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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 1 — Se Cristo devia participar da sociedade humana ou viver uma vida solitária.

 O primeiro discute-se assim. — Parece que Cisto não devia participar da natureza humana, mas viver uma vida solitária.

 
1. — Pois, Cristo, na sua vida, devia mostrar que era não somente homem, mas também Deus. Ora, a Deus não cabe participar da sociedade humana, como diz a Escritura: Exceto os deuses, que não tem comércio com os homens. E o Filósofo diz que quem vive solitário, ou é um animal feroz, isto é, se o fizer por selvageria, ou é Deus, se o fizer a fim de contemplar a verdade. Logo, parece que não devia Cristo participar da sociedade humana.
 
2. Demais. — Cristo enquanto viveu a vida mortal, devia tê-la vivido perfeitíssima. Ora a perfeitíssima das vidas é a contemplativa, como se estabeleceu na Segunda Parte. Ora, a vida contemplativa é por excelência uma vida solitária, segundo aquilo da Escritura: Eu o levarei
à soledade e lhe falarei ao coração. Logo, parece que Cristo devia viver uma vida solitária.
 
3. Demais. — O gênero de vida de Cristo devia ser uniforme, pois, devia sempre aparecer como a mais perfeita. Ora, às vezes Cristo procurava lugares solitários, fugindo à multidão; donde o dizer Remígio: Como lemos no Evangelho, o Senhor tinha três refúgios - a barca, o monte, o deserto, e a um deles se acolhia sempre que a multidão o cercava. Logo, devia viver sempre uma vida solitária.
 
Mas, em contrário, a Escritura: Depois disto foi ele visto na terra e conversou com os homens.
 
SOLUÇÃO. — O gênero de vida de Cristo devia ser tal que se enquadrasse nos fins da Encarnação para a qual veio ao mundo. Pois, veio ao mundo: primeiro, para manifestar a verdade, como ele próprio o disse: Eu para isso nasci e ao que vim ao mundo foi para dar testemunho da verdade. Logo, não devia ocultar-se, levando uma vida solitária, mas aparecer em público, pregando publicamente. Por isso, diz no Evangelho aos que queriam retê-lo: Às outras cidades é necessário também que eu anuncie o reino de Deus; que para isso é que fui enviado. - Segundo, veio para livrar os homens do pecado, segundo aquilo do Apóstolo: Cristo veio a este mundo para salvar os pecadores. Donde o dizer Crisóstomo: Embora fixando-se num lugar qualquer, Cristo pudesse atrair todos a si para lhe ouvirem a pregação, contudo não o fez, dando-nos o exemplo, a fim de perambularmos na busca dos que correm o risco de perecer, como o pastor procura a ovelha perdida e o médico procura curar o doente. - Terceiro, veio para nos fazer entrar na posse de Deus, no dizer do Apóstolo. Por isso, vivendo na familiaridade dos homens, era conveniente lhes inspirasse a confiança para se lhe achegarem a ele. Donde o dizer o Evangelho: E aconteceu que estando Jesus sentado à mesa numa casa, eis que, vindo muitos publicanos e pecadores, se sentaram a comer com ele e com os seus discípulos. Expondo o que, diz Jerónimo: Os pecadores, vendo o publicano converter-se dos seus pecados para uma vida melhor, tendo feito penitência a eles também não desesperavam da sua salvação.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Cristo quis pela sua humanidade manifestar a divindade. Por isso, convivendo com os homens, como é próprio do homem, manifestou a todos a sua divindade, pregando e fazendo milagres, e vivendo uma vida inocente e justa no meio deles.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como dissemos na Segunda Parte, a vida contemplativa, absolutamente considerada, é melhor que a ativa, cuja atividade versa sobre coisas materiais. Mas a vida ativa, pela qual, pregando e ensinando, se transmite aos outros o fruto da contemplação, é
mais perfeita que a puramente contemplativa; porque uma tal vida pressupõe as riquezas da contemplação. Por isso Cristo escolheu tal vida.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A atividade de Cristo foi para instrução nossa. E assim, a fim de dar exemplo aos pregadores, que nem sempre devem se apresentar em público, às vezes o Senhor se retraía da multidão. E assim procedeu por três razões, como lemos no Evangelho. - Umas vezes, para o seu repouso corporal. Assim, lemos que o Senhor disse aos seus discípulos =  Vinde, retirai-vos a algum lugar deserto e descansai um pouco. Porque eram muitos os que entravam e saíam e não tinham tempo para comerem. - Outras vezes, porém, por causa de oração, conforme aquele passo: E aconteceu naqueles dias, que saiu ao monte a orar e passou toda a noite em oração a Deus. Ao que diz Ambrósio: Leva-nos pelo seu exemplo aos preceitos da virtude. - Enfim, outras vezes, para nos ensinar a evitar os favores humanos. Donde aquilo do Evangelho - Vendo Jesus a grande multidão do povo, subiu a um monte - diz Crisóstomo: Preferindo o monte e a solidão à cidade e à praça pública, ensinou-nos a não fazer nada por ostentação e a fugir da agitação, sobretudo quando devermos tratar das coisas necessárias. 

Art. 8 — Se convenientemente se fez ouvir, depois de Cristo batizado, a palavra do Pai, proclamando o seu Filho.

 O oitavo discute-se assim. — Parece que inconvenientemente se fez ouvir, depois de Cristo batizado, a palavra do Pai, proclamando o seu Filho.

 
1. — Pois, do Filho e do Espírito Santo, por terem aparecido sensivelmente, se diz que foram 'visivelmente mandados. Ora, ao Pai não convém ser mandado, como está claro em Agostinho. Logo, nem aparecer.
 
2. Demais. — A voz significa o verbo concebido na mente. Ora, o Pai não é o Verbo. Logo, inconvenientemente se manifestou pela palavra.
 
3. Demais. — O homem Cristo não começou a ser Filho de Deus no batismo, como o pensavam certos heréticos; mas, desde o princípio da sua concepção foi Filho de Deus. Logo, antes na natividade do que no batismo, que devia ter-se feito ouvir a palavra do Pai, proclamando a divindade de Cristo.
 
Mas, em contrário, o Evangelho: Eis uma voz dos céus, que dizia - Este é meu filho amado, no qual tenho posto toda a minha complacência.
 
SOLUÇÃO. — Como dissemos, pelo seu batismo, que foi o exemplar do nosso, Cristo devia mostrar de modo incompleto, o que em o nosso aparece consumado. Ora, o batismo que os fiéis recebem é consagrado pela invocação e pela virtude da Trindade, segundo aquilo do Evangelho: Ide e ensinai a todas as gentes, batizando-as em nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo. E assim, no batismo de Cristo, como diz Jerônimo, manifesta-se o mistério da Trindade; pois, é o Senhor mesmo, revestido da natureza humana, o batizado; o Espírito Santo desceu sob a forma de pomba; foi ouvida a palavra do Pai dando testemunho a seu Filho. Por onde, era conveniente que, nesse batismo, o Pai se manifestasse verbalmente.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A missão visível é algo mais que a simples aparição, pois, implica a autoridade de quem envia.
E assim, do Filho e do Espírito Santo, procedentes de outro, diz-se não só que aparecem, mas também que são enviados visivelmente. Ao passo que o Pai, que de ninguém procede, pode por certo aparecer, mas não pode ser visivelmente enviado.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O Pai não se manifesta pela palavra, senão como o autor dela ou quem a profere. E sendo própria do Pai produzir o Verbo, o que é dizer ou falar, por isso e convenientemente o Pai se manifestou pela palavra, expressão do Verbo. Por isso, a palavra mesma proferida pelo Pai proclama a filiação do Verbo. E assim como a forma da pomba, pela qual se manifestou o Espírito Santo, não é a natureza mesma dele; nem a forma humana, pela qual se manifestou O· Filho, é a natureza mesma do Filho de Deus, assim também a palavra não fez parte da natureza do Verbo ou do Pai,  quando usou dela. Por isso o Senhor diz: Vós nunca ouvistes a sua voz, nem vistes quem o representasse. Com o que, como adverte Crisóstomo, querendo iniciá-los pouco a pouco na sua sublime filosofia, ensina-lhes que Deus não usa da palavra nem tem forma, mas é superior a toda figura como a toda palavra. E assim como toda a Trindade foi a que produziu a pomba e também a natureza humana assumida por Cristo, assim também formou a palavra. Contudo, por ela se manifestou só o Pai quando falou, assim como só o Filho foi quem assumiu a natureza humana e como pela pomba só se manifestou o Espírito Santo, como está claro em Agostinho.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A divindade de Cristo não devia manifestar-se a todos, na sua natividade, mas antes ocultar-se, com as imperfeições da idade infantil. Mas, chegado à idade perfeita, quando devia ensinar, fazer milagres e converter os homens, então, pelo testemunho do Pai, devia manifestar-se-Ihe a divindade, para tornar mais crível a sua doutrina. Por onde, ele próprio disse: Meu pai, que me enviou, esse é que deu testemunho de mim. E isso sobretudo no batismo, pelo qual os homens renascem como filhos adotivos de Deus; pois, os filhos adotivos de Deus o são por semelhança com o Filho por natureza, segundo o Apóstolo: Os que ele conheceu na sua presciência, também os predestinou, para serem conformes à imagem de seu Filho. Donde o dizer Hilário, que o Espírito Santo desceu sobre Jesus batizado e fez-se ouvir a voz do Pai que dizia: Este é 'meu Filho amado; para nos dar a conhecer, pelo que se cumpriu em Cristo, que quando formos lavados na água do batismo, das portas do céu o Espírito Santo desce sobre nós e a voz do Pai nos declara seus filhos adotivos. 

Art. 7 — Se a pomba, sob a forma da qual apareceu o Espírito Santo, era uma pomba verdadeira.

 O sétimo discute-se assim. — Parece que a pomba, sob a forma da qual apareceu o Espírito Santo, não era uma verdadeira pomba.

 
1. — Pois, o que aparece em figura apenas manifesta-se por semelhança. Ora, o Evangelho diz: Desceu sobre ele o Espírito Santo em forma corpórea como uma pomba. Logo, não era uma verdadeira pomba, mas só uma semelhança de pomba.
 
2. Demais. — Assim, como a natureza nada faz em vão, assim Deus, no dizer de Aristóteles. Ora, como a pomba, no caso vertente, não apareceu senão para significar alguma causa e logo desaparecer, no dizer de Agostinho, seria inútil uma pomba verdadeira, pois, o que acabamos de referir podia ser feito por uma semelhança de pomba. Logo essa pomba não era verdadeira pomba.
 
3. Demais. — As propriedades de uma coisa nos conduzem ao conhecimento da sua natureza. Se, pois, essa pomba o fosse verdadeiramente, as suas propriedades exprimiriam a natureza de um animal verdadeiro, mas não o efeito do Espírito Santo. Logo, não parece que essa pomba o fosse verdadeiramente.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho: Não o dizemos para significar que Nosso Senhor Jesus Cristo foi quem só teve um verdadeiro corpo, e que o Espírito Santo se mostrou enganosamente aos olhos dos homens; mas cremos que ambos tiveram corpos verdadeiros.
 
SOLUÇÃO. — Como dissemos ao Filho de Deus, que é a verdade do Pai, não convinha recorrer a nenhuma ficção. Por isso, assumiu um corpo, não fantástico, mas verdadeiro. E sendo o Espírito Santo o Espírito de Verdade, como diz o Evangelho, por isso também ele formou uma verdadeira pomba pela qual se manifestasse, embora não na assumisse na unidade de pessoa.
Eis porque, depois das palavras referidas, Agostinho acrescenta: Assim como o Filho de Deus não podia enganar os homens, assim também não o podia o Espírito Santo. Ora, ao Deus onipotente, que formou todas as criaturas do nada, não era difícil formar o corpo de uma verdadeira pomba, sem que fosse nascida de outra, assim como não lhe foi difícil formar um corpo verdadeiro no ventre de Maria, sem a cooperação masculina. Pois, a natureza material serve ao império e à vontade do Senhor, quer se trate de formar um homem no ventre de uma mulher, quer de formar uma pomba, como as outras existentes no mundo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O Evangelho diz que o Espírito Santo desceu sob a forma ou semelhança de pomba, não para excluir uma pomba verdadeira, mas para mostrar que ele próprio não se manifestou como substancialmente é.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Não foi supérfluo formar uma pomba verdadeira para ser a manifestação do Espírito Santo; pois, essa pomba verdadeira significava a verdade do Espírito Santo e dos seus efeitos.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — As propriedades da pomba tanto servem de significar a sua natureza como os efeitos do Espírito Santo. Pois, as suas propriedades mostram que ela significa o Espírito Santo. 

Art. 6 — Se é exato dizer-se que o Espírito Santo desceu sobre Cristo batizado em forma de pomba.

 O sexto discute-se assim. — Parece que não é exato dizer-se que o Espírito Santo desceu sobre Cristo batizado em forma de pomba.

 
1. — Pois, o Espírito Santo habita no homem pela graça. Ora, o homem Cristo teve a plenitude da graça desde o princípio da sua concepção, em que foi o Unigênito do Pai, como do sobredito resulta. Logo, o Espírito Santo não devia ter-lhe sido enviado no batismo.
 
2. Demais. — O Apóstolo diz que, pelo mistério da Encarnação, Cristo desceu ao mundo, quando se aniquilou a si mesmo, tomando a natureza de servo. Ora, o Espírito Santo não se encarnou. Logo, não é exato dizer que o Espírito Santo desceu sobre ele.
 
3. Demais. — O batismo de Cristo devia mostrar, por um como exemplo, o que se dá com o nosso batismo. Ora, no batismo que nós recebemos não há nenhuma missão visível do Espírito Santo. Logo, no batismo de Cristo devia manifestar-se a missão visível do Espírito Santo.
 
4. Demais. — O Espírito Santo deriva para nós mediante Cristo, segundo aquilo do Evangelho: Todos nós participamos da sua plenitude.
Ora, o Espírito Santo desceu sobre os Apóstolos, sob a forma, não de pomba, mas de fogo. Logo, não devia ter descido sobre Cristo em forma de pomba, mas de fogo.
 
Mas, em contrário, o Evangelho: Desceu sobre ele o Espírito Santo em forma corpórea, como uma pomba.
 
SOLUÇÃO. — O que se passou no batismo de Cristo, como diz Crisóstomo, constitui o mistério de todos os que no futuro haviam de ser batizados. Pois, todos os batizados pelo batismo de Cristo recebem o Espírito Santo, se não se apresentarem dolosamente para o receber, segundo aquilo do Evangelho: Ele vos batizará no Espírito Santo. Por isso foi conveniente que o Espírito Santo descesse sobre o Senhor, no seu batismo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como diz Agostinho, é absurdíssimo dizer que Cristo recebeu o Espírito Santo, quando já tinha trinta anos; pois, quando recebeu o batismo, assim como não tinha pecado, assim também já tinha o Espírito Santo. Se, pois, foi escrito, de João, que seria cheio do Espírito Santo desde o ventre da sua mãe, que devemos dizer do homem Cristo, cuja carne teve uma concepção espiritual e não carnal? Pelo seu batismo dignou-se prefigurar o seu corpo, isto é, a Igreja; na qual sobretudo os batizados recebem o Espírito Santo.
 
RESPOSTA ÀSEGUNDA, - Como diz Agostinho, quando a Escritura refere que o Espírito Santo desceu sobre Cristo sob a forma corpórea de uma pomba, não quer com isso significar que se tivesse tornada visível a substância mesma do Espírito Santo, que é invisível. Nem que essa criatura visível fosse assumida na unidade da pessoa divina. Assim, não diz que o Espírito Santo é pomba, como diz que o Filho de Deus é homem, em razão da união. E nem o Espírito Santo foi visto em forma de pomba, como João viu o cordeiro imolado no Apocalipse, conforme aí se lê; pois, essa foi uma visão em: espírito, mediante imagens espirituais dos corpos; ao passo que ninguém duvidou de ter visto realmente a pomba. Nem o Espírito Santo apareceu sob forma de pomba, no sentido em que o Apóstolo diz - Cristo porém era pedra; pois, a pedra referida no texto já existia anteriormente em a natureza e por analogia é designada para significar o nome de Cristo; ao passo que a pomba teve uma rápida aparição só para significar o Espírito, e depois 'desapareceu, como a chama' aparecida a Moisés na sarça ardente. - Quando, pois, o Evangelho refere que o Espírito Santo desceu sobre Cristo não era em razão da sua união com a pomba, mas em razão da pomba mesmo, símbolo do Espírito Santo, descendo sobre Cristo; ou ainda em razão da graça espiritual que deriva de Deus, descendo sobre a criatura, segundo aquilo da Escritura: Toda a dádiva em extremo excelente e todo o dom perfeito vem lá de cima e desce do Pai das luzes.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz Crisóstomo, o começo das manifestações do mundo espiritual aos homens é sempre mediante visões sensíveis, por causa dos incapazes de receber nenhuma inteligência da natureza incorpórea; de modo que, se essesmesmos sinais não vierem outra vez a reproduzir-se, fique a fé infundida pelas primeiras aparições. Por isso, sobre Cristo batizado o Espírito Santo desceu visivelmente sob forma corpórea, para que depois se acreditasse na sua descida invisivelmente sobre todos os batizados.
 
RESPOSTA À QUARTA. — O Espírito Santo desceu visivelmente sobre Cristo batizado em forma de pomba, por quatro razões.
 
Primeiro, para mostrar a disposição que deve ter o batizado, de não achegar-se ao batismo dolosamente; pois, como diz a Escritura, o Espírito Santo, mestre da disciplina, fugirá do fingido. Ora, a pomba é um animal simples, sem astúcia nem dolo, donde o dizer o Evangelho: Sêde simples como as pombas. Segundo, para designar os sete dons do Espírito Santo que as propriedades da pomba simbolizam. - Assim, habita a pomba ao longo dos cursos de água, por onde mergulha e foge quando o gavião a persegue. E isso simboliza o dom da sabedoria, que leva os santos a habitarem perto das águas da divina Escritura, para fugirem aos ataques do diabo. - Do mesmo modo, a pomba escolhe os melhores grãos: símbolo do dom da ciência pela qual os santos escolhem como alimento do espírito as doutrinas sãs. - Igualmente, a pomba cria os filhotes das outras aves: símbolo do dom do conselho pelo qual os santos educam pela doutrina e pelo exemplo os homens que, pequenos e fracos, foram como os imitadores do diabo. - Depois, a pomba não dilacera com o bico: símbolo da inteligência, pela qual os santos não pervertem, dilacerando-a, a sagrada doutrina, ao modo dos heréticos. - Ainda, a pomba não tem fel: símbolo do dom de piedade, pela qual os santos não nutrem nenhuma cólera irracional. - Em seguida, a pomba nidifica nas cavas dos rochedos: símbolo do dom da fortaleza, pela qual os santos edificam o seu ninho na pedra firme das chagas de Cristo morto, isto é, nela buscam o seu refúgio e colocam as suas esperanças. - Enfim, a pomba tem o gemido por canto: símbolo do dom do temor, pelo qual os santos se comprazem em gemer pelos pecados. Em terceiro lugar, o Espírito Santo apareceu em figura de pomba, por causa do efeito do batismo, que é a remissão dos pecados e a reconciliação com Deus; pois, a pomba é um animal cheio de mansidão. Por isso, Crisóstomo diz que no dilúvio ela apareceu trazendo um ramo de oliveira e anunciando a paz geral do mundo; e também apareceu no batismo de Cristo para mostrar-nos o nosso Salvador. Quarto, o Espírito Santo desceu sob a forma de pomba sobre o Senhor batizado, para mostrar o efeito comum do batismo, que é a construção da unidade eclesiástica. Donde o dizer o Apóstolo, que Cristo se entregou a si mesmo para apresentar a si mesmo a Igreja gloriosa sem mácula nem ruga, nem outro algum defeito semelhante, purificando-a no batismo da água pela palavra da vida. Por isso, o Espírito Santo manifestou-se adequadamente, no batismo de Cristo, sob a forma de pomba, animal pacífico e gregário. Eis porque diz a Escritura: Uma só é a minha pomba.
Mas, sobre os Apóstolos o Espírito Santo desceu sob a forma de fogo, por duas razões. - Primeiro, para mostrar o fervor que lhes devia inflamar o coração para pregarem a Cristo em toda parte, em meio de quaisquer perseguições. Por isso, apareceu também em forma de línguas de fogo. Donde o dizer Agostinho: De dois modos o Senhor manifestou visivelmente o Espírito Santo, a saber: pela pomba, descida sobre o Senhor batizado; e pelo fogo, sobre os discípulos congregados. Lá mostrou-se a simplicidade; aqui, o fervor. E assim, para não terem dobrez os santificados pelo Espírito, mostrou-se como pomba; e para que a simplicidade não seja acompanhada da frigidez, sob a forma de fogo. Nem nos perturbe o fato da divisão das línguas de fogo, pois a pomba representa a unidade. - Segundo, porque, como diz Crisóstomo (Gregório), quando importava perdoar os delitos, o que o fez o batismo, era necessária a mansidão, simbolizada pela pomba. Mas, depois que alcançamos a graça; só resta o tempo do juízo, simbolizado pelo fogo. 

Art. 5 — Se no batismo de Cristo os céus deviam abrir-se.

 O quinto discute-se assim. — Parece que no batismo de Cristo os céus não deviam abrir-se.

 
1. — Pois, deve abrir-se o céu a quem estando de fora, precisa entrar nele. Ora, Cristo sempre esteve no céu, como o diz o Evangelho. Logo, parece que os céus não se lhe deviam abrir.
 
2. Demais. — A abertura dos céus se entende em sentido espiritual ou material. Ora, não se pode entender em sentido material, pois que os corpos celestes são impassíveis e infrangíveis, conforme o dito da Escritura: Talvez formaste tu com ele os céus, que são tão sólidos como se fossem de metal. Nem em sentido espiritual, porque ante os olhos de Deus os céus nunca estiveram fechados. Logo, parece inconveniente
dizer que no batismo de Cristo
se lhe abriram os céus.
 
3. Demais. — Aos fiéis o céu se abriu pela paixão de Cristo, segundo aquilo do Apóstolo: Temos confiança de entrar no santuário pelo sangue de Cristo. Por isso, os que não receberam o batismo de Cristo e que morreram antes da sua paixão, também não puderam entrar no céu. Logo, os céus deviam ter-se aberto antes na paixão que no batismo de Cristo.
 
Mas, em contrário: o Evangelho: Depois de batizado Jesus e estando em oração, abriu-se o céu.
 
SOLUÇÃO. — Como se disse, Cristo quis batizar-se para consagrar, com o seu batismo o que nós devíamos receber. Por isso o batismo de Cristo devia manifestar o que constitui a eficácia do nosso. No que três pontos se apresentam à nossa consideração. Primeiro, a virtude principal donde o batismo tira a sua eficácia, que é uma virtude celeste. Por isso, no batismo de Cristo, o céu se abriu para mostrar como, no futuro, a virtude celeste santificaria o batismo. Segundo, a fé da Igreja e a do batizado cooperam para a eficácia do batismo; por isso, os batizados fazem profissão da sua fé e o batismo se chama o sacramento da fé. Ora, pela fé nós nos alçamos à contemplação das coisas celestes, excedentes ao sentido e à razão humana. E para o significar, os céus se abriram no batismo de Cristo. Terceiro, porque pelo batismo de Cristo nos é especialmente franqueada a entrada do reino celeste, que fora fechada ao primeiro homem pelo pecado. Por isso, no batismo de Cristo, abriram-se os céus para mostrar que aos batizados está patente o caminho para o céu. - Depois do batismo, porém é necessária ao homem uma oração contínua, para entrar no céu. Embora, pois, pelo batismo se perdoem os pecados, permanece contudo a concupiscência como um efeito dele, que nos impugna interiormente, bem como o mundo e os demônios, nossos inimigos externos. Por isso, diz sinaladamente o Evangelho: Depois de batizado Jesus e estando em oração, abriu-se o céu; porque aos fiéis é necessária a oração depois do batismo. - Ou para compreendermos que o mesmo abrirem-se os céus aos crentes, pelo batismo, foi em virtude da oração de Cristo. Donde o dizer o Evangelho sinaladamente, que se lhe abriu o céu, isto é, a todos por causa de Cristo, assim como um imperador diria a quem lhe suplicasse por um terceiro - eis não lhe dou esse benefício a ele, mas a ti, isto é, por tua causa é que lh'o dou, como diz Crisóstomo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como diz Crisóstomo, assim como Cristo foi batizado em razão da sua natureza humana, embora em si mesmo não precisasse de batismo, assim os céus se lhe abriram à sua natureza humana, embora pela sua natureza divina sempre estivesse no céu.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz Jerônimo, os céus se abriram a Cristo batizado, não pela divisão dos elementos, mas aos olhos do espírito; assim como Ezequiel diz, no começo das suas profecias, que os céus se lhe abriram. E isso o prova Crisóstomo quando diz, que se fosse a criatura mesma dos céus, que se rompesse, não diria o evangelista - abriu-se-lhe; pois o que materialmente se abre a todos, está aberto. Por isso, Marcos expressamente diz que logo que saiu da água, viu Jesus os céus abertos, como referindo a abertura mesma dos céus à visão de Cristo. O que certos referem à visão corpórea, dizendo ter sido tamanho o esplendor com que refulgiu Cristo no seu batismo, que parecia terem-se rasgado os céus. Mas também podemos referi-lo à visão imaginária, modo pelo qual Ezequiel viu os céus abertos; assim por ação da virtude divina e da vontade racional, formou-se uma tal visão na imaginação de Cristo, para exprimir que obatismo abriu aos homens a entrada do céu. Enfim, podemos entendê-lo da visão intelectual, isto é, Cristo viu, depois de santificado pelo batismo, o céu aberto aos homens; o que já antes via como devendo realizar-se.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A paixão de Cristo foi uma causa comum de os céus se abrirem aos homens. Mas essa causa há de aplicar-se a cada um para lhe tornar possível a entrada no céu. E isso se dá pelo batismo, segundo aquilo do Apóstolo: Todos os que fomos batizados em Jesus Cristo, fomos batizados na sua morte. Por isso se faz menção da abertura dos céus, antes no batismo, que na paixão. - Ou, como diz Crisóstomo, os céus se abriram depois de Cristo batizado, mas depois que venceu o tirano, não sendo mais necessárias as portas, pois que o céu não devia mais fechar-se, os anjos não disseram - Abri as portas (pois já estavam abertas), mas - tirai as portas. Pelo que Crisóstomo dá a entender, que os obstáculos, que antes impediam as almas dos defuntos de entrar no céu, foram totalmente arredados pela paixão de Cristo; mas pelo batismo foram abertas, como para nos mostrar a via pela qual os homens haviam de entrar no céu. 

Art. 4 — Se Cristo devia ter sido batizado no Jordão.

 O quarto discute-se assim. — Parece que Cristo não devia ser batizado no Jordão.

 
1. — Pois, a verdade deve realizar o que a figurava. Ora, figura do batismo foi a passagem do Mar Roxo, onde os Egípcios ficaram submersos, assim como os pecados são delidos pelo batismo. Logo, parece que Cristo devia ter sido batizado, antes, no mar que no rio Jordão.
 
2. Demais. — Jordão significa descenço. Ora, pelo batismo nós antes ascendemos que descemos; donde o dizer o Evangelho que depois que Jesus foi batizado, saiu logo para fora da água. Logo, parece ter sido inconveniente o batismo de Cristo no Jordão.
 
3. Demais. — Tendo passado os filhos de Israel, as águas do Jordão tornaram à sua madre, como se lê na Escritura. Ora, os batizados, longe de retrogredirem, marcham para a frente. Logo, não parece ter sido conveniente o batismo de Cristo no Jordão.
 
Mas, em contrário, o Evangelho: Jesus foi batizado por João no Jordão,
 
SOLUÇÃO. — Pelo rio Jordão é que os filhos de Israel entraram na terra da promissão. Ora, o bati o de Cristo tem isto de especial sobre os demais batismos, que introduz no reino de Deus, simbolizado pela terra da promissão. Donde o dizer a Escritura: Quem não renascer da água e do Espírito Santo não pode entrar no reino de Deus. Ao que também se refere o fato de ter Elias dividido as águas do Jordão, quando foi arrebatado do céu num carro de fogo, segundo lemos na Escritura; assim também aos que passam pela água do batismo se lhes torna patente a entrada do céu pelo fogo do Espírito Santo. Logo foi conveniente que Cristo tivesse sido batizado no Jordão.
 
DONDE A RESPOSTA ÀPRIMEIRA OBJEÇÃO. - O trânsito do Mar Roxo prefigurou o batismo, quanto ao delir os pecados, causado pelo batismo. Mas o trânsito do Jordão, quanto ao abrir as portas do reino celeste, que é o mais principal efeito do batismo, causado só por Cristo. Logo, foi conveniente que Cristo tivesse sido batizado no Jordão e não no mar.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O batismo é uma ascensão pelo progresso na graça; pois, exige o descenço da humildade, segundo aquilo da Escritura: Aos humildes dá a graça. E a esse descenço é que deve ser referido o nome de Jordão.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz Agostinho, assim como antes as águas do Jordão retrocederam, assim também o batismo de Cristo faz retrocederem os pecados. - Ou ainda, esse descenço das águas significava que, contrariamente a ele, o rio das bênçãos cresceria para o alto. 

Art. 3 — Se Cristo foi batizado no tempo conveniente.

 O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo não foi batizado no tempo conveniente.

 
1. — Pois, Cristo foi batizado para levar os outros a imitarem o seu exemplo. Ora, é louvável que os fiéis de Cristo sejam batizados não só antes dos trinta anos, mas mesmo em idade infantil. Logo, parece que Cristo não devia ter sido batizado na idade de trinta anos.
 
2. Demais. — Não lemos no Evangelho que Cristo ensinasse ou fizesse milagres antes do batismo. Ora, teria sido mais útil ao mundo se tivesse ensinado antes, começando dos vinte anos ou ainda antes. Logo, parece que Cristo, que veio ao mundo para bem dos homens, devia ter sido batizado antes dos trinta anos.
 
3. Demais. — O sinal da sabedoria infundida por Deus devia manifestar-se sobretudo em Cristo. Ora, manifestou-se em Daniel no tempo da sua puerícia, segundo o diz a Escritura: Suscitou o Senhor o santo espírito de um moço ainda menino, cujo nome era Daniel. Logo, com maioria de razão, Cristo devia ter sido batizado e ter começado a ensinar, na sua puerícia.
 
4. Demais. — O batismo de João se ordenava ao de Cristo como ao fim. Ora, o fim, primeiro na intenção, é último na execução. Logo, Cristo ou devia ser o primeiro ou o último a ser batizado por João.
 
Mas, em contrário, o Evangelho: E aconteceu que como recebesse o batismo todo o povo depois de batizado também Jesus e estando em oração. E mais adiante: E o mesmo Jesus começava a ser quase de trinta anos.
 
SOLUÇÃO. — Cristo foi convenientemente batizado no seu trigésimo ano de idade. - Primeiro, porque desde o seu batismo é que Cristo começou, por assim dizer, a ensinar e a pregar; o que exige uma idade perfeita, qual é a dos trinta anos. Por isso, como lemos na Escritura, José tinha trinta anos quando assumiu o governo do Egito. E também ela refere que Davi tinha trinta anos quando começou a reinar. E ainda, que Ezequiel começou a profetizar aos trinta anos. - Segundo, porque, como diz Crisóstomo, depois do batismo de Cristo a lei antiga começava a deixar de vigorar. Por isso, Cristo recebeu o batismo numa idade em que podia assumir todos os pecados de modo que ninguém pudesse dizer que ele abrogou a lei por não a poder observar. - Terceiro, porque o ter Cristo recebido o batismo numa idade perfeita significa que o batismo gera os varões perfeitos, segundo àquilo do Apóstolo: Até que todos cheguemos à unidade da fé e ao conhecimento do Filho de Deus, a estado de varão perfeito, segundo a medida da idade completa de Cristo. Pois, o demonstram até as propriedades do número trinta resultante da combinação de três e de dez: o número três significa a fé na Trindade; dez é o número dos mandamentos da lei a serem cumpridos; e nessas duas coisas consiste a perfeição da vida cristã.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como diz Gregório Nazianzeno, Cristo não foi batizado porque precisasse de purificação, não havendo por isso nenhum perigo de lhe diferir o batismo. Mas para qualquer outro redundará em perigo não pequeno partir desta vida sem estar revestido das vestes da incorrupção, isto é, da graça. E embora seja bom conservar, depois do batismo, a pureza batismal, contudo, como também o diz Agostinho, é às vezes melhor ficarmos expostos a pequenas máculas, do que carecermos de todo da graça.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo é uma fonte de bens para os homens, que sobretudo obtemos pela fé e pela humildade. E ele nos ensinou fortemente essas virtudes, não começando a ensinar senão depois que saiu da puerícia e da adolescência e atingiu a idade perfeita. Ensinou-nos a fé, tornando evidente por meio dela a verdade da sua natureza humana; pois, essa verdade se mostra no desenvolvimento do seu corpo, relativamente aos anos. E para que não se pudesse dizer que esse desenvolvimento era fantástico, não quis manifestar a sua sabedoria e a sua virtude senão quando atingiu a idade do seu pleno desenvolvimento. Ensinou-nos ainda a humildade, a fim de que ninguém tenha a presunção de subir às honrar, antes da idade, nem a de assumir o ofício de ensinar.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo foi proposto como exemplo para todos os homens. Por isso devia mostrar em si o que a lei comum exige de todos; donde o não ter ensinado senão quando atingiu a idade perfeita. Mas, como diz Gregório Nazianzeno, não é lei da Igreja o que raramente se dá, assim como uma andorinha não faz primavera. Embora a certos, por uma dispensa especial fosse concedido, por determinadas razões da sabedoria divina, o poder de governar ou de ensinar, antes de terem atingido a idade perfeita; talo que se deu com Salomão, Daniel e Jeremias.
 
RESPOSTA À QUARTA. — Cristo nem foi o primeiro nem o último que devesse ser batizado por João. Porque, como diz Crisóstomo, Cristo
foi batizado
para confirmar a pregação e o batismo de João, e para que recebesse o testemunho deste. Pois, não haveriam de crer no testemunho de João senão depois que muitos foram batizados por ele. Por isso não devia ter sido o primeiro que João batizasse. - Semelhantemente, nem o último. Porque, como Crisóstomo acrescenta no mesmo lugar, assim como a luz do sol não espera o ocaso da estrela da manhã, mas a precede para em breve obscurecê-la com o esplendor do seu lume, assim também Cristo não esperou que João terminasse o curso da sua vida, mas apareceu quando ainda ele ensinava e batizava. 

Art. 2 — Se Cristo devia receber o batismo de João.

 O segundo discute-se assim. — Parece que Cristo não devia receber o batismo de João.

 
1. — Pois, o batismo de João foi um batismo de penitência. Ora, a penitência não convinha a Cristo, isento de todo pecado. Logo, parece que não devia receber o batismo de João.
 
2. Demais. — O batismo de João, como diz Crisóstomo, foi um meio termo entre o batismo dos Judeus e o de Cristo. Ora, o termo médio
participa da natureza dos extremos,
como diz Aristóteles. Ora, como Cristo não recebeu o batismo da lei nem o seu próprio, parece que, pela mesma razão não devia receber o de João.
 
3. Demais. — Tudo o que é ótimo, na ordem humana deve ser atribuído a Cristo. Ora, o batismo de João não é o supremo dos batismos. Logo, não devia Cristo receber o batismo de João.
 
Mas, em contrário, o Evangelho: Veio Jesus ao Jordão para ser batizado por João.
 
SOLUÇÃO. — Como diz Agostinho, o Senhor batizava, depois de batizado, mas não pelo batismo com que o foi. Por onde, como administrava um batismo que lhe era próprio, não recebeu o seu próprio batismo, mas o de João. E assim devia ser. - Primeiro, pela condição do batismo de João, que não batizava no Espírito, mas só em água. Ora, Cristo não precisava de nenhum batismo espiritual, porque desde o princípio da sua concepção teve a plenitude da graça do Espírito Santo, como do sobredito resulta. E essa é a razão dada por Crisóstomo. Segundo, como diz Beda, recebeu o batismo de João, para comprová-lo com o seu batismo. – Terceiro, como diz Gregório Nazianzeno, Cristo recebeu o batismo de João para santificar o batismo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como dissemos, Cristo quis ser batizado a fim de, com o seu exemplo, nos induzir a receber o batismo. E para ser mais eficaz a sua indução, quis receber um batismo de que manifestamente não precisava, para que os homens recebam o de que precisam. Donde o dizer Ambrósio: Ninguém recuse o lavacro da graça, pois Cristo não recusou o lavacro da penitência.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O batismo dos judeus, preceituado pela lei, era somente figurado: ao passo que o de João de certo modo era oral, por induzir os homens a se absterem do pecado: mas o batismo de Cristo tinha a eficácia de purificar do pecado e conferir a graça. Quanto a Cristo, nem precisava de receber a remissão dos pecados, dos quais estava isento, nem de receber a graça, da qual tinha a plenitude. Semelhantemente, sendo ele a Verdade, não lhe podia convir o que se realizava só figuradamente. Por isso, mais conforme lhe era receber um batismo médio, do que um dos extremos.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O batismo é um certo remédio espiritual. Ora, mais um ser é perfeito e menos necessidade tem de remédio. Por onde, sendo Cristo perfeito por excelência, não devia receber o perfeitissimo dos batismos, assim como não precisa quem é são da eficácia de nenhum remédio. 

Art. 1 — Se devia Cristo ser batizado.

 O primeiro discute-se assim. — Parece que não devia Cristo ser batizado.

 
1. — Pois, o batismo é uma ablução. Ora, desta não precisava Cristo, isento de qualquer impureza. Logo, parece que Cristo não devia ser batizado.
 
2. Demais. — Cristo recebeu a circuncisão para cumprir a lei. Ora, o batismo não era exigido pela lei. Logo, não devia ser batizado.
 
3. Demais. — Em qualquer gênero de movimento o primeiro motor é imóvel; assim o céu, a causa primeira da alteração, não é susceptível de ser alterado. Ora, Cristo foi o primeiro que batizou, segundo àquilo do Evangelho: Aquele sobre que tu vires descer o Espírito Santo e repousar sobre ele, esse é o que batiza. Logo, não convinha ele próprio ser batizado. Mas, em contrário, o Evangelho diz, que veio Jesus de Galileia ao Jordão ter com João para ser batizado por ele.
 
SOLUÇÃO. — Cristo devia ser batizado. - Primeiro, porque, como diz Ambrósio, o Senhor foi batizado, não por querer purificar-se; mas para purificar as águas que, purificadas assim pelo corpo de Cristo, isento de pecado, pudessem servir para o batismo e a fim de deixar para o futuro as águas santificadas para os que devessem ser batizados, como ensina Crisóstomo. Segundo, porque, como diz Crisóstomo, embora Cristo não fosse pecador, contudo assumiu uma natureza pecadora e a semelhança da carne do pecado. Por onde, embora não precisasse ele próprio de batismo, contudo deste precisava a natureza carnal dos outros. E como diz Gregório  Nazíanzeno, Cristo foi batizado, para imergir na água todo o velho Adão. - Terceiro, quis ser batizado Cristo, porque como diz Agostinho, quis fazer o que ordenou a todos fazerem. Tal o que significam as suas próprias palavras: Assim nos convém cumprir toda a justiça. Pois, como diz Ambrósio, a justiça exige que comecemos por fazer o que queremos que os outros façam e exortemos os outros a nos imitarem pelo nosso exemplo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Cristo não foi batizado para abluir-se, mas para abluir, como dissemos.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo não só devia cumprir os preceitos da lei antiga: mas ainda dar início aos da nova. Por isso, não somente quis circuncidar-se, mas também batizar-se.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo foi o primeiro que conferiu o batismo espiritual. E assim, não foi batizado senão só em água. 

Art. 6 — Se os que já tinham recebido o batismo de João deviam receber também o batismo de Cristo.

 O sexto discute-se assim. — Parece que os que tinham recebido o batismo de João não deviam receber depois o batismo de Cristo. 

1. — Pois, João não era menor que os Apóstolos segundo a ele se refere o Evangelho: Entre os nascidos de mulheres não se levantou outro maior que João Batista. Ora, os que foram batizados pelos Apóstolos não o foram de novo, mas só se lhes acrescentou a imposição das mãos. Assim, diz a Escritura, que certos foram somente batizados por Filipe em nome do Senhor Jesus; então os Apóstolos, isto é, Pedro e João, punham as mãos sobre eles e recebiam o Espírito Santo. Logo, parece que os batizados por João não deviam receber também o batismo de Cristo.
 
2. Demais. — Os Apóstolos receberam o batismo de João, pois, alguns foram discípulos dele. Ora, parece que os Apóstolos não receberam o batismo de Cristo; assim, diz o Evangelho: Jesus não batizava, mas sim os seus discípulos. Logo, parece que os que tinham recebido o batismo de João não deviam depois receber o de Cristo.
 
3. Demais. — O batizado é inferior a quem o batiza. Ora, não diz a Escritura que João tivesse recebido o batismo de Cristo. Logo, com maior razão, os batizados por João precisavam de ser depois batiza dos por Cristo.
 
4. Demais. — Diz a Escritura: Paulo achou alguns discípulos e lhes disse: Vós recebestes o Espírito Santo quando abraçastes a fé? E eles lhe responderam: Antes nós nem sequer temos ainda ouvido se há Espírito Santo. E ele lhes disse: Em que batismo fostes vós batizados? eles disseram: No batismo de João. Por onde, foram batizados de novo em nome do Senhor Jesus. E assim, parece que era preciso serem batizados de novo, por ignorarem a existência do Espírito Santo, como dizem Jerônimo e Ambrósio. Ora, certos receberam o batismo de João, que tinham conhecimento pleno da Trindade. Logo, não deviam receber de novo o batismo de Cristo.
 
5. Demais. — Aquilo do Apóstolo: Esta é a palavra da fé que pregamos - diz a Glosa de Agostinho: Donde tira a água essa virtude tão maravilhosa de purificar à coração, ao mesmo tempo que lava o corpo, senão por efeito da palavra, não precisamente porque pronunciada, mas porque crida? Por onde, é claro que a virtude do batismo depende da fé. Ora, a forma do batismo de João simbolizava a fé com a qual somos batizados, conforme àquilo do Apóstolo: João batizou ao povo com batismo de penitência, dizendo: Que cressem naquele que havia de vir depois dele, isto é, em Jesus. Logo, parece não era necessário os que receberam o batismo de João terem que receber de novo o de Cristo.
 
Mas, em contrário, Agostinho: Os que receberam o batismo de João era preciso receberem depois o de Cristo.
 
SOLUÇÃO. — Segundo a opinião do Mestre das Sentenças, os que receberam o batismo de João, ignorando, a existência do Espírito Santo, mas pondo a esperança nesse batismo, receberam depois o batismo de Cristo; mas os que não punham a sua esperança no batismo de João e criam no Pai, no Filho e no Espírito Santo, não foram batizado o depois, mas pela imposição das mãos feitas sobre eles pelos apóstolos, receberam o Espírito Santo. E isto é por certo verdade, quanto à primeira parte, confirmado por muitas autoridades. Mas, a segunda arte dessa afirmação é de todo irracional. - Primeiro, porque o batismo de João não conferia a graça nem imprimia caráter, mas era só em água como ele próprio o diz. Por isso, a fé ou a esperança que o batizado tivesse em Cristo não podia suprir essa falta. - Segundo, porque quando num sacramento se omite o que faz essencialmente parte dele, não só há necessidade de suprir essa omissão, mas é mister tornar a ministrar de novo o sacramento. Ora, o batismo de Cristo essencialmente exigia fosse ministrado, não só em água, mas no Espírito Santo, conforme àquilo do Evangelho: Quem não renascer da água e do Espírito Santo não pode entrar no reino de Deus. Por onde, aos que só pela água receberam o batismo de João, não era preciso suprir o que lhes faltava, de modo que lhes fosse conferido o Espírito Santo pela imposição das mãos, mas deviam de novo e totalmente ser batizados na água e no Espírito Santo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como diz Agostinho, houve outro batismo além do João, por que estenão ministrava o batismo de Cristo, mas o seu. Mas, o que fosse conferido por Pedro ou ainda por Judas, esse era de Cristo. Por isso, os que Judas batizou não precisavam de novo batismo; pois, o batismo é tal qual foi instituído por quem tinha poderes para fazê-lo, em nada dependendo a sua essência daquele que o ministra. Por isso também os batizados de Filipe diácono, que ministrava o batismo de Cristo, não foram de novo batizados, mas receberam dos Apóstolos a imposição das mãos; assim como os batizados pelos sacerdotes são confirmados pelos bispos.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz Agostinho, entendemos que os discípulos de Cristo foram batizados, quer pelo batismo de João, como alguns pensam, quer, o que é mais crível, pelo batizado de Cristo; pois, não podia deixar de regular o ministério do batismo, dando aos já batizados o poder de batizar os outros, aquele que se não dedignou de lavar os pés aos seus discípulos, para dar-lhes maior exemplo de humildade.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como ensina Crisóstomo, o ter Cristo a João que dizia - Eu sou o que devo ser batizado por ti, respondido - Deixa por ora - mostra que depois Cristo batizou a João. E refere que tal está claramente escrito em certos livros apócrifos. Mas é certo, como ensina Jerônimo, que assim como Cristo foi batizado na água por João, assim João devia ser batizado por Cristo no Espírito.
 
RESPOSTA À QUARTA. — A causa total, desses tais terem sido batizados depois de haverem recebido o batismo de João, não foi o desconhecerem o Espírito Santo, mas o não terem recebido o batismo de Cristo.
 
RESPOSTA À QUINTA. — Como diz Agostinho, os nossos sacramentos são os sinais da graça presente; ao passo que os da lei antiga eram os da graça futura. Por onde, o fato mesmo de João batizar, em nome do que devia vir, prova que não conferia obatismo de Cristo, que é um sacramento da lei nova.
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