O segundo discute–se assim. – Parece que o primeiro homem não tinha paixões da alma.
1. – Pois, por tais paixões é que a carne deseja contra o espírito, Ora, isso não se dava no estado de inocência. Logo, nesse estado não havia paixões da alma.
2. Demais. – A alma de Adão era mais nobre que o corpo. Ora, o seu corpo era impassível. Logo, também na alma de Adão não havia paixões.
3. Demais. – Pela virtude moral se refreiam as paixões da alma. Ora, em Adão havia virtude moral perfeita. Logo, dele estavam totalmente excluídas as paixões.
Mas, em contrário, diz Agostinho: havia neles o amor imperturbado de Deus, e algumas outras paixões da alma.
SOLUÇÃO. – As paixões da alma estão no apetite sensível, cujos objetos são o bem e o mal. Por onde, dessas paixões, umas se ordenam ao bem, como o amor e a alegria; outras, ao mal, como o temor e a dor. Ora, no primeiro estado não havia nenhum mal existente nem iminente; nem faltava nenhum bem dos que a vontade, nesse tempo, quisesse ter, como se vê claramente em Agostinho. Por onde, todas as paixões, que dizem respeito ao mal, como o temor, a dor e outras, não existiam em Adão; semelhantemente, nem as que dizem respeito ao bem não alcançado e atualmente desejado, como a cobiça estuante. Porém, existiam no estado de inocência as paixões referentes ao bem presente, como a alegria e o amor; ou as referentes a um bem futuro, a obter em tempo devido, como o desejo e a esperança sem aflições. Mas de modo diferente do pelo que existem em nós. Pois em nós o apetite sensível, onde se radicam as paixões, não se sujeita totalmente à razão; e por isso as nossas paixões previnem, umas vezes, e impedem o juízo da razão e, outras vezes, resultam desse juízo quando o apetite sensível obedece de algum modo à razão. Ao passo que, no estado de inocência, o apetite inferior, estando totalmente sujeito à razão, não havia nele, das paixões da alma, senão as resultantes do juízo da mesma.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A carne deseja contra o espírito, porque as paixões repugnam à razão; ora tal não se dava no estado de inocência.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O corpo humano no estado de inocência era impassível, quanto às paixões que removem a disposição natural, como a seguir se dirá. E semelhantemente, a alma era impassível, quanto às paixões que travam a razão.
RESPOSTA À TERCEIRA. A virtude moral perfeita não elimina totalmente as paixões, mas as ordena; pois, como diz Aristóteles, é próprio do homem sóbrio desejar como deve e o que deve.