Category: Perguntas e Respostas
Foi ninguém menos que um Doutor Católico, um Padre da Igreja, que identificou alguns fatos que atribuiu à Santíssima Virgem como imperfeições, durante o encontro do Menino Jesus no Templo e, também, nas Bodas de Caná. Trata-se de São João Crisóstomo.
Em sentido contrário, deve-se dizer que a Santíssima Virgem nunca cometeu a menor imperfeição. As razões explicando isso são inúmeras.
Primeiro, porque a Mãe de Deus não tinha a “fonte do pecado” – também chamada de concupiscência – que é uma das causas principais das imperfeições. Essa ausência está ligada à sua imunidade ao pecado original.
Além disso, a virgem das virgens possuía a virtude perfeita em razão da graça que lhe havia sido dada. Ela também estava destinada a ser um modelo de santidade, porque Nossa Senhora é a primeira dos redimidos: é conveniente que seja ela, que tem o primado na ordem da santidade, deveria incorporá-la em sua perfeição consumada
Finalmente, sua perfeita prudência sempre determinou sua atividade na maneira que estava mais conformada à vontade de Deus.
É por isso que Santo Tomás de Aquino não hesita em dizer que São João Crisóstomo foi longe demais em seu escrito. E, embora São Pio V tenha ordenado que fossem republicadas as obras do grande doutor, pediu que as passagens incriminadas não fossem incluídas.
A Mãe de Deus possuía impecabilidade
Mas a maior razão explicando a ausência de pecado e imperfeições em Maria é que ela era impecável.
O Concílio de Trento, na Sessão VI, Cânone 23, afirma: “Se alguém disser que... em sua vida, [um homem] pode evitar todos os pecados, até mesmo os veniais, exceto por um privilégio especial de Deus, como a Igreja sustenta em relação à Santíssima Virgem: seja anátema”
De sua parte, Santo Tomás reconhece a confirmação na graça em razão da adequação à Mãe de Deus. Impecabilidade consiste em não poder pecar em razão de uma capacidade interior. Ela se distingue da confirmação na graça, que é manter o estado de graça até a morte, em outras palavras, não cometer pecado mortal: essa graça se explica pela ajuda externa de Deus. Mas a impecabilidade requer uma causa interna no sujeito, que evita o pecado.
Isso é, claramente, o caso do Verbo Encarnado, Jesus Cristo: é uma impossibilidade a pessoa divina cometer um pecado. No caso do homem-Deus, a visão beatífica e a virtude perfeita são acrescidas à personalidade divina.
A impecabilidade também existe, em grau menor, nos que já foram salvos: inundados pela luz da glória, eles não podem mais pecar. Seria impossível possuir a visão beatífica e pecar.
Em grau menor, a impecabilidade advém da grande dificuldade de pecar que resulta do dom de uma graça especial. Ela inclina tanto uma pessoa ao bem que se torna quase impossível romper com ele. Deus deu uma assistência especial a Sua Mãe, que removeu de todas as causas do pecado.
Essa doutrina permite uma compreensão mais profunda dessas palavras magníficas do Papa Pio IX em Ineffabilis Deus: “fê-la alvo de tanto amor, a ponto de se comprazer nela com singularíssima benevolência. Por isto cumulou-a admiravelmente, mais do que todos os Anjos e a todos os Santos, da abundância de todos os dons celestes, tirados do tesouro da sua Divindade. Assim, sempre absolutamente livre de toda mancha de pecado, toda bela e perfeita, ela possui uma tal plenitude de inocência e de santidade que, depois da de Deus, não se pode conceber outra maior, e cuja profundeza, afora de Deus, nenhuma mente pode chegar a compreender”.
Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX
Há duas: unidade e indissolubilidade. Essas propriedades derivam da própria natureza e fins do casamento. Portanto, elas não dependem da vontade dos esposos e não são afetadas pelas circunstâncias acidentais de um casamento concreto.
Unidade é o laço existente entre um homem e uma mulher. É exigido pelo fim primário do casamento, que é a procriação e a educação dos filhos. Opõe-se à poliandria (uma mulher com vários maridos), pois esta tornaria a paternidade incerta e, como consequência, também tornaria incerto a quem incumbe o dever de educar os filhos. Além disso, é antinatural não saber e, portanto, não poder honrar o próprio pai. Em sentido estrito, a unidade não se opõe à poligamia (um homem com várias mulheres), mas causa várias dificuldades, tanto em relação à educação dos filhos quanto ao fim secundário do casamento.
A unidade também é exigida pelo fim secundário do casamento, o amor mútuo e apoio dos esposos. A poligamia causa uma desigualdade de direitos entre os esposos, pois o homem tem direitos plenos, exclusivos sobre a mulher, mas não a mulher sobre o homem. Além disso, ela afeta o verdadeiro amor humano e espiritual e causa discórdias e invejas entre as mulheres e os filhos.
Indissolubilidade significa que o laço persiste enquanto os esposos viverem e que não pode ser dissolvido por qualquer motivo. É exigida pelo fim primário, porque tanto o cuidado quanto a educação dos filhos requer a união permanente dos esposos. Mesmo se eles não tiverem filhos, a regra geral não é afetada por circunstâncias concretas (a lei não se funda sobre casos extraordinários)
De todo modo, o fim secundário do casamento ainda exige a indissolubilidade. O amor humano não é apenas um impulso sexual – o sexo é que faz parte do amor humano. Sem a indissolubilidade, há o risco de se tornar uma presa do egoísmo dos instintos, e da união familiar ser abandonada aos caprichos de nossos movimentos de prazer. A indissolubilidade defende o amor conjugal, pois o verdadeiro amor é necessário para o auxílio mútuo e a perfeição dos esposos.
A vida comum e o auxílio dos esposos requer esforço diário. Se a possibilidade do divórcio existe, há que se lembrar que ela tem um efeito ampliativo sobre os conflitos inevitáveis que surgem na vida comum.
Além disso, a dissolução de um casamento afeta os filhos moral e afetivamente, além de ser uma injustiça com o esposo, pois a promessa de entrega de si feita na cerimônia do casamento é esquecida em face das dificuldades.
Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX
Entre as virtudes sociais, isto é, aquelas que facilitam a vida dos homens na sociedade, Santo Tomás enumera a vindicta – que deveria ser traduzida como “punição justa” para evitar o sentido pejorativo que a palavra “vingança” tem. É uma virtude ligada à virtude cardeal da justiça, que consiste em punir o malfeitor pelo crime cometido.
Infelizmente, quando se trata de punir criminosos, o mundo moderno parece oscilar entre dois extremos: rigor desproporcionado e leniência exagerada. Portanto, é necessário esclarecer o que entendemos como “vingança”, punição justa.
Não há duvida de que restaurar a ordem perturbada por uma ação má é uma obra boa e virtuosa, exigida pela justiça em si e pela necessidade de manter a ordem social. Porém, em razão de nossa natureza decaída, quando se aplica uma punição, é muito fácil se deixar levar por motivos pecaminosos (raiva desordenada, ódio do criminoso, etc), o que faria a punição perder sua justiça, seu caráter virtuoso, tornando-a um verdadeiro pecado.
Santo Tomás explica:
A vingança se consuma infligindo ao que pecou, uma pena, como um mal. Logo, devemos levar em conta na vingança, o ânimo com que age quem a exerce. Se, pois, a sua intenção principalmente está no mal daquele de quem se vinga e nela se compraz, a vingança é absolutamente ilícita. Porque o nos comprazermos com o mal de outrem supõe o ódio, contrário à caridade, que nos manda amar a todos os homens. Nem pode escusar–se ninguém dizendo que quer o mal de quem injustamente lh'o fez, assim como não seria escusado quem odiasse ao que o odeia. Pois, não devemos pecar contra outrem por ter este pecado anteriormente contra nós, o que seria deixarmo–nos vencer do mal, procedimento proibido pelo Apóstolo, quando diz: Não te deixes vencer do mal, mas, vence o mal com o bem. – Mas, se a intenção de quem se vinga visa principalmente um bem, que obteria punindo o pecador – por exemplo, fazendo–o emendar–se ou pelo menos coibindo–o, dando paz aos outros, salvando a justiça e a honra de Deus – nesse caso a vingança pode ser lícita, uma vez observadas as circunstâncias devidas (Suma Teológica, II-II, q. 108, a. 1)
Com essas distinções, o verdadeiro significado e os perigos dessa virtude se tornam claros. Santo Tomás analisa algumas objeções que poderiam ser levantadas contra elas e, ao resolvê-las, aperfeiçoa a doutrina.
Alguns objetam que aquele que se vinga usurpa uma função exclusiva de Deus (Dt 32,35) cometendo, portanto, um pecado. Santo Tomás responde que quem exerce a vingança sobre os maus, no exercício dessa função – por exemplo, as autoridades seculares – não usurpa nada de Deus, mas usa o poder que Ele lhe deu (Rm 13, 4). Mas, se alguém se vinga fora da ordem estabelecida por Deus, usurpa o que é dado a Ele e, portanto, peca.
Outros, mais piedosos, objetam que aqueles que são bons devem tolerar os maus e suportar, com paciência, suas maldades. Santo Tomás pontua que deve ser assim em relação às injúrias feitas a si mesmo, mas não às injúrias a Deus ou o próximo. Porque, como São João Crisóstomo diz, “ser paciente com as injúrias de alguém é digno de louvor; mas ocultar as injúrias a Deus é uma impiedade.”
Na prática, raramente será conveniente que uma pessoa tente, por si mesma, punir o culpado (exceto ao repelir uma agressão injusta em legítima defesa), porque, sob o pretexto da justiça e da equidade, um amor próprio desordenado e, talvez, ódio do próximo estarão escondidos. Por isso que sempre é recomendado perdoar as injúrias dos outros ao invés de puni-los, exceto se a honra de Deus, o bem comum ou a emenda do próximo demandar que peçamos reparação da injúria.
(The Angelus, Set/21)
Os Padres da Igreja se fizeram essa pergunta por muito tempo: por que Deus escolheu encarnar-se, nascer de uma mulher? Cristo, o novo Adão, poderia, de fato, ter sido criado como um adulto, como o primeiro homem. Essa pergunta nos dá ocasião para meditar e contemplar o plano que Deus escolheu ao querer a Virgem Maria como sua mãe.
As razões são fáceis de descobrir. As profecias sobre o Messias anunciaram que Ele nasceria de uma mulher, bem como o protoevangelho (Gn 3,15), que anuncia a inimizade entre o Messias e Sua Mãe com a serpente, isto é, o demônio. Essas profecias deviam ser cumpridas.
O fato de que o poder divino seria melhor demonstrado se o Salvador nascesse de uma mulher é outra razão: Deus triunfa através de uma criatura, o que manifesta Seu soberano poder, capaz de usar instrumentos frágeis para as maiores obras.
Uma terceira razão é que, entre as criaturas, apenas uma mulher poderia se tornar a Mãe de Deus. A natureza humana permite ao Filho de Deus encontrar uma mulher, uma pessoa que Lhe dará aquela natureza que será oferecida em holocausto para a glória de Deus e a salvação da humanidade.
Os Padres e teólogos descobriram outras razões maravilhosas.
Uma razão muito importante é atestar a verdade da Encarnação. Muitos hereges, como os docetistas, alegaram que Jesus Cristo não era homem, que Ele apenas “atravessou” pela Virgem Maria. A afirmação da maternidade divina refuta essas fantasias.
Além disso, a natureza humana é corporal e espiritual e envolve o fato de que o corpo procede da maternidade: contrariamente às alegações dos hereges mencionados acima, possuir uma natureza verdadeiramente humana não diminui a dignidade do Verbo.
De modo semelhante, a vida familiar é parte da nossa natureza: toda criança nasce numa família. Não há imperfeições nessa situação. É apropriado, portanto, que o Verbo Encarnado assuma uma vida familiar.
Essa vida familiar gerou a oportunidade do Verbo Encarnado servir de modelo de piedade filial.
Santo Agostinho deu outra boa razão: a humanidade é honrada em um representante masculino, um homem que é Deus, e em um representante feminino, uma mulher revestida da dignidade de Mãe de Deus.
Outra boa razão diz respeito ao casamento místico da humanidade com o Verbo: o Fiat de Maria foi dado em nome de toda a humanidade.
Quanto à salvação da humanidade, o fato de que o Verbo Encarnado Se tornou homem, descendente de Adão de acordo com a carne, nascido de mulher, colocou-O em posição de mediador: Ele é aceito pelas duas partes que Ele conecta, Céu e terra, Deus e os homens.
Finalmente, para que a expiação do Messias possa ser aceita por Deus como advindo dos pecadores que O ofenderam, era necessário que Ele pudesse estar com os pecadores: é isso que Isaías e São Paulo dizem. Não que Ele seja um pecador, mas em razão de sua natureza humana e de sua origem em Adão.
É claro que todas essas razões não nos fornecem a resposta à questão indagada. Mas elas a explicam e ilustram, e permitem-nos adentrar os segredos de Deus sobre Seu Filho encarnado e Sua mãe.
Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX
A primeira e mais importante obrigação do dirigido é total sinceridade e transparência do coração, porque, sem isso, é completamente impossível que a direção produza frutos. O diretor precisa saber tudo: tentações, fraquezas, propósitos, boas e más inclinações, dificuldades e estímulos, triunfos e derrotas, esperanças e ilusões – tudo deve ser revelado com humildade e simplicidade. Alguns autores espirituais até recomendam que se revele a falta de confiança que se pode estar começando a ter em relação ao diretor.
É errado – e inútil para fins espirituais – revelar apenas coisas boas ou menos más, revelando nossas maiores misérias e pecados apenas a outro Padre. Sem sinceridade e abertura, seria melhor abandonar uma direção espiritual que, nesse caso, será pura e simples hipocrisia, enganação e desperdício de tempo.
Porém, não é necessário exagerar. Tudo que é importante para a vida espiritual deve ser revelado com total sinceridade ao diretor; mas seria um exagero evidente dar-lhe contas até dos menores detalhes da vida íntima da pessoa dirigida. Muitas coisas de menor importância podem e devem ser resolvidas pelo dirigido.
Ela também requer total docilidade e obediência ao diretor. Sem essa mansidão e obediência, a direção seria totalmente ineficaz e um desperdício de tempo. Embora seja verdade que o diretor não tem jurisdição sobre seu dirigido (como um superior religioso tem sobre seus inferiores), ele precisa de uma obediência nas matérias que dizem respeito à direção, sob pena de encerrar a direção ali mesmo. Como dirigidos, precisamos obedecer simplesmente, sem distinções, restrições ou usando nossas próprias interpretações.
Muito pior que desobediência seria manipular a direção, para que o diretor não pergunte mais do que nós queremos. São João da Cruz condena severamente esse abuso. Porém, não seria contrário à obediência manifestar nossas opiniões e até mesmo, respeitosamente, manifestar discordâncias, mas obedecer assim mesmo se o diretor insistir apesar delas.
Também devemos ser perseverantes. A direção está completamente esterilizada, praticamente anulada, se mudarmos frequentemente de diretor por razões fúteis ou inconsistentes; se passarmos longos períodos sem direção; se frequentemente mudamos exercícios, métodos e procedimentos de santificação; se nos deixamos levar pelo calor do momento ou por nossos caprichos na prática das regras recebidas pelo diretor; etc., etc.
Finalmente, o dirigido não pode esquecer que, se seu diretor está obrigado a manter o selo sacramental ou segredo natural, o dirigido também está obrigado a manter uma discrição especial em relação a seu diretor. Mais especificamente, o dirigido não deve revelar aos outros os conselhos, normas ou conselho particular recebido de seu diretor, mesmo para edificar o próximo. O conselho particular dado a certa alma e tendo em vista sua especial psicologia e temperamento pode não ser adequado a outras almas colocadas em circunstâncias diferentes ou dotadas de temperamento diferente. Infelizmente, muitos problemas, discórdias, invejas por parte das outras almas e mil outras inconveniências, às vezes, advêm da falta de discrição dos penitentes!
Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX
A Lei natural é, de acordo com Santo Tomás, nada mais que a participação da criatura racional na Lei eterna. Portanto, devemos começar pela noção de Lei eterna. Santo Tomás explica que ela é o plano da sabedoria divina por meio do qual Deus direciona todas as ações e movimentos das criaturas visando o bem comum de todo o universo.
A Lei natural é a mesma Lei eterna conhecida pelo homem através da razão natural.
Deus conhece e ordena, desde a eternidade, o que é conveniente e proporcionado à razão natural; e essa ordenação existente na mente divina é chamada de ou constitui a Lei eterna. Ao criar o homem, Deus imprimiu essa ordenação em sua própria natureza; portanto, simplesmente por ter nascido, todo homem está sujeito a essa Lei. Essa participação na Lei eterna, ou a ordem moral constituída por Deus, é a Lei natural objetivamente considerada.
Quando o homem atinge a idade da razão, conhece ao menos os princípios básicos da Lei natural (p.ex., deve-se praticar o bem e evitar o mal) como algo que tem obrigação de cumprir, e essa participação na Lei eterna é a Lei natural subjetivamente considerada.
A Lei natural recebe esse nome por duas razões. Primeiro, porque abrange apenas os preceitos que são deduzidos da própria natureza do homem. É por isso que ela obriga todos os homens sem exceção, e obrigaria da mesma maneira ainda que o homem não tivesse sido elevado por Deus à ordem sobrenatural. Segundo, porque pode ser conhecida diretamente pelas luzes da razão natural, sem necessidade de fé divina ou ensinamento humano.
Negada pelos ateístas, materialistas, panteístas etc, a existência da Lei natural é, porém, uma verdade inegável que pode ser provada mesmo pelas evidências.
Está dito claramente na Sagrada Escritura:
Com efeito, quando os gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei, a si mesmos servem de lei e mostram que o que a lei ordena está escrito nos seus corações, dando-lhes testemunho a sua própria consciência e os pensamentos de dentro que os acusam, se fizerem o mal, ou também os defendem, se fizerem o bem. Isto ver-se-á naquele dia em que Deus, segundo o meu Evangelho, há de julgar as coisas ocultas dos homens por meio de Jesus Cristo. (Rom 2, 14-16)
Além disso, o testemunho da própria consciência dita a todos os homens, de maneira clara e irresistível, que é necessário praticar o bem e evitar o mal; que há ações que são más em si mesmas (p.ex., matar um inocente), e outras que são boas ainda que não sejam ordenadas por nenhuma Lei humana (p.ex., honrar pai e mãe). Por essa razão, quando esses claros preceitos da Lei natural são violados, o homem sente arrependimento e vergonha; e, de modo contrário, seu fiel cumprimento o enche de alegria e paz.
Como responder a alguém que crê que sua alma eterna teve vidas passadas?
O primeiro ponto a ser estabelecido em qualquer resposta, sempre, é reconhecer o elemento de verdade na afirmação da outra pessoa. O elemento de verdade, aqui, é que a alma é “eterna”, não no mesmo sentido em que Deus é eterno, mas, usando uma expressão católica, no sentido de que ela é imortal, ou seja, de que ela não pode morrer ou deixar de existir de algum modo. Agora, essa alma que não pode morrer é sempre a mesma. Ela não pode ser uma alma diferente ou a alma de um ser diferente e, ainda assim, continuar sendo uma alma imortal.
Disso já podemos refutar a reencarnação, na qual a mesma alma passaria por vários níveis de existência, passando, por exemplo, por uma vida animal. Se tal fosse o caso, ela não seria a mesma alma, o mesmo indivíduo, idêntica a si mesma. Seria uma alma diferente, isto é, um princípio de vida diferente da que era. A razão disso é que a alma é o princípio da vida, e a mesma alma não pode ser o princípio de dois tipos diferentes de vida, animal e humana.
Essa pessoa, porém, parece estar dizendo que ela teve várias vidas humanas. A primeira e mais óbvia pergunta a se fazer a ele é que prove essa afirmação, algo que ele, obviamente, não tem como fazer. Qualquer memória que ele tenha poderia ser só a imaginação dele, e elas têm que ser provadas por algum referencial exterior para que essas afirmações possam ser levadas a sério.
Porém, o mesmo argumento filosófico pode ser usado contra a reencarnação. Se uma alma tivesse tido uma vida diferente, então ela seria uma alma diferente e um ser individual diferente do que ela é hoje. A alma não pode mudar sua matéria e tornar-se a forma de um corpo, e, após, de outro corpo; agora, de um ser, depois, de outro ser. Ela teria que ser uma alma individual diferente para tomar um corpo ou ser individual diferente. Portanto, não pode ser a mesma pessoa que tem vidas diferentes. A pessoa humana é composta de corpo e alma, de modo que, assim que você altera um, imediatamente você altera o outro.
Isso não pode ser negado por ninguém que reconheça que o homem tem um lado espiritual nele (suas faculdades do intelecto e da vontade), bem como um lado corporal. O corpo e a alma andam juntos, a alma dando forma ao corpo, e o corpo, por natureza, sendo o corpo dessa alma. Afirmar que os dois podem ser separados vai contra todos os indícios dos sentidos, que apontam para a unidade do homem, corpo e alma. Portanto é impossível afirmar que uma pessoa teve vidas corporais diferentes.
Pe. Peter Scott, FSSPX
É permitido a um homem casado servir no altar?
O serviço do altar no Santo Sacrifício da Missa tem tão elevada dignidade que a Igreja consagrou as várias funções do servidor do altar pelas ordens menores. O Hostiário recebe o poder de soar os sinos e de segurar os livros, o Exorcista recebe o poder de despejar água no Lavabo, e o Acólito recebe o poder de carregar as velas e de trazer água e vinho ao altar para o Santo Sacrifício da Missa. Em cada caso, a consagração do clérigo a Deus é simbolizada pelos movimentos exteriores que ele pratica no altar, de modo que o Hostiário dê bom exemplo aos fiéis através de sua vida, para que os chame à oração; o Exorcista dê o exemplo de pureza de alma, e o Acólito dê o exemplo de luz de bondade, justiça e verdade para iluminar os fiéis e a Igreja de Deus, e também de espírito de sacrifício através de uma vida casta e boas obras (cf. Pontificale, Cerimônias da Ordenação)
A adequação do serviço do altar por um clérigo está diretamente relacionada com a sacralidade de sua função, que requer um homem consagrado a Deus. Além disso, é uma função pública, razão pela qual, como São Tomás assevera, “ele assume o papel de todo o povo católico, em cujo lugar ele responde as orações do Padre, que se dirige a ele na forma plural” (III, q. 83, a. 5 ad 12). Consequentemente, é eminentemente adequado que essa função seja desempenhada por um clérigo tonsurado, o qual se tenha, publicamente, revestido “do novo homem, que foi criado de acordo com Deus em justiça e em santidade na verdade” (ibid.), e isso ainda que não haja fiéis presentes.
Portanto, se um clérigo tonsurado estiver presente, ele deve fazer o serviço do altar. Porém, raramente esse é o caso, e, ainda assim, a Igreja requer que haja um servidor do altar. Em sua encíclica de 1947 sobre a Sagrada Liturgia, o Papa Pio XII ensina isso claramente: “É nosso dever e mandamento – assim como mandamento da Santa Madre Igreja – que, por reverência pela dignidade desse augusto sacrifício, nenhum Padre deve se dirigir ao altar sem um servidor que assista e responda na Missa de acordo com a prescrição do Cânone 813” (Mediator Dei, §97). Esse Cânone afirma, em efeito, que o Padre não deve celebrar sem um servidor (ministro) que o sirva e responda às orações, e, além disso, esse servidor não pode ser uma mulher, exceto no caso de ausência de homem e na presença de justa causa, hipótese em que ela poderá responder às orações à distância e, de maneira alguma, aproximar-se do altar. Nesse caso, é claro, ela não é um servidor do altar. A razão para excluir as mulheres deriva do que se disse acima sobre a natureza pública e litúrgica da função do serviço do altar, que envolve uma espécie de liderança espiritual do povo católico.
Em seu comentário sobre a presente questão, o Pe. O’Connell diz: “Apesar dele [o servidor] dever ser um clérigo, na prática, servidores que não sejam clérigos são permitidos” (The Celebration of Mass, p. 365). Isso é confirmado pela sessão no Missal que enumera os defeitos que podem ocorrer durante a celebração: “se nenhum clérigo ou outra pessoa que possa servir estiver presente, ou se a pessoa presente é alguém que não pode servir, como uma mulher” (X, 1). Isso claramente significa que um homem não-clérigo pode servir e que isso não é um defeito; portanto trata-se de um costume universal.
Se os garotos, frequentemente, são usados no serviço do altar, é porque eles são todos vocações em potencial, presume-se que sejam castos e virtuosos e têm, ao menos, a possibilidade de tornarem-se clérigos no futuro, se assim for a vontade de Deus. A função, certamente, dá aos garotos uma grande oportunidade de desenvolver seu amor às belas cerimônias da Igreja, sua sacralidade e simbolismo, e, assim, eles vão se acostumar a prestar atenção aos detalhes, como os clérigos.
Porém isso não significa que um homem casado esteja, de algum modo, excluído do serviço. A questão chave, aqui, é lembrar que se trata de uma função pública, com um papel de liderança espiritual no que diz respeito aos fiéis na Missa. Consequentemente, é necessário que esse homem seja casto de acordo com seu estado de vida (castidade marital é uma virtude) e que ele seja um exemplo de virtude e que ele viva, ao menos, sua consagração a Deus realizada em seu batismo. Na verdade, seria muito mais adequado que um homem casado em estado de graça servisse do que um homem solteiro ou um garoto que não possa comungar por não estar em estado de graça, ou cujas vida e obras sejam causa de escândalo. Em cada caso, ele não pode esquecer que ele está cumprindo o papel de uma alma consagrada à elevada honra e glória do Deus Todo-Poderoso. A condição importante, porém, é que o homem casado não seja desleixado nas cerimônias, movimentos e respostas em Latim, e que ele preste tanta atenção a desempenhar essas funções quanto um clérigo prestaria, ou como um garoto que as está aprendendo pela primeira vez.
Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX
O termo “liturgia” vem do grego leitourgia (λειτος, relativo ao povo, e εργον, obra), indicando um serviço realizado pelo bem comum. Na Grécia Antiga, a palavra designava qualquer serviço prestado à comunidade a custo pessoal, ou, ao menos, sem remuneração. Quando as Escrituras hebraicas foram traduzidas para o grego na Antiguidade, o termo foi usado para designar, também, o culto de Deus (cf. Ex 29, 30, 2Cr 13,10) e, com esse significado, ele adentrou o uso cristão.
Na encíclica Mediator Dei, Pio XII nos deu a definição real: “A Sagrada Liturgia é o culto público que Nosso Redentor, como Cabeça da Igreja, presta ao Pai, bem como o culto que a comunidade dos fiéis presta a seu Fundador e, através d´Ele, ao Pai Celestial”. Essa é uma definição precisa e exaustiva.
Culto é o reconhecimento da excelência suprema de Deus e a expressão da submissão do homem ao Seu domínio absoluto. Enquanto tal, é um ato da virtude da religião, que inclina o homem a dar a Deus a honra e a adoração devidas a Ele enquanto Criador e Governante supremo, bem como fim último de todas as coisas.
Público não se refere ao número de fiéis que vão aos serviços divinos ou à qualidade exterior desses atos, mas ao fato de que o que é dito ou feito representa e afeta todo o corpo dos fiéis, mesmo quando nenhum deles está fisicamente presente.
Nem todos os atos de culto são litúrgicos no sentido estrito, mas apenas aqueles realizados em nome de Cristo e da Igreja. Eles constituem a piedade da Igreja, compreendida nos livros litúrgicos eclesiásticos.
Ações litúrgicas são distintas das devoções não litúrgicas, desenvolvidas em razão das necessidades espirituais dos fiéis e com a permissão da Igreja. A Igreja nunca se opôs a essas devoções, chegando até a apropriar-se delas ao dar-lhes aprovação (p.ex., o terço, as estações da Cruz, etc), mas elas não podem prevalecer contra a Liturgia ou tomar o lugar dela. De qualquer modo, não há nenhuma oposição entre piedade litúrgica e piedade pessoal: práticas devocionais que não estejam diretamente ligadas à Liturgia são altamente louváveis e absolutamente indispensáveis.
Cristo é o principal ministro do culto do Novo Testamento, o Eterno Sumo Sacerdote da nova aliança. Através da Liturgia e como principal ministro, Cristo não apenas rende a honra devida a Deus, mas, ao mesmo tempo e precisamente porque Ele é o Cabeça da Igreja, Ele dá e sustenta a vida sobrenatural nos membros do seu Corpo Místico. Portanto, Cristo está presente em todas as ações litúrgicas, e a obra de redenção é continuada na Liturgia.
Os ritos sagrados têm um fim duplo: dar a honra devida a Deus e a santificação dos homens. A razão última por que a Liturgia santifica os homens é que, através dela, os fiéis entram em contato com o mistério da salvação, que é o mistério de Cristo. O ato pelo qual Ele redimiu o mundo – Sua paixão, morte, ressurreição e ascensão – é tornado presente e operativo nos ritos sagrados da Liturgia, que não é nada além do sacerdócio de Cristo em ação.
A comunidade dos fiéis dá culto público a Deus. O fundamento teológico dessa asserção é o dogma do Corpo Místico de Cristo. O Cabeça desse Corpo é o Sumo Sacerdote e Vítima, Que dá ao Pai Eterno adoração, graças, expiação e impetração e, ao mesmo tempo, santifica e consagra os membros do Corpo e do universo inteiro. A glória de Cristo, agora consumada à mão direita do Pai, reflete-se nos membros individuais.
Com todos os membros sendo governados pela mesma Cabeça, os fiéis não estão sozinhos em sua peregrinação rumo ao reino do céu, mas constituem parte do Corpo, associados naquela sociedade sobrenatural que inclui os vivos e os mortos e cuja cabeça é Cristo.
Apenas a Igreja Católica pode render culto legítimo ao Pai Eterno. Para estar apta a tal, ela recebeu do Filho Encarnado a Missa, a representação do Sacrifício da Cruz, e os Sacramentos, as sete fontes de salvação, que a Igreja, com zelo maternal, adornou com o Ofício Divino e outras devoções.
(The Angelus, Maio 2021)
Pe. Nicholas Maria, C.SS.R.
Por que a Fraternidade Sacerdotal São Pio X continua usando a liturgia reformada de 1962? Por que ela não retorna às práticas mais tradicionais dos Papas São Pio V ou São Pio X?
Uma tradição litúrgica (neste caso, a do rito romano) é como uma planta ou árvore viva; ela cresce, desenvolve-se, é podada, adaptada, reformada e revigorada. O problema da revolução litúrgica após o Vaticano II é que ela tentou cortar as raízes e destruir a planta e substitui-la por algo totalmente estranho à fé católica, o Novus Ordo Missae de Paulo VI, que “representa, tanto no conjunto quanto nos detalhes, um afastamento impressionante da Teologia católica da Missa” .
Ao manter-se fiel à última reforma claramente ortodoxa do rito romano antes dessa revolução, Dom Lefebvre não adentrou um debate especulativo (permitido, porém inconsequente) entre liturgistas quanto aos méritos de um Missal tradicional sobre o outro. Em vez, ele se considerava vinculado – talvez com alguma inconveniência – àquilo que a autoridade legítima havia realizado e que não era manifestamente pecaminoso:
“O princípio básico do pensamento e da ação da Fraternidade na dolorosa crise que a Igreja atravessa é o princípio ensinado por São Tomás de Aquino na Suma Teológica (II, II, q. 33, a.4): que ninguém pode se opor à autoridade da Igreja, exceto em caso de iminente perigo à fé. Ora, não há perigo à fé na liturgia dos Papas Pio XII e João XXIII, enquanto há um grande perigo à fé na liturgia do Papa Paulo VI, que é inaceitável”
E, novamente, ele escreveu em 1988:
“Desde sua fundação, a Fraternidade usa a edição de 1962 dos livros litúrgicos, pois eu os aceitei desde o momento em que surgiram em 1962, e porque a Fraternidade foi fundada em 1969 e aprovada em 1970. Essa nova edição não era nenhum novo Ordo Missae, mas uma nova edição do Ordo de São Pio V e de São Pio X com mudanças insignificantes. O calendário passou por uma mudança mais considerável na época, algumas das quais são, sem dúvidas, mais felizes, e outras, porém, controversas. Para que a uniformidade prevaleça na Fraternidade, porém, decidimos usar a edição de 1962, bem como seu calendário, pois consideramos as vantagens maiores que as desvantagens. [...] Cremos, com razão, que a edição de 1962 do Ordo Missae corresponde integralmente ao Ordo de São Pio V e de São Pio X. A pretensão de enxergar diferenças essenciais entre a edição de 1962 e o Ordo de São Pio V e de São Pio X manifesta uma mentalidade formalista e jansenista.”