas, a glória do corpo, que conquistou com a sua paixão.
Donde se deduz clara a RESPOSTA À SEGUNDA OBJEÇÃO.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo, por ser Deus e homem, mesmo pela sua humanidade teve algo de superior às outras criaturas, pois, gozou da visão beatífica logo desde o principio da sua concepção.
O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo, no primeiro instante da sua concepção, não podia merecer.
1. — Pois, o livre arbítrio tanto é principio de mérito como de demérito. Ora, o diabo, no primeiro instante da sua criação não podia pecar, como se estabeleceu na Primeira Parte. Logo, nem a alma de Cristo, no primeiro instante da sua criação, que foi o primeiro instante da sua concepção, podia merecer.
2. Demais. — O que o homem tem, desde o primeiro instante da sua concepção, é lhe natural; pois, é o termo da sua geração natural. Ora, nós não podemos merecer pelo que nos é natural, como se colige do dito na Segunda Parte. Logo, o uso do livre arbítrio, que Cristo teve, como homem, desde o primeiro instante da sua concepção, não era meritório.
3. Demais. — O que uma vez o merecemos já se tornou nosso de certo modo e assim, parece que não podemos de novo merecê-la, pois, ninguém merece o que já tem. Se, pois, Cristo mereceu, no primeiro instante da sua concepção, por consequência nada mais mereceu depois. O que é evidentemente falso. Logo, Cristo não mereceu no primeiro instante da sua concepção.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Cristo não tinha absolutamente nada que progredir, quanto ao mérito da sua alma. Ora, poderia progredir no mérito, se não tivesse merecido no primeiro instante da sua concepção.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, Cristo no primeiro instante da sua concepção foi santificado pela graça. Ora, há duas espécies de santificação; a dos adultos, santificados pelos seus atos próprios; e a das crianças, santificadas, não pelo seu ato próprio de fé, mas pela fé dos pais ou da Igreja. Ora, a primeira espécie de santificação é mais perfeita que a segunda, assim como o ato é mais perfeito que o hábito, e o que existe por si mesmo o é mais que o existente por outro. Mas, como a santificação de Cristo foi perfeitíssima, pois, foi santificado para ser o santificador dos outros, consequentemente foi ele santificado pelo movimento próprio do seu livre arbítrio para Deus; e esse movimento do livre arbítrio foi meritório. Portanto, Cristo mereceu, desde o primeiro instante da sua concepção.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O livre arbítrio não se comporta do mesmo modo em relação ao bem e ao mal. Pois, aplica-se ao bem naturalmente e por si mesmo; mas só por deficiência e contrariamente à sua natureza é que quer o mal. Ora, como diz o Filósofo, o oposto à natureza é posterior ao natural; porque o oposto à natureza é um como corte feito no natural. Por onde, o livre arbítrio da criatura pode, no primeiro instante da sua criação, buscar o bem, pelo mérito; não porém o mal, pelo pecado, dado que a natureza seja íntegra.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O que o homem tem no princípio da sua criação, conforme ao curso comum da natureza, é lhe natural. Nada porém impede uma criatura de receber, no princípio da sua criação, um benefício da graça de Deus. E deste modo a alma de Cristo, no princípio da sua criação, recebeu a graça pela qual pudesse merecer. E, por essa razão, dessa graça, por uma certa semelhança, dizemos que foi natural ao homem Cristo, como está claro em Agostinho.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Nada impede uma mesma coisa pertencer a alguém por diferentes causas. E assim, Cristo podia merecer a glória da imortalidade, que mereceu no primeiro instante da sua concepção, também por atos e sofrimentos posteriores. Não, certo, que tivesse assim mais direitos a essa glória, mas por lhe ter ela sido devida a vários títulos.
O segundo discute-se assim. — Parece que Cristo, como homem, não teve o uso do livre arbítrio desde o primeiro instante da sua concepção.
1. — Pois, antes de um ser agir ou obrar, deve existir. Ora, o uso do livre arbítrio é uma ação. Mas, como a alma de Cristo começou a existir no primeiro instante da sua concepção, segundo do sobredito se colhe, parece impossível que tivesse o uso do livre arbítrio no primeiro instante da sua concepção.
2. Demais. — O uso do livre arbítrio é a eleição. Ora, a eleição pressupõe a deliberação do conselho; assim, como diz o Filósofo, a eleição é o desejo do que foi deliberado. Logo, parece impossível que no primeiro instante da sua concepção Cristo tivesse o uso do livre arbítrio.
3. Demais. — O livre arbítrio é uma faculdade da vontade e da razão, como se estabeleceu na Primeira Parte; e assim, o uso do livre arbítrio é o ato da vontade e da razão, ou do intelecto. Ora, o ato do intelecto pressupõe o ato do sentido, que não pode existir sem órgãos capazes. Ora, tais órgãos nos os tinha Cristo no primeiro instante da sua concepção. Logo, parece que Cristo não podia ter tido o uso do livre arbítrio no primeiro instante da sua concepção.
Mas, em contrário, Agostinho diz: Logo que o Verbo desceu ao ventre da Virgem, como nada perdeu da sua natureza, tornou-se carne e homem perfeito. Ora, o homem perfeito tem o uso do livre arbítrio. Logo, Cristo teve o uso do livre arbítrio desde o primeiro instante da sua concepção.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, à natureza humana assumida por Cristo, é própria a perfeição espiritual, na qual não progrediu por tê-la perfeita desde o princípio. Ora, a perfeição última não consiste na potência nem no hábito, mas na operação. Por isso, Aristóteles diz, que a operação é um ato segundo. Donde devemos concluir, que Cristo, no primeiro instante da sua concepção, teve aquela operação da alma que se pode ter num instante. Ora, tal é a operação da vontade e do intelecto, na qual consiste o uso do livre arbítrio. Pois mais súbita e instantaneamente se desfaz a operação do intelecto e da vontade, que a da visão corpórea. Porque inteligir, querer e sentir não são movimentos, atos do imperfeito, que se realizam sucessivamente; mas são atos do ser já perfeito, como diz Aristóteles. Donde devemos concluir, que Cristo, no primeiro instante da sua concepção teve o uso do livre arbítrio.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Existir é por natureza anterior ao agir, mas não temporalmente; ao mesmo tempo porém que o agente começa a ser perfeito começa a agir, se nada lh'o impede. Assim, o fogo logo que é gerado começa a esquecer e a iluminar; mas a calefação não termina num instante, senão num tempo sucessivo; ao passo que a iluminação se perfaz instantaneamente. E tal modo de agir é o uso do livre arbítrio, como dissemos.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Simultaneamente com o termo do conselho ou da deliberação pode existir a eleição. Assim, os que precisam da deliberação do conselho, logo que este está terminado, adquirem a certeza do que devem eleger e por isso imediatamente o fazem. Por onde é claro, que a deliberação do conselho não é preexigida para a eleição, senão para sairmos da incerteza. Ora, Cristo, no primeiro instante da sua concepção, assim como teve a plenitude da graça santificante, assim teve conhecimento pleno da verdade, segundo o Evangelho: Cheio de graça e de verdade. Por onde, como quem tinha a certeza total, podia eleger logo e instantaneamente.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O intelecto de Cristo podia, pela sua ciência infusa, inteligir, mesmo sem se servir dos fantasmas, como estabelecemos. Por isso podia exercer a atividade da vontade e do intelecto separadamente da operação dos sentidos. Contudo, pode exercer a operação dos sentidos, no primeiro instante da sua concepção, sobretudo a do sentido do tato. Por este sentido é que filho concebido já tem sensibilidade, no ventre materno, mesmo antes de receber a alma racional, como diz Aristóteles. Por onde, tendo Cristo no primeiro instante da sua concepção a alma racional, quando já tinha o corpo formado e organizado, com muito maior razão podia exercer, no mesmo instante, a atividade do sentido do tato.
O primeiro discute-se assim. — Parece que Cristo não foi santificado no primeiro instante da sua concepção.
1. — Pois, diz o Apóstolo: Não primeiro o que é espiritual, senão o que é animal; depois o que é espiritual. Ora, a santificação da graça pertence ao espiritual. Logo, Cristo não recebeu a graça da santificação imediatamente, desde o princípio da sua concepção, mas depois de um certo espaço de tempo.
2. Demais. — Nós nos santificamos é do pecado, conforme aquilo do Apóstolo: E tais haveis sido alguns, isto é, pecadores, mas haveis sido justificados Ora. em Cristo nunca houve pecado. Logo, não devia ser santificado pela graça.
3. Demais. — Assim como pelo Verbo de Deus todas as coisas foram feitas, assim pelo Verbo encarnado todos os homens foram santificados, que são santificados, como diz o Apóstolo: O que santifica e os que são santificados todos veem de um mesmo princípio. Ora, o Verbo de Deus, por quem foram feitas todas as coisas, não foi feito, como diz Agostinho. Logo, Cristo, por quem todos são santificados, não foi santificado.
Mas, em contrário, o Evangelho: O santo, que há de nascer de ti, será chamado Filho de Deus. E noutro lugar: A quem o Pai santificou e enviou ao mundo.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, a abundância da graça santificante da alma de Cristo derivou da união mesma com c Verbo, segundo o Evangelho: Nós vimos a sua glória, como de Filho unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade. Pois, como já demonstramos, no primeiro instante da sua concepção o corpo de Cristo foi animado e assumido pelo Verbo de Deus. Por onde e consequentemente, no primeiro instante da sua concepção Cristo teve a plenitude da graça que lhe santificou o corpo e a alma.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. - A ordem expressa pelo Apóstolo respeita aqueles que progridem até chegar ao estado espiritual. Ora, no mistério da Encarnação consideramos, antes, o descenço da divina plenitude à natureza humana, que um progresso da natureza humana, suposta preexistente, até Deus. Por isso, o homem Cristo teve, desde o princípio, o estado espiritual do homem.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Ser santificado é tornar-se uma coisa santa. Ora, uma coisa vem a ser, não somente partindo de um estado contrário, mas também de um termo contrário simplesmente negativo ou privativo; assim, o branco vem do preto e também do não branco. Ora, nós, de pecadores, tornamo-nos santos; e assim, a nossa santificação tem no pecado a sua causa. Ora, Cristo, enquanto homem, foi santificado, pois, nem sempre teve a santidade da graça; mas não se tornou santo, de pecador que antes fosse, porque nunca teve pecado. Santificou-se, portanto, de não santo que era, enquanto homem; não privativamente, como se antes, tendo sido homem, não tivesse sido santo; mas negativamente. isto é, porque enquanto não foi homem não teve a santidade humana. Por onde, foi simultaneamente feito homem e homem santo. Por isso disse o Anjo: O santo que há de nascer de ti. Expondo o que, diz Gregório: Afirma-se que Jesus nascerá santo, para distinguir a sua da nossa santidade; pois, nós, se nos tornamos santos, não nascemos santos, por estarmos sujeitos à condição de uma natureza corruptível. Mas só aquele verdadeiramente nasceu santo, que foi concebido sem o congresso sexual.
RESPOSTA À TERCEIRA. — De um modo o Pai produz a criação das coisas pelo Filho, e de outra toda a Trindade, a santificação dos homens, pelo homem Cristo. Pois, o Verbo de Deus tem uma operação da mesma virtude que a de Deus Padre; e assim. o Pai não opera pelo Filho, como por um instrumento movido, que move. Mas, a humanidade de Cristo, é como o instrumento da divindade. no sentido explicado antes. Por onde, a humanidade de Cristo é santificante e santificada.