O quarto discute–se assim. – Parece que um homem, no estado de inocência, não tinha domínio sobre outro.
1. – Pois, diz Agostinho: Deus não quis que o homem racional, jeito à sua imagem, exercesse o domínio a não ser sobre os irracionais; não sobre outro homem, mas sobre o animal.
2. Demais. – As consequências penais do pecado não existiam no estado de inocência. Ora, foi consequência penal do pecado, que um homem exercesse domínio sobre outro; pois, na Escritura, se diz à mulher, após o pecado: Estarás sob o poder de teu marido. Logo, no estado de inocência, não estava um homem sujeito a outro.
3. Demais. – A sujeição se opõe à liberdade. Ora, esta é um dos principais bens, que não faltaria no estado da inocência, em que não havia ausência de nada que a boa vontade pudesse desejar, como diz Agostinho. Logo, no estado de inocência um homem não dominaria sobre outro.
Mas, em contrário. – A condição do homem no estado de inocência não era mais digna que a dos anjos. Ora, entre estes, uns dominam os outros, donde vem o chamar–se Dominações uma das ordens. Logo, não era contra a dignidade do estado de inocência que um homem dominasse outro.
SOLUÇÃO. – Em duplo sentido se pode entender o domínio. De um modo, enquanto se opõe à servidão; e assim chama–se senhor àquele a quem outrem está sujeito, como servo. De outro modo, o domínio é comumente referido a qualquer sujeito; e assim quem tem o ofício de governar e dirigir homens livres, pode se chamar senhor. Ora, na primeira acepção, um homem não dominava sobre outro, no estado de inocência; mas, na segunda, podia dominar.
E a razão é que o servo difere do homem livre por ser o livre causa de si, como diz Aristóteles: ao passo que aquele se ordena para outrem. Assim pois quando alguém domina a outrem como servo, fá–Io servir à sua utilidade. E como todos desejam o bem próprio e, por consequência, se contristam quando cedem a outrem o bem que devera ser próprio, daí vem que tal domínio não pode deixar de ser acompanhado da pena dos que são sujeitos; e por isso, no estado de inocência, não existia tal domínio de um homem sobre outro.
Ora, quem domina um homem livre dirige–o para o bem próprio deste, ou para o bem comum. E tal domínio de um homem sobre outro existiria, no estado de inocência, por duas razões. – Primeira, porque sendo o homem animal naturalmente social, os homens, no estado de inocência, viveriam socialmente. Ora, não podia haver vida social de muitos, sem que presidisse alguém, que os dirigisse para o bem comum. Pois, muitos tendem para a multiplicidade e um, para a unidade. Por onde, como diz o Filósofo, quando muitos se ordenam para um fim, sempre existe um principal e dirigente.
Segunda, porque se um homem tivesse sobre os outros sobre eminência de ciência e de justiça, inconveniente seria que não a empregasse para a utilidade dos outros, conforme a Escritura: Cada um, segundo a graça que recebeu, comunique–a aos outros, E Agostinho: os justos imperam, não por cobiça de dominar, mas por dever de dirigir; e: isso a ordem natural o prescreve; assim criou Deus o homem.
Donde se deduzem as RESPOSTAS À TODAS AS OBJEÇÕES, fundadas na primeira acepção do domínio.