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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 4 – Se a árvore da vida podia ser causa de imortalidade.

O quarto discute–se assim. – Parece que a árvore da vida não podia ser causa da imortalidade.

1. – Pois, nada pode atuar além do que lhe permite a espécie, o efeito não podendo exceder à causa. Ora, a árvore da vida era corruptível; do contrário não podia ser tomada como alimento pois que este, como já se disse, se converte na substância do ser nutrido. Logo, a árvore da vida não podia conferir a incorruptibilidade ou imortalidade.

2. Demais. – Os efeitos causados pelas virtudes das plantas e dos outros seres da natureza são naturais. Se pois a árvore da vida causasse a imortalidade, esta seria natural.

3. Demais. – Tal imortalidade viria a se confundir com as fábulas dos antigos ridicularizados pelo Filósofo, que diziam tornarem–se imortais os deuses que comiam de certo alimento.

Mas, em contrário, diz a Escritura: Para que não suceda que ele lance a sua mão e tome também da árvore da vida, e coma e viva eternamente.

DEMAIS. – Agostinho diz: O fato de comer da árvore da vida impediria a corrupção do corpo; e por isso este, ainda depois do pecado, podia permanecer indissolúvel se lhe fosse logo permitido comer da sobredita árvore.

SOLUÇÃO. – A árvore da vida causava a imortalidade, não absolutamente, mas de certo modo. Para a evidência do que devemos considerar que o homem, no primeiro estado, tinha, para a conservação da vida, dois remédios contrários a duas deficiências. – Destas, a primeira é a perda da umidade por ação do calor natural, instrumento da alma. E essa deficiência o homem a eliminaria comendo das outras árvores do paraíso, como agora a eliminamos pelos alimentos que tomamos. – A segunda deficiência vem, como diz o Filósofo, de que, o assimilado de um corpo estranho, e acrescentado à umidade preexistente diminui a virtude ativa da espécie. Assim, a água acrescentada ao vinho, primeiro converte–se no sabor deste; mas quanto mais for acrescentada tanto mais diminui a fortidão do vinho, até que enfim este se torna aquoso. Pois do mesmo modo, vemos que, no princípio, a virtude ativa da espécie é de tal modo forte, que pode tirar do alimento não só o que lhe basta para a restauração do perdido, mas também o suficiente para o crescimento. Porém depois o assimilado não basta para o crescimento; mas só para a restauração do perdido. E por fim, na idade da velhice, nem para isso basta,· donde vem o decremento e finalmente a dissolução do corpo. Ora, essa deficiência o homem a eliminava pela árvore da vida, que ti ilha a virtude de fortificar a espécie contra a debilidade proveniente da imissão de elementos estranhos. E por isso diz Agostinho: o homem tomava do alimento para que não tivesse fome; da bebida, para que não tivesse sede; da árvore da vida, para que a velhice não o dissolvesse, E ainda: a árvore da vida, ao modo de remédio, impedia qualquer corrupção.

Mas, nem por isso causava, absolutamente a imortalidade. Porque, nem a virtude inerente à alma, para a conservação do corpo, era causada pela árvore –da vida; nem também a imortalidade podia causar uma disposição tal ao corpo, que este nunca viesse a dissolver–se. E isso resulta claro de ser finita a virtude de todos os corpos. Pois, a virtude da árvore da vida não podia chegar até dar ao corpo a virtude de durar por tempo infinito, senão só por determinado tempo. Porquanto é manifesto que quanto maior é uma virtude tanto mais durável efeito influi. Por onde, sendo finita a virtude da árvore da vida, preservava, uma vez que dela se comesse, da corrupção, por determinado tempo, acabado o qual o homem, ou seria transferido para a vida espiritual, ou precisaria, de novo comer da sobredita árvore.

E daqui se deduzem as RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES. – Pois, as primeiras concluem que a árvore da vida não causava a incorruptibilidade, absolutamente. – Enquanto as outras concluem que a causava, impedindo a corrupção, ao modo predito.

Art. 3 – Se o homem; no estado de inocência, precisava de alimentos.

O terceiro discute–se assim. – Parece que o homem, no estado de inocência, não precisava de alimentos.

1. – Pois, o alimento é necessário ao homem para recuperar as forças perdidas. Ora, o corpo de Adão, sendo incorruptível, não sofria nenhuma perda. Logo, não lhe era necessário o alimento.

2. Demais. – O alimento é necessário para nutrir; mas, nutrição implica paixão. Ora, como o corpo do homem era impassível, não lhe era necessário o alimento, segundo parece.

3. Demais. – O alimento nos é necessário para a conservação da vida. Ora, Adão podia conservar a vida de outro modo; pois, se não tivesse pecado não morreria. Logo, o alimento não lhe era necesssário,

4. Demais. – Da alimentação resulta a rejeição do supérfluo, o que implica certa torpeza, que não condiz com a dignidade do primeiro estado. Logo, conclui–se que o homem, no primeiro estado, não usava de alimentos.

Mas, em contrário, diz a Escritura: Come de todos os frutos das árvores do paraíso.

SOLUÇÃO. – O homem no estado de inocência tinha a vida animal, que necessita de alimentos: porém, depois da ressurreição, terá a vida espiritual que deles não necessita. Para o entendimento do que devemos considerar que a alma racional é alma e espírito. E alma pelo que tem de comum com os animais, que é dar a vida ao corpo; e por isso diz a Escritura: Foi jeito o homem em alma vivente, isto é, que dá vida ao corpo, Mas é espírito pelo que lhe é próprio a si e não aos animais, isto é, ter virtude intelectiva imaterial. Por onde, no primeiro estado, o que a alma tinha como alma, era comum com o corpo, e, por ter a vida, da alma, é que o sobredito corpo chamava–se animal. Ora, o princípio primeiro da vida, nos seres inferiores, é como diz Aristóteles, a alma vegetal, cujas operações são: usar de alimento, gerar e crescer. Por onde, tais operações cabiam ao homem, no primeiro estado. No último estado, porém, depois da ressurreição, a alma comunicará de certo modo ao corpo o que lhe é próprio como espírito, a saber: a imortalidade, a todos; a impassibilidade, a glória e a virtude, só aos bons, cujos corpos serão chamados espirituais. E por isso depois da ressurreição os homens não precisarão de alimentos; mas no estado de inocência precisavam.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Segundo diz Agostinho, como havia de ler corpo imortal, o que se sustentava de alimento? Pois, o que é imortal não necessita comer nem beber. Porque como já se disse antes, a imortalidade do primeiro estado era quanto a uma virtude sobrenatural residente na alma, e não quanto a qualquer disposição inerente ao corpo. Por onde, pela ação do calor, podia perder–se alguma umidade, do referido corpo; e para que não se consumisse totalmente, era necessário que o homem se restaurasse, alimentando–se.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Há por certo na nutrição, paixão e alteração; mas relativamente ao alimento, que se converte na substância do ser alimentado. Por onde, não se pode daí concluir que o corpo do homem fosse passível, mas sim, que o era o alimento tomado; embora tal paixão fosse para a perfeição da natureza.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Se o homem não buscasse alimento para si, pecaria; assim como pecou tomando do alimento proibido. Pois, simultaneamente lhe foi preceituado se abstivesse da árvore da ciência do bem e do mal e se alimentasse de todas as outras árvores do paraíso.

RESPOSTA À QUARTA. – Uns dizem que o homem, no estado de inocência não se alimentaria senão na medida do necessário. E por isso não haveria emissão de superfluidades. Mas é irracional que não houvesse, no alimento tomado, partes inúteis, e não aptas a se converterem em nutrição do homem. Por onde necessariamente haveriam de ser emitidas superfluidades. Contudo, por provisão divina, daí não resultaria nenhuma indecência.     

Art. 2 – Se o homem, no estado de inocência era passível.

O segundo discute–se assim. – Parece que o homem no estado de inocência era passível.

1. Pois, sentir é de certo modo sofrer. Ora, o homem no estado de inocência, era sensível. Logo, também passível.

2. Demais. – O sono é uma paixão. Ora, o homem no estado de inocência dormia, segundo a Escritura: Infundia pois o Senhor Deus, um profundo sono a Adão. Logo, era passível.

3. Demais. – A mesma Escritura acrescenta que tirou uma das suas costelas, Logo, era passível, ao menos pela ablação de uma das suas partes.

4. Demais. – O corpo do homem era mole, que é passivo, em relação ao duro. Ora, o corpo do primeiro homem sofreria se lhe viesse de encontro algum corpo duro. E, portanto, o primeiro homem era passível.

Mas, em contrário, se fosse passível seria corruptível, pois, a paixão, aumentada, altera a substância.

SOLUÇÃO. – Paixão tem duplo sentido. – Um próprio; e então se diz que sofre aquilo que é removido da sua disposição natural. Pois, a paixão é efeito da ação: ora, nas coisas naturais, os contrários agem e sofrem, entre si, removendo um ao outro, da disposição natural. – Noutro sentido, a paixão é tomada em comum, relativamente a qualquer imutação, mesmo que esta diga respeito à perfeição da natureza: assim, inteligir ou sentir é de certo modo sofrer. Ora, neste segundo sentido, o homem no estado de inocência era passível e sofria, tanto na alma como no corpo. Ao passo que no primeiro sentido da paixão era impassível, na alma e no corpo, e ainda, imortal. E podia, se persistisse sem pecado, livrar–se da paixão e da morte.

Donde se deduzem as RESPOSTAS ÀS DUAS PRIMEIRAS OBJEÇÕES. – Pois, sentir e dormir não tiram ao homem a sua disposição natural; mas ordenam–se para o bem da natureza.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Como já se disse antes, a referida costela estava em Adão, como princípio do gênero humano; assim como o sêmen nele está como princípio, pela geração. Assim pois como a emissão do sêmen não é acompanhada de paixão, que remova o homem da sua disposição natural, o mesmo se deve dizer da ablação da referida costela.

RESPOSTA À QUARTA. – O corpo do homem, no estado de inocência, podia ser preservado de modo a não sofrer nenhuma lesão proveniente de qualquer corpo duro. E isso, em parte, pela própria razão pela qual podia evitar as causas nocivas; e, em parte, pela divina providência, que o defendia de tal modo, que nada lhe ocorresse de improviso, que o ferisse.

Art. 1 – Se o homem, no estado de inocência, era imortal.

O primeiro discute–se assim. – Parece que o homem no estado de inocência não era imortal.

1. Pois, mortal entra na definição do homem. Ora, removida a definição, removido fica o definido. Logo se o homem existia não podia ser imortal.

2. Demais. – O corruptível e o incorruptível diferem genericamente, como diz Aristóteles. Ora, coisas genericamente diferentes não se transmutam umas nas outras. Logo, se o primeiro homem era incorruptível não podia o homem ser corruptível na vida presente.

3. Demais. – Se o homem, no estado de inocência, era imortal, havia de sê–lo por natureza ou por graça. Ora, por natureza não, porque como esta permanece especificamente a mesma, ainda agora o homem seria imortal. Nem, semelhantemente, pela graça; porque tendo o primeiro homem recuperado a graça pela penitência, conforme a Escritura: – Tirou–o de seu pecado – também teria necessariamente recuperado a imortalidade, o que é evidentemente falso. Logo, o homem não era imortal, no estado de inocência.

4. Demais. – A imortalidade é prometida ao homem como prêmio, conforme a Escritura: não haverá mais morte. Ora, o homem não foi criado na posse de prémio, mas capaz de merecê–lo. Logo, no estado da inocência, não era imortal.

Mas, em contrário, diz a Escritura: pelo pecado entrou a morte neste mundo. Logo, antes do pecado, o homem era imortal.

SOLUÇÃO. – De três modos se pode dizer Que um ser é corruptível. – Primeiro, porque, quanto à matéria, ou não a tem, como o anjo; ou a tem potencial a uma 'só forma, como o corpo celeste. E de tal ser se diz que é materialmente incorruptível. – Segundo, porque, quanto à forma, a um ser corruptível por natureza seja inerente alguma disposição que o livra, totalmente da corrupção. E de tal ser se diz que é incorruptível, quanto à glória; pois, como diz Agostinho, Deus formou a alma de tão poderosa natureza que faz redundar para o corpo, da felicidade, a plenitude da saúde, isto é, o vigor da incorruptibilidade. – Terceiro, porque, quanto à causa eficiente, o homem, no estado de inocência, seria incorruptível e imortal. Pois, como diz Agostinho, Deus fez o homem tal que, enquanto não pecasse, floresceria na imortalidade, de maneira a ser ele próprio o autor da sua vida ou morte. Logo, o seu corpo não era indissolúvel, por qualquer influxo de imortalidade nele existente; mas era–lhe inerente uma tal virtude da alma, sobrenatural e divinamente dada, pela qual podia preservar o corpo de toda corrupção, enquanto permanecesse a mesma sujeita a Deus. E isso foi racionalmente feito. Pois, excedendo a alma racional a proporção da matéria corpórea, como já se disse antes, era conveniente que, no princípio, lhe fosse dada virtude, pela qual pudesse conservar o corpo superior à natureza da matéria corpórea.

DONDE AS RESPOSTAS À PRIMEIRA E SEGUNDA OBJEÇÕES. – Essas objeções se fundam no incorruptível e imortal por natureza.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Essa virtude de preservar o corpo da corrupção não era natural à alma humana mas dom da graça. E embora recuperasse a graça, para o efeito da remissão da culpa e o mérito da glória, não a recuperou contudo para o da imortalidade perdida. E isso estava reservado a Cristo, que repararia, melhorando–a a deficiência da natureza, como a seguir se dirá.

RESPOSTA À QUARTA. – A imortalidade da glória, prometida como prêmio, difere da imortalidade conferida ao homem no estado de inocência. 

Art. 4 – Se um homem, no estado de inocência, tinha domínio sobre outro.

O quarto discute–se assim. – Parece que um homem, no estado de inocência, não tinha domínio sobre outro.

1. – Pois, diz Agostinho: Deus não quis que o homem racional, jeito à sua imagem, exercesse o domínio a não ser sobre os irracionais; não sobre outro homem, mas sobre o animal.

2. Demais. – As consequências penais do pecado não existiam no estado de inocência. Ora, foi consequência penal do pecado, que um homem exercesse domínio sobre outro; pois, na Escritura, se diz à mulher, após o pecado: Estarás sob o poder de teu marido. Logo, no estado de inocência, não estava um homem sujeito a outro.

3. Demais. – A sujeição se opõe à liberdade. Ora, esta é um dos principais bens, que não faltaria no estado da inocência, em que não havia ausência de nada que a boa vontade pudesse desejar, como diz Agostinho. Logo, no estado de inocência um homem não dominaria sobre outro.

Mas, em contrário. – A condição do homem no estado de inocência não era mais digna que a dos anjos. Ora, entre estes, uns dominam os outros, donde vem o chamar–se Dominações uma das ordens. Logo, não era contra a dignidade do estado de inocência que um homem dominasse outro.

SOLUÇÃO. – Em duplo sentido se pode entender o domínio. De um modo, enquanto se opõe à servidão; e assim chama–se senhor àquele a quem outrem está sujeito, como servo. De outro modo, o domínio é comumente referido a qualquer sujeito; e assim quem tem o ofício de governar e dirigir homens livres, pode se chamar senhor. Ora, na primeira acepção, um homem não dominava sobre outro, no estado de inocência; mas, na segunda, podia dominar.

E a razão é que o servo difere do homem livre por ser o livre causa de si, como diz Aristóteles: ao passo que aquele se ordena para outrem. Assim pois quando alguém domina a outrem como servo, fá–Io servir à sua utilidade. E como todos desejam o bem próprio e, por consequência, se contristam quando cedem a outrem o bem que devera ser próprio, daí vem que tal domínio não pode deixar de ser acompanhado da pena dos que são sujeitos; e por isso, no estado de inocência, não existia tal domínio de um homem sobre outro.

Ora, quem domina um homem livre dirige–o para o bem próprio deste, ou para o bem comum. E tal domínio de um homem sobre outro existiria, no estado de inocência, por duas razões. – Primeira, porque sendo o homem animal naturalmente social, os homens, no estado de inocência, viveriam socialmente. Ora, não podia haver vida social de muitos, sem que presidisse alguém, que os dirigisse para o bem comum. Pois, muitos tendem para a multiplicidade e um, para a unidade. Por onde, como diz o Filósofo, quando muitos se ordenam para um fim, sempre existe um principal e dirigente.

Segunda, porque se um homem tivesse sobre os outros sobre eminência de ciência e de justiça, inconveniente seria que não a empregasse para a utilidade dos outros, conforme a Escritura: Cada um, segundo a graça que recebeu, comunique–a aos outros, E Agostinho: os justos imperam, não por cobiça de dominar, mas por dever de dirigir; e: isso a ordem natural o prescreve; assim criou Deus o homem.

Donde se deduzem as RESPOSTAS À TODAS AS OBJEÇÕES, fundadas na primeira acepção do domínio.  

Art. 2 – Se o homem tinha domínio sobre todas as outras criaturas.

O segundo discute–se assim. –– Parece que o homem não tinha domínio sobre todas as outras criaturas.

1. – Pois, o anjo tem na tura.lmen te maior poder que o homem. Mas, como Jiz Agostinho, a matéria corpórea não obedeceria à vontade mesmo dos santos anjos, Logo. muito menos ao homem, no estado de inocência.

2. Demais. – Das virtudes da alma, só existem, nas plantas, a nutritiva, a aumentativa, e a gera triz. Ora, a estas não é natural obedecer à razão, como hem se yê num mesmo homem. Logo, como pela razão é que o homem tem o domínio, resulta que este, no estado de inocência, não dominaria sobre as plantas.

3. Demais. – Quem domina sobre uma cousa pode mudá–la. Ora, o homem não pode mudar o curso dos corpos celestes, o que só Deus pode, como diz Dionísio. Logo, não dominava sobre eles.

Mas, em contrário, diz a Escritura, falando do homem: Domine em toda a terra.

SOLUÇÃO. – No homem de certa maneira estão todas as coisas; por onde, do modo pelo qual domina o que em si mesmo está desse mesmo lhe cabe dominar os outros seres. Ora quatro atributos se devem considerar no homem a saber: a razão, pela qual convém com os anjos; as potências sensitivas, pelas quais convém com os animais; as potências naturais, pelas quais convém com as plantas; e o corpo, em si, pelo qual convém com os seres inanimados. Ora, a razão no homem exercendo a função de dominador, e não do sujeito ao domínio, ele, no primitivo estado não dominava sobre os anjos. E a expressão sobre toda criatura entende–se das que não são à imagem de Deus. Porém, sobre as potências sensitivas, como o irascível e o concupiscível, que de certo modo obedecem à razão, a alma domina, imperando; por isso no estado de inocência dominava pelo império sobre os animais. Ao passo que o homem domina as potências naturais e ao mesmo corpo, não imperando, mas usando. E desse mesmo modo também ele no estado de inocência, dominava sobre as plantas e os seres inanimados; não pelo império ou pela imutaçâo, mas usando sem impedimento do auxílio delas.

E daqui resultam as RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES.

Art. 1 – Se Adão no estado de inocência tinha domínio sobre os animais.

O primeiro discute–se assim. – Parece que Adão no estado de inocência não tinha domínio sobre os animais.

1. – Pois, diz Agostinho que, pelo ministério dos anjos, os animais foram trazidos a Adão para este lhes impor os nomes. Ora, não seria necessário para isso o ministério deles, se Adão, por si mesmo tivesse o domínio sobre os animais. Logo, no estado de inocência, o homem não tinha domínio sobre os animais.

2. Demais. – Seres opostos entre si não se podem bem reunir sob um mesmo senhor.  Ora, muitos animais são naturalmente inimigos, como a ovelha e o lobo. Logo, todos os animais não estavam submetidos ao domínio do homem.

3. Demais. – Jeronimo diz: ao homem não necessitado antes do pecado, Deus deu o domínio sobre os animais ; pois, tinha presciência que Ele, depois da queda, leria neles um adminículo.

4. Demais. – É próprio do senhor ordenar. Ora, ordem só se pode sensatamente dar a quem tem razão. Logo, o homem não tinha domínio sobre os animais irracionais.

Mas, em contrário, diz a Escritura, falando do homem: presida aos peixes do mar, às aves do céu, às bestas e a todos os répteis que se movem sobre a terra.

SOLUÇÃO. – Como já se disse antes, a desobediência, para com o homem, dos seres que lhe deviam estar sujeitos, foi–lhe pena subsequente a ter sido desobediente a Deus. Por onde, no estado de inocência, antes da sobredita desobediência, não lhe resistia nenhum dos seres que lhe deviam estar naturalmente sujeitos. Ora, todos os animais estão naturalmente sujeitos ao homem. – O que resulta claro de três razões. – Primeiro, do processo mesmo da natureza. Pois, como na geração das coisas manifesta–se uma certa ordem, pela qual se sobe do imperfeito ao perfeito, sendo assim a matéria por causa da forma; e uma forma mais imperfeita por causa de outra mais perfeita, assim o mesmo se dá com o uso dos seres naturais. Pois os seres mais imperfeitos servem ao uso dos mais perfeitos; assim, as plantas tiram da terra a sua nutrição, os animais, das plantas; o homem; enfim, das plantas e dos animais. Por isso, diz o Filósofo, que a caça dos animais silvestres é justa e natural, porque, por ela, o homem vindica para si o que é naturalmente seu. – Segundo, da ordem da divina providência, que sempre governa as coisas superiores pelas inferiores. Por onde, sendo o homem superior a todos os animais, como feito à imagem de Deus, é racional que eles lhe estejam sujeitos ao domínio. ­ Terceiro, da propriedade dos homens e da dos animais. Pois estes têm, na estimativa natural, uma participação da prudência, para certos atos particulares; enquanto que o homem tem a prudência universal, que é a razão de todas as suas ações. Ora, tudo o que é participado é dependente do que é essencial e universalmente. Donde resulta ser natural a sujeição dos animais ao homem.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Nos seres sujeitos, muitos coisas pode, fazer o poder superior que não pode o inferior. Ora, o anjo é naturalmente superior ao homem. Por onde, a virtude angélica podia agir sobre os animais, de modo por que não o podia o poder humano, a saber, que, imediatamente todos se reunissem.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Certos dizem que os animais atualmente ferozes e que matam os outros, eram, no primeiro estado, mansos, não só relativamente ao homem, como também aos outros animais. Mas tal é absolutamente irracional. Pois, pelo pecado do homem não se mudou a natureza dos animais, de modo que vivessem de ervas os que agora, naturalmente, comem as carnes dos outros, como os leões e os falcões. Nem a Glosa de Beda diz que os vegetais e as ervas fosse dados como alimento a todos os animais, mas só a alguns; pois, do contrário, haveria discrepância natural entre alguns deles. Mas, nem por isso haviam de subtrair–se ao domínio do homem, como atualmente não se subtraem ao de Deus, cuja providência governa a todos. E desta o homem seria o executor, como agora ainda se dá com os animais domésticos; pois damos as galinhas em alimento aos falcões domésticos.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os homens, no estado de inocência, não precisavam dos animais para as necessidades corpóreas : nem para se cobrirem, pois estavam nus e não se envergonhavam, não sendo excitados por nenhum movimento de concupiscência desordenada; nem para se alimentarem, pois se nutriam dos vegetais do paraíso; nem para se transportarem, pois tinham a força do corpo. Deles necessitavam porém para haurirem o conhecimento experimental da natureza dos mesmos. E isso o significa o fato de ter Deus apresentado ao homem os animais, para que lhes impusesse nomes designativos das suas naturezas.

RESPOSTA À QUARTA. – Todos os animais participam de certo modo, pela estimativa natural, da prudência e da razão; assim, os grous seguem o chefe e as abelhas obedecem ao rei. E desse mesmo modo todos os animais de então haviam de obedecer, por si mesmos, ao homem, como, agora, os domésticos lhe obedecem.

Art. 4 – Se as obras do primeiro homem eram menos eficazes para merecer, que as nossas.

O quarto discute–se assim. – Parece que as obras do primeiro homem eram menos eficazes para merecer, que as nossas.

1. – Pois, a graça é dada pela misericórdia de Deus, que mais socorre aos mais indigentes. Ora, nós precisamos mais da graça, do que o primeiro homem, no estado de inocência. Logo, ela nos é infundida mais copiosamente; e, sendo ela a raiz do mérito, as nossas obras tornam–se mais eficazes para merecer.

2. Demais. – O mérito supõe necessariamente a luta e a dificuldade, conforme a Escritura : Não é coroado senão depois que combateu conforme a Lei. E o Filósofo diz: a virtude implica o bem difícil. Ora, na vida presente maior é a luta e a dificuldade. Logo, também maior é a eficácia para merecer.

3. Demais. – O Mestre das Sentenças diz: o homem, então não mereceria, resistindo à tentação; agora, porém merece quem a ela resiste. Logo, mais eficazes são as nossas obras para merecer, do que no estado primitivo..

Mas, em contrário, neste caso, o homem estaria em melhor condição, depois do pecado.

SOLUÇÃO. – O grau do mérito pode ser avaliado de dois modos. – Primeiro, pelo radicar–se na caridade e na graça. E tal grau corresponde ao prémio essencial, consistente na fruição de Deus; assim, quem proceder com maior caridade mais perfeitamente gozará de Deus. – De outro modo, pode–se avaliar o grau do mérito pelo grau da obra. E este é duplo: absoluto e proporcional. Assim a viúva, que colocou duas pequenas moedas no gazofilácio, fez obra menor, absolutamente falando que aqueles que fizeram grandes dádivas; mas, pela quantidade proporcional, fez mais, conforme o julgamento do Senhor, porque a sua dádiva, ia mais além das suas posses. Um e outro grau do mérito porém corresponde ao prêmio acidental, que é o gozo do bem criado.

Portanto devemos concluir que as obras do homem eram mais eficazes para merecer, no estado de inocência, do que depois do pecado, se se atender ao grau do mérito, relativamente à graça, mais copiosa então, por não encontrar nenhum obstáculo da parte da natureza humana. Semelhantemente, se se considerar o grau absoluto da obra; pois, como o homem tinha maior virtude suas obras eram mais meritórias. Mas se se considerar a quantidade proporcional, maior é o grau do mérito depois do pecado, por causa da fraqueza do homem; pois, uma obra de pequena monta excede mais o poder daquele, que a faz com dificuldade, do que uma obra de grande valia, o poder de quem a faz sem dificuldade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O homem, depois do pecado, precisa da graça para maior número de obras do que antes dele, mas não de mais graças. Pois, antes do pecado precisava da graça, e era essa a necessidade principal dela, para alcançar a vida eterna. Mas depois, precisa da graça também para remissão do pecado e sustentáculo da fraqueza.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A dificuldade e a luta respeitam ao grau do mérito, quanto à quantidade proporcional da obra, conforme já se disse. E é sinal da presteza da vontade, que se esforça por alcançar aquilo que lhe é difícil. Ora, essa presteza é causada pela magnitude da caridade. Assim, pode dar–se que faça um qualquer obra fácil, com vontade tão pronta, como outro, uma difícil; porque está preparado para fazer também o que lhe fosse difícil. Porém a dificuldade atual, como pena, acarreta também o ser satisfatória pelo pecado.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Resistir à tentação não era meritório, para o primeiro homem, na opinião dos que dizem que ele não tinha a graça; assim como, ainda agora, não o é para quem não a tem. Mas há diferença no seguinte, que, no primeiro estado, nada, interiormente, impelia ao mal, como agora. Por onde, então, o homem podia resistir á tentação, sem a graça, mais que agora. 

Art. 3 – Se Adão tinha todas as virtudes.

O terceiro discute–se assim. – Parece que Adão não tinha todas as virtudes.

1. – Pois, certas virtudes visam refreiar a imoderação das paixões; assim, a temperança refreia a concupiscência imoderada; e a fortaleza, o temor imoderado. Ora, não havia imoderação das paixões no estado de inocência. Logo, nem as sobreditas virtudes.

2. Demais. – Certas virtudes dizem respeito às más paixões; assim, a mansidão, refreia a ira e a fortaleza, o temor. Ora, como já se disse, tais paixões não existiam no estado de inocência. Logo, nem as sobreditas virtudes.

3. Demais. – A penitência é virtude atinente ao pecado anteriormente cometido. De seu lado, a misericórdia é virtude que diz respeito à miséria. Ora, no estado de inocência não havia pecado nem miséria. Logo, nem tais virtudes.

4. Demais. – A perseverança é uma virtude. Ora, Adão não a teve, como bem o mostra o pecado subsequente. Logo, não teve todas as virtudes.

5. Demais. – A fé é uma virtude. Ora, ela não existia no estado de inocência; pois, importa um conhecimento velado, que repugna à perfeição do primeiro estado.

Mas, em contrário, diz Agostinho: O príncipe dos vícios venceu Adão, feito do limo da terra à imagem de Deus, armado de pudicícia, formado na temperança, magnífico pelo esplendor.

SOLUÇÃO. – O homem, no estado de inocência, teve, de certo modo, todas as virtudes; o que pode se tornar manifesto pelo que já ficou dito. Pois, como já se disse antes, era tal a retidão do primeiro estado, que a razão era submissa a Deus, e as virtudes inferiores, à razão. Ora, estas nada mais são que certas perfeições, pelas quais a razão se ordena para Deus; e as virtudes inferiores dispõem–se pela regra da razão, como se verá mais claramente quando se tratar das virtudes. Por onde, a retidão do primeiro estado exigia que o homem tivesse, de certo modo, todas as virtudes.

Mas devemos considerar que há certas virtudes, como a caridade e a justiça que, por essência, não importam nenhuma imperfeição. E tais virtudes existiam, no estado de inocência, em si mesmas, habitual e atualmente.

Há outras virtudes, porém, que, por essência, importam a imperfeição, ou quanto ao ato, ou quanto à matéria. E se tal imperfeição não repugna à perfeição do primeiro estado, então tais virtudes podiam existir nesse estado. Assim a fé, referente às coisas que se não vêm; e a esperança, às que não se tem. Pois, a perfeição do primeiro estado não chegava até à visão de Deus em essência e à posse dele com o gozo da beatitude final. Por onde, a fé e a esperança podiam existir, no primeiro estado, tanto habitual como atualmente. Se porém a imperfeição, da essência de uma determinada virtude repugna à perfeição do primeiro estado, então essa virtude podia nele existir, habitual, mas não atualmente. Como claramente se vê na penitência, que é a dor pelo pecado cometido; e na misericórdia, que é a dor pela miséria alheia. Pois, à perfeição do primeiro estado tanto repugna a dor como a culpa e a miséria. Por onde, tais virtudes existiam, no primeiro homem, habitual mas não atualmente. Pois, era o primeiro homem de tal modo disposto que, se precedesse o pecado, condoer–se–ia; e, semelhantemente, se visse a miséria alheia, socorrer–lhe–ia tanto quanto pudesse. E por isso o Filósofo diz: a vergonha, que se refere a um fato torpe, existe no virtuoso só condicionalmente; pois ele é de tal modo disposto que haveria de se envergonhar, se cometesse algo de torpe.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A temperança e a fortaleza constituem a super abundância das paixões, só acidentalmente, enquanto encontram paixões super abundantes no sujeito. Mas por natureza é próprio dessas virtudes, moderar as paixões.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Repugnam à perfeição do primeiro estado as paixões ordenadas ao mal, que dizem respeito a este enquanto existente em quem é afetado pela paixão, como o temor e a dor. Mas as paixões referentes ao mal, em outrem, não repugnam à perfeição do primeiro estado. Pois nesse estado o homem podia odiar a malícia dos demônios, bem como amar a bondade de Deus. E por isso as virtudes referentes a tais paixões podiam existir no sobredito estado, habitual e atualmente. As que são, porém referentes às paixões, que dizem respeito ao mal no mesmo sujeito, se se referirem só a tais paixões, não podiam ter existido atualmente no primeiro estado, mas só habitualmente, como já se disse no tocante à penitência e à misericórdia. Há porém certas virtudes referentes não só a essas, como às outras paixões; assim, a temperança, referente não só às dores, mas também aos prazeres; e a fortaleza, referente não só ao temor, como também à audácia e à esperança. Por onde, podia haver, no primeiro estado, o ato da temperança, enquanto moderador dos prazeres; e, semelhantemente, a fortaleza, enquanto moderadora da audácia ou da esperança. Não, porém enquanto moderam a tristeza e o temor.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Deduz–se clara a resposta, do que foi dito.

RESPOSTA À QUARTA. – Em dupla acepção se entende a perseverança. – Como virtude e exprimindo um hábito, pelo qual alguém elege o perseverar no bem; nesse sentido Adão teve a perseverança. – Ou, noutra acepção, como circunstância da virtude, e exprimindo uma certa continuação da virtude, sem corrupção; e nesse, Adão não a teve.

RESPOSTA À QUINTA. – Deduz–se clara a resposta, daquilo que acaba de ser dito. 

Art. 2 – Se o primeiro homem tinha paixões da alma.

O segundo discute–se assim. – Parece que o primeiro homem não tinha paixões da alma.

1. – Pois, por tais paixões é que a carne deseja contra o espírito, Ora, isso não se dava no estado de inocência. Logo, nesse estado não havia paixões da alma.

2. Demais. – A alma de Adão era mais nobre que o corpo. Ora, o seu corpo era impassível. Logo, também na alma de Adão não havia paixões.

3. Demais. – Pela virtude moral se refreiam as paixões da alma. Ora, em Adão havia virtude moral perfeita. Logo, dele estavam totalmente excluídas as paixões.

Mas, em contrário, diz Agostinho: havia neles o amor imperturbado de Deus, e algumas outras paixões da alma.

SOLUÇÃO. – As paixões da alma estão no apetite sensível, cujos objetos são o bem e o mal. Por onde, dessas paixões, umas se ordenam ao bem, como o amor e a alegria; outras, ao mal, como o temor e a dor. Ora, no primeiro estado não havia nenhum mal existente nem iminente; nem faltava nenhum bem dos que a vontade, nesse tempo, quisesse ter, como se vê claramente em Agostinho. Por onde, todas as paixões, que dizem respeito ao mal, como o temor, a dor e outras, não existiam em Adão; semelhantemente, nem as que dizem respeito ao bem não alcançado e atualmente desejado, como a cobiça estuante. Porém, existiam no estado de inocência as paixões referentes ao bem presente, como a alegria e o amor; ou as referentes a um bem futuro, a obter em tempo devido, como o desejo e a esperança sem aflições. Mas de modo diferente do pelo que existem em nós. Pois em nós o apetite sensível, onde se radicam as paixões, não se sujeita totalmente à razão; e por isso as nossas paixões previnem, umas vezes, e impedem o juízo da razão e, outras vezes, resultam desse juízo quando o apetite sensível obedece de algum modo à razão. Ao passo que, no estado de inocência, o apetite inferior, estando totalmente sujeito à razão, não havia nele, das paixões da alma, senão as resultantes do juízo da mesma.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A carne deseja contra o espírito, porque as paixões repugnam à razão; ora tal não se dava no estado de inocência.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O corpo humano no estado de inocência era impassível, quanto às paixões que removem a disposição natural, como a seguir se dirá. E semelhantemente, a alma era impassível, quanto às paixões que travam a razão.

RESPOSTA À TERCEIRA. A virtude moral perfeita não elimina totalmente as paixões, mas as ordena; pois, como diz Aristóteles, é próprio do homem sóbrio desejar como deve e o que deve.

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